Acessibilidade / Reportar erro

Tempo de ativação muscular em portadoras de disfunção temporomandibular durante a mastigação

Resumos

Objetivo

Comparar, entre portadoras de disfunção temporomandibular (DTM) e controles, o tempo de ativação do músculo masseter e do músculo temporal anterior, em diferentes faixas de amplitude eletromiográfica de superfície, durante a mastigação.

Métodos

Foram avaliadas 22 voluntárias, com idades entre 18 e 48 anos, divididas em Grupo DTM (n=14) do tipo “Ia”, de acordo com o Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TDM) e Grupo Controle (n=8), assintomáticas. Foram registrados, por meio de eletromiografia de superfície, a amplitude e o tempo de ativação dos músculos masseter e temporal anterior, durante mastigação bilateral de Parafilm M® por dez segundos. Os sinais eletromiográficos foram categorizados em três faixas percentuais, 0-39%, 40-74% e 75-100%, relativas ao valor médio de amplitude de três contrações máximas de apertamento dentário. As porcentagens dos tempos totais de ativação (duty factor), em cada uma das faixas de amplitude, foram comparadas entre os grupos pelo teste t-Student, para dados não pareados.

Resultados

Não houve diferenças significativas do duty factor na comparação entre os grupos controle e DTM.

Conclusão

A variável eletromiográfica testada não se mostrou útil como ferramenta diagnóstica na prática clínica, o que será possível apenas quando em conjunto com a história clínica e exame físico do indivíduo.

Eletromiografia; Músculos mastigatórios; Síndrome da Disfunção da Articulação Temporomandibular; Mastigação; Contração muscular


Purpose

This study aimed to compare the time of masseter and anterior temporal muscle activations, in different ranges of surface electromyographic amplitude, between controls and individuals with temporomandibular disorders (TMDs) during mastication.

Methods

Twenty-two female patients, aged 18-48 years, were divided into the TMD group (n=14; TMD type Ia, according to the Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders) and the control group (n=8; non-diagnosed and asymptomatic individuals). Time and surface electromyography (SEMG) amplitudes from the anterior temporal and masseter muscles were registered during bilateral chewing of Parafilm M® for 10 s. SEMG amplitudes were categorized as 0-39%, 40-74%, and 75-100% of the mean of three maximal clenchings. The percentages of total activation times (duty factor) in each range of SEMG amplitudes were compared between groups using an unpaired Student’s t-test.

Results:

There were no differences in duty factor comparisons between groups.

Conclusion:

The activation time of the masticatory muscles was not found to be shorter in the TMD patients than in the controls. Finally, the application of the electromyographic variable proposed in this study may not be considered useful to diagnose type Ia TMD in clinical practice. However, its application may be complementary to the history and physical examination of these patients.

Electromyography; Masticatory muscles; Temporomandibular Joint Dysfunction Syndrome; Mastication; Muscle contraction


INTRODUÇÃO

As disfunções temporomandibulares (DTMs) abrangem um grupo de condições musculoesqueléticas e neuromusculares que envolvem as articulações temporomandibulares (ATM), os músculos mastigatórios e todos os tecidos associados(1 Greene CS, Klasser GD, Epstein JB. Revision of the American Association of Dental Research’s Science Information Statement about temporomandibular disorders. J Can Dent Assoc. 2010;76:a115.). A causa das DTMs é complexa, multifatorial e está relacionada a fatores predisponentes, desencadeantes e perpetuantes, como a condição oclusal, trauma, estresse emocional, fontes de estímulo de dor profunda e atividades parafuncionais(2 Okeson JP. Tratamento das desordens temporomandibulares e oclusão. 6a ed. São Paulo: Elsevier; 2008.).

Os sinais e sintomas associados a esses transtornos são diversos e podem incluir dificuldades na mastigação, na fala e em outras funções orofaciais(1 Greene CS, Klasser GD, Epstein JB. Revision of the American Association of Dental Research’s Science Information Statement about temporomandibular disorders. J Can Dent Assoc. 2010;76:a115.). Entre as manifestações mais comuns, estão também dor aguda ou persistente, sensibilidade nos músculos mastigatórios, nas ATMs e nas estruturas adjacentes, limitações ou desvios dos movimentos mandibulares e ruídos articulares(3 Dworkin SF, LeResche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomandib Disord. 1992;6(4):301-55.

Pedroni CR, Oliveira AS, Guarantini MI. Prevalence study of signs and symptoms of temporomandibular disorders in university students. J Oral Rehabil. 2003;30(3):283-9. http://dx.doi.org/10.1046/j.1365-2842.2003.01010.x
https://doi.org/10.1046/j.1365-2842.2003...
-5 Nassif NJ, Al-Salleeh F, Al-Admawi M. The prevalence and treatment needs of symptoms and signs of temporomandibular disorders among young adult males. J Oral Rehabil. 2003;30(9):944-50. http://dx.doi.org/10.1046/j.1365-2842.2003.01143.x
https://doi.org/10.1046/j.1365-2842.2003...
). As formas crônicas das DTMs podem levar à abstenção no trabalho e ausência de interação social, resultando em redução geral na qualidade de vida(1 Greene CS, Klasser GD, Epstein JB. Revision of the American Association of Dental Research’s Science Information Statement about temporomandibular disorders. J Can Dent Assoc. 2010;76:a115.).

Muitos estudos foram realizados com eletromiografia de superfície (EMGS) na avaliação dos músculos mastigatórios(6 Wang MQ, He JJ, Zhang JH, Wang K, Svensson P, Widmalm SE. SEMG activity of jaw-closing muscles during biting with different unilateral occlusal supports. J Oral Rehabil. 2010;37(9):719-25. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2842.2010.02104.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2842.2010...

Pedroni CR, Borini CB, Berzin F. Electromyographic examination in temporamandibular disorders: evaluation protocol. Braz J Oral Sci. 2004;3(10):526-32.
-8 Nascimento GKBO, Cunha DA, Lima LM, Moraes KJR, Pernambuco LA, Régis RMFL, Silva HJ. Eletromiografia de superfície do músculo masseter durante a mastigação: uma revisão sistemática. Rev CEFAC. 2012;14(4):725-73. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462012005000042
https://doi.org/10.1590/S1516-1846201200...
) e esse método é capaz de demonstrar as funções e disfunções desses músculos(9 Felício CM, Sidequersky FV, Tartaglia GM, Sforza C. Electromyographic standardized indices in healthy Brazilian young adults and data reproducibility. J Oral Rehabil. 2009; 36(8):577-83. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2842.2009.01970.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2842.2009...
). No entanto, a utilidade da EMGS ainda é controversa, principalmente quando relacionada ao diagnóstico das desordens temporomandibulares(1010  Klasser GD, Okeson JP. The clinical usefulness of surface electromyography in the diagnosis and treatment of temporomandibular disorders. J Am Dent Assoc. 2006;137(6):763-71. http://dx.doi.org/10.14219/jada.archive.2006.0288
https://doi.org/10.14219/jada.archive.20...
). Acredita-se que, se utilizada de acordo com as recomendações específicas e em conjunto com história clínica e exame físico bem conduzidos, a EMGS gera dados objetivos documentáveis, válidos e reprodutíveis sobre a condição funcional dos músculos mastigatórios de um indivíduo(1111  Hugger S, Schindler HJ, Kordass B, Hugger A. Clinical relevance of surface EMG of the masticatory muscles. (Part 1): Resting activity, maximal and submaximal voluntary contraction, symmetry of EMG activity. Int J Comput Dent. 2012; 15(4):297-314.). Além disso, a EMGS é uma técnica de avaliação não invasiva, de baixo custo e fácil utilização(1212  Cecílio FA, Regalo SCH, Palinkas M, Issa JPM, Siéssere S, Hallak JEC, et al. Ageing and surface EMG activity patterns of masticatory muscles. J Oral Rehabil. 2010;37(4):248-55. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2842.2010.02051.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2842.2010...
).

O desempenho, durante a mastigação habitual, depende da associação de vários fatores, como oclusão, força máxima de mordida e cinemática dos ciclos de mastigação(1313  Lepley CR, Throckmorton GS, Ceen RF, Buschang PH. Relative contributions of occlusion, maximum bite force, and chewing cycle kinematics to masticatory performance. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2011;139(5):606-13. http://dx.doi.org/10.1016/j.ajodo.2009.07.025
https://doi.org/10.1016/j.ajodo.2009.07....
). A maioria das pesquisas com EMGS na musculatura mastigatória está relacionada à ativação neuromuscular durante o repouso ou apertamento máximo(1414  Gonzalez Y, Iwasaki LR, McCall Jr WD, Ohrbach R, Lozier E, Nickel JC. Reliability of electromyographic activity vs. bite-force from human masticatory muscles. Eur J Oral Sci. 2011;119(3):219-24. http://dx.doi.org/ 10.1111/j.1600-0722.2011.00823.x
https://doi.org/10.1111/j.1600-0722.2011...
). No entanto, compreender a influência da DTM durante a mastigação habitual do indivíduo é essencial, principalmente por sua influência na qualidade de vida. Dessa forma, o estudo do comportamento elétrico durante a mastigação, como, por exemplo, o tempo de ativação em diferentes faixas de amplitude, poderá trazer mais informações sobre o controle motor de indivíduos com DTM.

Para analisar a diferença do tempo de ativação muscular entre os grupos foi utilizada a comparação do tempo de trabalho durante a mastigação bilateral simultânea, uma variável ainda pouco explorada na literatura. O tempo de trabalho, ou duty factor, é descrito como a duração da atividade muscular acima ou abaixo de um limiar pré-estabelecido pelo tempo total de registro eletromiográfico(1515  Nickel J, Gonzales Y, Iwasaki LR, Liu H, Mccall WD, Ohrbach R, et al. A pilot study of masticatory muscle duty factors in humans [abstract]. In: Proceedings of International Association for Dental Research Conference; 16-19 mar 2011; San Diego, CA. [lugar, editor e data desconhecidos]. Abstract 298.).

Comparando com indivíduos saudáveis, aqueles com DTM mostram menor estabilidade e menor regularidade nos ciclos de mastigação(1616  Mongini F, Tempia-Valenta G. A graphic and statistical analysis of the chewing movements in function and dysfunction. J Craniomandibular Pract. 1984;2(2):125-34.,1717  Nickel J, Gonzalez Y, McCall WD, Ohrbach R, Marx DB, Liu H, Iwasaki LR. Muscle organization in individuals with and without pain and joint dysfunction. J Dent Res. 2012;91(6):568-73. http://dx.doi.org/10.1177/0022034512445909
https://doi.org/10.1177/0022034512445909...
). Estudos prévios demonstraram que a dor orofacial em indivíduos com DTMs está associada com movimentações articulares de menor amplitude e mais lentas(1818  Murray GM, Peck CC. Orofacial pain and jaw muscle activity: a new model. J. Orofacial Pain. 2007;21(4):263-78.,1919  Suvinen TI, Kemppainen P. Review of clinical EMG studies related to muscle and occlusal factors in healthy and TMD subjects. J Oral Rehabil. 2007;34(9):631-44. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2842.2007.01769.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2842.2007...
). Os fatores psicológicos, manifestados muitas vezes pela depressão ou estresse, também influenciam a associação entre a dor e a atividade motora, provavelmente como um fator protetor desenvolvido pelo indivíduo(2020  Brandini DA, Benson J, Nicholas MK, Murray GM, Peck CC. Chewing in temporomandibular disorders patients: an exploratory study of an association with some psychological variables. J Orofac Pain 2011;25(1):56-67.). Dessa forma, espera-se distinguir o padrão eletromiográfico entre os grupos, encontrando menor tempo de ativação muscular em indivíduos com DTM. Essa pode ser a chave para a utilização da EMGS como ferramenta diagnóstica na prática clínica.

Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar o tempo de ativação dos músculos masseteres e temporais anteriores, durante a mastigação de pacientes com DTM, por meio do parâmetro tempo de trabalho ou duty factor, em diferentes faixas de amplitude, relativas ao esforço muscular máximo.

MÉTODOS

A amostra do estudo foi composta por 22 indivíduos do gênero feminino, com faixa etária de 18 a 48 anos de idade. Foram distribuídas em dois grupos, Grupo DTM e Grupo Controle. O primeiro com média de idade (desvio padrão) de 28,5 anos (8,6) e o segundo com 24,7 anos (3,5).

A seleção das voluntárias foi realizada por meio de contato por telefone, quando respondiam a perguntas sobre a intensidade, duração e localização da dor, utilização de aparelhos e ausência de dentes, além de informar sua disponibilidade de horário. Em seguida, foram divididas entre os grupos DTM e Controle, mediante a aplicação do Eixo 1 do Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD), proposto por Dworkin e LeResche(7 Pedroni CR, Borini CB, Berzin F. Electromyographic examination in temporamandibular disorders: evaluation protocol. Braz J Oral Sci. 2004;3(10):526-32.). O exame clínico do RDC/TMD, devidamente ajustado, foi realizado por um examinador treinado e seguindo as orientações de Dworkin e LeResche(7 Pedroni CR, Borini CB, Berzin F. Electromyographic examination in temporamandibular disorders: evaluation protocol. Braz J Oral Sci. 2004;3(10):526-32.) para a aplicação.

No Grupo Controle, foram incluídos sujeitos sem sinais e sintomas de DTM, de acordo com o Eixo 1 do RDC/TMD(7 Pedroni CR, Borini CB, Berzin F. Electromyographic examination in temporamandibular disorders: evaluation protocol. Braz J Oral Sci. 2004;3(10):526-32.), que não faziam uso de medicamentos miorrelaxantes ou antidepressivos e que não apresentavam outras comorbidades, como dor de cabeça ou dor na região cervical. O Grupo Controle excluiu qualquer pessoa com bruxismo ou diagnóstico de DTM, pelo RDC/TMD.

No Grupo DTM, foram incluídos os sujeitos com classificação diagnóstica no grupo “Ia” do RDC/TMD, isto é, dor miofascial sem limitação da abertura bucal. Foram excluídos desta pesquisa indivíduos com falha dentária, uso de aparelho, próteses fixas ou removíveis, com história de trauma na face e luxação ou trauma nas ATMs. Além disso, foram critérios de exclusão para ambos os grupos, mulheres gestantes, sujeitos com distúrbios neurológicos centrais e/ou periféricos, com histórico de tumores e de cirurgia na região da face e pescoço, com participação em qualquer tipo de tratamento fonoaudiológico, odontológico ou fisioterapêutico, que estivessem utilizando medicamentos miorrelaxantes ou antidepressivos, ou apresentando dores em outras regiões do corpo.

Vinte e cinco mulheres que se enquadraram nos critérios foram convidadas a comparecer ao Laboratório de Análise da Postura e do Movimento Humano – (LAPOMH), na Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (USP), para avaliação dos critérios de inclusão e exclusão na amostra e coleta de dados. Foram excluídas três pacientes, após aplicação do questionário diagnóstico RDC/TMD, pois se enquadravam em dois grupos diagnósticos distintos e não apenas no grupo “Ia” (dor miofascial).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), processo n° 12978/2011, de acordo com a resolução 196/96 CNS/MS. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Procedimentos

A coleta de dados consistiu de avaliação eletromiográfica de superfície, seguindo padronização proposta pelo projeto Surface ElectroMyoGraphy for the Non-Invasive Assessment of Muscles (SENIAM), que permite intercâmbio de dados e garante a validade e confiabilidade do estudo(2121  Hermes HJ, Freriks B, Disselhorst-Klug C, Rau G. Development of recommendations for SEMG sensors and sensor placement procedures. J Electromyogr Kinesiol. 2000;10(5):361-74.).

Os sinais mioelétricos foram captados através de eletrodos de superfície ativos simples, diferenciais, de prata pura (Ag), da EMG System Brasil® (São José dos Campos, Brasil). Também foi utilizado um eletrodo de referência de aço inox (Bio-Logic Systems® Corp), localizado na região do manúbrio esternal, com a função de diminuir o efeito de interferências eletromagnéticas e outros ruídos de aquisição do sinal eletromiográfico.

Os eletrodos foram posicionados na pele das voluntárias, depois de limpa com algodão embebido em álcool 70%, paralelos, em direção das fibras musculares, com as barras de prata perpendiculares a essas fibras, para maximizar a captação e minimizar a interferência de ruídos (Figura 1).

Figura 1
Posicionamento de dinamômetro e eletrodos em coleta de força de mordida

De acordo com a literatura, a variável “tempo de trabalho”, ou duty factor, é descrita como a porcentagem do tempo total de registros eletromiográficos, em que a ativação muscular esteve acima ou abaixo de um limiar pré-estabelecido, a partir da atividade eletromiográfica relativa a um determinado nível de força de mordida(1515  Nickel J, Gonzales Y, Iwasaki LR, Liu H, Mccall WD, Ohrbach R, et al. A pilot study of masticatory muscle duty factors in humans [abstract]. In: Proceedings of International Association for Dental Research Conference; 16-19 mar 2011; San Diego, CA. [lugar, editor e data desconhecidos]. Abstract 298.). Desse modo, justifica-se a utilização de um instrumento que pré-estabeleça a força de mordida.

O instrumento utilizado para avaliar a força da mordida foi o dinamômetro digital, modelo IDDK (Kratos®, Cotia-SP, Brasil), com capacidade de até 100 Kgf. O dinamômetro foi posicionado nos primeiros molares, a fim de obter-se a maior força de mordida. Foram coletadas três repetições de contração voluntária máxima, em posição de máxima intercuspidação dentária, concomitantemente à eletromiografia de superfície, com descanso de dois minutos entre cada repetição. O pico de força de cada coleta foi monitorado no visor digital do dinamômetro, para garantir a consistência do esforço nas três contrações. Coletou-se o sinal eletromiográfico de superfície dos músculos masseter e temporal anterior, durante as repetições, utilizando-se o equipamento Myosystem Br-1P84 (Datahominis®, Uberlândia-MG, Brasil). Ao final, considerou-se a média dos três valores de amplitude eletromiográfica, para realizar a normalização dos dados.

A mastigação padronizada foi coletada com as voluntárias sentadas em uma cadeira, com as costas apoiadas no encosto, olhos abertos, pés no solo e braços apoiados sobre os membros inferiores. Obteve-se o registro da mastigação bilateral durante contrações, nas quais a voluntária era orientada a mastigar o material Parafilm M® (Pechinery Plastic Packaging, EUA) colocado entre os dentes pré-molares, primeiro e segundo molar inferior e superior, bilateralmente e concomitantemente, por um período de dez segundos. Foi utilizada uma folha do Parafilm M® de cada lado, dobrada duas vezes. As voluntárias realizaram a elevação da mandíbula no mesmo ritmo determinado pelo som de um metrônomo ajustado em 80 batimentos por minuto (b.p.m.), através do comando verbal: “Morde, Morde, Morde...” (2222  Farella M, Bakke M, Michelotti A, Martin R. Effects of prolonged gum chewing on pain and fatigue in human jaw muscles. Eur J Oral Sci. 2001;109(2):81-5. http://dx.doi.org/10.1034/j.1600-0722.2001.00991.x
https://doi.org/10.1034/j.1600-0722.2001...
).

A análise dos dados foi realizada no sinal eletromiográfico de superfície coletado, considerando cinco ciclos mastigatórios para cada músculo (temporal anterior esquerdo, temporal anterior direito, masseter direito e masseter esquerdo) de todas as voluntárias. A duração média de cada ciclo foi de, aproximadamente, 0,3 segundos e a duração de cada um foi normalizada de 0-100%.

O valor médio de RMS da contração máxima, obtido, inicialmente, junto com a realização da prova de força muscular, foi utilizado como referência para normalização dos valores de amplitude de cada ciclo mastigatório. A amplitude do sinal eletromiográfico foi categorizada em faixas de ativação pré-determinadas(2323  Soderberg GL, Knutson LM. A guide for use and interpretation of kinesiologic electromyographic data. Phys Ther. 2000;80(5):485-98.), sendo que os valores foram considerados mínimos, quando entre 0 e 39,9% da amplitude do máximo apertamento; moderados, de 40 a 74,9%, ou acentuados entre 75 e 100%.

A partir da normalização da amplitude, a quantidade de tempo de ativação em cada uma das faixas acima citadas foi somada, para representar a estratégia do controle motor de cada ciclo mastigatório.

A estatística descritiva foi realizada com base nos valores médios e desvios padrões do duty factor. Foi considerado o tempo de trabalho de 15 ciclos mastigatórios (cinco ciclos de três repetições) para cada voluntário. As comparações realizadas consideraram a análise intergrupos (DTM versus. Controle) dos níveis de ativação de cada músculo. O teste estatístico para comparação intergrupos foi o teste t-Student para dados não pareados, determinado após a verificação de normalidade de distribuição dos dados pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Foi utilizado o nível de significância de p<0,05.

RESULTADOS

A comparação da força de mordida e das porcentagens de tempo de ativação muscular nas diferentes faixas de ativação eletromiográfica, entre os grupos avaliados, não evidenciou diferenças significativas (p>0,05).

O valor médio da força de mordida para o Grupo DTM foi de 38,03 Kg/f, enquanto para o Grupo Controle foi de 42,93 Kg/f.

Observou-se que, para todos os músculos, houve predominância de tempo de ativação na faixa de 0-39%, o que sugere mais tempo de contração na faixa classificada como mínima ativação, tanto para o Grupo com DTM, como para o Grupo Controle.

Os resultados revelaram, ainda, um padrão semelhante entre os grupos, em relação à distribuição dos valores normalizados na faixa de máxima porcentagem de tempo de ativação, ou seja, todos os músculos apresentaram períodos menores de tempo de ativação, entre 75-100%, característicos de uma contração concêntrica.

As médias e desvios padrão e a comparação entre grupos, em cada faixa de porcentagem de tempo de ativação muscular, encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1
Diferenças das médias e desvios padrão (DP) do tempo de ativação muscular

DISCUSSÃO

Evidências disponíveis na literatura demonstram que as disfunções temporomandibulares artrogênicas e miogênicas geram grande influência na atividade dos músculos durante a mastigação, resultando na diminuição do nível de ativação(1919  Suvinen TI, Kemppainen P. Review of clinical EMG studies related to muscle and occlusal factors in healthy and TMD subjects. J Oral Rehabil. 2007;34(9):631-44. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2842.2007.01769.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2842.2007...
). O pequeno aumento verificado no tempo de ativação eletromiográfica de superfície do Grupo Controle, apesar de não ser significativa, pode indicar uma provável diferença de estratégia de controle motor das unidades motoras, em comparação com o grupo com DTM “Ia”. Essa diferença, identificável com o uso da ferramenta duty factor, pode estar relacionada aos sintomas e alterações da função mastigatória causados pela DTM e deve ser investigada, futuramente, quanto ao seu potencial para diferenciar grupos de diagnóstico, visto que não se conhece seus parâmetros para portadores de artralgias isoladas, por exemplo.

Os resultados encontrados neste trabalho não podem ser comparados diretamente com referências anteriores, pelo fato de ser o primeiro a utilizar o tempo de trabalho, ou duty factor, em indivíduos portadores de DTM de origem muscular.

Um estudo avaliou(1515  Nickel J, Gonzales Y, Iwasaki LR, Liu H, Mccall WD, Ohrbach R, et al. A pilot study of masticatory muscle duty factors in humans [abstract]. In: Proceedings of International Association for Dental Research Conference; 16-19 mar 2011; San Diego, CA. [lugar, editor e data desconhecidos]. Abstract 298.) a variável duty factor em 11 indivíduos com bruxismo, separados em três grupos: um grupo com deslocamento de disco e com dor, um grupo com deslocamento de disco e sem dor e outro grupo sem nenhuma alteração. Foi analisada, por três dias consecutivos, a atividade elétrica dos músculos masseter e temporal, durante estado de vigília e sono, usando gravadores portáteis de EMGS.

O EMGS foi calibrado para gravar toda a atividade muscular acima do limiar, pré-determinada pelo autor, de 20 N de força de mordida. O duty factor para a atividade muscular acima de 20 N em indivíduos com dor e deslocamento de disco, variou de 8,5% a 13% e para atividades musculares sustentadas (acima de 15 s) foi obtida a média de duty factor de 9,4%. Porém, nenhum resultado significativo foi observado, devido ao fato de os grupos não possuírem sete pessoas cada, número que a power analysis (α=0.05, β=0,80) indicou como necessário para cada grupo de diagnóstico para aplicação da variável. Os resultados do presente estudo, com tamanho amostral maior, também não demonstraram diferenças nos tempos de ativação muscular de sujeitos do Grupo Controle e indivíduos com DTM de origem muscular. No entanto, os dados foram analisados em apenas duas faixas de ativação, uma acima e outra abaixo de 20 N de apertamento, enquanto no presente estudo, os níveis de ativação foram relativizados pelo esforço máximo.

Considera-se ainda que, apesar de utilizar um número de voluntárias maior que sete, como proposto anteriormente(1515  Nickel J, Gonzales Y, Iwasaki LR, Liu H, Mccall WD, Ohrbach R, et al. A pilot study of masticatory muscle duty factors in humans [abstract]. In: Proceedings of International Association for Dental Research Conference; 16-19 mar 2011; San Diego, CA. [lugar, editor e data desconhecidos]. Abstract 298.), o “n” do presente trabalho pode ter sido insuficiente para alcançar os resultados esperados. Pesquisas futuras, com um número maior de mulheres, podem trazer informações estatisticamente relevantes.

Com base nos resultados deste estudo, fica claro que o uso da EMGS isoladamente não tem o poder de diferenciar indivíduos com DTM de indivíduos saudáveis(1111  Hugger S, Schindler HJ, Kordass B, Hugger A. Clinical relevance of surface EMG of the masticatory muscles. (Part 1): Resting activity, maximal and submaximal voluntary contraction, symmetry of EMG activity. Int J Comput Dent. 2012; 15(4):297-314.,2424  Tartaglia GM, Silva MAMR, Bottini S, Sforza C, Ferrario VF. Masticatory muscle activity during maximum voluntary clench in different research diagnostic criteria for temporomandibular disorders (RDC/TMD) groups. Man Ther. 2008;13(5):434-40.). No entanto, essa variável pode acrescentar informações sobre a estratégia utilizada pelo sistema neuromuscular para realizar a contração muscular, como o aumento ou diminuição do tempo de ativação muscular em determinada faixa de amplitude, ajudando a identificar situações de hiper ou hipoativação, resultantes, por exemplo, de inibição reflexa por dor, ou espasmo protetor(1818  Murray GM, Peck CC. Orofacial pain and jaw muscle activity: a new model. J. Orofacial Pain. 2007;21(4):263-78.). Assim, os resultados suportam o interesse de acrescentar o duty factor no conjunto de história clínica e exame físico bem conduzido da DTM, a fim de investigar se o tempo de ativação pode colaborar na elaboração da conduta terapêutica, para decisão por técnicas que favoreçam ou reduzam a ativação muscular e se há efetividade dessas técnicas.

CONCLUSÃO

A utilização dos dados objetivos obtidos com a EMGS, como ferramenta diagnóstica na prática clínica, apenas será possível quando em conjunto com a história clínica e exame físico do indivíduo.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio concedido para realização dessa pesquisa, processo número 2012/00420-7, pelo apoio financeiro e institucional.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Greene CS, Klasser GD, Epstein JB. Revision of the American Association of Dental Research’s Science Information Statement about temporomandibular disorders. J Can Dent Assoc. 2010;76:a115.
  • 2
    Okeson JP. Tratamento das desordens temporomandibulares e oclusão. 6a ed. São Paulo: Elsevier; 2008.
  • 3
    Dworkin SF, LeResche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomandib Disord. 1992;6(4):301-55.
  • 4
    Pedroni CR, Oliveira AS, Guarantini MI. Prevalence study of signs and symptoms of temporomandibular disorders in university students. J Oral Rehabil. 2003;30(3):283-9. http://dx.doi.org/10.1046/j.1365-2842.2003.01010.x
    » https://doi.org/10.1046/j.1365-2842.2003.01010.x
  • 5
    Nassif NJ, Al-Salleeh F, Al-Admawi M. The prevalence and treatment needs of symptoms and signs of temporomandibular disorders among young adult males. J Oral Rehabil. 2003;30(9):944-50. http://dx.doi.org/10.1046/j.1365-2842.2003.01143.x
    » https://doi.org/10.1046/j.1365-2842.2003.01143.x
  • 6
    Wang MQ, He JJ, Zhang JH, Wang K, Svensson P, Widmalm SE. SEMG activity of jaw-closing muscles during biting with different unilateral occlusal supports. J Oral Rehabil. 2010;37(9):719-25. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2842.2010.02104.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1365-2842.2010.02104.x
  • 7
    Pedroni CR, Borini CB, Berzin F. Electromyographic examination in temporamandibular disorders: evaluation protocol. Braz J Oral Sci. 2004;3(10):526-32.
  • 8
    Nascimento GKBO, Cunha DA, Lima LM, Moraes KJR, Pernambuco LA, Régis RMFL, Silva HJ. Eletromiografia de superfície do músculo masseter durante a mastigação: uma revisão sistemática. Rev CEFAC. 2012;14(4):725-73. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462012005000042
    » https://doi.org/10.1590/S1516-18462012005000042
  • 9
    Felício CM, Sidequersky FV, Tartaglia GM, Sforza C. Electromyographic standardized indices in healthy Brazilian young adults and data reproducibility. J Oral Rehabil. 2009; 36(8):577-83. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2842.2009.01970.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1365-2842.2009.01970.x
  • 10
    Klasser GD, Okeson JP. The clinical usefulness of surface electromyography in the diagnosis and treatment of temporomandibular disorders. J Am Dent Assoc. 2006;137(6):763-71. http://dx.doi.org/10.14219/jada.archive.2006.0288
    » https://doi.org/10.14219/jada.archive.2006.0288
  • 11
    Hugger S, Schindler HJ, Kordass B, Hugger A. Clinical relevance of surface EMG of the masticatory muscles. (Part 1): Resting activity, maximal and submaximal voluntary contraction, symmetry of EMG activity. Int J Comput Dent. 2012; 15(4):297-314.
  • 12
    Cecílio FA, Regalo SCH, Palinkas M, Issa JPM, Siéssere S, Hallak JEC, et al. Ageing and surface EMG activity patterns of masticatory muscles. J Oral Rehabil. 2010;37(4):248-55. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2842.2010.02051.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1365-2842.2010.02051.x
  • 13
    Lepley CR, Throckmorton GS, Ceen RF, Buschang PH. Relative contributions of occlusion, maximum bite force, and chewing cycle kinematics to masticatory performance. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2011;139(5):606-13. http://dx.doi.org/10.1016/j.ajodo.2009.07.025
    » https://doi.org/10.1016/j.ajodo.2009.07.025
  • 14
    Gonzalez Y, Iwasaki LR, McCall Jr WD, Ohrbach R, Lozier E, Nickel JC. Reliability of electromyographic activity vs. bite-force from human masticatory muscles. Eur J Oral Sci. 2011;119(3):219-24. http://dx.doi.org/ 10.1111/j.1600-0722.2011.00823.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1600-0722.2011.00823.x
  • 15
    Nickel J, Gonzales Y, Iwasaki LR, Liu H, Mccall WD, Ohrbach R, et al. A pilot study of masticatory muscle duty factors in humans [abstract]. In: Proceedings of International Association for Dental Research Conference; 16-19 mar 2011; San Diego, CA. [lugar, editor e data desconhecidos]. Abstract 298.
  • 16
    Mongini F, Tempia-Valenta G. A graphic and statistical analysis of the chewing movements in function and dysfunction. J Craniomandibular Pract. 1984;2(2):125-34.
  • 17
    Nickel J, Gonzalez Y, McCall WD, Ohrbach R, Marx DB, Liu H, Iwasaki LR. Muscle organization in individuals with and without pain and joint dysfunction. J Dent Res. 2012;91(6):568-73. http://dx.doi.org/10.1177/0022034512445909
    » https://doi.org/10.1177/0022034512445909
  • 18
    Murray GM, Peck CC. Orofacial pain and jaw muscle activity: a new model. J. Orofacial Pain. 2007;21(4):263-78.
  • 19
    Suvinen TI, Kemppainen P. Review of clinical EMG studies related to muscle and occlusal factors in healthy and TMD subjects. J Oral Rehabil. 2007;34(9):631-44. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2842.2007.01769.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1365-2842.2007.01769.x
  • 20
    Brandini DA, Benson J, Nicholas MK, Murray GM, Peck CC. Chewing in temporomandibular disorders patients: an exploratory study of an association with some psychological variables. J Orofac Pain 2011;25(1):56-67.
  • 21
    Hermes HJ, Freriks B, Disselhorst-Klug C, Rau G. Development of recommendations for SEMG sensors and sensor placement procedures. J Electromyogr Kinesiol. 2000;10(5):361-74.
  • 22
    Farella M, Bakke M, Michelotti A, Martin R. Effects of prolonged gum chewing on pain and fatigue in human jaw muscles. Eur J Oral Sci. 2001;109(2):81-5. http://dx.doi.org/10.1034/j.1600-0722.2001.00991.x
    » https://doi.org/10.1034/j.1600-0722.2001.00991.x
  • 23
    Soderberg GL, Knutson LM. A guide for use and interpretation of kinesiologic electromyographic data. Phys Ther. 2000;80(5):485-98.
  • 24
    Tartaglia GM, Silva MAMR, Bottini S, Sforza C, Ferrario VF. Masticatory muscle activity during maximum voluntary clench in different research diagnostic criteria for temporomandibular disorders (RDC/TMD) groups. Man Ther. 2008;13(5):434-40.
  • Trabalho realizado no Curso de Fisioterapia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2014

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2013
  • Aceito
    11 Fev 2014
Academia Brasileira de Audiologia Rua Itapeva, 202, conjunto 61, CEP 01332-000, Tel.: (11) 3253-8711, Fax: (11) 3253-8473 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@audiologiabrasil.org.br