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ESTUDO LONGITUDINAL DE DUPLAS MÃE-BEBÊ: O SOFRIMENTO PSÍQUICO NA MATERNIDADE

Resumo:

Trata-se de uma pesquisa de orientação psicanalítica no campo da Detecção Precoce de Psicopatologias Graves. Propõe um estudo longitudinal através do acompanhamento de duplas mãe-bebê numa instituição pública especializada nos cuidados à saúde da gestante, visando estudar a construção desse laço primordial e de alguns sinais de sofrimento psíquico nessa configuração. Pretende-se discutir os impasses metodológicos vividos, compartilhar achados e discutir uma concepção de sofrimento psíquico peculiar a essa etapa de vida.

Palavras-chave:
estudo longitudinal; maternidade; psicopatologia; psicanálise; saúde mental

Abstract:

This is a psychoanalytical study in the field of Early Detection of Severe Psychopathologies. It proposes a longitudinal study through monitoring of mother-infant pairs in a public institution specialized in the care of pregnant women. The idea is to study how the fundamental bond between mother and child is established, and analyze certain signs of psychological distress within this setting. This research aims to discuss the methodological impasses that arise; to share findings; and to discuss a concept of psychological distress which is typical to this stage of life.

Keywords:
longitudinal study; motherhood; psychopathology; psychoanalysis; mental health

Trata-se este de um estudo longitudinal, de orientação psicanalítica, que busca contribuir para a discussão atual acerca dos sinais de sofrimento psíquico em duplas mãe-bebê. Dedica-se ao acompanhamento das duplas, desde a gestação até o terceiro ano de vida da criança, visando o estudo desse laço primordial em constituição, das novas posições subjetivas em organização (pai, filho, mãe de um filho, mãe de três filhos, como exemplo) e de alguns sinais de sofrimento psíquico.

É parte de uma pesquisa maior realizada na PUC-SP - Detecção precoce de psicopatologias graves - que iniciou seguindo um modelo de estudo transversal, onde entrevistas únicas eram realizadas em diversos serviços de saúde geral que acolhem crianças, como hospitais, UTIs e ambulatórios pediátricos. Tal instrumento visava disparar o discurso livre no laço mãe-bebê, onde todas as manifestações eram levadas em consideração em sua análise, vindas tanto da mãe como do bebê, isto é, vindas desse laço em constituição.

A análise visava identificar a incidência de três sinais nas duplas: a presença da troca de olhares, a presença do terceiro tempo do circuito pulsional e a presença de um discurso organizado sobre a base de uma alteridade em construção. Considerava-se como indicativo de sofrimento psíquico de risco psicopatológico grave a ausência destes, uma vez que a alteridade e a subjetividade em constituição podem se manifestar através desses sinais linguísticos e simbólicos (LOPES, et al., 2009).

Os dois primeiros foram identificados pela psicanalista francesa Marie-Christine Laznik na detecção precoce do autismo (LAZNIK, 1997LAZNIK, M.C. Poderíamos pensar numa prevenção da síndrome autística? In: A voz da sereia - o autismo e seus impasses na 2005 2005). São utilizados no Centre Alfred Binet de Paris, pelo grupo de pesquisadores do PRÉAUT - Prévèntion Autistique2 2 Grupo de pesquisa do autismo na França: <http://preaut.fr/>. e também por pediatras do sistema público francês na identificação e encaminhamento precoce de bebês com sinais de risco autístico, visando à intervenção necessária para evitar seu agravamento e cronificação.

A ausência de olhar na dupla mãe-bebê, somada à ausência do terceiro tempo do circuito pulsional, isto é, à ausência de qualquer provocação da iniciativa amorosa materna por parte do bebê (o bebê se fazer olhar, se fazer beijar) têm-se mostrado indicativos confiáveis de risco autístico desde o terceiro mês de vida do bebê: indicativos de impasses no estabelecimento do circuito pulsional no laço mãe-bebê, impedindo a construção do corpo erógeno, sua inscrição na lógica do desejo e a construção das matrizes comunicacionais e simbólicas habituais.

Com isso, não se pretende sugerir uma base etiológica para o autismo infantil, apenas discutir alguns sinais de sua manifestação clínica. As causas do autismo são amplamente discutidas sem uma clara definição, supondo-se mesmo que se trate de uma complexidade de fatores epigenéticos envolvidos, assim como acontece com os transtornos globais do desenvolvimento em geral.

O terceiro sinal, por sua vez, foi pensado por essa equipe de pesquisadores (VISANIVISANI, P.; RABELLO, S. Considerações sobre o diagnóstico precoce na clínica do autismo e das psicoses infantis. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 15, n. 2. São Paulo: Editora Escuta , 2012, p. 293-308.; RABELLO, 2012RABELLO, S. Sobre as bordas na clínica com as psicoses e na construção dos objetos no laço mãe-bebê. In: MARRACINI, E.; et al. (orgs.) Limites de Eros. São Paulo: Primavera Editorial, 2012.; LOPES, et al., 2009), considerando-se a qualidade discursiva entre mãe e bebê como indicativa da alteridade e da qualidade subjetiva em constituição nesse laço amoroso, constituído na lógica do desejo, já que devidamente estabelecido pelo circuito pulsional. Partindo-se dessa premissa, entendemos que o discurso materno que não inclui o bebê como interlocutor relevante, que não o reconhece no âmbito da alteridade e das trocas simbólicas, sugere significativo sofrimento no estabelecimento do laço mãe-bebê. Também sugere impasses na organização das posições de interlocução nessa díade (eu-você), impasses na organização da transitividade e da alteridade, na constituição das funções materna e paterna, do laço comunicativo, e da organização egóica na criança, podendo contribuir ou mesmo determinar, como consequência, os Transtornos Globais do Desenvolvimento, F-84, (CID - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - versão 1.6c)3 3 Fonte: <http://www.datasus.gov.br/cid10/download.htm>. Acesso em: jul. 2014. .

Utilizando esses indicadores durante a realização do estudo transversal inicial, constatou-se a confiabilidade dos sinais descritos para a detecção precoce de sofrimento psíquico nas duplas mãe-bebê nas instituições de saúde geral. Foi, porém, surpreendente uma incidência significativamente maior de duplas com outros sinais de sofrimento psíquico, de consequências menos graves, porém mais frequentes, suscitando o atual estudo por parte da equipe.

Estudos epidemiológicos atuais constatam que os transtornos psíquicos em crianças equivalem, na América Latina e Caribe, entre 15 e 21%. Porém, dentre estes, os transtornos graves da infância (F-84, por exemplo) equivalem a algo entre 5 e 9%, sendo, portanto, raros quando considerados num serviço de saúde geral e raros em relação ao grupo maior de outras condições de sofrimento psíquico em crianças pequenas. Por fim, sabemos também da relevância desses dados, uma vez que o sofrimento psíquico na primeira infância pode colocar em risco o desenvolvimento e a vida subjetiva em uma criança, assim como o prazer no laço dessa criança com seus educadores (FEITOSA, et al, 2011FEITOSA, H. N.; et al. A saúde mental das crianças e dos adolescentes: considerações epidemiológicas assistenciais e bioéticas. Revista Bioética, v. 19, n. 1, 2011, p. 259-75.; PAULA, et al., 2007MENARD, S. Longitudinal research. London: Sage Publications, 1991.; LAURIDSEN; TANAKA, 2005LAURIDSEN-RIBEIRO, E.; TANAKA. O. Y. Problemas de saúde mental das crianças: abordagem na atenção básica. São Paulo: Annablume, 2005.).

O achado descrito, somado a esse quadro de prevalências, nos conduziu a ampliar o espectro de sofrimento psíquico a ser estudado nessa etapa da vida. Como estratégia, para contemplar o novo problema colocado, pensamos em deslocar a opção metodológica da pesquisa, de transversal para longitudinal, visando acompanhar essas manifestações num certo intervalo de tempo e entendendo que o acompanhamento longitudinal viabilizaria uma escuta psicanalítica ampliada em comparação aos estudos transversais anteriores.

Sobre o método

Scott Menard aponta que um estudo longitudinal se define tanto por determinadas condições para o levantamento de dados, como pelos métodos de análise utilizados numa pesquisa: os dados são coletados em dois ou mais períodos de tempo e a análise deve envolver alguma comparação entre estes (MENARD, 1991MALDONADO, M. T. P. Psicologia da gravidez: parto e puerpério. São Paulo: Saraiva, 2002.).

Buscamos, na literatura, estudos longitudinais de duplas mãe-bebê orientados pela psicanálise4 4 Colaboraram neste levantamento as pesquisadoras em Iniciação Científica Bruna Amoroso Pastore e Flávia Horta Hungria. e percebemos que, mesmo dentro do grupo voltado ao estudo dessa população, encontramos considerável diversidade quanto à metodologia, aos objetivos e ao referencial teórico dentro do universo da psicanálise (Klein e Winnicott, entre outros).

Quanto ao método, alguns estudos se utilizam estritamente da escuta psicanalítica, seja no setting psicanalítico habitual ou em contextos institucionais voltados à saúde (GUEDENEY; LEBOVICI, 1999GUEDENEY, A.; LEBOVICI, S. Intervenções psicoterápicas pais/bebê. Porto Alegre: Artmed, 1999.; LEBOVICI, 1987MAHLER, M. S.; PINE, F.; BERGMAN, A. O nascimento psicológico da criança - simbiose e individuação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1986.; WENDLAND, 2001WENDLAND, J. A abordagem clínica das interações pais-bebê: perspectivas teóricas e metodológicas. Psicologia: Reflexão e Crítica, 14(1), 2001, p. 45-56.).

A partir dessa definição, devemos considerar que a clínica psicanalítica configura habitualmente uma pesquisa longitudinal e o clássico estudo de caso, como tantos encontrados na literatura psicanalítica, constitui-se, desde Freud, como importante material de análise e compilação com fins de pesquisa.

Outros estudos, porém, associam a metodologia psicanalítica a procedimentos experimentais. Este é o caso da importante pesquisa realizada por Margaret Mahler, Fred Pine e Anni Bergman com o objetivo de estudar o processo, por eles nomeado “Separação/Individuação” (MAHLER; PINE; BERGMAN, 1986MAHLER, M. S.; PINE, F.; BERGMAN, A. O nascimento psicológico da criança - simbiose e individuação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1986.). Os autores acompanharam duplas mãe-bebê através da escuta psicanalítica e da observação experimental, desde o nascimento até os cinco anos de idade, tendo como objetivo conhecer o processo pelo qual se constitui essa ligação primordial, e os caminhos ambivalentes que regem a necessária separação. Os autores destacam a tentativa de estabelecer um equilíbrio apropriado entre observações psicanalíticas livres e flutuantes, e um esquema experimental prefixado. Porém, assinalam as dificuldades metodológicas que podem ser levantadas em função disso, salientando que os procedimentos utilizados nesse trabalho “estão sujeitos a uma crítica séria vinda de ambas as partes” (MAHLER; PINE; BERGMAN, 1986MAHLER, M. S.; PINE, F.; BERGMAN, A. O nascimento psicológico da criança - simbiose e individuação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1986., p. 31), isto é, tanto da parte de psicanalistas, como de experimentalistas.

Temos também estudiosos de formação psicanalítica, como John Bowlby e René Spitz, que associaram os conhecimentos psicanalíticos à etologia e ao método experimental, realizando importantes estudos sobre diferentes contingências do laço mãe-bebê, sobre as condições de apego e de separação (BOWLBY, 1952BOWLBY, J. Cuidados maternos e saúde mental (1976). São Paulo: Martins Fontes, 1988./1988; SPITZ, 1954SPITZ, R. O primeiro ano de vida (1954). São Paulo: Martins Fontes, 1993./1993). Spitz descreveu fenômenos como o hospitalismo e a depressão anaclítica em crianças pequenas, entre outras condições singulares que problematizam os caminhos constituintes da separação saudável nesse laço, com consequências para os cuidados de uma criança no laço com sua mãe, nas mais diversas instituições de saúde.

Quanto aos objetivos que definem as diversas pesquisas em psicanálise neste campo, encontramos estudos longitudinais com finalidade exploratória dos mais diversos aspectos da relação mãe-bebê, dentre os quais devemos ressaltar a frequente e relevante utilização do Método Bick de observação de bebês por inúmeros psicanalistas.

Esther Bick, reunindo os resultados de várias observações, descreveu importantes sinais de sofrimento psíquico no início da vida, como os procedimentos autocalmantes e a identificação adesiva. Seu método de observação orienta inúmeros trabalhos até os dias atuais (BICK, 1961BICK, E. Child analysis today (1961). In: HARRIS, M.; BICK, E. (orgs.) Collected papers of Martha Harris and Esther Bick. Great Britain: The Roland Harris Education Trust, 1987., 1964BICK, E. Notes on infant observation in psycho-analytic training (1964). In: HARRIS, M.; BICK, E. (orgs.) Collected papers of Martha Harris and Esther Bick. Great Britain: The Roland Harris Education Trust , 1987., 1968BICK, E. The experience of skin in early object relations (1968). In: HARRIS, M.; BICK, E. (orgs.) Collected papers of Martha Harris and Esther Bick . Great Britain: The Roland Harris Education Trust , 1987.).

Encontramos também aqueles que utilizam estudos longitudinais com o objetivo de desenvolver instrumentos fidedignos para a identificação de sinais de sofrimento nas duplas mãe-bebê. Tais protocolos visam propiciar prontamente os cuidados necessários para aqueles que apresentam sinais de sofrimento psíquico. Dentre estes, destacam-se a já mencionada pesquisa do grupo PRÉAUT, na França, a qual inspira nossa pesquisa através das contribuições de Marie-Christine Laznik, e a Pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil5 5 Cf. KUPFER, M. C. M. Pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos para a detecção precoce de riscos no desenvolvimento infantil. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. VI, n. 2, São Paulo, 2003, p. 7-25 e KUPFER, et al. Predictive value of clinical risk indicators in child development: final results of a study based on psychoanalytic theory. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. XIII, n. 1, São Paulo, 2010, p. 31-52. , pesquisa brasileira sob coordenação nacional da Profa. Dra. Maria Cristina Kupfer, da USP, que reúne 31 indicadores clínicos de risco - IRDI, e que está disponível aos profissionais da primeira infância.

Assim, encontramos pesquisas diversas que utilizam referenciais teóricos psicanalíticos variados e todas mostram seu potencial de contribuição ao estudo desse campo.

O principal ponto comum entre estas é o consenso acerca da relevância do estudo da relação primordial mãe-bebê, por sua função central na constituição do psiquismo humano, assim como dos sinais precoces de sofrimento psíquico nas duplas mãe-bebê, determinando a importância de uma atenção ampla à saúde na primeira infância e ao sofrimento materno para se evitar o agravamento e cronificação do sofrimento psíquico inicial na forma de psicopatologias graves.

A presente pesquisa, buscando contribuir a esse campo de estudos, realizou seu trabalho em parceria com o Hospital Municipal Maternidade e Escola de Vila Nova Cachoeirinha “Dr. Mário de Moraes Altenfelder Silva”, instituição que mostrou sensibilidade em relação a esse campo através dos responsáveis por essa parceria: Coordenação da Clinica Neonatal e Coordenação do Setor de Psicologia.

Trata-se de um hospital de referência no atendimento à gestação de alto risco, ao parto e aos momentos iniciais de duplas mãe-bebê, oferecendo atendimento especializado às gestantes encaminhadas por várias unidades básicas de Saúde da região Norte, no município de São Paulo.

Foram ouvidas gestantes que faziam o pré-natal no ambulatório do hospital, buscando conhecer as contingências da constituição desse laço primordial, do início da gestação até o terceiro ano de vida. No contato inicial, após a consulta médica de rotina (pré-natal), essas gestantes eram informadas sobre a pesquisa que acontecia na sala ao lado, onde era oferecida uma escuta psicológica. Eram informadas sobre sua liberdade de participação ou não a qualquer momento do processo, e, se mostrassem interesse em participar, tomavam conhecimento e assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A seguir, eram convidadas a falar sobre sua vinda ao hospital e os retornos eram combinados para as mesmas datas dos retornos médicos, quando as gestantes poderiam ou não se apresentar aos pesquisadores, como quisessem. Os retornos, porém, se apresentaram como um problema importante para a continuidade da pesquisa, pois, pela dinâmica institucional, era comum ocorrerem mudanças nos horários de agendamento das consultas de pré-natal, dificultando em vários casos o acompanhamento longitudinal.

Após o nascimento da criança, porém, a continuidade do acompanhamento era combinada de acordo com a preferência da família: no próprio hospital, na Unidade Básica de Saúde onde o bebê fazia seguimento pediátrico ou na casa da família. Em nenhum dos casos foi possível realizar o acompanhamento até o terceiro ano de vida da criança, por situações específicas de cada caso.

Periodicamente, eram realizadas reuniões desta equipe de pesquisadores com os representantes da instituição com quem foi tratada essa parceria, para discussão metodológica, dos resultados, dos impasses e de eventuais reformulações, a partir do que a experiência nos determinava.

Nesse enquadre pouco habitual, esta pesquisa de orientação psicanalítica utilizou a escuta conforme definida por Freud que, orientada pela associação livre daquele que fala e pela atenção flutuante daquele que escuta, valoriza a experiência do inconsciente. Toma em consideração, para isso, o campo da experiência transferencial onde o discurso se organiza, a transferência com a instituição e com os pesquisadores, assim como as demandas que conduziram as gestantes à sala dos pesquisadores, após a consulta médica. Assim, toma em consideração o campo da linguagem e da pulsão, onde são construídos os discursos e as demandas que revelam a experiência do inconsciente, na forma de repetições, equívocos, entre outras produções sintomáticas (BIRMAN, 1994BIRMAN, J. A clínica na pesquisa psicanalítica. In Psicanálise e Universidade, Atas do segundo Encontro de Pesquisa Acadêmica em Psicanálise. Núcleo de Pesquisa em Psicanálise do Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1994, p. 7-22.). Tais produções subjetivas são, portanto, privilegiadas pela escuta daquele que se coloca na posição de pesquisador nesse projeto. Seja no âmbito da pesquisa, seja da clínica, a escuta psicanalítica deve ser considerada igualmente como instrumental metodológico, respeitando-se os fundamentos e a ética que assim a definem, desde Freud.

A partir dessa orientação, cuidamos para evitar qualquer precipitação interpretativa, privilegiando a construção dos sentidos por aquele que enuncia. Essa experiência de estudo longitudinal será problematizada a partir dos mesmos critérios, ainda que experimentada na exterioridade do campo habitual da psicanálise e junto a uma população peculiar: duplas mãe-bebê em constituição.

Psicanálise e maternidade

A partir dos conhecimentos acumulados pela psicanálise, sabe-se que a maternidade e o laço mãe-bebê são processos constitutivos complexos, não garantidos instintivamente, tanto do lado materno como do lado da criança recém-nascida (BADINTER, 1985BADINTER, E. Um amor conquistado - o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.). Não correspondem a respostas naturais, mas a uma elaboração singular, advinda de complexa transmissão simbólica e de ordem transgeracional, onde a maternidade passa a se sustentar a partir da lógica do desejo, determinada no jogo simbólico construído na história daquela família, naquela sociedade, em função de sua filiação, onde costumes ancestrais se atualizam no confronto com as experiências atuais.

Freud (1933[1932]/1996FREUD, S. La feminidad (1933-1932). Conferencia 33. Nuevas conferencias de introducción al psicoanálisis. Buenos Aires: Amorrortu, 1996. (Obras completas, 22.)), em seus estudos sobre a feminilidade, aponta que o bebê se inscreve num lugar subjetivo peculiar para sua mãe, determinado pela transgeracionalidade e, dentro disso, por sua experiência singular frente à angústia de castração, quando é introduzida na lógica da triangulação edípica e da diferença sexual. Para Freud, a maternidade teria importante lugar nas elaborações da mulher frente a tais angústias, configurando-se como uma possível resposta feminina, quando entende o lugar do filho na série dos substitutos fálicos. Dessa forma, entende-se que a maternidade tem impacto para o psiquismo feminino.

Desde a primeira infância, são colocados para a mulher (como também para o homem), enigmas de difícil elaboração sobre si mesma(o), sobre a sexualidade feminina e a masculina, sobre a maternidade, sobre o corpo, sobre os bebês e sobre o mundo das relações.

Assim, ao viver ela mesma a maternidade, a mulher é remetida a dramas psíquicos anteriores em sua história e até mesmo anteriores à sua história, envolvendo intermináveis elaborações. Através da transitividade das relações, especialmente das relações primordiais, a mulher coloca-se como portadora de saberes (e angústias) transgeracionais que irão servir de trama subjetiva para a composição das novas subjetividades em construção: pai, mãe, filho, mãe de vários filhos ou de um filho, em determinado quadro familiar.

Sobre isso, Jacques Lacan traz a ideia, em seu Complexos familiares, de 1938, de um reviramento, que acontece especialmente na situação do aleitamento materno (LACAN, 1938/2008LACAN, J. Os complexos familiares. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2008.).

Assim constituída, a imago do seio materno domina toda a vida do homem (...) ela pode conseguir se saturar no reviramento da situação que ela representa, o que só é realizado estritamente na ocasião da maternidade. No aleitamento, no abraço e na contemplação da criança, a mãe, ao mesmo tempo, recebe e satisfaz o mais primitivo dos desejos (...). (LACAN, 1938/2008LACAN, J. Os complexos familiares. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2008., p. 24)

A potência identificatória que sustenta o laço mãe-bebê revela o “reviramento” sugerido por Lacan, que acolhe, em uma única cena, a mãe para seu bebê, a mãe para si mesma e, ao mesmo tempo, enquanto bebê para sua mãe, em si. Essa reviravolta nutre uma mãe dos cuidados recebidos (e das angústias vividas) a serem transmitidos nesse acolhimento do novo bebê, nesse jogo identificatório. Assim, também pode confrontar mãe e bebê com o vazio marcado pelo desamparo vivido.

Atualmente, vários psicanalistas estudam a gestação e o laço mãe-bebê e trazem importantes contribuições para o conhecimento dos elementos em jogo nesse campo. Julieta Jerusalinsky aponta que a equação pênis-falo-bebê situada por Freud e o gozo fálico, descrito há pouco, não esgotam a dimensão do laço mãe-bebê e do gozo presente na maternidade (JERUSALINSKY, 2009JERUSALINSKY, J. A criação da criança: letra e gozo nos primórdios do psiquismo. Tese de Doutorado, Núcleo de Pesquisa em Psicanálise do Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2009.). Sugere que o prazer na transitividade, isto é, nessa troca de lugares e de posições, através dos processos identificatórios, pode constituir uma alternativa de gozo, ao gozo fálico previsto.

Regina Orth Aragão enfatiza o trabalho que se impõe ao psiquismo materno no período de gestação, apontando para um importante remanejamento psíquico no universo psíquico de representações da mãe, no sentido de construir uma nova representação para si na relação com aquele novo bebê (ARAGÃO, 2007ARAGÃO, R. O. A construção do espaço psíquico materno e seus efeitos sobre o psiquismo nascente do bebê. Dissertação de Mestrado, Núcleo de Pesquisa em Psicanálise do Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2007.).

Nessa direção, vale lembrar as contribuições de Monique Bydlowski, quando aponta que a gravidez engendra um estado particular no psiquismo da mulher, uma condição nomeada por ela de Transparência psíquica, que se caracteriza pelo relaxamento dos recalques, permitindo a chegada de fragmentos do pré-consciente e do inconsciente à consciência. Ressalta que a gestação e a transparência psíquica que a acompanham reavivam para muitas mulheres a memória de sua origem, de forma que são reativados emoções, conflitos, saberes e angústias primitivas, concernentes aos seus primeiros laços (BYDLOWSKI, 2002BYDLOWSKI, M. O olhar interior da mulher grávida: transparência psíquica e representação do objeto interno. In: CORRÊA FILHO, L.; CORRÊA, M. E. G.; FRANÇA, P. S. (orgs.). Novos olhares sobre a gestação e a criança até os 3 anos. Brasília: L.G.E, 2002.). As representações e fantasmas que dominam esse período podem, por sua vez, adquirir materialidade com a chegada da criança, transformando-se em saberes, como também em risco de impasses no laço mãe-bebê.

Os achados da pesquisa longitudinal que aqui apresentamos reafirmam o sentido da complexidade e densidade psíquica na maternidade e na construção do laço mãe-bebê.

Quando oferecida a escuta às gestantes no descrito ambulatório de acompanhamento pré-natal, muitas quiseram trazer suas experiências subjetivas a essa pesquisa. Na singularidade e complexidade de seus discursos, apresentaram angústias e conflitos nesse processo, que não quiseram dirigir aos médicos durante a consulta, minutos antes. Quando solicitadas sobre isso, revelavam, por vezes, medo de serem repreendidas pelos conflitos e “maus pensamentos” em relação à sua saúde e à do bebê, pelas tentativas de aborto ou tentativas de comprometer sua saúde ou até mesmo suas próprias vidas. Outras vezes, entendiam que os médicos não se interessariam por detalhes psicológicos, não relativos à saúde física. Chegavam a contar, nesse contexto, situações de importância para o próprio raciocínio médico, como as quedas provocadas ou tentativas de aborto. Nesse contexto, o fato de os médicos não serem informados do sofrimento psíquico das gestantes os colocava ao lado dos conhecimentos necessários para o devido raciocínio clínico, revelando a indissociabilidade da saúde física e psíquica, determinando a necessidade de um profissional e de um sistema de saúde que possa acolher a complexidade que define a saúde do ser humano e, nesse caso, a complexidade do fenômeno da gestação.

Outras gestantes, que não viviam episódios de tal gravidade, contavam, por sua vez, histórias cotidianas acompanhadas de importantes lapsos de memória e sinais de angústia a serem considerados.

Mas poderíamos considerar esses sinais como indícios de uma inicial configuração psicopatológica nesse laço mãe-bebê? Ou seriam sinais de conflitos que encontrarão elaborações possíveis durante o processo de construção de sua nova posição subjetiva?

Essas questões foram foco de atenção nos acompanhamentos longitudinais propostos.

Sobre as angústias maternas encontradas

Como entendemos que a clínica é soberana, alguns recortes de discursos das gestantes que escolheram participar dessa pesquisa serão apresentados para alimentar essa discussão. São aqueles que se tornaram emblemáticos de determinada dinâmica psíquica apresentada também por outras gestantes, sendo, portanto, considerados merecedores de análise e discussão.

Ana, uma gestante jovem - 17 anos, hipertensa, já mãe de um filho de 3 anos. Foi entrevistada na data da sua primeira consulta pré-natal no hospital. Convidada a falar, disse achar que estava com “mais ou menos 8 meses de gestação, mas que não sabia, já que cada um falava uma coisa”; “estava ali para saber se tudo ia bem com o filho, para saber de quantos meses estava, quando teria o bebê, se seria parto normal ou cesárea, para resolver logo”. Justificava não ter começado o pré-natal antes, dizendo que “na UBS não quiseram atendê-la por ter pressão alta e que sua primeira consulta no hospital já era para ter acontecido, mas a médica faltou no dia”. Frente a qualquer que fosse o aspecto considerado sobre sua gestação, o saber e a responsabilidade eram colocados no outro e a negligência também. Na consulta seguinte, Ana se atrasou consideravelmente em relação ao horário marcado, não sendo possível o encontro com a pesquisadora, e as demais foram marcadas em horários incompatíveis.

Beth, primigesta, com 6 meses de gestação, falou da surpresa e angústia por esperar gêmeos. Cometeu lapsos dizendo “estar ali para cuidar da saúde e para o bebê nascer bem”, referindo-se aos bebês no singular. Na data de sua próxima consulta, Beth disse que “não queria conversar naquele momento”, aguardava um segundo exame médico nesse dia, parecia preocupada, e relatou que talvez ficasse internada.

Nesses dois casos, não foi viável o acompanhamento longitudinal; as gestantes foram ouvidas apenas uma vez.

Cida, por sua vez, foi seguida até os oito meses da criança. Na primeira entrevista, disse que “estava aérea e muito feliz já que sua gravidez acabara de ser confirmada”. A idade gestacional havia sido calculada como 2 meses. Referiu-se à gestação como “a realização de um sonho”. Referiu-se também a uma gestação anterior, tubária, que precisou ser interrompida, relatando sofrimento com essa situação. Cida iria iniciar um tratamento para engravidar, quando, espontaneamente, engravidou dessa criança.

Nas entrevistas seguintes, enfatizou diversos problemas familiares, inclusive as mortes de um tio, de um primo e de uma amiga da família, dizendo que “ainda não tinha podido pensar na gravidez, nem tido tempo de curtir esse momento”.

Durante o acompanhamento, apareceram dúvidas quanto à sua capacidade como mãe. Em torno dos 7 meses de gestação, comentava: “Dizem que a mãe sente se o bebê é menino ou menina, mas eu não sei, não sinto nada”. Continuou dizendo que “se fosse menina, escolheriam o mesmo nome de uma prima, muito meiga e inteligente”. Caso fosse menino “colocariam o mesmo nome de seu irmão, assassinado há 4 anos”. Referiu ainda que esta “foi uma sugestão do marido e que seu pai achou uma bonita homenagem”.

A criança era menina e, de fato, recebeu o nome da prima da mãe, Rafaela.

Nesse mesmo período, próximo aos 7 meses de gestação, Cida achava estranho sentir os movimentos do bebê, percebidos em poucos momentos. Enfatizava seu mal-estar físico, a dificuldade e o sacrifício em função dos problemas de saúde no decorrer da gestação: desenvolveu hipertensão, tendo culminado num quadro de iminência de eclâmpsia e na realização prematura de cesárea.

A criança ficou internada em UTI neonatal durante mais de um mês.

De forma geral, encontrávamos sinais de pouco entusiasmo da mãe, apesar de ter inicialmente descrito a gravidez como uma grande realização. Desqualificava seu lugar como mãe. Repetia a fala a respeito dos problemas, da dificuldade e do sacrifício.

Após o nascimento, encontramos essa dupla três vezes.

No primeiro encontro, ainda durante internação da criança na UTI, a mãe informou que estava vindo vê-la todos os dias. Estava amamentando a filha, ajudada pela fonoaudióloga do serviço para favorecer a amamentação. Rafaela sugava um pouco, parava, sugava novamente. A mãe falava pouco, tanto com a pesquisadora quanto com a filha, porém, em alguns momentos, falava com o bebê e também falava por ele. Cida referiu que Rafaela “estava ganhando peso todos os dias, pouco, mas ganhando”.

O segundo e terceiro encontros aconteceram durante consulta da criança no ambulatório de prematuros. Nestes, o pai também estava presente.

No segundo encontro, os pais mostraram-se bastante calados, mas Cida falou que Rafaela “não estava no peito, que o seu leite não era suficiente e que a filha não pegava”. Cida deu mamadeira a ela e parecia acolher bem a filha no colo. Rafaela abria os olhos, olhava para os pais em alguns momentos, reclamava um pouco e depois adormecia.

No terceiro encontro, a mãe estava mais falante, disse que “a filha era esperta, gostava de conversar e comer, e que nisso puxou o avô - seu pai”. Disse ainda que “a vida muda tanto com filho”, referindo que para ela “era tudo novo”. Rafaela, muito bem cuidada e arrumada, estava no colo do pai. A mãe pegou-a, mas logo a menina se dirigiu ao pai, voltando ao seu colo. A criança olhava, vocalizava quando se falava com ela, sorria, porém colocando-se mais em relação ao pai. Isso foi abordado pela mãe quando descreveu a forte ligação da filha com o pai, estando sempre atenta aos sinais da chegada dele em casa.

Sinais de conflito quanto ao desejo de ter o filho configuraram um elemento comum em quatro gestantes, cada uma em sua singularidade. Aqui, serão abordados dois deles.

Denise, com 3 meses de idade gestacional na primeira entrevista, referiu que “não pretendia engravidar” e que “tomou pílula do dia seguinte, mas não adiantou”. Já tinha duas filhas do seu primeiro casamento e o vínculo com o pai do bebê foi descrito como pouco significativo.

Vivia com suas filhas na casa de seus pais e referiu, muitas vezes, que “foi muito difícil sua família aceitar, foi uma briga quando souberam que estava grávida”. Relatou, também, diversas vezes, que a maior dificuldade foi em relação a seu pai, que “ele só soube quando estava de 4 meses, ficou muito bravo, mas depois aceitou”.

Denise repetia que, antes de contar à família, “sentia como se tivesse cometido um crime e estivesse escondendo o corpo”. No início do acompanhamento, enfatizava esses conflitos familiares. Foi dizendo-se mais tranquila depois que a família aceitou sua gravidez.

Com aproximadamente 8 meses de idade gestacional, seu discurso passou a girar principalmente em torno da preocupação com a saúde do bebê, da expectativa pelo nascimento e do receio pela dor do parto.

Algumas vezes falou sobre o pai da criança, porém de forma a pouco incluí-lo, mostrando decepção e desqualificação em relação a ele, dizendo, por exemplo, que “ele não esteve quando mais precisou, quando contou sobre a gravidez para seu pai”, e que “não o queria por perto, já que a filha, estando na sua barriga, não precisava dele”.

Também nesse período final da gestação, Denise disse, algumas vezes, “se tornar uma pessoa difícil e mal-humorada quando está grávida, se achando a mulher mais feia do mundo e não querendo ver ninguém”. Mas também apontou que “ter começado a conversar a ajudou a se sentir melhor”.

Denise foi vista apenas uma vez após o nascimento da criança, por ocasião de consulta médica no hospital, não estando com o bebê. Nessa ocasião, ela disse estar “cem por cento melhor”, optou por não continuar participando da pesquisa e trouxe diversas fotos da filha para que a conhecêssemos dessa maneira.

No outro caso, destacaram-se sinais de intenso conflito da gestante em relação ao desejo de ter outro filho.

Elisa era casada, já com dois filhos, uma menina de 11 e um menino de 9 anos. A gravidez foi inesperada, tendo sido constatada quando Elisa foi ao médico ginecologista para cauterização de uma ferida no colo do útero.

Na primeira entrevista, aos 3 meses de gestação, disse que “não aceitou bem”. Mais tarde contou que, quando soube da gravidez, bateu na barriga e jogou-se de uma escada na tentativa de abortar. Em entrevista aos 5 meses de gestação, disse que “parecia estar grávida em alguns momentos e não estar em outros”. Porém, também falou que “começou a sentir o bebê mexer e então pensou que estava mesmo grávida”.

Durante o seu acompanhamento, supôs-se ter havido certo apaziguamento em relação ao seu conflito e revelou-se um movimento para a elaboração de um lugar possível para a criança. A gravidez foi aos poucos se tornando mais concreta para a mãe, principalmente, como já mencionado, com os primeiros movimentos do bebê e, posteriormente, com a visualização, através do exame de ultrassonografia, de imagens da criança, uma menina.

As imagens contribuíram para a realização psíquica, com maior estabilidade, da existência desse bebê para a mãe, permitindo até seu encantamento por ele. Nessa mesma época, Elisa começou a atribuir características à filha. No final da gestação, apareceram muitas queixas sobre desconforto físico e dificuldade para realizar várias atividades, simultaneamente à expressão da vontade de que o bebê nascesse logo.

Após o nascimento da criança, Elisa demorou algum tempo para encontrar a pesquisadora, já que foram necessárias algumas definições institucionais a respeito do seguimento dos casos fora do hospital.

Depois disso, encontrou-se a dupla na Unidade Básica de Saúde em que a criança era levada para consulta pediátrica. Caroline, nome da menina, mostrava-se ativa, fazia contato visual, sorria, levava seu brinquedo à boca e, segundo a mãe, costumava fazer muita “gracinha” para o pai. Elisa, por sua vez, referiu um período difícil, de irritação, angústia e crises de hipertensão após o nascimento da filha, acompanhado de dificuldade para cuidar dela, precisando da ajuda de familiares.

Referia-se a isso como um momento que passou, dizendo “já estar bem”. Porém, no contato seguinte, apresentou uma demanda de atendimento, declarando que precisava de ajuda.

Pensou-se em como acolher a demanda construída nesse espaço complexo de pesquisa em psicanálise, uma vez que é sabido de sua inevitável intervenção e construção de uma relação transferencial com a figura da pesquisadora que oferecia escuta a tantas angústias nessa instituição.

Depois de muitas discussões na equipe de pesquisadores, foi oferecido um espaço de atendimento, sendo dada a opção para o prosseguimento com a pesquisadora que a acompanhava, ou por outro membro da equipe, ou até mesmo por outra pessoa ou instituição.

A mãe optou pela pesquisadora, justificando que esta “já a conhecia desde a gestação da filha”.

Esta demanda e também da fala da gestante, mencionada anteriormente, de que se sentia melhor após ter começado a conversar, fizeram ressoar uma questão importante: como pesquisadores em psicanálise, qual seria o nosso lugar?

Os limites entre a pesquisa e a intervenção parecem tênues nesse campo. A escuta do pesquisador não difere da escuta analítica em sua ética e fundamentos, podendo, mesmo no âmbito da pesquisa, ter efeitos interventivos e de construção do sujeito acerca de um saber sobre si (COSTA; POLI, 2006COSTA, A.; POLI, M. C. Alguns fundamentos da entrevista na pesquisa em psicanálise. Pulsional Revista de Psicanálise, n. 188. São Paulo, Editora Escuta, 2006, p.14-21.).

Julga-se, assim, que esta não seja uma dificuldade metodológica, mas sim uma especificidade e riqueza da pesquisa em psicanálise, na qual o pesquisador não pode pretender a neutralidade, se é que a neutralidade possa acontecer em algum outro tipo de trabalho de pesquisa.

Voltando ao caso, o atendimento foi realizado durante um curto período. Neste, Elisa trouxe de forma preponderante conflitos com sua própria mãe.

Sentia-se preterida pela mãe em relação às suas irmãs, apesar de ser, segundo ela, a única filha que gostava da mãe e a ajudava quando podia. Queixava-se do desprezo da mãe, a qual se negou a ajudá-la em situações difíceis da sua vida. Inclusive nesse período, sua mãe desqualificava seu sofrimento, dizendo que era “frescura”. Tal desprezo se acentuou especialmente depois que seus pais se separaram, quando ela tinha 14 anos. A partir de então, sua mãe dizia que Elisa era muito parecida com o pai e que deveria ir morar com ele. Junto com o tema da relação com sua mãe, também falava de pensamentos, iniciados durante a gestação de Caroline, de doença e morte em relação a ela própria, ao marido e aos filhos, pensamentos acompanhados de medo, chegando, por vezes, a não conseguir sair de casa.

O atendimento foi precocemente interrompido por Elisa, impondo-se aí o limite para a intervenção. Na interrupção, referiu-se tanto a uma melhora, como à dificuldade para vir às sessões em função de ter voltado a trabalhar, dizendo também que “trabalhando não tinha tempo para pensar besteira”. Esta expressão era repetidamente usada por ela para referir-se aos pensamentos “ruins”.

Durante o período de acompanhamento dessa dupla, Caroline mostrou desenvolvimento motor adequado, bom contato social, interesse pelo ambiente e por brinquedos. Porém, Elisa relatava que a filha gritava muito e só queria estar no colo. Ela também apresentava episódios recorrentes de infecções, alergias e assaduras importantes.

Após algum tempo, mais uma vez, Elisa procurou atendimento, em um momento em que a filha estava hospitalizada em decorrência de uma infecção. Logo após receber alta de tal internação, mãe e criança foram atendidas mais uma vez. Elisa falou de uma intensa preocupação com a saúde da filha, do temor de que ela adoecesse e morresse, e também falou sobre a dificuldade de desmamá-la.

O sofrimento dessa dupla e a necessidade de intervenção mostravam-se evidentes, porém a interrupção do atendimento pela mãe se repetiu, agora definitivamente.

Gostaríamos ainda de abordar rapidamente um aspecto de mais um caso acompanhado.

Trata-se de uma gestante que estava em sua quarta gestação, Fabiana. Esta mulher tinha três filhas do seu primeiro casamento. O bebê, um menino, seria o primeiro filho do seu atual marido.

Fabiana, na segunda entrevista, aos 8 meses de gestação, trouxe um importante sofrimento, verbalizando que “tinha medo de sentir, após o nascimento do bebê, o que sentiu quando as duas filhas mais novas nasceram”. Disse que “teve depressão pós-parto, chorava muito e tinha pensamentos diabólicos, chegando, após o nascimento da filha mais nova, a se ver jogando a criança pela janela do hospital”. Além disso, referiu que se isolava e só queria dormir, permanecendo assim até aproximadamente um mês após o parto. Em nenhum dos dois períodos teve ajuda profissional em relação a essa questão.

Ainda nesta entrevista, Fabiana referiu que “quis falar sobre isso, já que tinha receio de que acontecesse novamente”, afirmando que “há mães que fazem besteira após o parto”. Porém, essa preocupação não tinha sido abordada até então em seu acompanhamento pré-natal junto ao médico.

Após o nascimento do bebê, Mateus, inicialmente, foram possíveis apenas contatos telefônicos, nos quais Fabiana dizia que ela e o filho estavam bem e que não estava tendo “aqueles pensamentos”.

Aos 3 meses do bebê, aconteceu o primeiro encontro com a dupla após a consulta médica, na Unidade Básica de Saúde em que Mateus era acompanhado pelo pediatra. Fabiana referiu que havia sido constatado que o filho estava com anemia, dizendo também que “ele teve icterícia quando nasceu e que ela teve pressão alta, já que ficou nervosa com a situação”. Disse ainda que “o filho mamou no peito apenas alguns dias e depois parou”. Afirmou que “após o parto não se sentiu mal, mas sentiu um pouco de angústia durante alguns dias; seria para ficar feliz, mas não ficou”.

Descreveu o filho dizendo que ele era “bonzinho, dormia bem, mamava bem na mamadeira, era esperto, conversava com ela, já sendo uma companhia”. Durante a entrevista, Mateus apresentou contato visual, sorriso social, além de brincar com sua mão, levando-a à boca.

Os demais encontros aconteceram na casa da família. Fabiana não trouxe queixas, parecendo estar bem. Mateus, por sua vez, mostrava adequado desenvolvimento motor, bom contato social, com presença de olhar, sorriso e vocalização dirigidos ao outro. A dupla se desligou da pesquisa quando a criança estava com 6 meses, por mudança de cidade.

Análise e considerações finais

Este é um entre outros estudos longitudinais de orientação psicanalítica, no campo da organização subjetiva do laço mãe-bebê. Propõe o acompanhamento de duplas mãe-bebê, desde a gestação até o terceiro ano de vida da criança, entendendo ser este um método profícuo para o conhecimento dos caminhos por onde se dá a construção desse laço primordial, como também do que aí se configura como sofrimento psíquico.

Sabemos, desde Freud, que as condições para a maternagem de um bebê por uma mulher se organizam desde os tempos iniciais de sua infância, no laço identificatório com sua mãe, assim como na diferenciação desta, na organização de sua subjetividade mais ampla, marcada pela condição feminina, pela elaboração edípica e pelos traços transgeracionais. Sabemos também que essas condições são atualizadas pelas experiências atuais, afetivas, sociais e familiares.

Iniciar uma escuta de duplas mãe-bebê desde a gestação, porém, foi uma novidade para esse grupo de pesquisadores. Após várias discussões e estudos sobre o material levantado e sobre os impasses metodológicos vividos, organizaram-se algumas formulações acerca:

  1. Das configurações psíquicas identificadas como indicativas de sofrimento psíquico;

  2. De uma concepção de sofrimento psíquico peculiar a essa etapa de vida;

  3. Das sugestões advindas dessa experiência para uma prática de cuidados.

- Das configurações psíquicas identificadas como indicativas de sofrimento psíquico

Nesse trabalho inicial, houve a categorização de cinco sinais de sofrimento psíquico verificados nessas duplas mãe-bebê em gestação:

  • alienação materna do processo de gravidez, com atribuição dos saberes e responsabilidades;

  • negação materna do bebê, ou de um dos bebês quando entre gêmeos, durante a gestação;

  • baixo investimento libidinal ou baixa pulsionalidade dirigida ao bebê, à maternidade e à construção simbólica do bebê no psiquismo materno;

  • estados depressivos configurados e tentativas de aborto;

  • medo de ideias e de impulsos de colocar a vida do bebê em risco.

Recortamos, assim, algumas configurações sugestivas de sofrimento psíquico encontradas nessa pesquisa.

Entre as duplas pesquisadas (mesmo que sejam duplas em gestação), a angústia frente à elaboração das intensas transformações determinadas no corpo, no psiquismo e na vida cotidiana configurou-se como um lugar comum. Os complexos movimentos subjetivos determinados por essa condição geram, inevitavelmente, difíceis elaborações num breve intervalo de tempo.

Durante o processo acompanhado através da escuta, verificou-se, geralmente, uma rápida e salutar ressignificação do sofrimento vivido acerca da experiência da gestação e do lugar simbólico e narcísico atribuído ao bebê, ao pai da criança e a si mesma como mãe.

Alguns estudiosos já sinalizam, há tempos, essa condição, marcada por intensas e rápidas transformações corporais, sociais e psíquicas no momento da gestação de um bebê, como um processo salutar (RAPHAEL-LEFF, 1997RABELLO, S.; et al. A história de alguns anos de pesquisa em detecção precoce de psicopatologias graves - PUC-SP. Psicologia Revista. v. 18, série 2, São Paulo, 2009, p. 231-245.; BRAZELTOM; CRAMER, 2002BRAZELTON, B. T.; CRAMER, B. G. As primeiras relações. São Paulo: Martins Fontes, 2002.; MALDONADO, 2002MAHLER, M. S.; PINE, F.; BERGMAN, A. O nascimento psicológico da criança - simbiose e individuação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1986.). Conseguem, inclusive, pontuar algumas fases vividas pelas mulheres durante a experiência psíquica da gestação.

Maldonado (2002MAHLER, M. S.; PINE, F.; BERGMAN, A. O nascimento psicológico da criança - simbiose e individuação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1986.) descreve, por exemplo, durante o primeiro trimestre gestacional, a hipersonia como uma preparação do organismo e do psiquismo, através do repouso, para tais transformações. Raphael-Leff (1997)RAPHAEL-LEFF, J. Gravidez: a história interior. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. descreve a preocupação da mulher em adaptar-se às novas sensações corporais e emocionais, buscando novo equilíbrio. Nesse processo, passa a vivenciar fantasias sobre seu “real” estado gestacional, ambivalência em relação a estar ou não grávida, rápidas mudanças de estado emocional, marcado por um sentimento de irrealidade e até rejeição de seu novo e estranho estado.

O segundo trimestre da gestação revela características mais nítidas de sua condição de gestante. Maldonado destaca “o impacto dos primeiros movimentos fetais” (MALDONADO, 2002MAHLER, M. S.; PINE, F.; BERGMAN, A. O nascimento psicológico da criança - simbiose e individuação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1986., p. 41) e do arredondamento de suas formas. A mulher passa a admitir partilhar seu corpo e percebe o bebê, de certa forma, independente e fora de seu controle. A gravidez passa a ser sentida como uma experiência mais real. A autora destaca também importantes alterações no esquema corporal da gestante e o peso da irreversibilidade desse processo em sua vida.

Com a chegada do terceiro trimestre de gestação, as mudanças corpóreas são ainda mais intensas. Muitas mulheres sentem-se desajeitadas, inchadas e extenuadas, sentindo a necessidade de diminuir o ritmo, já preparando a chegada do bebê ao contexto da casa e das relações sociais.

- De uma concepção de sofrimento psíquico peculiar a essa etapa de vida

Analisando essa experiência, através tanto das entrevistas como do estudo dos autores citados, entendemos esse movimento rápido de ressignificação como um sinal saudável da dupla em construção subjetiva, em oposição à estagnação e à restrita ressignificação encontrada na clínica dos casos com maior risco de cronificação do sofrimento psíquico.

Algumas mães encontraram terreno mais favorável do que outras para encaminharem suas elaborações com a flexibilidade necessária para darem conta da nova condição, encontrando uma oferta mais ou menos generosa de interlocução, para que suas elaborações possam se deslocar na direção de novos sentidos, que permitam a ressignificação de suas vidas, de seu corpo e das suas relações e emoções.

Percebeu-se também a importância que teve a escuta oferecida pelos pesquisadores àquelas mais solitárias ou que não encontravam tranquilidade para dizerem o que pensavam ou viviam, fosse aos profissionais de cuidado ou aos familiares e companheiros. Pudemos perceber que a interlocução, quando reconhece suas angústias e acolhe seus caminhos singulares de elaboração, contribui significativamente para a saúde mental dessa dupla e, portanto, para a saúde geral destes.

As mães mais solitárias e conflituadas eram as que mais precisavam falar, porém as que menos coragem tinham de revelar suas angústias. Esse silêncio muitas vezes aproximava, mãe e bebê, a um importante risco à saúde física e até mesmo à vida, já que não revelava aos médicos em geral suas depressões, seus impulsos angustiados e a realidade de suas condições e necessidade de cuidados.

- Das sugestões advindas dessa experiência para uma prática de cuidados a essa população

Ressalta-se, a partir deste estudo longitudinal, a importância e o potencial interventivo, e mesmo preventivo, que a escuta dos sinais iniciais de sofrimento na dupla mãe-bebê pode ter.

Porém, as angústias, os sinais de sofrimento e, de forma geral, a dimensão da subjetividade, parecem ter pouca acolhida no acompanhamento pré-natal em seus moldes tradicionais e também no acompanhamento de crianças e suas famílias no cuidado à saúde da primeira infância, que priorizam a atenção às intensas transformações estritas ao aspecto orgânico.

Os achados deste estudo apontam para angústias e sofrimentos que ganharam voz numa instituição especializada para o cuidado dessa população, quando foi oferecida uma escuta às duplas mãe-bebê em gestação por pesquisadores, escuta que não faz parte das práticas cotidianas de cuidados nessa instituição, que ficam restritas aos casos evidentes de sofrimento físico e psíquico que são encaminhados aos psicólogos da equipe.

Tal fato nos faz pensar quantas outras gestantes em condição de sofrimento psíquico passam silenciosas pelas instituições de cuidado, como se não fossem relevantes as elaborações subjetivas que determinam a construção de seu papel de mãe e a construção simbólica do bebê no universo subjetivo dessa mãe. Sabemos também as dificuldades vividas pelos profissionais da saúde para melhor acolherem esse sofrimento. Com isso, não se entende ser unicamente da responsabilidade destes a decisão por este acolhimento, mas de toda uma política de cuidados à gestante que irá possibilitar essa escuta do profissional da saúde ao sofrimento, desde o momento de sua formação profissional, na gestão de suas práticas profissionais e na valorização que estes dados ganham àqueles que avaliam seu trabalho.

Assim, esse estudo revela aspectos que mostraram a necessidade, já conhecida por muitos, de se ampliar a concepção de saúde materna e de saúde da dupla mãe-bebê para além dos parâmetros médicos habituais, levando-se também em consideração sua vida subjetiva e seu sofrimento psíquico, e evitando-se, com isso, cronificações e agravamentos de sofrimento que podem determinar laços doentios na formação da nova configuração familiar, bem como no processo de subjetivação e de desenvolvimento instrumental da criança.

O Ministério da Saúde, em seus cadernos sobre Saúde Mental na Atenção Básica, já destaca que:

Para começar, entendemos que a saúde mental não está dissociada da saúde geral. E por isso faz-se necessário reconhecer que as demandas de saúde mental estão presentes em diversas queixas relatadas pelos pacientes que chegam aos serviços de Saúde, em especial da Atenção Básica. Cabe aos profissionais o desafio de perceber e intervir sobre estas questões.6 6 Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf> (p. 11). Acesso em: jul. 2014.

Pensamos que os achados dessa pesquisa podem contribuir com subsídios para ampliar a concepção do atendimento e cuidado às duplas mãe-bebê desde a gestação, incluindo, neste cuidado, um olhar acolhedor e colaborador para a organização da dimensão subjetiva que irá sustentar o laço que está se organizando entre mãe e bebê, fundamental à constituição de um sujeito numa criança.

Um serviço que acolhe duplas mãe-bebê, nesse delicado e decisivo tempo primordial, tem importante papel na detecção e intervenção precoces junto a essa qualidade de sofrimento, se estiver disponível e atento à escuta dos impasses que podem se configurar nesse laço.

Neste sentido, pretendemos reverter estes achados em ganhos, através da proposta de um incremento na escuta clínica interdisciplinar na organização dos serviços especializados no cuidado da gestante/mãe e seu bebê que contemple estas questões, entendendo-se esta iniciativa como uma ação de promoção de saúde que revalida os princípios do SUS. Retomando mais uma vez algumas posições apresentadas pelo Ministério da Saúde acerca dos cuidados à saúde mental na atenção básica:

Ao atentar para ações de saúde mental que possam ser realizadas no próprio contexto do território das equipes, pretendemos chamar a atenção para o fato de que a saúde mental não exige necessariamente um trabalho para além daquele já demandado aos profissionais de Saúde. Trata-se, sobretudo, de que estes profissionais incorporem ou aprimorem competências de cuidado em saúde mental na sua prática diária, de tal modo que suas intervenções sejam capazes de considerar a subjetividade, a singularidade e a visão de mundo do usuário no processo de cuidado integral à saúde.7 7 Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf> (p. 11). Acesso em: jul. 2014.

Assim, a participação no cuidado se faz sempre necessária, identificando riscos e necessidades, assim como pensando intervenções clínicas efetivas, que podem passar, no caso dos laços mãe-bebê em gestação, possivelmente, até pela oferta de um grupo de gestantes, voluntário, mas que se disponha a ouvir também as angústias todas vividas nesse processo e, talvez, identificando ali aquelas que precisam de uma escuta mais particularizada. Esta é uma sugestão entre tantas que podem ser criadas pelas equipes.

Sabemos que a sociedade contemporânea retirou de cena o acolhimento, que tradicionalmente era oferecido em todos os grupos sociais, ocidentais ou orientais, às gestantes e mães em geral, onde a sabedoria feminina acumulada pelas gerações era transmitida como potência às novas mães, e onde as meninas pequenas já participavam de perto do mundo dos cuidados de um bebê e do laço em formação.

Com isso, pretendemos também colocar em discussão nossa formação acadêmica ainda calcada em forte visão biomédica, que entende que a função dos profissionais da saúde se restringe ao raciocínio anátomo-fisiológico baseado em evidências científicas.

Por fim, para concluir a discussão dessa experiência de pesquisa, devemos reiterar a contribuição dos estudos longitudinais a esse campo de pesquisa, permitindo uma análise qualitativa dos complexos processos por onde se dá a organização da maternidade e do laço mãe-bebê, lembrando que alguns sinais de sofrimento psíquico numa gestante, quando isolados, podem suscitar interpretação equivocada sobre a saúde psíquica nesse contexto de vida.

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    Colaboraram neste levantamento as pesquisadoras em Iniciação Científica Bruna Amoroso Pastore e Flávia Horta Hungria.
  • 5
    Cf. KUPFER, M. C. M. Pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos para a detecção precoce de riscos no desenvolvimento infantil. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. VI, n. 2, São Paulo, 2003, p. 7-25 e KUPFER, et alKUPFER, M. C. M. Pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos para a detecção precoce de riscos no desenvolvimento infantil. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. VI, n. 2. São Paulo: Editora Escuta, 2003, p. 7-25.. Predictive value of clinical risk indicators in child development: final results of a study based on psychoanalytic theory. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. XIII, n. 1, São Paulo, 2010, p. 31-52.
  • 6
    Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf> (p. 11). Acesso em: jul. 2014.
  • 7
    Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf> (p. 11). Acesso em: jul. 2014.
  • *
    Silvana Rabello, falecida em 24 de junho de 2017, foi incansável em seu trabalho em prol do cuidado à saúde mental na primeira infância. Deixou como legado importantes contribuições nesta área, dentre elas o trabalho descrito neste artigo. Também foi incansável e generosa na transmissão da psicanálise e de uma posição ética perante a clínica, que deixou profundas marcas na formação de muitos alunos, supervisionandos e orientandos. Por tudo isto, somos imensamente gratas a ela.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2015
  • Aceito
    25 Out 2015
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