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CORPO E SINTOMA NO PACIENTE SOMATIZADOR: UMA VISÃO PSICODINÂMICA

Body and symptom in the somatizing patient: a psychodynamic view

RESUMO:

O texto aborda a concepção dual de corpo para a psicanálise, resultante do processo de constituição do psiquismo, que inicia na sensação, passando pela memória e chegando na representação e simbolização. Em seguida, discute o conceito de sintoma, apresentando breve percurso nas principais escolas psicossomáticas, visando trazer a divergência em relação ao sintoma carregar ou não um sentido. Apesar das controvérsias e divergências para atendimento a pacientes somatizadores, há concordância em relação a algumas características dos pacientes somatizadores: dissociação afetiva; dificuldade de simbolização e no estabelecimento de vínculos afetivos. O manejo clínico desses pacientes requer ajustes, o analista deve constituir um vínculo transferencial que possibilite a tradução ou nomeação do inominável, sua interpretação e ressignificação para integração na psiquê.

Palavras-chave:
corpo erógeno; sintoma; psicossomática; simbolização

Abstract:

The text addresses the dual conception of the body for psychoanalysis resulting from the psychic constitution process, which begins in sensation, through memory and coming in the representation and symbolization. Then it discusses the concept of symptom, presenting a brief view into the main psychosomatic schools, aiming to bring the divergence in relation to the symptom to carry a meaning or not. Despite the controversies and divergences in the care of somatizing patients, there is agreement in relation to some characteristics of somatizing patients: affective dissociation; difficulty of symbolization and in the establishment of affective bonds. The clinical management of these patients requires adjustments, the analyst must constitute a transferential link that allows for the translation or naming of the unnameable, its interpretation and reframing for integration in the psyche.

Keywords:
erogenous body; symptom; psychosomatic; symbolization

Introdução: o corpo e a psicanálise

Não há analisandos ou analistas que, em um momento ou outro, não somatizem... Na minha opinião, a somatização como resposta à dor mental é uma das respostas psíquicas mais comuns de que o ser humano é capaz. (McDOUGALL, 1994MCDOUGALL, J. As múltiplas faces de Eros: uma exploração psicoanalítica da sexualidade humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997., p. 75).

O texto parte da concepção dual de corpo para a psicanálise para discutir o sintoma psicossomático e aborda o manejo clínico dos pacientes somatizadores. Para tal, está estruturado em partes: inicia abordando a concepção dual do corpo em psicanálise e, em seguida, discute o conceito de sintoma, apresentando breve percurso nas principais escolas psicossomáticas, visando pontuar a divergência em relação ao sintoma carregar um sentido ou não. No texto, é dado destaque a Winnicott (1949WINNICOTT, D. A mente e sua relação com o psicossoma (1949). In: WINNICOTT, D. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000.), McDougall (1994)MCDOUGALL, J. As múltiplas faces de Eros: uma exploração psicoanalítica da sexualidade humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997. e Dejours (2019DEJOURS, C. Psicossomática e teoria do corpo. São Paulo: Blucher, 2019.), autores que compartilham do pressuposto de que os sintomas psicossomáticos possuem um sentido a ser nomeado, traduzido ou interpretado pelo analista. Ainda delineia de forma resumida algumas características do funcionamento psíquico desses pacientes somatizadores e conclui com a discussão sobre a necessidade de um manejo diferenciado no atendimento psicanalítico aos mesmos. Desse modo, pode contribuir para a discussão sobre o atendimento a pacientes somatizadores, cada vez mais frequentes em decorrência da modernidade, constituindo o que alguns autores denominam de patologias ligadas à pós-modernidade (BIRMAN, 2007BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.; ROUANET, 1997ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-estar na Modernidade. RBP - Revista Brasileira de Psicanálise, v. XXXI, n. 1, p. 9-30, 1997.).

Freud demonstrou que as experiências psíquicas das pessoas articulam corpo e linguagem. Assim, desde o início, a psicanálise colocou a origem do processo do pensamento no corpo. A partir desse enlace, elas se constituem como sujeitos e podem conferir sentido ao vivido, criando laços afetivos. Freud (1923/1986FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica (1895). Rio de Janeiro: Imago, 1986, p. 381-395. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 1)) afirmou que o eu é, desde suas origens, um eu corporal, já que sua fundação se encontra no âmbito das experiências sensoriais e nas trocas que ocorrem na relação com a alteridade.

Etimologicamente, o substantivo corpo vem do latim corpus, corporis, que designa o corpo morte, por oposição à alma (anima). Em grego clássico, essa significação seria parcialmente expressa pelo termo soma, que designaria o corporal em oposição ao incorporal. Assim a palavra corpo remetia no greco-latino ao corpo mortal. Daí resultou que corpus se tornou adequado para designar o sólido, o tangível, o que é sensível, visível e com forma. (WINOGRAD, 2016WINOGRAD, M. C. Corpo: natureza e expressão. In: NOVAES, J. V.; VILHENA, J. (org.). Que corpo é este que anda sempre comigo: corpo, imagem e sofrimento. Curitiba, Appris, 2016., p. 233).

O corpo estudado pela biologia e o corpo estudado pela psicanálise não são o mesmo. A divisão entre corpo e psique é meramente didática. Para a psicanálise, o funcionamento psíquico de uma pessoa depende tanto do corpo biológico quanto de suas representações psíquicas. Sendo os dois interdependentes, todo estado psicopatológico deveria ser considerado em seu duplo aspecto: por um lado, como resultante das desordens no funcionamento psíquico e na atividade de pensar do paciente; por outro lado, resultado das desordens ou alterações em seu funcionamento fisiológico, neurológico ou até mesmo em sua organização anatômica (DEJOURS, 2019DEJOURS, C. Psicossomática e teoria do corpo. São Paulo: Blucher, 2019.).

A psicanálise se debruça sobre o corpo dentro dos domínios onde precisamente a biologia é muda: o sonho, a fantasia, o desejo, o sofrimento, o prazer, o amor e, mais latente, os afetos que, incontestavelmente, passam por ele e o mobilizam. O corpo seria aquilo que deixa uma trajetória dinâmica através da qual aprendemos a registrar e a ser sensíveis àquilo de que é feito o mundo. Não se tem um corpo; ele é gradativamente adquirido na trajetória de ser afetado pelos componentes materiais e artificiais que o constituirão (LATOUR, 2008LATOUR, B. Como falar do corpo? A dimensão normativa dos estudos sobre a ciência. In: NUNES, J. A.; ROQUE, R. (org.). Objectos impuros: experiências em estudos sobre a ciência. Porto: Edições Afrontamento, 2008.).

Do corpo representado, Freud chegou ao conceito de corpo erótico, pulsional. Ele descreve, em seu Projeto (1895/1986FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930). Rio de Janeiro: Imago, 1986. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud)), que esse processo de construção das representações resulta das percepções corporais, que se transformam em sensações, memórias e posteriormente em representação. No início, são as sensações, sentidas pelo bebê na interação com seu cuidador, e vivenciadas como afetos puros; à medida que ele desenvolve rudimentos de aparelho psíquico e memória, criam-se as representações. A partir daí, surge a capacidade simbólica, a possibilidade de nomear as vivências, e se funda o psiquismo. Esse processo pode ser ilustrado pela figura 1.

A constituição do corpo erógeno advém do diálogo entre o corpo biológico e suas funções, que englobam os sentidos corporais, apreendidos desde o nascimento a partir da experiência com os pais. A organização do corpo erógeno passa por uma operação descrita por Freud como estágios do desenvolvimento das pulsões. A passagem pelas fases erógenas proporciona certa subversão dos órgãos, na medida em que um órgão é convocado a atender não apenas a uma função específica, mas amplia suas funções.

Quando o bebê utiliza a boca como órgão, ele afirma uma certa independência de uso de seu órgão além de sua destinação primitiva. Ele demonstra que não é um escravo de seus instintos e de suas necessidades, que não é apenas um organismo animal, mas que busca se tornar um sujeito de seu desejo.

Para se libertar pouco a pouco da ditadura de uma função fisiológica, o órgão é um intermediário necessário. A subversão da função para a pulsão passa pelo órgão. As funções fisiológicas podem ser pouco a pouco subvertidas em benefício da construção do que chamamos de corpo erótico. Graças a ele, o sujeito consegue gerenciar melhor suas funções fisiológicas, seus instintos, seus comportamentos automáticos e reflexos, seus ritmos biológicos. Graças a esse processo, o registro do desejo instaura seu primado sobre o domínio da necessidade, a pulsão se separa parcialmente do instinto.

Figura 1
As fases da constituição do psiquismo a partir do corpo.

Dejours (2019DEJOURS, C. Psicossomática e teoria do corpo. São Paulo: Blucher, 2019.) afirma que as pessoas vivem simultaneamente dentro de dois corpos: o biológico e o erótico, sendo este formado a partir do primeiro. O corpo reflete fielmente a história das relações entre o bebê e o adulto. A arquitetura do corpo erógeno se funda nas vivências e memórias dessas relações primitivas. Os dois corpos correspondem a duas realidades distintas. Entre os dois corpos, existem uma comunicação e dependência. Ele nomeia o processo a partir do qual o corpo erótico se descola do corpo fisiológico como “subversão libidinal” das funções biológicas em benefício da economia erótica. O corpo erógeno está na origem da subjetividade, sendo portanto o fundamento da experiência subjetiva e o lugar eletivo onde a subjetividade se transforma de sensações, memórias, representações em Eu. O corpo erótico é que é mobilizado pelo agir expressivo, nessa comunicação interpessoal.

A constituição do psiquismo do bebê depende de como ele vivencia esse vínculo primordial com a figura materna. Essa vivência é individual e decorre de fatores filogenéticos e ambientais relacionados ao modo como a mãe é capaz de acolher o bebê com suas angústias, de se comunicar com ele, traduzir e fundar a capacidade de simbolização. Essa construção das representações somatopsíquicas que resulta desse processo de vinculação do bebê com sua mãe é comentada por McDougall da seguinte forma:

Desde o nascimento a criança é cercada por elementos de um sistema de significações ambientais. Paralelamente, seu corpo em contato constante com o corpo materno recebe uma primeira escrita, escrita que lhe é transmitida por seres falantes. É assim que as inscrições somáticas são sempre traduzíveis em palavras que afetam a todos (como as palavras que transmitem afetos). Essas palavras são enraizadas em metáforas corporais. Desse modo, o afeto não pode ser considerado nem como um fenômeno unicamente psíquico nem unicamente somático. (MCDOUGALL, 1994MCDOUGALL, J. Corpo e linguagem: da linguagem do soma às palavras da mente. RBP - Revista Brasileira de Psicanálise, v. XXVIII, n. 1, p. 75-98, 1994., p. 80).

Outro autor que também ressaltou a importância desse vínculo inicial foi Winnicott (1949)WINNICOTT, D. Notas sobre anormalidade e ansiedade (1931). In: WINNICOTT, D. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000., inclusive pontuando que é melhor se denominar a dupla mãe-bebê. Ele afirma que após a vivência de simbiose do bebê com sua mãe, inicia-se o processo de separação e individuação, e, para que ocorra de forma menos traumática, o bebê necessita de uma mãe suficientemente boa, que seja capaz de manter com ele uma distância afetiva e tranquilizadora, que seja ideal no sentido de nem muito perto (que o invada), nem muito distante (que o leve a sentir desamparado). É esse espaço que Winnicott denomina de espaço transicional, no qual o bebê poderá simbolizar suas representações lidando com a angústia da ausência. A aquisição da linguagem verbal é também um ganho que possibilita à criança abrir mão da linguagem corporal para fazer uso de uma nova forma de comunicação.

Capacidade de simbolização e construção de sintomas somáticos

Uma das importantes aquisições do desenvolvimento psíquico é a capacidade de simbolização, que se refletirá na futura capacidade de elaborar conflitos por meio de processos psíquicos, resultante do processo de desenvolvimento e estruturação emocional que a pessoa teve. Para alguns autores como Dejours (2019DEJOURS, C. Psicossomática e teoria do corpo. São Paulo: Blucher, 2019.), McDougall (1994MCDOUGALL, J. As múltiplas faces de Eros: uma exploração psicoanalítica da sexualidade humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997.) e Winnicott (1949)WINNICOTT, D. Notas sobre anormalidade e ansiedade (1931). In: WINNICOTT, D. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000., o surgimento de alguns sintomas psicossomáticos pode ser compreendido como medidas defensivas que alguns pacientes que tiveram falhas em seu desenvolvimento utilizam como modo de enfrentar a angústia e visando manter o mínimo de equilíbrio dessa organização emocional.

Para Freud, a ansiedade é um sentimento difícil de suportar continuamente, considerando-a como

[...] uma reação a uma situação de perigo. A ansiedade é algo que se sente, estado afetivo. Como um sentimento, a ansiedade tem um caráter muito acentuado de desprazer. Ela se faz acompanhar de sensações físicas mais ou menos definidas que podem ser referidas a órgãos específicos do corpo. A geração de ansiedade põe a geração de sintomas em movimento e é, na realidade, um requisito prévio dela. (FREUD, 1926/1986FREUD, S. Inibições, Sintomas e Ansiedade (1926). Rio de Janeiro: Imago, 1986, p. 95-201. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 20), p. 155).

Por isso, a partir dela, todo o aparelho psíquico da pessoa se mobiliza no sentido de negá-la, reprimi-la, transformá-la ou elaborá-la, e assim continuar sobrevivendo. Freud (1930/1986FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930). Rio de Janeiro: Imago, 1986. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud)) afirmou que a pessoa utiliza algumas estratégias para enfrentar e lidar com a angústia, destacando principalmente: isolamento voluntário; submissão às normas; uso de substâncias tóxicas; desenvolvimento de defesas e sintomas; delírio ou cultivo da ilusão religiosa (tornar-se louco); amar e ser amado; e a sublimação via trabalho. Dentre as estratégias acima citadas, destaca-se a formação dos sintomas.

A palavra sintoma etimologicamente deriva do grego, significando o que se mantém junto. Produzir sintomas é produzir sinais; os sintomas têm um sentido. “O sintoma é uma formação de compromiso, por meio da qual o desejo abre um caminho para sua satisfação, mesmo que apenas de modo parcial” (MIJOLLA, 2013MIJOLLA, A. Dicionário Internacional da Psicanálise: conceitos, noções, biografias, obras, eventos, instituições. Rio de Janeiro: Imago, 2013., p. 1743). Pode-se dizer que os sintomas se constituem visando evitar a ansiedade, ou seja, para evitar uma situação de perigo assinalada por ela, removendo do ego uma situação de perigo. O sintoma é uma formação do inconsciente, com uma estrutura de linguagem onde ocorre uma substituição ou metáfora, passível de deslocamento e modificação, e que clama por tradução. O que sai do corpo em forma de demanda de trabalho psíquico, retorna ao corpo como uma espantosa satisfação que causa estranheza aos menos avisados em virtude do sofrimento que a acompanha. “Um sintoma realmente denota a presença de algum processo patológico” (FREUD, 1926/1986FREUD, S. Inibições, Sintomas e Ansiedade (1926). Rio de Janeiro: Imago, 1986, p. 95-201. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 20)). Desse modo, o sintoma expressa representações que não podem ser conscientes devido à angústia que produziriam; relaciona-se com a vida pulsional do indivíduo, expressando uma comunicação inconsciente, desconhecida do sujeito, se dirigindo para alguém.

Dentre os fatores que desempenham seu papel na formação do sintoma e no adoecimento, três devem ser considerados: um fator biológico, um filogenético e um psicológico. Na construção dos sintomas, ocorre uma confusão entre afetos, pensamentos e representações no aparelho psíquico, o que dificulta a produção do pensamento racional. Desse modo, a atuação em forma de somatização ilustra o funcionamento de uma mente onde predominam certas características. As fantasias, os sonhos, as palavras ocupam o lugar e tomam a função de ação, conforme GREEN (1988GREEN, A. Sobre a loucura pessoal. Rio de Janeiro: Imago, 1988.).

Desse modo, no sintoma, o que se mantém junto são os indicadores e seu sentido, constituindo-se como uma proto-linguagem.

Os sintomas somáticos invariavelmente envolvem o colapso da capacidade de simbolização do indivíduo e, portanto, da capacidade de elaborar mentalmente o impacto das situações de estresse. Quando a angústia, a aflição, a fúria não reconhecidas, o terror ou a excitação incomum são somatizados, em vez de serem reconhecidos e processados mentalmente, o indivíduo submerge numa forma primitiva de pensamento, na qual os significantes são pré-verbais. As somatizações poderiam ser conceituadas como formas de funcionamento pré-verbal ou proto-simbólico e, portanto, como constituindo uma proto-linguagem. (MCDOUGALL, 1997MCDOUGALL, J. As múltiplas faces de Eros: uma exploração psicoanalítica da sexualidade humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997., p. 169).

Quando uma pessoa é incapaz de verbalizar seu sofrimento, em decorrência desse comprometimento em sua capacidade de simbolização, o corpo se transforma na via de expressão da dor psíquica em busca da sobrevivência, mesmo que seja às custas do sacrifício e do adoecimento das funções fisiológicas (FURTADO, 2017FURTADO, G. M. F. A dor de viver, a dor da vida. In: BEJAR, R. (org.). Dor psíquica, dor corporal: uma abordagem multidisciplinar. São Paulo: Blucher, 2017, p. 161-174.; STEINWURZ, 2017STEINWURZ, D. A. Doença de Crohn e retocolite: abordagem psicanalítica dos fenômenos somáticos. In: BEJAR, R.(org.). Dor psíquica, dor corporal: uma abordagem multidisciplinar. São Paulo: Blucher, p. 175-198, 2017.).

Freud dizia que, quando os afetos eram desligados das representações, eles eram convertidos, deslocados ou transformados. Vários autores pós-freudianos também partiram da abordagem de Freud e relacionaram o destino pulsional da construção de sintoma somático com uma falha no desenvolvimento da capacidade de simbolização. Destacam-se: Roussillon (2015)ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1998., McDougall (1997)MCDOUGALL, J. As múltiplas faces de Eros: uma exploração psicoanalítica da sexualidade humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997., Winnicott (1931WINNICOTT, D. Notas sobre anormalidade e ansiedade (1931). In: WINNICOTT, D. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000.;1949WINNICOTT, D. A mente e sua relação com o psicossoma (1949). In: WINNICOTT, D. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000.), Dejours (2019DEJOURS, C. Psicossomática e teoria do corpo. São Paulo: Blucher, 2019.), dentre outros.

Roussillon (2015)ROUSSILON, R. An introduction to the work on primary symbolization. Congresso Internacional de Psicanálise da IPA. Anais...Boston, 2015. afirma que, quando o ambiente é rígido e há imposição de um meio ambiente que não atende às necessidades do bebê, este se retira da relação objetal de forma narcísica, como se fosse para um bunker interno. Nesses casos, o bebê desenvolve um modo de funcionamento baseado no trauma, em que está sempre ou pronto para atacar (a fim de defender sua sobrevivência psíquica, como vemos depois nos comportamentos antissociais), ou ficar pronto para se recolher, se refugiar e se encapsular (como nas psicoses e patologias borderline), ou mesmo ficar pronto para se autoatacar, ou se desintegrar (como nas somatizações e doenças psicossomáticas). Essas experiências do psicossoma são sensoriais e motoras que não passam de representações de coisa, e que constituem fantasias inscritas no corpo, e não sobre o corpo.

O surgimento do sintoma não é somente interpretado como uma injúria física, mas sim é tomado pelo paciente como um elemento capaz de alterar ou desfazer suas estruturas psicofísicas construídas ao longo de toda sua vida, habitualmente, com muito trabalho e sofrimento. (SCHAVELZON, 1978SCHAVELZON, J. Câncer: enfoque psicológico. Bueno Aires: Editorial Galerna, 1978., p. 21).

Os afetos não simbolizáveis podem se transformar em uma somatização (McDOUGALL, 1997MCDOUGALL, J. As múltiplas faces de Eros: uma exploração psicoanalítica da sexualidade humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997.). As somatizações indicam uma reação inconsciente ao sofrimento emocional indizível, que deve ser entendida como uma espécie de busca ou tentativa de cura. Para ela, os sintomas psicossomáticos decorrem de uma falha na simbolização e de uma carência na elaboração psíquica. Diante da impossibilidade precoce de inclusão da dor psíquica numa cadeia simbólica, cria uma desintegração em potencial na unidade psicossomática, pois impede que essa dor psíquica seja sua nomeada, articulada e vivenciada. Diante dessa angústia, surge no corpo a manifestação de descarga-ato, que são os fenômenos psicossomáticos.

Winnicott (1931; 1949WINNICOTT, D. Notas sobre anormalidade e ansiedade (1931). In: WINNICOTT, D. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000.) definiu o termo psique-soma como a unidade psicossomática que representa o indivíduo no seu primeiro ano de vida, antes do desenvolvimento de uma mente. À medida que se desenvolve, o bebê adquire a noção de integração e personalização, com a possibilidade de a psique residir na soma, e vice-versa, constituindo então o sentimento do ser. Esse processo depende da forma como ocorre o vínculo entre mãe-bebê.

Outro autor que também descreveu as falhas advindas dessas relações primitivas entre o bebê e seus cuidadores foi Dejours (2012DEJOURS, C. Souffrance au travail: regards croisés sur des cas concrets. Comprendre, prévenir, agir. Lyon: Éditions de la Chronique Sociale, 2012.). Para ele, as falhas do corpo erótico são herança da história das relações entre o bebê e seus pais, ou seja, dependerá da capacidade dos pais de lidar com o corpo do bebê em diferentes registros possíveis do agir expressivo. O agir expressivo é a forma como o corpo se mobiliza a serviço da significação, isto é, a serviço do ato de significar a outrem aquilo que o eu vive. Não há apenas o que é dito, há também a maneira de dizer, e a maneira de dizer afeta aquilo que é dito. O agir expressivo mobiliza o corpo inteiro, e, ao agir expressivamente, também provoca reações no corpo do outro; ele age sobre o outro a quem se endereça, sendo um vetor privilegiado da intencionalidade nas relações intersubjetivas (DEJOURS, 2019DEJOURS, C. Psicossomática e teoria do corpo. São Paulo: Blucher, 2019.).

Ele parte do pressuposto de que o sintoma somático resulta da clivagem entre o corpo biológico e o corpo erótico, bem como do processo de subversão libidinal. Ele tem origem nas defesas utilizadas para enfrentar o medo diante da incapacidade dos pais para lidar com a violência nas relações primitivas. Na falha no processo de construção do corpo erógeno, só é possível sobreviver fora da doença física ou mental se ocorrer a clivagem, cisão entre emoção e pensamento. Com a clivagem, os delírios e somatizações são criados para livrar a pessoa do medo e para sua sobrevivência, porém se constituem um risco de destruição do aparelho psíquico e para o corpo. Essas etapas estão ilustradas na Figura 2.

Figura 2
As etapas da construção do sintoma somático a partir de Dejours.

Para ele, o processo de somatização resulta no sintoma, e, nele, o que se mantém junto são os sinais e seu sentido, ou seja, seu conteúdo significativo. Dejours (2012DEJOURS, C. Souffrance au travail: regards croisés sur des cas concrets. Comprendre, prévenir, agir. Lyon: Éditions de la Chronique Sociale, 2012.) se refere ao processo de constituição do sintoma como somatizações simbolizantes. Quando o corpo somatiza, ele rompe o silêncio.

Dentre as várias possibilidades de trabalhar com os sintomas somáticos, resultantes do processo acima descrito, o presente texto objetiva apresentar a abordagem da psicanálise psicossomática, compreendendo que a clínica psicossomática e psicanalítica evidencia que, para viver autenticamente na relação com o outro em uma experiência subjetiva e na dimensão do afeto, é preciso não apenas ter um corpo, mas estar num corpo. Porém, estar num corpo não é algo óbvio, pois o corpo vivido não é o corpo fisiológico, e sim o corpo erógeno. O corpo para a psicanálise é a origem da identidade, do amor e do pensamento (DEJOURS, 2019DEJOURS, C. Psicossomática e teoria do corpo. São Paulo: Blucher, 2019.).

Controvérsias em psicossomática: sintoma com ou sem sentido?

Nascida com Hipócrates, a medicina psicossomática concerne simultaneamente ao corpo e ao espírito, e, mais especificamente, à relação direta entre a soma e a Psyché. Descreve como as doenças orgânicas são provocadas por conflitos psíquicos, em geral inconscientes (ROUDINESCO; PLON, 1998ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1998., p. 624).

O termo psicossomático surgiu na literatura médica em 1818, em um texto de Heinroth, já com a noção de que “quando o sofrimento não pode expressar-se pelo pranto, ele faz chorarem outros órgãos”. O conceito foi formalizado pelo psicólogo britânico James Halliday. Desde o final da década de 1940, o termo psicossomático adquiriu essa grafia unificadora e passou a ser empregado como substantivo para designar, no campo analítico, a decisiva influência dos fatores psicológicos na determinação das doenças orgânicas, embora já admitindo uma inseparabilidade entre elas. Passou a ser utilizado visando designar a influência dos fatores psicológicos na determinação de doenças orgânicas (ZIMERMAM, 2001ZIMERMAN, D. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001.; MIJOLLA, 2013MIJOLLA, A. Dicionário Internacional da Psicanálise: conceitos, noções, biografias, obras, eventos, instituições. Rio de Janeiro: Imago, 2013.).

O que Freud introduziu com seu A interpretação dos sonhos (1900FREUD, S. A interpretação dos sonhos (1900) Rio de Janeiro: Imago, 1986, p. 95-201. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 4 e 5)/1986) foi a noção de que existe uma linguagem básica, comprometida com o desejo e que esta é uma forma primitiva de realização alucinatória, que ela é menos comunicação que encenação e que, finalmente, sua transformação em palavras gera atividade mental simbólica compartilhável com outros. A grande descoberta de Freud foi desenvolver essa gramática do desejo, seu processo primário de pensar, e mostrar que podemos intervir nessa linguagem semifechada, exclusivista, cenário misantrópico de realizações narcísicas. E abriu perspectiva de intervenção. Em um primeiro momento, propôs recuperar falas que regrediram ao texto desse processo primário de pensar e ali se mantém como reprimido, visando evitar sofrimento; posteriormente, estimulando o próprio processo primário a progredir em busca de formas simbólicas capazes de ensejar relações sociais em um processo secundário de pensar, com todos os compromissos com a realidade. É esse o movimento dinâmico da mente: forças simbólicas, originadas no instinto biológico transfigurado em desejo pela atividade representacional básica e estratificadas entre o eu e o outro como energia de vínculo afetivo (EKSTERMAN, 1994EKSTERMAN, A. Abordagem psicodinâmica dos sintomas somáticos. RBP - Revista Brasileira de Psicanálise, v. XXVIII, n. 1, p. 9-24, 1994.).

A constituição do sintoma e a somatização são temas a partir dos quais vários autores se debruçaram, contribuindo para o delineamento de diversas correntes de medicina psicossomática, algumas delas com ênfase nos aspectos psicodinâmicos e utilizando princípios psicanalíticos. A Tabela 1 apresenta as principais escolas.

Tabela 1
Principais escolas psicossomáticas psicanalíticas e sua ênfase para a causa do sintoma somático.

A psicossomática moderna é o produto da tentativa da psicanálise de intervir teórica e clinicamente na patologia somática. Os fatos psicodinâmicos se organizam segundo parâmetros simbólicos ou culturais, sendo simbólico aqui compreendido como ser em relação com o outro, produzindo consciência. A psicossomática psicanalítica tem dois eixos de trabalho que embasam sua reflexão, teorização e prática clínica. O primeiro eixo defende e assume uma postura de envolvimento, compreensão, acolhimento que trabalha o paciente a partir de sua história, o sentido do adoecer em seu contexto de vida, sua demanda, ou seja, a doença como sintoma. O segundo eixo estuda os mecanismos, a relação entre o psiquismo e o corpo, que não é só um corpo biológico, anatômico, mas também um corpo erótico, considerando também o seu aspecto de linguagem, a capacidade de simbolização a partir da qual é possível perlaborar e alterar as representações e sintomas (CASTRO, 2013CASTRO, J. R. S. Psicossomática: uma atividade interdisciplinar. In: CALDEIRA, G.; MARTINS, J. D. (org.). Psicossomática: teoria e prática. Belo Horizonte: Artesã Editora, 2013.).

Na década de 1940, surgiram duas escolas nos Estados Unidos da América: a Escola de Nova Iorque, com Dunbar, que levantou perfis de personalidade pé-mórbidos específicos, ligados a alguns quadros clínicos. Para a Escola de Chicago, com Alexander (nos Estados Unidos da América), a noção de perfil de personalidade seria insuficiente como causa. Ele propôs a noção de constelação psicodinâmica específica, onde, diante de um excesso de tensão somado à fragilidade de um órgão, se criaria o terreno fértil para o surgimento da doença psicossomática. Ele descreveu as sete doenças psicossomáticas - asma brônquica, úlcera gástrica, artrite reumatoide, reto colite ulcerativa, tireotóxicos e hipertensão essencial -, atribuindo a cada uma delas uma especificidade psicogênica. MacLean ganhou o Prêmio Nobel a partir de sua descrição neurofisiológica do sistema límbico como a sede anatomofisiológica das emoções e que regeria o funcionamento orgânico, provocando manifestações patológicas ou não por meio das vias córtico-talâmicas e do sistema nervoso autônomo (EVA,1994EVA, A. C.; VILARDO, R.; KUBO, Y. Psicossomática e nossa prática psicanalítica. RBP - Revista Brasileira de Psicanálise, v. XXVIII, n. 1, p. 339-350, 1994.).

Para Winnicott (1931)WINNICOTT, D. Notas sobre anormalidade e ansiedade (1931). In: WINNICOTT, D. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000., o que caracteriza a doença psicossomática é a dissociação da personalidade do indivíduo, que impede o paciente de perceber a relação entre sua disfunção somática e seu psiquismo. Assim, a pessoa precisa do sintoma devido a algum empecilho surgido no seu desenvolvimento emocional. As manifestações da ansiedade infantil podem ocorrer tanto por via psíquica quanto somática.

Na década de 1960, na França, surgiu a Escola Psicossomática de Paris, com Pierre Marty e colaboradores, assentada na noção de déficit, de carência psíquica, associativa e simbólica. Dentre os vários conceitos elaborados por essa escola, destacam-se a depressão essencial, a desorganização crônica e o pensamento operacional (ZIMERMAN, 2001ZIMERMAN, D. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001.; MIJOLLA, 2013MIJOLLA, A. Dicionário Internacional da Psicanálise: conceitos, noções, biografias, obras, eventos, instituições. Rio de Janeiro: Imago, 2013.).

Para a Escola de Psicossomática de Paris, o ser humano é uma unidade psicossomática em que o conflito não é entre o soma e a psique, mas, sim, entre as pulsões em uma mesma área somática. Assim, a capacidade de representação assume um papel fundamental no processo de constituição psíquica, e uma falha no mesmo pode indicar uma propensão à construção de sintomas somáticos. Marty (1995)MARTY, P. El orden psicossomático (la vida operatória) (1963). Valencia: Promolivro, 1995. elaborou o conceito de funcionamento operatório, e também descreveu o funcionamento mental desses pacientes. O pensamento operatório é caracterizado por: pensamento consciente que se manifesta sem vínculo orgânico com uma atividade fantasmática de nível apreciável; reproduz e ilustra a ação, mas dentro de um capo temporal limitado. Quanto à exclusividade desta forma de pensamentos, ela é predominante nesses pacientes.

A alexitimia (ausência de palavras para nomear emoções) também está presente, compreendida como incapacidade para expressar afetos; depressão essencial, que se caracteriza pela inexpressividade psíquica, considerada a negatividade dos sintomas depressivos clássicos. Há relatos de sofrimento psíquico referindo-se a uma fadiga, que se transforma em desinteresse pela vida; há um cansaço tenaz, um desinteresse pela vida e um estado de tensão descrito como estresse. E ainda um superinvestimento da realidade perceptiva, que tem como objetivo proteger o eu fragilizado, de ser invadido pelo que o paciente sente como angústias intoleráveis advindas de vivências psíquicas difíceis. Isso leva a uma tensão constante, que os impede de se tranquilizar, e uma permanente angústia. (CALDEIRA; MARTINS, 2013CALDEIRA, G.; MARTINS, J. D. Psicossomática: teoria e prática. 3 ed. Belo Horizonte: Artesã Editora, 2013.).

Além disso, observa-se também uma adesão e superadaptação às normas e aos valores sociais, além da necessidade de estar em atividade o tempo todo; falhas na ordem das representações e das fantasias inconscientes; superinvestimento da realidade perceptiva, que tem como objetivo proteger o eu fragilizado, de ser invadido pelo que o paciente sente como angústias intoleráveis advindas de vivências psíquicas difíceis. Geralmente, há uma dificuldade ou impossibilidade de sentir qualquer emoção, por ser experienciada como muito desorganizadora, essa emoção acaba escoando de forma bruta para o corpo, que adoece.

Inicialmente ligado à Escola Psicossomática de Paris, Dejours ampliou sua visão à medida que considerou que o sintoma possui sim um sentido e que é dirigido para um outro (analista) traduzi-lo para o paciente. O sintoma tem um significado, constituindo-se como um pedido de ajuda endereçado ao analista, para que o auxilie a traduzir o que ele quer comunicar, mas não encontra palavras. Desse modo, para conseguir compreender o significado do sintoma na dinâmica psíquica do paciente, é importante considerar não o órgão afetado, mas sim a função afetada. O corpo erótico deve se tornar um corpo pensante, pois, a partir do desenvolvimento da capacidade de simbolizar na interação, não será mais necessário que o corpo continue a construir sintomas.

Ao abordar a psicossomática, não há sentido em manter a oposição entre doenças psíquicas ou mentais e as doenças somáticas. As doenças mentais são sempre e ao mesmo tempo doenças do corpo, e as doenças do corpo são sempre e ao mesmo tempo doenças mentais. Toda doença é sempre simultaneamente mental e somática. Nessa perspectiva, as doenças psicossomáticas não existem, o que existem não são doenças, mas sim doentes (DEJOURS, 2019DEJOURS, C. Psicossomática e teoria do corpo. São Paulo: Blucher, 2019.).

O Paciente Somatizador

Desde Freud, o ato psicanalítico continua visando transformar a vida mental e produzir consciência. A psicanálise não trata doenças: trata doentes. (EKSTERMAN, 1994EKSTERMAN, A. Abordagem psicodinâmica dos sintomas somáticos. RBP - Revista Brasileira de Psicanálise, v. XXVIII, n. 1, p. 9-24, 1994., p. 20).

As somatizações são manifestações que advêm do campo pré-psíquico, do arcaico originado em traços perceptivos precoces, que estariam entre a soma e a psique e que ainda não possuem existência mental. Há um prejuízo tanto na quantidade como na qualidade do funcionamento inconsciente, o que acarreta o empobrecimento da capacidade simbólica do paciente. A forma de funcionamento mental presente nas somatizações teria um valor defensivo, que visa proteger a pessoa de uma realização alucinatória do desejo. “Trata-se de manifestações do inconsciente propriamente dito, aquele que nunca foi representado, do campo do arcaico, da pulsão desorganizada, da excitação psicossomática, que se expressa em actings, ou no soma ou na alucinação” (UCHOA, 2017UCHOA, A. C. Da histeria às somatizações: o corpo em cena. In: BEJAR, R.(org.). Dor psíquica, dor corporal: uma abordagem multidisciplinar. São Paulo: Blucher, p. 147-1602017., p. 155).

Pacientes somatizadores apresentam funcionamento psíquico onde predominam vivências inomináveis de desamparo, de dificuldades constitucionais narcísicas primárias e de déficits significativos da capacidade de simbolização, da possibilidade de subjetivação do ser humano e pela imposição do corpo como veículo de expressão da dor psíquica e da busca pela sobrevivência. Geralmente, são pouco capazes de lidar com afetos potencialmente desestruturantes, de modo que recorrem a estratégias defensivas arcaicas que lembram as soluções encontradas por uma criança para sobreviver psiquicamente diante de um sofrimento de outro modo inabalável, conforme McDougall (1997)MCDOUGALL, J. As múltiplas faces de Eros: uma exploração psicoanalítica da sexualidade humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997.. É inconsciente a tendência a ejetar do próprio psiquismo percepções, fantasias e pensamentos associados a afetos que poderiam causar sofrimento. Assim, os afetos que foram expulsos do aparelho psíquico são compensados e se reduzem a uma expressão somática em forma de sintoma.

Ao abordar as características clínicas do paciente psicossomático, D’Alvia (1994)D’ALVIA, R. Narcisismo, patologia de risco e doença somática. In: RBP - Revista Brasileira de Psicanálise , v. 28 , n. 1, p. 143-52, 1994. Disponível em:Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-169113 . Acesso em: 9 out. 2019.
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afirma que, no que se refere ao funcionamento psíquico, geralmente há: uma dificuldade ou incapacidade de simbolização, que é apreendida por meio de uma atividade fantasmática comprometida; um pensamento operatório ou instrumental; uma dificuldade do paciente para verbalizar e discriminar seus afetos; o sentimento de não ser considerado; um discurso pobre, catártico e literal, com referência constante a objetos reais; o relato do sintoma somático que carece de afetividade, e é apresentado sem conexão com eventos anteriores. No que se refere aos vínculos, as relações com o mundo externo tendem a ocorrer em modalidades narcisistas; pode ocorrer a depressão essencial, onde predomina a indiferença e a dificuldade de sustentar compromissos afetivos; o paciente possui intensa ambição e urgência pelo tempo; busca um excesso de atividades concretas, sem deixar espaço para o brincar ou o lazer; adota posturas superexigentes; no que se refere à relação com o próprio corpo, há exigências externas e tendência a ignorar os sinais interceptivos; o corpo é sentido como algo externo ameaçador e desconhecido, exposto à superexigência, o que gera uma sensação de desânimo e estado de tensão crônica.

Dentre as diversas formas de expressar corporalmente os sintomas e doenças, Vallas (1990)VALAS, P. Apresentação. In: WARTEL, R. Psicossomática e psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990., partindo de uma abordagem lacaniana, as relaciona com a linguagem, devendo aqui serem excluídas todas as doenças desenvolvidas em decorrência do contato com vírus, bactérias, acidentes, ou seja, todas as doenças denominadas “naturais” ou de origem orgânica, como por exemplo pneumonia, hipotiroidismo, diabetes, fraturas, que podem estar fora do campo simbólico.

Conversão histérica - diante do conflitos decorrentes do desejo no campo do simbólico, aumenta a tensão no aparelho psíquico. Para alívio da angústia, o afeto é convertido em sintoma corporal. A conversão acomete o corpo pela via simbólica, podendo ser nomeado, compreendido e explicado pela linguagem. Freud descreveu a conversão histérica como simbolizante, ou seja, passível de ser interpretada.

Doença funcional ou somatização - nas somatizações, as manifestações decorrem de uma falha no processo de simbolização, e estão ligadas às representações - coisa. Podem ser induzidas pela linguagem, e possuem efeitos significantes mediados pelo imaginário, existindo a possibilidade de uma nomeação, leitura o tradução. Pode emergir primeiramente como episódio de angústia acompanhado de alterações motoras, vasculares e secretoras do aparelho digestivo, taquicardias paroxísticas e outras situações de mal-estar relacionadas às emoções e à síndrome de pânico. O enfoque sobre a angústia somática e estados emocionais implica o estudo da neurose atual de Freud. A angústia se deve ao aumento abrupto dos estímulos fisiológicos, que geram sobrecarga de energia não representada no psiquismo. Essa excitação, na insuficiência relativa ou absoluta da elaboração simbólica, acomete o corpo biológico sem lesá-lo. A síndrome do pânico e o estresse, por exemplo, decorrem do exagero dessas manifestações.

Fenômeno psicossomático - no início dos estudos que descreviam as principais doenças psicossomáticas, era comum que se indicassem o hipertireoidismo autoimune, a artrite reumatoide, a asma, a úlcera gastroduodenal e a psoríase como exemplos desses fenômenos. Essas manifestações corpóreas de doenças atingem o corpo biológico e o lesam em sua consistência imaginária. Vallas (1990) considera que o fenômeno psicossomático independe da estruturação psíquica, podendo estar presente em pacientes que apresentam estruturas diversas de funcionamento psíquico. Apoiado na abordagem de Lacan, afirma que, na falta de sentido do desejo, o fenômeno é considerado como uma formação do inconsciente, inscrita no real do corpo.

Manifestação hipocondríaca - quando ocorrem queixas de sintomas específicos e diagnósticos imaginados, sem haver lesão no corpo biológico. As queixas se referem ao corpo imaginário.

É importante ressaltar que, para esses autores acima citados, a constituição do sintoma ocorre em nível inconsciente, no funcionamento do processo primário, que utiliza o corpo como cenário de suas representações. O corpo, como campo representacional do processo primário de pensar, é a questão essencial da abordagem psicodinâmica dos sintomas somáticos. Do ponto de vista psicodinâmico, a histeria e a hipocondria teriam que ser compreendidas como distúrbios da representação do corpo, enquanto as enfermidades físicas seriam consideradas psicossomáticas, como reações adaptativas malsucedidas do corpo ao estresse biológico, físico ou psicossocial. A dimensão psicológica (a estrutura simbólica) enseja reações adaptativas no corpo que possuem sua dinâmica própria (EKSTERMAN, 1994EKSTERMAN, A. Abordagem psicodinâmica dos sintomas somáticos. RBP - Revista Brasileira de Psicanálise, v. XXVIII, n. 1, p. 9-24, 1994., p. 14).

O desafio do trabalho da psicanálise com pacientes somatizadores

O objetivo de um atendimento psicanalítico será, por meio do encontro entre analista e analisando, o de criar condições favoráveis e necessárias para que o paciente possa ampliar sua capacidade egóica para lidar com suas angústias, bem como sua capacidade de sonhar, simbolizar e ressignificar seu sofrimento e construir novos modos de alcançar a satisfação de seus desejos. Esse é o campo da psicossomática psicanalítica: ela promove uma abordagem voltada para as patologias decorrentes de falhas do processo de simbolização. Quanto mais evoluído for o sistema representacional e maior for a capacidade de simbolização, maior será o arsenal de defesas de que o sujeito dispõe para lidar com movimentos regressivos quando estiver diante de uma situação traumática atual ou uma perda significativa (BEJAR, 2017BEJAR, Regina. Dor psíquica, dor corporal: uma abordagem multidisciplinar. São Paulo: Blucher, 2017.).

O trabalho da análise possibilita ao paciente a criação de um espaço transicional através do vínculo com o analista, visando um trabalho de percepção, discriminação, nomeação, representação dos afetos e a posterior reconstituição de sua capacidade de integração entre psique e soma, ressignificando suas representações e simbolizações (que não foi possível em etapas anteriores de desenvolvimento). Nesse processo, alguns objetos podem perder sua materialidade e ganhar o estatuto de fantasias inconscientes, deslocando para o corpo erógeno e que está no corpo biológico. Isso implica transformar em sintoma neurótico um sintoma que está localizado ao plano orgânico.

Santos Filho (1994SANTOS FILHO, O. C. Psicanálise do “paciente psicossomático”. RBP - Revista Brasileira de Psicanálise, v. 28, n. 1, p. 111-128, 1994.) afirma que, para o atendimento do paciente somático, o analista deve visar restaurar o self corporal do paciente por meio de empatia e sensibilidade, em um processo de adaptação criativa às reais necessidades. Apresenta algumas recomendações ao analista no atendimento desses pacientes: desde as entrevistas iniciais, buscar reconstituir cronologicamente a eclosão somática na história de vida do paciente; as sessões são realizadas preferencialmente face a face; as interpretações são mais explicativas que simbólicas. A nomeação e tradução do sintoma, bem como sua decifração, promovem uma desconstrução do que se apresenta como sintoma. Os corpos passam a ser abordados como a via regia para a compreensão da dinâmica psíquica. Desse modo, pode-se afirmar que é tarefa do psicanalista interpretar os sintomas dos pacientes.

O analista poderá se deparar com cinco espécies de resistência: resistência da repressão; da transferência; do ganho secundário da doença, que representa uma não disposição de renunciar a qualquer satisfação ou alívio que tenha sido obtido. Dejours (2019DEJOURS, C. Psicossomática e teoria do corpo. São Paulo: Blucher, 2019.) afirma que as outras provêm do superego e parecem originar-se do sentimento de culpa ou da necessidade de punição, opondo-se a todo movimento de cura.

Concluindo

O adoecer é uma experiência muito significativa na vida de qualquer pessoa. Envolve experiências subjetivas de mudanças físicas ou emocionais e a confirmação dessas mudanças por outras pessoas. O ser humano não o sente só no corpo, mas em toda sua subjetividade. Ninguém é o mesmo após enfrentar uma doença.

As doenças podem ser consideradas como mensagens que os pacientes enviam em busca de superar a dor. Em francês, “doença é maladie - um mal a dizer. Uma palavra em nós que não consegue ser dita, ser expressa, são os sintomas que falam” (LELOUP, 2014LELOUP, J. Y. O corpo e seus símbolos: uma antropologia essencial”. Lise Mary Alves de Lima(org.). Petrópolis: Vozes, 2014., p. 107).

O desafio de habitar e se apropriar do próprio corpo resulta de um trabalho de percepção, elaboração, ressignificação e força de Ego. Mais que ter um corpo, ou habitar um corpo, a compreensão de ser em um corpo, e se permitir sentir esse corpo é uma tarefa para a vida. Sentir fome, raiva, prazer, ódio, amor, dor, sono, angústia... e o que fazer com isso? Engolir? Expressar? De que forma? Para quem? Ou melhor, por quem? São questões sobre as quais a psicanálise e a psicossomática psicodinâmica se debruçam em busca da construção de relações e vínculos que permitam ao paciente desenvolver sua capacidade de lidar de forma equilibrada com seus desejos, conflitos e conseguir expressá-los.

A psicanálise vem contribuindo para criar condições psíquicas a pacientes e analistas para entrar em contato mais visceral, consciente, com as sensações, emoções, para além do julgamento do que seja uma emoção “boa ou ruim”, construindo uma legitimidade para que sejam sentidas, registradas, simbolizadas, elaboradas, interpretadas, possibilitando que o principal trabalho psíquico ocorra: nos constituirmos seres encarnados, presentes e vivos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Ago 2021

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2020
  • Aceito
    09 Ago 2021
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