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Padrão físico-químico e microbiológico da água de nascentes e poços rasos de propriedades rurais da região sudoeste do Paraná

Physico-chemical and microbiological standards of water springs and shallow wells on rural properties in the southwest region of Paraná

Resumos

Este trabalho avalia a qualidade da água em propriedades rurais do município de Dois Vizinhos, Paraná, por meio de analises físico-químicas e microbiológicas. Foram analisadas 90 amostras, sendo 45 provenientes de nascentes e 45 de poços rasos, quanto aos parâmetros pH, temperatura, turbidez, coliformes totais e termotolerantes. Das 90 amostras analisadas, 23 atenderam à legislação vigente, enquanto que 67 estavam em desacordo, logo, inapropriadas para o consumo humano e animal, representando fator de risco à saúde.

coliformes totais; coliformes termotolerantes; potabilidade de água


This study evaluates the quality of water in rural farms of Dois Vizinhos, Paraná, Brazil, by physico-chemical and microbiological analyses. A total of 90 samples were analysed, 45 from water springs and 45 from shallow wells, regarding the following parameters: pH, temperature, turbidity, total and thermotolerant coliforms. Of the 90 samples analysed, 23 met the current legislation, while 67 disagreeded with it, being unsuitable for human and animal consumption and a health risk factor.

total coliforms; thermotolerant coliforms; water potability


A qualidade da água para consumo humano é de grande importância, e suas características microbiológicas e físico-químicas definem sua aceitabilidade pois, quando contaminada, constitui fator de risco para toda a sociedade (Germano; Germano, 2001GERMANO, P.M.L.; GERMANO, M.I.S. A água: um problema de segurança nacional. Revista Higiene Alimentar, v.15, p.15-18, 2001.). Associado à baixa qualidade, a disponibilidade desse recurso também é preocupante, tornando-se cada vez mais reduzida a quantidade de mananciais de água em condições de vazão e qualidade compatíveis com o abastecimento da população.

Diante dessas preocupações, a água vem sendo discutida quanto ao seu uso, manutenção, quantidade e qualidade para consumo, pois encontra-se sujeita à depreciação de suas características em virtude do crescimento urbano, industrial e rural mal planejado (Silva; Ueno, 2008SILVA, A.B.A.; UENO, M. Qualidade sanitária das águas do rio Uma, São Paulo, no período das chuvas. Revista Biociências, v.14, n.1, p.82-86, 2008.). A interferência nos recursos hídricos em áreas rurais é agravada por fatores como os esgotos domésticos e industriais, resíduos sólidos e fertilizantes utilizados na agricultura, podendo comprometer sua qualidade, tornando-as impróprias para consumo humano (Silva; Araújo, 2003SILVA, R.C.A.; ARAÚJO, T.M. Qualidade da água do manancial subterrâneo em áreas urbanas de Feira de Santana (BA). Ciência & Saúde Coletiva, v.8, n.4, p.1019-1028, 2003.). Sendo assim, faz-se necessário o monitoramento constante de sua qualidade, especialmente no meio rural, onde a população, em sua maioria, não é abastecida por empresas de saneamento e a água advém de sistemas alternativos de abastecimento, normalmente sem receber qualquer tipo de tratamento prévio (Pnud, 2006PNUD. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Relatório do Desenvolvimento Humano 2006. A água para lá da escassez: poder, pobreza e a crise mundial da água. New York: PNUD, 2006. 1101p.).

No meio rural, o risco de doenças por água contaminada é alto, devido à presença de micro-organismos patogênicos, como Escherichia coli, oriundos principalmente de fossas e pastagens (Amaral et al., 2003AMARAL, L.A.; NADER FILHO, A.; ROSSI JUNIOR, O.D.; FERREIRA, F.L.A.; BARROS L.S.S. Água de consumo humano como fator de risco à saúde em propriedades rurais. Revista de Saúde Pública, v.37, n.4, p.510-514, 2003.). Os micro-organismos mais utilizados para indicar contaminação fecal de humanos ou animais são os coliformes, cuja presença torna a água imprópria para consumo humano. Água potável, portanto, é aquela livre de E. coli ou coliformes termotolerantes, sendo recomendada sua ausência em 100 mL (Fortuna et al., 2007FORTUNA, J.L.; RODRIGUES, M.T.; SOUZA, S.L.; SOUZA, L. Análise microbiológica da água de bebedouros do campus da Universidade Federal de Juiz de Fora: coliformes totais e termotolerantes. Revista Higiene Alimentar, v.21, n.154, p.103-105, 2007.).

Nesse sentido, esta comunicação científica tem por objetivo avaliar a qualidade microbiológica e físico-química da água de poços rasos e nascentes de propriedades rurais do município de Dois Vizinhos, Paraná.

Em julho e agosto de 2012, na área rural do município de Dois Vizinhos, Paraná (latitude de 25°44'S, longitude de 53°04'W e altitude de 520 m), foram selecionadas fontes de água para consumo humano, sendo amostradas 45 nascentes e 45 poços rasos, totalizando 90 amostras. As amostras foram coletadas em frascos estéreis de 100 mL, seguindo os padrões que evitassem a contaminação, sendo a temperatura determinada no ato da coleta com auxílio de termômetro digital. Em seguida, as amostras foram identificadas quanto à origem, acondicionadas em caixas térmicas e levadas ao laboratório, sendo processadas e analisadas no mesmo dia da coleta.

O pH foi determinado com peagâmetro digital e a turbidez foi obtida com turbidímetro, sendo os resultados expressos em unidade nefelométricas de turbidez (UNT). Foram realizadas, ainda, análises de coliformes totais e termotolerantes utilizando a técnica de tubos múltiplos e contagem pela técnica de número mais provável (NMP). Foram também realizados testes confirmatórios para coliformes totais e termotolerantes utilizando os meios verde brilhante (VB) e Escherichia coli (EC) (Silva Júnior, 2002SILVA JÚNIOR, E.A. Manual de controle higiênico sanitário em alimentos. 5ª ed. São Paulo: Varela, 2002. 385p.).

Analisando a Tabela 1, verificaram-se que, das 45 amostras de água de nascentes, apenas 7 (15,55%) apresentaram ausência de coliformes termotolerantes, enquanto que para a água de poços rasos, 19 (42,22%) atenderam aos padrões de qualidade. Logo, apenas 28,8% do total de amostras analisadas seguem o padrão ditado pela Portaria n° 518/2004 do Ministério da Saúde (Brasil, 2004BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n° 518, de 25 de março de 2004. Estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2004.), a qual define que para águas provindas de nascentes, poços e minas que não receberam nenhum tratamento antes de serem consumidas, é tolerada a presença de coliformes totais, desde que estejam ausentes os termotolerantes. Considerando os resultados obtidos nas contagens de coliformes termotolerantes, comparados com o padrão exigido, pode-se afirmar que as amostras avaliadas apresentaram baixa qualidade higiênico-sanitária.

Tabela 1
Resultados das análises microbiológicas de água de nascentes e poços rasos.

Esses resultados indicam que a água dos poços e nascentes podem ter sido contaminadas possivelmente com o conteúdo de fossas ou dejetos animas. O manejo inadequado dos dejetos animais ou de fossas sépticas pode levar à contaminação da água por micro-organismos de origem fecal, Escherichia coli e enterococos, que podem ser carreados do solo para fontes de água superficiais, como córregos e represas, ou sofrerem percolação, podendo atingir lençóis de água subsuperficial ou pouco profundos, causando contaminação da água, principalmente em época de alta pluviosidade (Cogger, 1988COGGER, C. On-site septic systems: the risk of groundwater contamination. Journal of Environmental Health, v.51, n.1, p.12-16, 1988.).

Em trabalho semelhante ao atual, estudo desenvolvido por Colvara et al. (2009)COLVARA, J.G.; LIMA, A.S.; SILVA, W.P. Avaliação da contaminação de água subterrânea em poços artesianos no sul do Rio Grande do Sul. Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, v.2, p.11-14, 2009., ao avaliar a qualidade de águas subterrâneas de poços artesianos no sul do Rio Grande do Sul, observou que 100% das amostras estavam contaminadas por coliformes totais e 70% delas apresentavam coliformes termotolerantes. Os autores ressaltaram que vários fatores podem ser responsáveis pela contaminação: falta de manutenção do reservatório; localização inadequada do poço; e falta de cuidado e higiene com a água antes do consumo.

Resultado similar é relatado por Amaral et al. (2003)AMARAL, L.A.; NADER FILHO, A.; ROSSI JUNIOR, O.D.; FERREIRA, F.L.A.; BARROS L.S.S. Água de consumo humano como fator de risco à saúde em propriedades rurais. Revista de Saúde Pública, v.37, n.4, p.510-514, 2003. em estudo desenvolvido na região nordeste do estado de São Paulo que, analisando a água para consumo humano em propriedades rurais, verificaram que aproximadamente 96% das amostras de água de poços rasos analisadas apresentavam-se impróprias para o consumo humano, representando fator de risco à saúde, tendo em vista a altas concentrações encontradas.

Em estudo realizado por Nunes et al.(2010)NUNES, A.P.; LOPES, L.G.; REZENDE, P.F.; AMARAL, L.A. Qualidade da água subterrânea e percepção dos consumidores em propriedades rurais. Nucleus, v.7, n.2, p.95-104, 2010., avaliando aspectos microbiológicos e físico-químicos de águas de poços rasos da região de Jaboticabal, São Paulo, verificaram-se que, das 35 propriedades rurais avaliadas abastecidas por poços, 42,8% apresentavam contaminação fecal decorrente da presença de Escherichia coli, com média igual a 2,1 x 102 NMP. 100 m.L−1. A Escherichia coli é um micro-organismo considerado como o mais importante indicador de poluição fecal das águas (Dawson; Sartory, 2000DAWSON, D.J.; SARTORY, D.P. Microbiological safety of water. British Medical Bulletin, v.56, p.74-83, 2000.) e, portanto, de risco à saúde quando se consome água em que ele está presente. Desse modo, a utilização de fontes alternativas de água pela população rural a expõe a doenças de veiculação hídrica, pois não há conhecimento dessas populações sobre a falta de qualidade sanitária da água consumida sem nenhum tipo de tratamento associado à falsa ideia de que a água subterrânea seja potável, além da falta de condições sanitárias satisfatórias na zona rural (Queiroz et al., 2002QUEIROZ, M.F.; CARDOSO, M.C.S.; SANTANA, E.M.; GOMES, A.B.; RIQUE, S.M.N.; LOPES, C.M. A qualidade da água de consumo humano e as doenças diarreicas agudas no município de Cabo de Santo Agostinho, PE. Brazilian Journal of Epidemiology, suplemento especial, p.456-462, 2002.).

Em relação à turbidez (Tabela 2), das 90 amostras analisadas, apenas 46 (51,10%) atendem à exigência ideal de 1,0 UTN. Outras 42 amostras (46,70%) estão dentro do limite de tolerância de 5,0 UTN, enquanto que 2 (2,20%) estão acima desse valor, considerado o máximo aceitável. Resultado semelhante foi descrito por Nunes et al. (2010)NUNES, A.P.; LOPES, L.G.; REZENDE, P.F.; AMARAL, L.A. Qualidade da água subterrânea e percepção dos consumidores em propriedades rurais. Nucleus, v.7, n.2, p.95-104, 2010., os quais verificaram que dentre as 35 propriedades rurais, 45,7% estavam fora do padrão de potabilidade quanto a esse parâmetro. É importante destacar que, para garantir a qualidade microbiológica da água, o padrão de turbidez deve ser monitorado, pois a presença de patógenos como, por exemplo, Cryptosporidium spp., tem sido associada à turbidez, de forma que, quanto maior a turbidez da água, maior a possibilidade de se encontrar o parasita (Medema et al., 1998MEDEMA, G.J.; SCHETS, F.M.; TEUNIS, P.F.M. Sedimentation of free and attached Cryptosporidium oocysts and Giardiacysts in water. Applied and Environmental Microbiology, v.64, p.4460-4466, 1998.).

Tabela 2
Análises físico-químicas de água de nascentes e poços rasos.

Segundo a Portaria n° 518/2004, não existem valores limites para o padrão temperatura. No entanto, essas análises foram realizadas observando-se valores entre 21 e 26,7 °C. Essa análise e o conhecimento da variação desses resultados são de grande importância, pois a temperatura influencia os processos biológicos, reações químicas e bioquímicas, bem como a solubilidade dos gases dissolvidos e sais minerais na água (Macedo, 2004MACEDO, J.A.B. Águas & águas. Belo Horizonte: CRQ-MG, 2004. 977p.).

O valor do pH é importante, pois apresenta forte relação com o crescimento bacteriano, uma vez que para a maioria das bactérias o pH ótimo para seu desenvolvimento oscila entre 6,5 e 7,5 (Soares; Maia, 1999SOARES, J.B.; MAIA, A.C.F. Água: microbiologia e tratamento. Fortaleza: UFC, 1999. 215p.). Segundo a Portaria n° 518/2004, recomenda-se que o pH da água para consumo humano mantenha-se na faixa de 6,0 a 9,5, sendo que nas amostras avaliadas o pH variou entre 6,1 e 8,3, atendendo, portanto, à legislação vigente. Resultados semelhantes foram descritos por Machado et al. (2012)MACHADO, R.P.; AUGUSTO, R.S.; MARTINS, O. A. Análise química da água de nascentes nas cidades de Avaré e Cerqueira César, São Paulo. Revista Eletrônica de Educação e Ciência, v.2, n.3, p.40-44, 2012., que avaliaram os parâmetros físico-químicos da água de nascentes na cidade de Avaré no estado de São Paulo, destacando que, das 60 amostras avaliadas, todas atenderam à legislação quanto a esse parâmetro.

Diante do exposto, fica evidente que o consumo de água de poços rasos e nascentes na situação avaliada pode representar risco à saúde publica, uma vez que elevado percentual das amostras encontra-se em desacordo com a legislação vigente, não apresentando condições de potabilidade, sendo, portanto, capaz de transmitir enfermidades de veiculação hídrica.

REFERÊNCIAS

  • AMARAL, L.A.; NADER FILHO, A.; ROSSI JUNIOR, O.D.; FERREIRA, F.L.A.; BARROS L.S.S. Água de consumo humano como fator de risco à saúde em propriedades rurais. Revista de Saúde Pública, v.37, n.4, p.510-514, 2003.
  • BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n° 518, de 25 de março de 2004. Estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2004.
  • COGGER, C. On-site septic systems: the risk of groundwater contamination. Journal of Environmental Health, v.51, n.1, p.12-16, 1988.
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  • DAWSON, D.J.; SARTORY, D.P. Microbiological safety of water. British Medical Bulletin, v.56, p.74-83, 2000.
  • FORTUNA, J.L.; RODRIGUES, M.T.; SOUZA, S.L.; SOUZA, L. Análise microbiológica da água de bebedouros do campus da Universidade Federal de Juiz de Fora: coliformes totais e termotolerantes. Revista Higiene Alimentar, v.21, n.154, p.103-105, 2007.
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  • MACEDO, J.A.B. Águas & águas. Belo Horizonte: CRQ-MG, 2004. 977p.
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  • MEDEMA, G.J.; SCHETS, F.M.; TEUNIS, P.F.M. Sedimentation of free and attached Cryptosporidium oocysts and Giardiacysts in water. Applied and Environmental Microbiology, v.64, p.4460-4466, 1998.
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  • SOARES, J.B.; MAIA, A.C.F. Água: microbiologia e tratamento. Fortaleza: UFC, 1999. 215p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2013
  • Aceito
    06 Out 2014
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