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Pertencimento: discussão teórica

Belongingness: Theoretical Discussion

Resumo

Como recurso existencial central, o pertencimento tem um lugar proeminente na experiência humana, sendo, portanto, também objeto de interesse em textos literários. Este artigo deseja discutir três dimensões do conceito de pertencimento: (1) o vetor social e suas formas de hierarquização do pertencimento, (2) o corpo e seu papel de mediação, e, por fim, (3) pertencimento como disposição afetiva atrelada ao sentido existencial. Num último movimento, procura discutir sua importância e seus potenciais nos estudos literários. Nessa perspectiva, o pertencimento é identificado como um recurso instável, foco de negociações ininterruptas que definem as configurações e as modalidades de participação dos diferentes membros de uma comunidade sociocultural.

Palavras-chave:
pertencimento; dimensão social; corpo e mediação; disposição afetiva; estudos literários

Abstract

As a central existential resource, belongingness has a prominent place in human experience and is therefore also the object of interest in literary texts. This article aims to discuss three dimensions of the concept of belongingness: (1) the social dimension and the hierarchies of belonging, (2) the body and its mediation role, and finally, (3) belonging as an affective disposition linked to existential meaningfulness. In a last step, this paper will discuss the importance of belongingness and its potential in literary studies. From this perspective, belongingness is identified as an unstable resource, the focus of ongoing negotiations that define the configurations and modalities of participation of the different members of a socio-cultural community.

Keywords:
belongingness; social dimension; body and mediation; affective disposition; literary studies

Resumen

Como recurso existencial central, la pertenencia ocupa un lugar destacado en la experiencia humana, por lo que también es objeto de interés en los textos literarios. Este artículo tiene como objetivo discutir tres dimensiones del concepto de pertenencia: (1) el vector social y sus formas jerárquicas de pertenencia, (2) el cuerpo y su rol mediador, finalmente, (3) la pertenencia como disposición afectiva ligada al sentido existencial. En un último movimiento, busca discutir su importancia y su potencial en los estudios literarios. En esta perspectiva, la pertenencia se identifica como un recurso inestable, foco de negociaciones ininterrumpidas que definen las configuraciones y modalidades de participación de los diferentes miembros de una comunidad sociocultural.

Palabras clave:
pertenencia; dimensión social; cuerpo y mediación; disposición afectiva; estudios literarios

A pós-modernidade trouxe em seu bojo não só a fragilização dos grandes relatos, com suas modalidades de produção de conhecimento, como também intensificou a revisão das formas de pertencimento. Talvez seja possível afirmar que a composição das sociedades tradicionais se caracteriza pela clareza e estabilidade na distribuição de papeis sociais, fornecendo aos indivíduos um modelo identitário com regras sólidas de pertencimento, enquanto sociedades pós-modernas já não apresentam essa estabilidade. O longo percurso da modernidade já tinha fragilizado essa estabilidade: a era da colonização acompanhada do contato com novas culturas, a ascensão da classe burguesa ao final do século XVIII, a tomada de consciência das classes sociais no início do século XIX, o pensamento de Darwin e Freud na segunda metade, a deslegitimação da racionalidade diante da barbárie nazista e, por fim, a era da globalização na pós-modernidade. Todos esses diferentes momentos contribuíram para fragilizar as narrativas sociais em circulação, questionando, de uma ou de outra forma, as dinâmicas tradicionais (e estáveis) de administração de pertencimento.

Nesse horizonte, surgem os diferentes movimentos ao longo da segunda metade do século XX que contribuem para intensificar as discussões em torno do direito de participação e de definição das coordenadas de construção de diferentes espaços sociais. Dentre eles, encontram-se o Movimento pelos Direitos Civis de Negros nos EUA, o Maio de 1968 na França e, em sua esteira, o movimento feminista, o ativismo LGBT+ e, por fim, também a organização política de grupos indígenas e de fluxos migratórios, nos mais diversos contextos socioculturais. O que esses diferentes movimentos ou agrupamentos têm em comum é a busca por agência na construção do espaço social, com suas práticas discursivas e regras de acesso a recursos. Em outras palavras, há um movimento que enfeixa vozes para debelar a exclusão e conquistar o pertencimento. Essa negociação perpassa o fenômeno do pertencimento em todas as suas dimensões (PFAFF-CZARNECKA, 2011PFAFF-CZARNECKA, Joanna. From ‘identity’ to ‘belonging’ in social research: Plurality, social boundaries, and the politics of the self. Working Papers in Development Sociology and Social Anthropology, n. 368, p. 1-18, 2011., p. 1).

A necessidade de pertencimento, contudo, não se restringe a grupos minoritários ou excluídos do direito de participação. Trata-se de um anseio que parece caracterizar a condição humana, tendo seu início na relação entre mãe e bebê e que se repete infinitamente nas diferentes modalidades de interação, tecidas ao longo do percurso existencial, sob diversas máscaras. Nessa busca, há um constante anseio pela confirmação do afeto irradiado pela figura materna. Essa confirmação do si transmitida por meio da semiótica do corpo, na primeira fase da vida, fornece ao ser confiança e ordem, diante da complexidade inerente à realidade do mundo. A busca se repete, mas a disposição para investimento de afetividade por parte de atores sociais que circundam o indivíduo muda. Com efeito, o escopo desse investimento vai depender de uma série de fatores que, se não atendidos, tendem a desencadear a exclusão e, com isso, a negação desse recurso existencial mor que é o pertencimento.

Nessa esteira, pode ser pertinente afirmar que grupos dominantes sejam aqueles que, nas diferentes esferas da concretização existencial, reúnem a maior quantidade desse recurso, não só obtendo um maior grau de enfeixamento de atenção em sua direção, mas também definindo as regras do jogo para aquilo que é considerado merecedor desse investimento cognitivo. Parece-me que o investimento de atenção é o estágio inicial da experiência de pertencimento. É a partir da concessão de atenção que a negociação e administração do pertencimento têm início. Aqueles atores sociais que melhor se enquadram nas regras dominantes ampliam suas chances de aumentar sua sensação de pertencimento. Não é em vão que o desejo de pertencer ao grupo dos vencedores é tão disseminado. É esse desejo primordial que desencadeia um esforço de emulação e de obtenção dos meios para assegurar o bilhete de entrada (para usar uma metáfora de Heinrich Heine) ao clube daqueles que engendram as cláusulas, muitas vezes tácitas, do pertencimento.

A sensação de pertencer raramente se torna objeto de problematização, enquanto o indivíduo não experimenta sua negação. Pertencimento se transforma em conteúdo da percepção, no momento que o sujeito se questiona pelos motivos que desencadeiam rejeição ou exclusão, de forma contínua. Historicamente, atores sociais que se destacam por algum indício de alteridade ou que pertencem a grupos minoritários/periféricos tendem a fazer essa experiência mais frequentemente. Seu esforço de crítica social e de revisão das narrativas dominantes geram questionamentos e deslocamentos nas dinâmicas de acesso e distribuição, desbravando outras formas de organizar a lógica do pertencer. Esse percurso obviamente é árduo, uma vez que a negociação em jogo tem como objeto um recurso central na concretização existencial.

Nessa esteira, eu gostaria de falar de três vetores do pertencimento: o social, o corporal e o emocional. Verificando, por fim, como pertencimento ser objeto de problematização nos estudos literários. Essas três esferas abrangem a experiência mais ampla da macroestrutura social, abarcam a experiência da interação social mediada pelo corpo e incluem a dinâmica afetiva do microcosmo individual. Em todas as três esferas, ocorrem negociações e movimentos de administração do pertencimento, sempre incluindo e excluindo atores sociais, conforme as regras dominantes de cada círculo em que o sujeito transita. A literatura, em grande parte, refrata essas dinâmicas, criando tessituras e problematizações que convidam o leitor a refletir sobre esse excerto da condição humana. Ao final de cada seção, trago exemplos da produção literária para ilustrar a argumentação. Esses exemplos não têm como objetivo apresentar uma análise aprofundada do respectivo texto, restringindo-se somente a apontar como o pertencimento pode ser foco de problematização.

O vetor social e suas formas de hierarquização do pertencimento

Na esfera macrossocial do pertencimento, a nação tem um lugar de destaque. O trabalho de imaginação do espaço compartilhado (ANDERSON, 2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. ), com seu projeto de futuro, seus valores sociais e sua distribuição de recursos, contém um esforço de construção das hierarquias de pertencimento (ANTHIAS, 2016ANTHIAS, Floya. Interconnecting boundaries of identity and belonging and hierarchy-making within transnational mobility studies: Framing inequalities. Current Sociology Monograph, v. 64, n. 2, p. 172-190, 2016. , p. 174; KNOTT, 2017KNOTT, Eleanor. Nationalism and belonging: introduction. Nations and Nationalism, v. 23, n. 2, p. 220-226, 2017. , p. 223). Essa imaginação, em grande parte, é fruto do esforço de agrupamentos sociais que têm um interesse na instauração, estabilização e manutenção do poder, com suas diferentes agendas e propósitos na construção desse espaço social, instalando-se no cotidiano de modo a impregnar o imaginário das massas (CALHOUN, 2017CALHOUN, Craig. The Rhetoric of Nationalism. In: SKEY, Michael; ANTONSICH, Marco (ed.). Everyday Nationhood: Theorising Culture, Identity and Belonging after Banal Nationalism. London: Palgrave Macmillan, 2017. p. 17-30. , p. 20-21). A implantação do discurso nacional, portanto, serve como instrumento para enfeixar ações e comportamentos, de modo a estabelecer um espaço vigilante e disciplinado, com regras que definem quem pode participar de que maneira. Nesse contexto, o acesso aos confortos derivados dessa formatação discursiva e a vigilância sobre o cumprimento das exigências se revelam desiguais para seus integrantes, suscitando regras tácitas que diferenciam ou hierarquizam os atores sociais que habitam esse espaço.

Nessa escala de hierarquização, surgem lógicas formais e informais, como aponta Brubaker (2010BRUBAKER, Rogers. Migration, Membership, and the Modern Nation State: Internal and External Dimensions of the Politics of Belonging. Journal of Interdisciplinary History, v. 41, n. 1, p. 61-78, 2010., p. 66), em sua discussão sobre migrantes e sua inserção nas sociedades de assentamento:

Essa distinção entre o formal e o informal se aplica não apenas à política de pertencimento no e ao estado-nação, mas também à política de pertencimento em outros níveis de agregação e em outros locais. A associação formal a um clube, igreja, família ou associação não implica aceitação informal; a filiação formal pode ser contestada ou subvertida informalmente. Mas a preocupação aqui é com a distinção entre aspectos formais e informais da política de pertencimento no e ao estado-nação.1 1 This distinction between the formal and the informal applies not only to the politics of belonging in and to the nation-state but also to the politics of belonging at other levels of aggregation and at other sites. Formal membership in a club, church, family, or association does not entail informal acceptance; formal membership may be informally contested or subverted. But the concern herein is with the distinction between formal and informal aspects of the politics of belonging in and to the nation-state (BRUBAKER, 2010, p. 66).

Brubaker afirma que não é suficiente obter a documentação formal (o passaporte, por exemplo) para garantir o pertencimento a uma nação. Sua inclusão depende, em grande medida, do modo como a massa da comunidade define, de forma tácita, quem pode participar. Nesse bojo, migrantes frequentemente se deparam com uma situação de deslegitimação. Essa deslegitimação também se estende a grupos minoritários ou periféricos oriundos do mesmo espaço nacional, que precisam criar uma identidade coletiva a fim de suscitar uma revisão das políticas de pertencimento (YUVAL-DAVIS, 2011YUVAL-DAVIS, Nira. Power, intersectionality and the politics of belonging. FREIA Working Papers, n. 75, p. 1-16, 2011. , p. 4). Esse trabalho de revisão acaba por constituir as tensões que caracterizam um espaço social, com suas diferentes prerrogativas de definição do pertencimento.

Com base na distribuição desigual dos recursos que movem a sociedade, surge o pensamento de estratificação sociocultural, por exemplo em forma de classe. Diferentemente da esfera da nação que empreende um esforço consciente a fim de construir uma consciência de pertencimento nacional, a esfera de classe social dificilmente apresenta essa consciência coletiva, mas mesmo sem essa mobilização discursiva é possível reconhecer o modo como práticas culturais operam no sentido de manter determinadas hierarquias sociais e, com isso, modalidades de inclusão e exclusão (BOTTERO, 2004BOTTERO, Wendy. Class Identities and the Identity of Class. Sociology, v. 38, n. 5, p. 985-1003, 2004., p. 989). A despeito da ausência de uma consciência coletiva, o fator classe impacta na percepção individual. Easterbrook, Kuppens e Manstead (2020EASTERBROOK, Matthew J.; KUPPENS, Toon; MANSTEAD, Antony S. R. Socioeconomic status and the structure of the self-concept. British Journal of Social Psychology, v. 59, p. 66-86, 2020. , p. 66-67) propõem como tese de trabalho que:

identidades de classe social - identidades baseadas nos fatores sociais e econômicos que determinam a posição de uma pessoa na sociedade - provavelmente receberão altos níveis de importância subjetiva pelos indivíduos e serão usadas como uma forma significativa de se categorizar e definir a si mesmas e aos outros. Também esperamos que aqueles que têm uma classe social mais elevada atribuam maiores níveis de importância subjetiva às suas identidades de classe social porque derivam delas status, o que satisfaz uma gama de necessidades psicológicas.2 2 social class identities - identities based on the social and economic factors that determines one’s standing in society - are likely to be given high levels of subjective importance by individuals and used as a meaningful way to categorize and define themselves and others. We also expect that those who have higher social class will place greater levels of subjective importance on their social class identities because they derive status from them, which satisfies a range of psychological needs (EASTERBROOK/KUPPENS/MANSTEAD, 2020, p. 66-67).

Como na esfera da nação, os benefícios a serem obtidos desse pertencimento são diferentes para os diversos atores sociais. Com efeito, atrelada à distribuição dos recursos sociais, encontram-se também os recursos afetivos produzidos pelo status, criando, portanto, diferentes cenários na satisfação dos anseios por pertencimento e sua encenação no espaço social.

Ao mesmo tempo que a nação é um espaço de hierarquias que define pertencimento, seu espaço também simboliza um investimento no pacto civilizatório, que se propõe amenizar a selvageria da vida em estado natural. Assim, a nação oferece a seus cidadãos uma configuração social que exige obediência e atenção a suas regras, mas também fornece uma série de dispositivos que suavizam a irrupção do caos, ao menos em sociedades bem estruturadas e estáveis. Com isso, a nação satisfaz a necessidade humana por segurança e certezas (SKEY, 2013SKEY, Michael. Why do nations matter? The struggle for belonging and security in an uncertain world. The British Journal of Sociology, v. 64, n. 1, p. 81-98, 2013.), isto é, um anseio afetivo que perpassa a existência humana, mantendo o indivíduo motivado a disciplinar aqueles ímpetos que tendem a fragilizar essa configuração social. Uma parte do processo de socialização, portanto, reside em internalizar as regras, a fim de obter os benefícios, mas também em identificar os mecanismos necessários para participar da distribuição dos recursos e das benesses do ser comunitário.

Por outro lado, cabe perguntar pelas cláusulas que caracterizam o respectivo pacto civilizatório em cada espaço nacional. Os termos daquilo que se define por “civilização”, por vezes, mascara interesses de grupos dominantes, sem atentar àquilo que ocorre nos espaços periféricos. Se esse movimento reflexivo é pertinente, a assim chamada civilização se dá em diferentes graus de pertencimento, suscitando também nesse contexto uma espécie de hierarquia, com diferentes formas de fidelidade (membership) e recompensas (rewards).

Como esfera social, a nação ocupa um lugar proeminente. É nesse espaço social que o indivíduo internaliza as diferentes configurações de pertencimento, com suas lógicas de grupo, incluindo aí questões, por exemplo, de classe, língua, cultura, região, ruralidade ou centros urbanos Os diferentes posicionamentos produzidos por esses pertencimentos geram comportamentos, usos e compreensões sobre o mundo, desencadeando, portanto, uma série de ações que confirmam a narrativa da respectiva esfera ou a questionam de alguma forma, causando rupturas e hiatos em sua coesão interna.

Nas diferentes fases do percurso de formação do Brasil, a literatura sempre se posicionou diante das práticas de pertencimento, imaginando a nação e sua comunidade. Com a atenção dirigida a dinâmicas de pertencimento, é possível revisitar os clássicos e perguntar como o texto literário conjura um espaço da vida que organiza formas do pertencer. Abundam exemplos para isso. Os poemas sarcásticos de Gregório de Matos se voltam para as estratificações do Brasil Colônia, os romances de José de Alencar imaginam formas de participação na sociedade urbana, regional ou indígena do Brasil Monárquico, o Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, problematiza os projetos de nação da República Velha. Com foco no século XX, Olga, de Fernando de Morais, recupera os conflitos políticos da Era Getulista, e, mais recentemente, Conceição Evaristo imagina a periferia e suas chances de participar na sociedade contemporânea. Em todos esses exemplos, o discurso literário oferece tessituras ficcionais que permitem imaginar como um espaço social da vida organiza suas modalidades de pertencer.

Ilustro isso com um excerto do poema “O navio negreiro”, de Castro Alves. A seção inicial do poema ainda conjura um espaço de fusão entre ser e mundo, uma espécie de paraíso perdido em que a individualidade se elide para imergir no grande fluxo de pertencimento. É na terceira seção que a voz lírica empreende o esforço de escapar do estado de ebriedade para enxergar outras formas de pertencimento, ou melhor, de despertencimento, uma vez que o paraíso vislumbrado inicialmente não está disponível para todos. As seções quatro e cinco ilustram, com imagens dantescas, que a administração das modalidades de pertencimento não concede as mesmas chances de pertencimento ao espaço da vida. Se na segunda seção a voz lírica ainda imaginava se tratar de uma embarcação estrangeira, a seção seis finalmente revela ser a nação de origem da voz lírica:

Existe um povo que a bandeira empresta P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio, Musa... Chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto!... Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança, Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!... (ALVES, 2007ALVES, Castro. O navio negreiro e outros poemas. São Paulo: Saraiva, 2007. , p. 16).

Num primeiro momento, o poema encena um percurso de imaginação da nação, em que diferentes atores sociais se encontram subordinados a uma prática de hierarquização, com uma distribuição desigual dos recursos necessários para a concretização existencial. Desse percurso emerge, com clareza, que as cláusulas que definem o pertencimento preveem chances diferentes, seguindo a lógica inscrita nas categorias de pertencimento instauradas por aqueles que detêm o poder. Num segundo momento, e esse talvez seja o mais importante, o poema também encena como a voz lírica desperta para a realidade e começa a reconhecer algumas dinâmicas da prática simbólica que fundamentam o princípio de inclusão e exclusão. Esse despertar para o mundo começa com o reconhecimento de que o pacto civilizatório que baseia a origem da nação é covardemente rompido por membros da própria comunidade cultural, e não por atores sociais oriundos dos centros imperiais (como ainda quisera acreditar na seção dois). Com isso, a voz lírica precisa rever a tessitura de sua imaginação, a fim de identificar como ela se posiciona nessa prática de concessão do pertencimento. Após ter visto a realidade da barbárie, ela não pode mais imaginar seu pertencimento como alguém que faz parte de uma comunidade que habita os campos elísios da inocência. Nesses dois movimentos, o poema oferece um potencial de problematização para imaginar e questionar o modo como o espaço coletivo organiza as formas de pertencer, mas também convida ao movimento individual para identificar o próprio posicionamento nessa cartografia.

O corpo e seu papel de mediação do pertencimento

Narrativas de pertencimento também são produzidas na esfera das intersecções. Essas surgem a partir da dimensão social e do modo como um espaço sociocultural organiza suas chances de pertencimento. Assim, a posição numa determinada combinação de intersecções vai definir as chances de participação. Essas chances se referem ao acesso a recursos básicos e, sobretudo, ao que concerne à obtenção de uma voz própria na produção discursiva que vai definir a visão de mundo dos integrantes que formam a respectiva comunidade. Em seu artigo canônico, Yuval-Davis (2006YUVAL-DAVIS, Nira. Belonging and the politics of belonging. Patterns of Prejudice, v. 40, n. 3, p. 197-214, 2006. , p. 199) destaca o modo como as intersecções se originam a partir da cartografia do poder:

Quando se diz que as pessoas pertencem a um determinado gênero, raça, classe ou nação, que pertencem a uma determinada faixa etária, grupo de parentesco ou determinada profissão, o que se fala são as localizações sociais e econômicas, que, em cada momento histórico, têm implicações particulares diante das grades de relações de poder na sociedade. Um homem ou uma mulher, negro ou branco, classe trabalhadora ou classe média, membro de uma nação europeia ou africana: não são apenas categorias diferentes de localização social, mas categorias que também têm uma certa posicionalidade ao longo de um eixo de poder, maior ou menor do que outras categorias. Essas posicionalidades, no entanto, tendem a ser diferentes em diferentes contextos históricos e costumam ser fluidas e contestadas.3 3 When it is said that people belong to a particular gender, or race, or class or nation, that they belong to a particular age-group, kinship group or a certain profession, what is being talked about are social and economic locations, which, at each historical moment, have particular implications vis-à-vis the grids of power relations in society. A man or a woman, black or white, working-class or middle-class, a member of a European or an African nation: these are not just different categories of social location, but categories that also have a certain positionality along an axis of power, higher or lower than other such categories. Such positionalities, however, tend to be different in different historical contexts and are often fluid and contested (YUVAL-DAVIS, 2006, p. 199).

Em todas essas diferentes “localizações sociais e econômicas”, o que desencadeia a alocação de um indivíduo a uma determinada coordenada da cartografia social é o corpo. Assim, uma comunidade cultural identifica uma superfície corporal, a interpreta, inserindo-a numa sequência de relações e criando, com isso, uma visão de mundo que vai coordenar as ações de um espaço da vida. É com base na visão de mundo dominante na respectiva comunidade que o indivíduo tem seu capital corporal definido - em analogia aos capitais de Bourdieu - e com base nessa definição são regradas as chances de obtenção de recursos.

Nessa lógica, a mais importante definição, realizada no primeiro instante da vida, tem como foco o par raça e gênero. A cor da pele e o gênero vão definir dois agrupamentos centrais, para os quais cada sociedade prevê formas de semantizar o corpo. Uma parte dessa semantização se volta aos papeis sociais que podem ser desempenhados, indicando como esses corpos devem interagir no espaço social, a fim de produzir consonância com a visão de mundo dominante. Nessas duas categorias centrais, o pertencimento ao espaço e à comunidade está condicionado ao acatamento das regras que disciplinam os corpos. Enquanto o corpo se mostrar obediente à visão dominante e a suas regras de gestão corporal, ele receberá seu quinhão de pertencimento em forma de recurso afetivo, de acordo com o status que o respectivo corpo pode alcançar. Esse recurso afetivo se revela extremamente importante, uma vez que a gênese de uma voz autônoma e sua participação ativa nos processos de tomada de decisão estão atreladas a disposições afetivas, por exemplo, em forma de autoconfiança.

Em havendo insubordinação, especialmente em forma de questionamento ou mesmo resistência às redes de opressão, o investimento afetivo positivo se transforma em hostilidade, acompanhada de diferentes sanções, a fim de disciplinar o corpo e forçá-lo a se portar em consonância com a visão de mundo dominante. O escopo dessa hostilidade, mas também os graus de tolerância a desvios dependem do capital corporal e vão variar de acordo com a realidade de cada indivíduo. Em sendo corpos que despertam o desprezo do detentor de poder, a tendência é um aumento da hostilidade e do potencial de agressividade, diminuindo radicalmente o escopo de pertencimento. Se o corpo despertar a atração - consciente ou inconsciente - daquele que detém o poder a tendência é uma maior tolerância aos desvios, acompanhada de concessões a fim de indicar a simpatia. Nessa leitura, cada corpo em cuja superfície se encontram inscritas as narrativas de gênero e raça tem potenciais diferentes no que diz respeito às chances de obtenção de pertencimento. Isto é, fazer parte de um determinado grupo formado pelo vetor de gênero ou de raça não implica automaticamente exclusão ou negação da sensação de pertencimento. Em grande medida, isso acaba sendo definido também a partir do corpo e sua semiótica individual.

Quero problematizar isso com base em três intersecções que se somam a raça e gênero, com suas corporeidades: a deficiência, a geração e a sexualidade. Enquanto a questão da sexualidade e da geração tendem a surgir mais tarde no percurso existencial, a ausência de alguma habilidade física ou mental, em muitas situações, já se torna alvo de problematização na primeira fase da vida, dificultando o desenvolvimento de malhas de pertencimento. O corpo que, de alguma forma, não alcança o escopo de habilidades físicas ou mentais do grupo majoritário acaba sendo inserido numa narrativa de alteridade, excluindo-o das modalidades do pertencer, disponíveis para os outros membros dessa comunidade.

Num primeiro momento, isso significa que o ator social cujo corpo não atende às expectativas do grupo majoritário se vê forçado a internalizar a sequência de sentidos oriunda da visão de mundo desse grupo. Com essa internalização, tem início o processo de marginalização, o qual começa com o afastamento das próprias interações sociais, posicionando o indivíduo em lugares de menor visibilidade, e se estende posteriormente à dificuldade de acesso às oportunidades que um espaço social oferece a seus membros (HALL, 2010HALL, E. Spaces of social inclusion and belonging for people with intellectual disabilities. Journal of Intellectual Disability Research, v. 54, p. 48-57, 2010. , p. 48). Em muitas situações, mais que a ausência de uma habilidade é a discriminação que tende a gerar insatisfação entre atores sociais posicionados nessa intersecção (DALEY/PHIPPS/BRANSCOMBE, 2018DALEY, Angela; PHIPPS, Shelley; BRANSCOMBE, Nyla R. The social complexities of disability: Discrimination, belonging and life satisfaction among Canadian youth. SSM - Population Health, v. 5, p. 55-63, 2018. , p. 56). O capital corporal se transforma em objeto de negociação da norma e essa norma prevê um conjunto de habilidades como condição para a concessão da sensação de pertencimento. Em outras palavras, pertencer, nesse contexto, depende da extensão do capital corporal e do modo com suas habilidades se aproximam ou distanciam da norma prevista para um corpo considerado hábil.

Isso também vale para a sexualidade, um excerto da experiência humana que se revela fundamental para a sensação de pertencimento (GANONG/LARSON, 2011GANONG, Kathryn; LARSON, Erik. Intimacy and Belonging: The Association between Sexual Activity and Depression among Older Adults. Society and Mental Health, v. 1, n. 3, p. 153-172, 2011. , p. 154). No caso da sexualidade, independentemente da forma em que ela se expressa ou do objeto da atração, o corpo também impacta no modo como o anseio por pertencimento pode ser satisfeito. Assim, não é somente o antagonismo entre grupos dominantes (com sua norma de sexualidade) e grupos minoritários (com sua luta por representação da diversidade) que norteia a dinâmica do pertencer. Ele também ocorre dentro desses grupos (minoritários ou não), produzindo microdiferenciações em consonância com o capital corporal de cada indivíduo (HARRIS et al., 2015HARRIS, Angelique; BATTLE, Juan; PASTRANA JR., Antonio; DANIELS, Jessie. Feelings of Belonging: An Exploratory Analysis of the Sociopolitical Involvement of Black, Latina, and Asian/Pacific Islander Sexual Minority Women. J Homosex, v. 62, n. 10, p. 1374-1397, 2015. ). Assim, além da fragilização do pertencimento em decorrência das normas que circulam num espaço social, o corpo também define em que medida o pertencimento pode ser alcançado dentro dos muros do grupo a que o indivíduo pertence. Em cada grupo, surgem hierarquias próprias do corpo, posicionando o sujeito de acordo com essa lógica e assim definindo as chances de obtenção da sensação de pertencimento.

A geração, por fim, tende a aparecer como questionamento na fase final da existência. Com as mudanças do corpo e a transformação da economia de energia, pessoas idosas se encontram em processos de transição no que diz respeito ao mercado de trabalho, às interações sociais e aos recursos econômicos (NOLAN, 2011NOLAN, Laurence C. Dimensions of Aging and Belonging for the Older Person and the Effects of Ageism. Brigham Young University Journal of Public Law, v. 25, p. 317-339, 2011. ). Os modos de participação já não são os mesmos, já que a forma como o corpo pode interagir no espaço social também mudou. Como nos outros contextos, o corpo vai definir o escopo de chances para obtenção da sensação de pertencimento, diferenciando-se conforme a manutenção desse capital e suas possibilidades de participação ativa no mercado de competição por atenção. Nesse bojo, surgem diferentes graus de pertencimento derivados da realidade corporal.

Desde sempre, o corpo é alvo da prática de simbolização; é ele que define como o pertencimento ocorre. Nos primórdios da literatura brasileira, o corpo foi o ponto de partida para encenar a diferença entre nativos e colonizadores ou entre civilizados e bárbaros, a fim de legitimar práticas do pertencer e assim administrar a produção imagética. No século XIX, os romances urbanos, regionalistas ou indianistas de José de Alencar contribuíram para imaginar as práticas interseccionadas do pertencimento na corte, nas diferentes regiões do país, de pessoas indígenas e negras. Assim, no capítulo seis da primeira parte de Senhora, mãe e irmãs, com ajuda de “duas pretas do serviço doméstico” (ALENCAR, 1996ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: Ática, 1996. , p. 42) colocam seus corpos a serviço do bem-estar de Seixas. O episódio não ilustra somente um excerto do cotidiano da corte, ele encena, sobretudo, como corpos estão subordinados a práticas simbólicas, com suas lógicas de pertencimento. Essa lógica se revela de modo explícito no comportamento da mãe. A figura materna está preocupada com os prazeres do filho, também não deseja que a filha se veja “condenada à mesquinha sorte do aleijão social, que se chama celibato” (ALENCAR, 1996ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: Ática, 1996. , p. 42), mas, dentro da lógica de seu horizonte histórico, não consegue vislumbrar outra forma de pertencimento para as escravas que não seja o de colocar o corpo delas a serviço da segurança econômica dos membros da própria família. O episódio problematiza questões de gênero, classe e raça, semantizando o corpo, cartografando o espaço social e, sobretudo, traçando de forma tácita as esferas do pertencimento.

Isso também vale para um episódio em Vidas secas, de Graciliano Ramos. No capítulo intitulado de “Fabiano”, o protagonista faz a seguinte elucubração:

- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.

Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros, Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheio, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.

- Você é um bicho, Fabiano. (RAMOS, 1974RAMOS, Graciliano. Vidas secas. São Paulo: Martins, 1974. , p. 53).

O corpo do protagonista está marcado por pertencimento de gênero e classe. Fabiano primeiramente disciplina o corpo a não perder sua hombridade, especialmente tendo em vista que despenha o papel social de pai. Os filhos, por sua vez, decodificam seu corpo e o utilizam como modelo para imaginar o próprio porte. Posicionado no espaço rural, esse corpo traz marcas de um ser no mundo pautado pelo trabalho árduo na roça, desprovido de qualquer segurança econômica para encená-lo a partir das práticas simbólicas de outro pertencimento. Fabiano identifica que seu corpo está a serviço dos interesses alheios, sem qualquer chance de pertencer àquele mundo onde é possível ter uma “cama de lastro de couro”, como deseja sua esposa. Nesse horizonte, as elucubrações do protagonista buscam entender seu lugar no mundo, isto é, a modalidade de pertencimento que lhe cabe na cartografia social: homem, cabra, bicho. Atrelada a cada um desses lexemas, encontra-se uma visão de mundo que estabelece uma ordem do pertencer.

Um último exemplo provém de Uma vida em segredoDOURADO, Autran. Uma vida em segredo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. , de Autran Dourado. Nesse texto, a jovem Biela deixa sua fazenda na zona rural e se desloca em direção a um espaço de maior urbanização, junto à família do primo. Nesse novo espaço, imperam outras formas de interação social e de organização das práticas simbólicas. Com efeito, a família do primo se exercita no princípio da distinção, tendo como horizonte a cultura burguesa, o que inclui formas de portar o corpo. Para Biela, contudo, essa prática simbólica causa desconforto, de modo que ela se refugia na cozinha:

Até que descobriu o caminho da cozinha. Lá, com a velha Joviana e Gomercindo, com a gente miúda, se sentia mais à vontade, como se estivesse na Fazendo do Fundão. Conversava um pouco, chegava mesmo a contar uns casos. Se abria para as amizades. Eram seus iguais, comiam feito ela, não riam dos seus modos, de sua falta de jeito; quando não comiam com as pontas dos dedos, seguravam o garfo e a faca do mesmo modo; às vezes comiam só com a faca. (DOURADO, 2005DOURADO, Autran. Uma vida em segredo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. , p. 37).

No momento em que Biela se desloca do espaço rural para o espaço urbano, ela também se vê introduzida numa nova malha simbólica que organiza os pertencimentos. Para isso, não basta ser parente da família abastada do primo, ela percebe que carece de todo um capital cultural necessário para transitar nesse espaço e, sobretudo, para legitimar seu pertencimento. Esse capital cultural inclui conhecimentos sobre como portar o corpo à mesa, nas interações sociais, no modo como vesti-lo. Biela não detém esse conhecimento e experimenta o desconforto afetivo que acompanha a sensação de exclusão. A fim de reaver o arraigamento afetivo que caracterizava sua existência na antiga fazenda, ela passa a circular na cozinha, preferindo a companhia dos empregados a de seus familiares. As ações da protagonista revelam algo que ela não consegue verbalizar, mostrando como seu corpo representa a origem da negação de pertencimento.

Pertencimento como disposição afetiva e sentido existencial

Além da dimensão social e corporal, o pertencimento se caracteriza por um vetor de sentido existencial, atrelado à afetividade. Os outros dois vetores, de certo modo, pré-dispõem esse elemento, uma vez que fornecem diferentes narrativas que estimulam a produção de sentidos e da organização de um percurso de ações para seu alcance. Inerente a todos esses excertos da realidade que compõem a experiência individual, encontram-se dimensões afetivas que vão orientando o indivíduo. De alguma forma, a afetividade colora, em grande parte inconscientemente, todos os sentidos construídos e recebidos por atores sociais. Em seu estudo, Antonsich destaca essa dimensão com a metáfora central da casa:

Um primeiro nível analítico no estudo da noção de pertencimento, como um sentimento emocional, é entender como ele [o pertencimento] vem a ser relacionado, por parte de um indivíduo, a um determinado lugar, a fim de gerar o que chamo de lugar-pertencimento. Neste contexto, o lugar é sentido como “casa” e, consequentemente, pertencer significa encontrar um lugar onde um indivíduo possa se sentir “em casa”. (ANTONSICH, 2010ANTONSICH, Marco. Searching for Belonging - An Analytical Framework. Geography Compass, v. 4, n. 6, p. 644-659, 2010. , p. 646).4 4 A first analytical level in the study of the notion of belonging is to understand how, as an emotional feeling, it comes to be attached by an individual to a particular place so to generate what I call place-belongingness. In this context, place is felt as ‘home’ and, accordingly, to belong means to find a place where an individual can feel “at home” (ANTONSICH, 2010, p. 646).

Essa metáfora remete ao anseio humano de encontrar um lugar no mundo, criar raízes não no sentido propriamente espacial, mas sobretudo num projeto de vida ou numa forma de ser no mundo. Nesse cenário, a casa (como construção de uma narrativa individual no mundo) abriga o sujeito contra as intempéries da contingência, isto é, daquela ausência de causalidade que ameaça a estabilidade existencial. Da construção de uma narrativa sólida em sua coesão, o indivíduo depreende uma sensação de conforto, traduzida em forma de uma disposição afetiva que indica seu bem-estar. A estabilização dessa coesão narrativa, de certo modo, permite amenizar a fragilização causada por conflitos e questionamentos oriundos do contexto social. Por consequência, o trabalho de estabilização, entendida como construção de um abrigo existencial, intensifica a sensação de pertencimento, permitindo ao sujeito investir mais energia na construção das narrativas às quais atribui importância para seu ser no mundo. Como aponta Stillman e Baumeister (2009STILLMAN, Tyler F.; BAUMEISTER, Roy F. Uncertainty, Belongingness, and Four Needs for Meaning. Psychological Inquiry, v. 20, p. 249-251, 2009. , p. 249), o sentido representa uma necessidade antropológica elementar na existência humana:

A primeira necessidade de sentido é a de um senso de propósito na vida. Ter um propósito significa que se percebe as atividades atuais como tendo um efeito sobre os resultados futuros. A característica definidora de intencionalidade é que as atividades atuais dependem dos resultados esperados para ter sentido (por exemplo, ler um livro de estatísticas tem sentido, porque se pode esperar que isso contribua para a compreensão das estatísticas ou para um avanço na carreira). Em segundo lugar, as pessoas buscam sentimentos de eficácia, que se refere a uma sensação de ter controle sobre os próprios resultados. Em outras palavras, as pessoas satisfazem a necessidade de se sentirem eficazes quando acreditam que têm efeito sobre o que acontece em suas vidas. Terceiro, as pessoas querem ver suas ações como tendo valor, ou como sendo moralmente boas e corretas. Quarto, as pessoas buscam um senso de autoestima positiva. Ou seja, as pessoas procuram maneiras de estabelecer que são indivíduos bons, admiráveis, dignos, com características desejáveis.5 5 The first need for meaning is that of a sense of purpose in life. Having a purpose means that one perceives current activities as having an effect on future outcomes. The defining characteristic of purposiveness is that current activities depend on expected outcomes for meaning (e.g., reading a statistics book has meaning, because one may expect that doing so would contribute to one’s understanding of the statistics or further one’s career). Second, people seek feelings of efficacy, which refers to a sense of having control over one’s outcomes. In other words, people satisfy a need to feel efficacious when they believe that they have an effect on what happens in their lives. Third, people want to view their actions as having value, or as being morally good and correct. Fourth, people seek a sense of positive self-worth. That is, people seek ways of establishing that they are good, admirable, worthy individuals with desirable traits (STILLMAN; BAUMEISTER 2009, p. 249).

Para Stillman e Baumeister, o sentido existencial está estreitamente relacionado com o pertencimento, pois somente ao reconhecer os vetores teleológicos em sua existência é que atores sociais conseguem obter a sensação de pertencer às coordenadas específicas que delimitam seu espaço de concretização existencial. Na passagem citada, os autores identificam quatro vetores para a estabilização do sentido e, consequentemente, do pertencimento.

Assim, o “senso de propósito” tem como foco ações e seus resultados. Ações são empreendidas a fim de alcançar uma determinada finalidade, de modo a justificar o investimento de energia. Essa finalidade precisa estar ligada, de alguma forma, aos interesses do indivíduo, do contrário, irrompe a contingência. As macronarrativas sociais tendem a fornecer as explicações necessáriaas para legitimar determinado investimento de energia, mesmo que não sejam em benefício do próprio indivíduo. Nesse cenário, o enfeixamento cultural ou também ideológico serve para instalar um senso de naturalidade para um conjunto de ações. As demandas de grupos minoritários ou periféricos muitas vezes rompem essa narrativa, questionando o modo como o sujeito é impelido a agir de uma determinada forma para assim construir um espaço da vida, cujos resultados não favorecem esse grupo. Com a fragilização da sensação de pertencimento, surgem outras narrativas que reformulam o conjunto de ações e dos resultados almejáveis, revendo, portanto, a gestão afetiva e de pertencimento.

O segundo vetor mencionado pelos autores remete à questão da “eficácia” e, com isso, da agência individual ou coletiva. A sensação de pertencimento começa a esmorecer quando o indivíduo identifica que não domina o conjunto de acontecimentos que caracteriza sua existência. Ao reconhecer-se marionete de vontades alheias, ocorre a fragilização do sentido e, por consequência, da sensação de pertencer. O terceiro elemento reside no valor e no modo como a existência pessoal se insere numa comunidade de valores compartilhados. Esses valores se encontram na base das ações e orientam indivíduos sobre como configurar o sentido existencial, de modo a pertencer a determinada comunidade. O conjunto de valores pode adotar bondade e corretude moral como norte, mas também pode igualmente distanciar-se dessa narrativa e dar preferência a outros fatores, atribuindo a essa visão de mundo maior valor. A sensação de pertencimento se intensifica de acordo com a confluência entres os valores individuais (ou do grupo a que pertence) e sua concretização existencial.

A autoestima, por sua vez, parece estar diretamente atrelada ao conjunto de hierarquias estabelecida numa sociedade. São essas hierarquias que, em grande parte, definem o que desperta a admiração e que vozes são dignas de emulação. Pertencer, nesse eixo, compreende, entre outras coisas, entender essas hierarquias e se estabelecer com êxito nelas. Claro está que essas hierarquias são alvo de questionamentos, despertando especialmente naqueles cujo anseio de participação é rejeitado um esforço de revisão e desnaturalização das narrativas dominantes, a fim de identificar outras formas de pensar autoestima e, com isso, de afirmação do si, em todas as suas dimensões.

Nesse bojo, a exclusão social ou a rejeição tem um impacto substancial no modo como pertencimento acaba sendo experimentado. Ao ser alvo de animosidades e hostilidades, concretizadas nos diferentes graus da escala afetiva, començando pelo olhar descompassivo e desembocando na expressão explícita do ódio, a sensação de pertencimento se enfraquece, desencadeando também a necessidade de revisão dos vetores que configuram o sentido existencial, especialmente quando a experiência é repetitiva. Enquanto o indivíduo não é alvo de alguma espécie de rejeição, seu sentido existencial e sua sensação de pertencimento dificilmente serão fragilizados. É a experiência repetida que suscita questionamentos sobre o modo como o respectivo indivíduo pode encontrar um espaço existencial, no qual possa se sentir “em casa” e identificar que suas ações contribuem para a construção desse espaço, sendo agente e participante de uma comunidade de valores que fortalecem a afirmação do si como membro de um grupo.

A rejeição e, com isso, a negação do pertencimento suscita um redirecionamento no enfeixamento das energias cognitivas, forçando uma espécie de reposicionamento, diante das atitudes e narrativas do mundo (DeWALL et al., 2011DeWALL, C. Nathan; DECKMAN, Timothy; POND, Richard S.; BONSER, Ian. Belongingness as a Core Personality Trait: How Social Exclusion Influences Social Functioning and Personality Expression. Journal of Personality, v. 79, n. 6, p. 1281-1314, 2011. , p. 1282). Esse reposicionamento pode produzir a aceitação resignada das lógicas de pertencimento existentes no espaço de circulação do respectivo ator social ou desencadear um anseio de reformulação das narrativas que definem quem pode pertencer. Isso, contudo, também implica em revisar o sentido existencial que forma a base da própria visão de mundo e em avaliar o capital afetivo disponível para debelar a hostilidade que aflora tão logo se questione a prática dominante.

A confluência entre sentido, afetividade e pertencimento, na verdade, se encontra em praticamente todas as esferas, já que ação e comportamento tendem a ter o sentido existencial como motivação, buscando assegurar um arraigamento firme nas malhas simbólicas adotadas na concretização existencial. Assim, nos poemas a Marília, de Tomás Antônio Gonzaga, a voz lírica encontra seu norte no enfeixamento afetivo em direção a sua musa. De certa forma, é isso que também ocorre em Dom Casmurro, até o momento em que o protagonista passa a ser atribulado por suspeitas. A desconfiança de Bentinho, contudo, desencadeia um processo de fragilização desse pertencimento, culminando no capítulo “Fotografia”, quando acredita ter certeza de que Ezequiel não é seu filho. Num processo paulatino, o romance encena obtenção de pertencimento, quando o protagonista se envolve com Capitu, e sua perda na medida em que suas suspeitas vão crescendo. Com a fragilização do pertencer, também o sentido de sua existência passa por revisões, forçando Bentinho a reorganizar sua narrativa pessoal.

A busca pela estabilização do sentido e, com isso, do pertencimento, é um motivo recorrente na literatura. Em “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, a voz lírica ainda encontra esse lugar mágico de saturação do sentido na terra natal. Os poemas de Casimiro de Abreu, por sua vez, já revelam um ceticismo crescente, buscando na memória da infância o elo perdido, como no poema “Meus oito anos”. Por fim, o poema “Só!”, de Cruz e Souza, encena a ruína do sentido e a concomitante perda de um abrigo existencial:

SÓ! Muito embora as estrelas do Infinito Lá de cima me acenem carinhosas E desça das esferas luminosas A doce graça de um clarão bendito; Embora o mar, como um revel proscrito, Chame por mim nas vagas ondulosas E o vento venha em cóleras medrosas O meu destino proclamar num grito, Neste mundo tão trágico, tamanho, Como eu me sinto fundamente estranho E o amor e tudo para mim avaro... Ah! Como eu sinto compungidamente, Por entre tanto horror indiferente, Um frio sepulcral de desamparo! (SOUSA, 2008SOUSA, Cruz e. Obra completa. Volume 1. Poesia. Jaraguá do Sul: Avenida, 2008., p. 563).

Nas primeiras duas estrofes, a voz lírica identifica as ofertas de pertencimento que o mundo lhe faz. Essa oferta, contudo, está condicionada a um movimento de inserção dos sentidos nas malhas da teleologia pessoal da voz lírica. Isto é, ela precisa processar as ofertas de sentidos que atravessam seu mundo e inseri-las na narrativa que abriga sua imagem de si, transformando contigências em elos causais próprios. A despeito da identificação dos potenciais, a voz lírica indica, no primeiro terceto, que já não consegue se relacionar com esse mundo. O sentimento de estranheza remete a um ser no mundo marcado pela ausência de pertencimento, culminando na sensação de “frio sepulcral de desamparo”. O frio, o sepulcro, o desamparo, a solidão formam um campo semâtico em que o sema dominate é o despertencimento. A voz lírica já não logra vislumbrar um abrigo existencial que lhe permita pertencer e afirmar seu sentido no mundo.

O pertencimento e seus potenciais nos estudos literários

Esse conjunto de saberes produzido nas mais diversas áreas do conhecimento pode servir de ponto de partida para problematizar o pertencimento nos estudos da literatura. O texto ficcional como laboratório artístico para a encenação de experiências (não só humanas) parece estar pré-disposto a ter a negociação de pertencimento como um questionamento central, independentemente de sua afiliação a um gênero específico ou a uma época literária. Uma parte substancial das experiências encenadas ou dos mundos simulados no universo ficcional tem como fio condutor o posicionamento de personagens (humanos, objetos, animais) numa cartografia do pertencimento. Em outras palavras, o texto literário parece convidar o leitor a identificar como seres e coisas se posicionam no mundo, pertencendo (ou não) a determinadas coordenadas da concretização existencial. Nesse cenário, treinar o olhar para o pertencimento implica exercitar o olhar para a identificação das modalidades de participação dos diferentes agentes que circundam o ser no mundo, nas suas mais diversas configurações.

O ponto de partida para a dinâmica do pertencimento parece residir no conflito que atravessa a esfera ficcional (em textos narrativos, dramáticos ou líricos). Esse conflito pode ocorrer nas experiências de uma voz lírica, de um personagem narrativo ou entre dois ou mais personagens dramáticos, por exemplo. Essas diferentes instâncias da fala, de relato ou de encenação acional procuram identificar seu lugar no mundo. O conflito traz à tona os questionamentos que afligem os diferentes participantes dessa realidade simulada e é a partir do conflito que tem início um processo de negociação das visões de mundo, das hierarquias e dos posicionamentos.

A solução do conflito ou sua permanência como questão em aberto vão estabelecer como essas criações ficcionais se posicionam nas coordenadas traçadas em seu espaço de interação. Acontecimentos e motivações que movem ou estagnam a ação têm sua origem nessa busca por pertencimento seja ela na esfera social (nação, classe, cultura), na esfera corporal (raça, gênero, sexualidade, geração, habilidades), ou na esfera do sentido afetivo-existencial com suas configurações teleológicas, guiadas por valores coletivos ou convicções pessoais.

Nesse processo de encenação da negociação de pertencimento, a voz narrativa, o eu lírico e outras instâncias de mediação obviamente têm um papel de destaque. Como criações ficcionais, essas instâncias são responsáveis por conduzir os movimentos de percepção, fazendo seleções da realidade ficcional ao verbalizar determinados conteúdos, adotando pontos de vista para mediar o acesso ao excerto de realidade em negociação, caracterizando ao expor certos elementos do comportamento de personagens. Nisso, por mais ausente, recôndita ou tácita que essa mediação se dá, ela também se posiciona de alguma forma, participando, portanto, da rede de elos que define o pertencimento. Assim, ordem da exposição ou duração da exposição revelam elementos a que a mediação atribui importância, situando-a nas dinâmicas de pertencimento.

A configuração comunicacional, por sua vez, revela que área da experiência do ser no mundo está em foco e, com isso, como o pertencimento se torna objeto do conflito. Quando o texto adota uma espécie de dicotomização das atitudes, a identificação dos núcleos de pertencimento é mais facilmente identificável. Quando essa dicotomização deixa de ser o fio condutor, mostrando a complexidade da realidade com sua paleta incomensurável de atitudes, o leitor se vê forçado a depreender das entrelinhas a modalidade de pertencimento a que os diferentes personagens anseiam.

Não raramente, o conflito individual reside justamente em identificar esse anseio, produzindo comportamentos ambíguos e díspares, por exemplo entre anseios pulsionais e exigências sociais. Criações ficcionais ilustram, com base em ações, expressões, relatos, o tipo de pertencimento que necessitam para obtenção da satisfação existencial, encenada na realidade ficcional. Por vezes, elas se orientam de tal forma em ofertas externas de pertencimento que já não conseguem identificar anseios próprios. A arte da literatura encena esse estranhamento do si, um estado em que o pertencimento buscado não está em consonância com as reais necessidades subjetivas. Nisso, ela simula experiências subordinadas a uma narrativa alheia que, na verdade, produz despertencimento.

A linguagem adotada, a semiótica do espaço e o ritmo temporal se juntam às motivações e aos comportamentos dessas diferentes instâncias da enunciação ficcional para problematizar, corroborar ou rejeitar o pertencimento. Nisso, o texto literário produz uma plataforma verbal que tece elos com o mundo extraficcional ou instaura novas realidades, simulando formas de pertencer nas diferentes esferas da experiência, como expostas na primeira parte deste artigo. Nesse contexto, identidade e afetividade têm um lugar de destaque, pois são as negociações identitárias e afetivas que, em grande parte, vão definir a problematização do pertencimento na esfera da ficção.

Em conclusão, o anseio por recobrar a sensação primordial de pertencimento pleno, inscrita na memória afetivo-corporal, atravessa todas as formas de concretização existencial. Essa plenitude, contudo, se revela como imagem de um paraíso perdido. Após a ruptura da plenitude primordial com a cisão do cordão que ligava a esse estado, pertencimento remete inexoravelmente a um processo ininterrupto de negociação. Pertencimento deixa de ser algo dado, natural, inexaurível para se transformar em objeto de contenda, forçando o sujeito a idear estratégias a fim de conquistar, manter e estender esse recurso existencial. Com efeito, o esforço inerente à busca por pertencimento não ocorre sem conflitos. Para atenuar esses conflitos e criar mecanismos de previsão, a vida em sociedade oferece narrativas que estabelecem as regras do jogo, indicando quem pode obter que grau de pertencimento.

Nesta discussão, foram problematizadas três esferas dessa contenda. Assim, o pertencimento social se enquadra nas macronarrativas que uma sociedade oferece como modalidade de pertencimento. Por sua vez, o pertencimento corporal define com base no capital corporal como diferentes atores sociais podem participar dos processes de negociação. Por fim, o pertencimento afetivo atrelado ao sentido existencial identifica como o indivíduo constrói sua malha teleológica a fim de estabilizar seu sentido no mundo. Nenhuma dessas esferas é de tal modo estável que não possa ser objeto de questionamentos e resistências. Assim, uma parte substancial da energia investida em ações, comportamentos e atitudes tem como foco a administração do pertencimento. Nesse horizonte, as três esferas e suas negociações podem servir de ponto de partida para discutir como o texto literário encena essas diferentes modalidades e as diferencia a partir de sua contribuição artística.

Referências

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  • 1
    This distinction between the formal and the informal applies not only to the politics of belonging in and to the nation-state but also to the politics of belonging at other levels of aggregation and at other sites. Formal membership in a club, church, family, or association does not entail informal acceptance; formal membership may be informally contested or subverted. But the concern herein is with the distinction between formal and informal aspects of the politics of belonging in and to the nation-state (BRUBAKER, 2010BRUBAKER, Rogers. Migration, Membership, and the Modern Nation State: Internal and External Dimensions of the Politics of Belonging. Journal of Interdisciplinary History, v. 41, n. 1, p. 61-78, 2010., p. 66).
  • 2
    social class identities - identities based on the social and economic factors that determines one’s standing in society - are likely to be given high levels of subjective importance by individuals and used as a meaningful way to categorize and define themselves and others. We also expect that those who have higher social class will place greater levels of subjective importance on their social class identities because they derive status from them, which satisfies a range of psychological needs (EASTERBROOK/KUPPENS/MANSTEAD, 2020EASTERBROOK, Matthew J.; KUPPENS, Toon; MANSTEAD, Antony S. R. Socioeconomic status and the structure of the self-concept. British Journal of Social Psychology, v. 59, p. 66-86, 2020. , p. 66-67).
  • 3
    When it is said that people belong to a particular gender, or race, or class or nation, that they belong to a particular age-group, kinship group or a certain profession, what is being talked about are social and economic locations, which, at each historical moment, have particular implications vis-à-vis the grids of power relations in society. A man or a woman, black or white, working-class or middle-class, a member of a European or an African nation: these are not just different categories of social location, but categories that also have a certain positionality along an axis of power, higher or lower than other such categories. Such positionalities, however, tend to be different in different historical contexts and are often fluid and contested (YUVAL-DAVIS, 2006YUVAL-DAVIS, Nira. Belonging and the politics of belonging. Patterns of Prejudice, v. 40, n. 3, p. 197-214, 2006. , p. 199).
  • 4
    A first analytical level in the study of the notion of belonging is to understand how, as an emotional feeling, it comes to be attached by an individual to a particular place so to generate what I call place-belongingness. In this context, place is felt as ‘home’ and, accordingly, to belong means to find a place where an individual can feel “at home” (ANTONSICH, 2010ANTONSICH, Marco. Searching for Belonging - An Analytical Framework. Geography Compass, v. 4, n. 6, p. 644-659, 2010. , p. 646).
  • 5
    The first need for meaning is that of a sense of purpose in life. Having a purpose means that one perceives current activities as having an effect on future outcomes. The defining characteristic of purposiveness is that current activities depend on expected outcomes for meaning (e.g., reading a statistics book has meaning, because one may expect that doing so would contribute to one’s understanding of the statistics or further one’s career). Second, people seek feelings of efficacy, which refers to a sense of having control over one’s outcomes. In other words, people satisfy a need to feel efficacious when they believe that they have an effect on what happens in their lives. Third, people want to view their actions as having value, or as being morally good and correct. Fourth, people seek a sense of positive self-worth. That is, people seek ways of establishing that they are good, admirable, worthy individuals with desirable traits (STILLMAN; BAUMEISTER 2009STILLMAN, Tyler F.; BAUMEISTER, Roy F. Uncertainty, Belongingness, and Four Needs for Meaning. Psychological Inquiry, v. 20, p. 249-251, 2009. , p. 249).
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola, aprovamos a versão final deste texto para sua publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2022
  • Aceito
    28 Maio 2022
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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