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Sob as flores - Hélène Cixous reescreve inscrições apagadas de Proust, de Freud

Under the flowers - Hélène Cixous rewrites erased inscriptions of Proust, Freud

Resumo

A narradora de Ève s’évade - la ruine et la vie, 2009, de Hélène Cixous, está diante do envelhecimento e dos últimos tempos de vida de sua mãe Ève. Nas primeiras páginas, escutamos as vozes de Dante, Montaigne e Ève e chegamos à voz do sonho que não tarda a nos levar à viagem em que Freud, fugindo do nazismo, vai a Londres para “morrer em liberdade”. Neste breve ensaio, nos demoraremos nos modos de citação, cifração e decifração de cenas proustianas, no centro do palco, e de cenas freudianas, em volta do palco, pela escrita de Cixous. Buscaremos mostrar como essas cenas, lidas e relidas, se transformam, como as chamaremos livremente, em palavras-valise - omifiée/Omification, bergotter, rêvasion - e realizam o desejo de transformar a morte em literatura, desejo que acontece na transformação libertadora da palavra, que, entre cenas literárias e psicanalíticas, conjuga outros tempos, modos e vozes.

Palavras-chave:
Hélène Cixous; Marcel Proust; Sigmund Freud; literatura e psicanálise

Abstract

The narrator of Ève s’évade - la Ruine et la Vie, 2009, by Hélène Cixous, is facing aging and the last moments of her mother Ève’s life. In the first pages, we hear the voices of Dante, Montaigne, Ève and we reach the voice of the dream that soon leads us to the journey in which Freud, fleeing from Nazism, goes to London to “die in freedom”. In this short essay, we will have a close look at the modes of citation, encryption and decoding of Proust’s scenes, in the center of the stage, and Freud’s scenes around the stage, through Cixous’ writing. We will seek to show how these scenes, read and reread, transform themselves into what we loosely call suitcase words - omifiée/Omification, bergotter, rêvasion - and fulfill the wish of transforming death into literature, a wish that comes true through the liberating transformation of the word that, between literary and psychoanalytical scenes, conjugates other times, modes, voices.

Keywords:
Hélène Cixous; Marcel Proust; Sigmund Freud; literature and psychoanalysis

Résumé

La narratrice d’Ève s’évade - la Ruine et la Vie, 2009, d’Hélène Cixous, est confrontée au vieillissement et aux dernières années de vie de sa mère Ève. Dès les premières pages, on entend les voix de Dante, Montaigne, Ève, et on arrive à la voix du rêve qui nous entraîne bientôt vers le voyage où Freud, fuyant le nazisme, se rend à Londres pour « mourir en liberté ». Dans ce bref essai, nous nous attarderons sur les modes de citation, de chiffrement et de déchiffrement des scènes proustiennes, au centre de la scène, et des scènes freudiennes, autour de la scène, à travers l’écriture de Cixous. Nous chercherons à montrer comment ces scènes, lues et relues, se transforment, comme nous les appelleront ouvertement, en mots-valise - omifiée/Omification, bergotter, rêvasion - et comblent le désir de transformer la mort en littérature, désir qui s’accomplit par la transformation rédemptrice du mot qui, entre scènes littéraires et psychanalytiques, conjugue d’autres temps, modes et voix.

Mots-clés:
Hélène Cixous; Marcel Proust; Sigmund Freud; littérature et psychanalyse

“um livro é um vasto cemitério onde na maioria dos túmulos já não se leem as inscrições apagadas. Por vezes, ao contrário, lembramos perfeitamente o nome, mas sem saber se algo da criatura que o usava sobrevive nestas páginas. Estará aqui a moça de olhos fundos e voz arrastada? E, se se encontra mesmo aqui, em que lugar já não sabemos; e como descobri-la sob as flores?”

(O tempo recuperado, Marcel ProustPROUST, Marcel. O Tempo recuperado. Tradução: Fernando Py. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004b.)

Em Ève s’évade - la ruine et la vie/ Ève se evade - a ruína e a vida, 2009, de Hélène Cixous, as vozes da narração transformam dois nomes próprios e dois substantivos em neologismos. Omi, o nome da avó de uma dessas vozes, se torna omificada (omifiée) e Omificação (mais precisamente, um coup de Omification) e Bergotte, nome do personagem escritor da Busca, se torna bergotar (bergotter). Já a palavra rêvasion, aglutinando sonho e evasão, ganha destaque no encarte que acompanha o livro e condensa uma conferência de Freud e algumas cenas autobiográficas. Dizemos “as vozes” porque passar à literatura de Cixous é enfrentar radicalmente a pergunta: Quem fala? Além de escutarmos a voz de Ève, a mãe da narradora, escutamos também a voz de Freud às vésperas de sua morte e a do narrador de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, que parece vir da casa das máquinas do romance. Este ensaio propõe-se a pensar o modo pelo qual a narradora recita Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, e O sonho do prisioneiro, de Freud, e faz do ato de ler o personagem principal do livro.

Comecemos pelas primeiras linhas:

Jour de Souffrance

C’est donc la Nouvelle Vie, que je vois. Son visage tout vieux où brille l’éternelle jeunesse. Juste devant moi et prise d’une précipitation. Je vis que je voyais le temps tomber

Cette émotion

[...]

Assise en face de maman qui brusquement n’était plus maman mais Omi elle-même - [...]

“Je veux une deuxième tartine”, dit maman omifiée. (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 9-11).1 1 Dia de sofrimento É, então, a Vida Nova, o que vejo. Seu rosto todo velho onde brilha a juventude eterna. Precisamente diante de mim e pego de pressa. Vejo que via o tempo cair. Esta emoção. [...] Sento em frente à mamãe que bruscamente não era mais mamãe, mas a própria Omi - “Quero uma segunda torrada”, diz mamãe omificada. Doravante, salvo ressalva, todas as traduções da obra de Hélène Cixous são nossas.

O livro começa pelo tempo que tomba e pelo choque da aparição. Ève se omifica e se torna a avó, Omi. Se a mãe é a avó - quem é a filha e quem é a neta? E, num outro giro da escrita, a narradora passa a ser a mãe da menina de seis anos que Omi se torna ao fim da vida. Para escrever esse choque que leva ao mais terrível, e que apaga distinções e lugares organizados2 2 Em Osnabrück, a narradora escreve que essa tragédia genealógica é desencadeada pela morte do pai: “Como posso ser a filha de minha mãe já que sou eu mesma meu pai e a filha de meu pai?” (CIXOUS, 1999, p. 106). , a escrita chama por outras escritas. Há a presença de Proust e de Derrida como evocações mais ou menos veladas; de Montaigne, Rubens, Moritz von Schwind e de Freud como citações diretas; e Virgílio, Dante, Balzac também estão muito presentes. Por meio desses nomes, se arrisca uma forma para essas cenas entre mãe e filha, em que se entrelaçam a morte, o sonho, o sexo e a sua face palimpsestuosa3 3 Neologismo de Leda Tenório da Motta (1999) para pensar as relações entre A comédia humana, de Balzac, e Em busca do tempo perdido, de Proust. , o que se figura no quadro de Rubens, Cimon et Pero. O primeiro capítulo é especialmente de difícil leitura, pois o tempo das coisas sucessivas é o que tomba. Assim, o tempo passa a ser aquele que abole a separação ente vida e morte e as palavras parecem omissas ao deslizarem sobre o esquecimento e sobre a ruína. Perde-se o tempo sucessivo e a sintaxe é perturbada, assim como a surdez da mãe fragmenta as palavras e promove, por vezes, uma escuta ininteligível delas.

A fragmentação não incide somente nas palavras do relato que repetiriam a fragmentação da fala da mãe, ela incide também nas cenas da literatura que se estilhaçam, se transformam em outra cena, cena parcialmente inconsciente, e dão forma ao choque da aparição. Façamos presente aquilo que em Ève s’évade sofreu um processo de apagamento, revisitemos as cenas proustianas.4 4 O leitor encontrará uma leitura preliminar dessas cenas em: TROCOLI, Flavia. Memória de Marcel Proust e de Jacques Derrida em Hyperrêve [Hypersonho] de Hélène Cixous. In: FARIA, J.P.; SANTANA, J.C.; NOGUEIRA, L. (org.). Linguagem, Arte e o Político. Campinas: Pontes Editores, 2020.

Omifiée, Omification

A primeira paragem é O caminho de Guermantes, terceiro volume de Em busca do tempo perdido. Pode-se dizer que seu eixo consiste nas relações entre o narrador e a família de Guermantes, entretanto, destacaremos a cena em que a avó está em Paris e o neto em Doncières. Eles se falam pelo telefone, naquela época ainda de uso restrito:

E logo que nosso chamado ressoou, na noite cheia de aparições para a qual só nossos ouvidos se abrem, um leve ruído - um ruído abstrato - o da distância suprimida - e a voz do ser amado se dirige a nós. [...] Presença real a dessa voz tão próxima - na separação efetiva! Mas também antecipação de uma separação eterna! [...] A voz era doce, mas também como era triste [...] frágil à força da delicadeza, parecia a todo instante prestes a quebrar-se, a expirar em um puro correr de lágrimas [...]. Eu gritava: Vovó, vovó, e desejaria beijá-la; mas, perto de mim só tinha aquela voz, fantasma tão impalpável [...] Vovó, vovó, como Orfeu, sozinho, repete o nome da morta. [...] (PROUST, 2004aPROUST, Marcel. O caminho de Guermantes. Tradução de Fernando Py. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004a., p. 116).

O trecho repete, antecipa e condensa. Repete o apelo à mãe que não responde. E, se aqui a avó ainda viva já aparece como fantasma, em Albertine desaparecida, a amada já morta estará mais viva do que nunca. Com isso, o narrador quebra qualquer ilusão de realidade objetiva, a perda sobre a qual se funda o romance moderno, funda também a realidade como realidade psíquica: a zona de indecidibilidade fantasmagórica entre a morte e a vida põe por terra algumas vigas de sustentação do romance realista tradicional. Continuemos a ler:

Infelizmente, esse fantasma, foi ele mesmo que avistei quando, ao entrar no salão sem que minha avó estivesse avisada de meu regresso, a encontrei lendo. [...] eu que nunca a vira senão em minha alma, sempre no mesmo lugar do passado, [...], eis que avistei no canapé, à luz da lâmpada, rubra, pesada e vulgar, enferma, devaneando, passeando por um livro os olhos um tanto alucinados, uma velha acabada que eu não conhecia. (PROUST, 2004aPROUST, Marcel. O caminho de Guermantes. Tradução de Fernando Py. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004a., p. 119).

Neste ponto insuportável, a narrativa sofre um corte e o narrador volta a falar da Sra. de Guermantes, e será uma centena de páginas depois que a avó morrerá:

Nesse momento, minha avó abriu os olhos. Precipitei-me para Françoise a fim de lhe ocultar as lágrimas, enquanto meus pais falavam à doente. O rumor de oxigênio silenciara, o médico se afastou da cama. Minha avó estava morta. [...] A vida, ao se retirar, acabava de carregar as desilusões da existência. Um sorriso parecia pousado sobre os lábios de minha avó. Sobre aquele leito fúnebre, a morte, como um escultor da Idade Média, deitara-a sob a aparência de uma mocinha. (PROUST, 2004aPROUST, Marcel. O caminho de Guermantes. Tradução de Fernando Py. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004a., p. 289).

O leitor não terá esquecido das primeiras linhas que citamos do romance de Cixous: “seu rosto velho onde brilha a eterna juventude”. A dor insuportável permanece sem comentário e é suspensa. A morte não se faz a um só tempo, ela demora. Será somente no volume seguinte, em Sodoma e Gomorra, que o narrador poderá, enfim, perder sua avó, o instante de sua morte será representado em um só-depois:

[...] e assim, num desejo louco de precipitar-me em seus braços, não era senão naquele instante - mais de um ano após seu enterro, devido a esse anacronismo que tantas vezes impede o calendário dos fatos de coincidir com o dos sentimentos - que eu acabava de saber que ela estava morta. (PROUST, 2008PROUST, Marcel. Sodoma e Gomorra. Tradução de Mario Quintana. 3.ed. São Paulo: Globo, 2008. , p. 192).

Na narrativa, o golpe da dor é seguido de um sonho, afinal o trabalho de luto é também um trabalho do inconsciente. Em sonho, a avó ainda existia, porém permanecendo inacessível ao narrador, impossibilidade que se faz, em grande parte, pelo interdito paterno:

E foi também soluçando que eu disse a meu pai: “Depressa, depressa, o seu endereço, leva-me”. Mas ele: “É que... não sei se poderás vê-la. E depois, bem sabes, está muito fraca, muito fraca, já não é mais ela mesma. E creio até que te seria penoso. E não recordo o número exato da avenida”. (PROUST, 2008PROUST, Marcel. Sodoma e Gomorra. Tradução de Mario Quintana. 3.ed. São Paulo: Globo, 2008. p. 198).

Em seguida, na angústia do despertar do sonho em que perdera mais uma vez a avó, o neto então constata a sua ausência definitiva ao se deparar com a divisória dos quartos, que, como um fio de telefone, fazia com que ambos se comunicassem com perfeita compreensão na sua primeira estadia em Balbec, por meio de três leves batidas que estabeleciam a comunicação inconfundível entre a avó e o seu pequeno e aflito neto, fio que agora, no entanto, estava para sempre cortado:

[...] não ouviria nenhuma resposta e minha avó não mais chegaria. E eu nada mais pedia a Deus, se é que existe um paraíso, senão dar contra aquela divisão as três pequenas batidas que minha avó reconheceria entre mil, e às quais responderia com aquelas outras batidas que queriam dizer: “Não te inquietes, meu ratinho; compreendo que estejas impaciente, mas não demoro”, e que me deixasse ficar com ela toda a eternidade, que não seria muito longa para nós dois. (PROUST, 2008PROUST, Marcel. Sodoma e Gomorra. Tradução de Mario Quintana. 3.ed. São Paulo: Globo, 2008. , p. 199-200).

Assim, a antecipação da separação eterna prenunciada no telefonema de Doncières se confirma, e Orfeu continua a perder Eurídice no decorrer dos milhares de páginas da Busca. Entrementes, uma nova configuração da avó se fará na narrativa, pois, na sequência do seu luto, a dor pela perda da avó dará reconhecimento ao que o narrador compreende ser a verdadeira dor, a dor da filha pela perda da mãe, ou melhor dizendo, a dor da sua mãe pela perda da sua avó. Detalhe de linhagem genealógica, todavia, dispensável, uma vez que a narrativa proustiana prefigura o choque da perda pelo ente querido por meio da Omificação, que se apresenta na figura da Mãe-Avó: “Mas sobretudo, logo que a vi entrar com o seu manto de crepe, apercebi-me - coisa que me havia escapado em Paris - que não era mais a minha mãe que eu tinha diante de meus olhos, mas a minha avó” (PROUST, 2008PROUST, Marcel. Sodoma e Gomorra. Tradução de Mario Quintana. 3.ed. São Paulo: Globo, 2008. , p. 206).

Nessa continuidade da presença da avó morta na imagem da mãe (ainda) viva, retomamos o questionamento inicial feito neste ensaio do lugar destinado à filha a partir da transformação de Ève em Omi: quem o narrador proustiano passa a ser, em relação à figura unificada de sua(s) progenitora(s)? Pois, uma vez a mãe tornada a avó, é a si mesma que ela se endereça (lettre) quando se remete ao filho (l’être): “Em cada uma das três cartas que recebi de mamãe antes de sua chegada a Balbec, ela citou-me madame de Sévigné, como se as três cartas fossem dirigidas, não por ela a mim, mas por minha avó a ela” (PROUST, 2008PROUST, Marcel. Sodoma e Gomorra. Tradução de Mario Quintana. 3.ed. São Paulo: Globo, 2008. , p. 207).

Em seguida, o narrador buscará atenuar o sofrimento pela morte da avó no prazer do convívio com Albertine, prazer que parece interrompido pela revelação dela sobre um convívio íntimo com a Srta. Vinteuil e a amante, as lésbicas de Montjouvain. Revelação que finalizará a narrativa de Sodoma e Gomorra com um desvio que direciona o narrador e Albertine para o convívio no cativeiro nas linhas do volume seguinte, A prisioneira. Antecipa-se, assim, a entrada do cemitério, quando a morte de Bergotte tomba sobre a cronologia da narrativa da Busca, entrecortando a relação do narrador com a cativa que, desde já, se prefigurava, ela também, como uma cidadã do cemitério: “[...] e vendo que com as nossas malas (junto das quais eu passara a noite chorando no Grande Hotel de Balbec), tinham colocado também as de Albertine, estreitas e negras, que me pareceram ter o feitio de esquifes, sem que eu soubesse se iam trazer para casa a vida ou a morte” (PROUST, 2011PROUST, Marcel. A prisioneira. Tradução de Manuel Bandeira e Lourdes Sousa de Alencar. 13. ed. São Paulo: Globo, 2011., p. 18-9).

Je bergotte

Até esse ponto, retornamos à morte da avó para desenhar os entrecruzamentos entre a narrativa de Proust e a de Cixous e, assim, já temos ideia do que as palavras omifiée e Omification condensam. Podemos, doravante, passar à decifração do bergotar. O último capítulo de Ève s’évade se intitula “Je deviens citoyenne de cimitière”/“Eu me torno cidadã do cemitério”, título que emerge daquilo que fora endereçado à narradora por Ève: “En partant elle tira une enveloppe de son sac. Elle me la tendit. ‘Le Cimetière, c’est toi.’[...] De ce jour je devins citoyenne de cimitière” (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 189).5 5 “Partindo, ela tirou um envelope de sua bolsa. Ela me entregou. ‘O cemitério é você.’ [...]. Desse dia em diante, me tornei cidadã do cemitério.” O início do capítulo se faz pela marcação do tempo. No caderno datado, a narradora nos diz que, em 9 de fevereiro, Ève, rejuvenescida pelo passar dos anos que a proximidade do seu aniversário lhe traz, escreve muitas cartas, assinadas pelo tempo da idade: “Elle signe: Ève 97 ans. Ou la vieille Ève” (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 187).6 6 “Ela assina: Ève 97 anos. Ou a velha Ève.” Em 10 de fevereiro, Ève argumenta com a filha a pressa da vida contra a ação do tempo, a ação do movimento entrelaçado com o desejo de viver o tempo que lhe resta: “Veut. Va. Revient. Deux taxis, dit-elle. À notre âge on ne peut quand même pas attendre. Chaque jour un jour de moins.” (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 188).7 7 “Quer. Vai. Volta. Dois taxis, diz ela. Na nossa idade, não dá mesmo para esperar. Cada dia um dia a menos.” No mesmo dia, na consulta ao dermatologista, novo entrelaçamento, o cálculo feito por Ève entre o tempo de vida e a extensão da pele, que encurta em um movimento diametralmente oposto ao da vivência que, Ève, no entanto, não economiza: “La peau n’est pas éternelle. Il en reste un peu. C’est mieux que rien. [...] Dit: le temps c’est de la peau. Je ne gaspille pas” (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 188).8 8 “A pele não é eterna. Dela, resta um pouco. É melhor que nada. Diz: o tempo é a pele. Não desperdiço.” No dia seguinte, 11 de fevereiro, entra o cemitério, enterra-se Bergotte! Ève dá o envelope com a inscrição (lettre) à filha, que se torna, assim, a cidadã do cemitério (l’être), o endereçamento que o pai do narrador proustiano lhe nega no sonho: “En premier lieu ma mère me donne l’adresse” (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 192, grifo da autora)9 9 “Em primeiro lugar minha mãe me dá o endereço.” .

Ève, então, se evade, encoberta no seu falso casaco de pele: “Elle sort. Fausse vieille fausse peau de panthère. Libre” (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 189),10 10 “Ela sai. Falsa velha falsa pele de pantera. Livre.” a pele de pantera que, encobrindo o ser (l’être) que se esvai, passa a encobrir o caderno da escrita (lettre) daquela que foi destinada a ser cidadã do cemitério:

Et ce jour-là, de même - comme je le retrouve dans le carnet-panthère -, ce jour de fausse fourrure où ma mère veut absolument aller au BHV avec mon frère, au moment où elle sort, en direction du grand magasin je l’espère - que Bergotte meurt, de même entre le Cimetière. (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 192).11 11 “Naquele dia - assim como o encontro no caderno-pantera -, esse dia de falsa pele em que minha mãe quer ir imperiosamente ao BHV com meu irmão, no momento em que ela sai em direção à grande loja eu espero - que Bergotte morra, assim como entra o Cemitério.”

A narrativa passa, então, a se desdobrar entre divagações da narradora sobre a sua relação com a morte/o cemitério e referências indiretas ao quinto volume da Busca, A prisioneira, no qual se passa a morte de Bergotte. Veremos como o romance entrelaça o(s) tempo(s) da morte, da vida e da ficção na narração dessa morte. Antes, no entanto, vejamos como outros cemitérios antecipam a morte do personagem proustiano no texto de Cixous a partir da leitura do entrelaçamento do tempo da vida e da morte que se faz na pele de Ève, que é escrito no caderno-pantera que encobre A pele de onagro, de Balzac, e a sua leitura por Freud.

Em A pele de onagro, Raphaël de Valetin se desvia de uma morte prematura, o suicídio, para uma morte antevista quando faz um pacto com um insólito velho comerciante de uma loja de antiquários, ao aceitar um pedaço de pele de chagrém, que seria um estranho talismã que realizaria todos os desejos de seu dono. Contudo, a cada desejo atendido, a pele de onagro encolheria um pouco, ao mesmo tempo que diminuiria o tempo de vida do seu possuidor. Nessa misteriosa concordância entre os destinos e os desejos de Raphaël, o que se percebe é que a ação do pacto em relação à sua morte é essencialmente temporal.

No capítulo “Le rêve du prisonnier”/“O sonho do prisioneiro”, a narradora de Cixous destaca ter sido A pele de onagro o último livro lido por Freud, que, já fisicamente debilitado e advertido que o seu câncer havia chegado ao estágio terminal, identifica a sua própria condição com esse texto que ele denomina de “o livro do encolhimento”:

Il vaudrait peut-être mieux cesser de lire La Peau de chagrin en ce moment de détresse se disait Freud, mais je ne peux pas faire autrement. C’est un livre qui prend le dessus. Il n’aurait pas fallu commencer. On fait ce qu’on craint. Je devrais en rester là se dit-on quand la minute du troptard est passée, au moment où plus rien au monde n’existe. (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 85-86).12 12 “Talvez seja melhor parar de ler A pele de onagro neste momento de angústia, se dizia Freud, mas não posso fazer de outro modo. É um livro que ganha a briga. Não deveria ter começado. Fazemos o que tememos. Eu deveria deixar assim, nos dizemos, quando o minuto do tardedemais passou, no momento em que mais nada no mundo existe.”

A morte adiada na literatura se faz, no entanto, na vida, como “la veille d’une mort prématurée” (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 168),13 13 “A véspera de uma morte prematura.” o pêndulo do relógio da pele de onagro passa a marcar a antecipação do tempo de vida de Freud, mas como evitar? É tarde demais para não antecipar a morte, morre-se antes na literatura, e somente depois na vida: “Me voilà tombé au pouvoir de la Peau de Chagrin, se disait-il. Je ne peux plus m’arrêter de prévoir la fin et donc de l’attirer. Mais comment arrêter de lire La Peau de chagrin? C’est le seul livre qui vous dévore” (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 81).14 14 “Eis que caí no poder da Pele de Onagro, ele dizia a si mesmo. Não posso mais parar de prever o fim, e, logo, de atraí-lo. Mas como parar de ler A pele de onagro. É um livro que te devora.”

Se em Ève s’évade o livro de Balzac antecipa a morte de Freud, em A prisioneira é um quadro de Vermeer que apressa a(s) morte(s) do escritor Bergotte, que compreende a sua morte literária segundos antes de sua morte efetiva. Ao ler num artigo crítico a menção a um panozinho de muro amarelo na “Vista de Delft”, quadro muito apreciado por ele e que julgava conhecer muito bem, Bergotte sai do estado de repouso prescrito pelos médicos devido a uma crise de uremia sem maiores consequências, come umas batatas e vai à exposição. Simultaneamente às crises de tontura que o acometem desde a sua chegada, o escritor percebe a secura do seu próprio estilo literário, que lhe é revelada pelo detalhe do quadro de Vermeer, percebendo, portanto, tarde demais, a sua primeira morte, que é sucedida pela sua morte física, quando tomba em seguida, já sem vida, do canapé da galeria: “Não lhe passava, porém, despercebida a gravidade das tonteiras. Em celestial balança lhe aparecia, num prato a sua própria vida, no outro o panozinho de muro tão bem pintado de amarelo. Sentia Bergotte que imprudentemente arriscara o primeiro pelo segundo” (PROUST, 2011PROUST, Marcel. A prisioneira. Tradução de Manuel Bandeira e Lourdes Sousa de Alencar. 13. ed. São Paulo: Globo, 2011., p. 212).

Na verdade, para compreendermos a complexa temporalidade do bergotar, faz-se necessário pensar em duas mortes que se dão na relação do narrador com a escrita e uma terceira morte que se dá na relação do narrador com Albertine. Pois, após descrever minuciosamente a morte de Bergotte, e os meses que a antecederam, o narrador relembra a surpresa que lhe causara a publicação dos jornais que datavam a morte do escritor como tendo sido na véspera. A indeterminação do dia da morte decorre de uma mentira de Albertine que, em certo intervalo narrativo, não permite que Bergotte morra no dia efetivo da sua morte:

Como disse, soube nesse dia que Bergotte morrera. E admirava-me da inexatidão dos jornais que, reproduzindo todos a mesma notícia, diziam que ele morrera na véspera. Ora, na véspera Albertine encontrara-se com ele, contou-me ela na mesma noite, o que até a tinha atrasado um pouco, pois ele se deixara ficar longamente conversando com ela. Foi sem dúvida a sua última conversa. (PROUST, 2011PROUST, Marcel. A prisioneira. Tradução de Manuel Bandeira e Lourdes Sousa de Alencar. 13. ed. São Paulo: Globo, 2011., p. 213-214).

Posteriormente, o narrador saberá que a cativa mentira e que Bergotte, enfim, morrera realmente na véspera (veille). Albertine, desse modo, entra no cemitério com Bergotte, pois o que o narrador presumia ter sido a última conversa do escritor, somente poderia ter se dado na dimensão da morte. A narradora de Cixous, a cidadã do cemitério, evoca então a morte de Bergotte pelo peso das correntes da prisioneira Albertine:

La façon dont le Cimetière vous surprend est aussi abrupte que la mort de Bergotte. On ne peut pas du tout se protéger. C’est invraisemblable. Cela vous arrive au moment où vous êtes absorbés dans le problème, insoluble, de la lourdeur des chaînes, ─ invisibles et d’autant plus lourdes ─ qui retiennent ladite prisonnière: comment faire paraître une chaîne lourde légère? (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 190).15 15 A maneira como o Cemitério surpreende vocês é tão abrupta quanto a morte de Bergotte. Não podemos nos proteger de jeito nenhum. É inverossímil. Isso acontece no momento em que vocês estão absortos no problema, insolúvel, do peso das correntes - invisíveis e, por isso mesmo, cada vez mais pesadas - que retém a dita prisioneira: como fazer parecer leve uma corrente pesada?

A essa pergunta, o narrador proustiano responderia com o argumento da mentira: “Para que as cadeias lhe parecessem mais leves, o melhor seria fazer-lhe crer que eu mesmo ia rompê-las. Em todo caso, não lhe podia confiar esse projeto mentiroso [...]” (PROUST, 2011PROUST, Marcel. A prisioneira. Tradução de Manuel Bandeira e Lourdes Sousa de Alencar. 13. ed. São Paulo: Globo, 2011., p. 206), a mentira que ele utiliza para contornar as supostas mentiras de Albertine, a mentira na qual a relação no cativeiro se construíra e que direcionará Albertine à sua morte efetiva, quando ela partir no final de A prisioneira, levando consigo suas malas e seus esquifes da morte, que será enunciada no volume seguinte, Albertine desaparecida. A morte de Bergotte, assim, suspende a sequência narrativa dos intermináveis contornos da relação amorosa do narrador, que é retomada na escrita da cidadã do cemitério: “[...] on se souvient d’avoir fait le projet d’avoir un yacht, c´étai un faux projet, un simulacre d’achat d’un moyen de fuir ─ entre un cimitière. / Entre un cimetière. Il était donc déjà là? C’est invraisemblable” (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 190-191).16 16 “Lembramos de ter feito um projeto de ter um iate, era um falso projeto, um simulacro de compra de um meio de fugir - entra um cemitério. Entra um cemitério. Ele já estava lá? É inverossímil.”

A cena da morte de Bergotte, na mentira de Albertine e na ficção proustiana, seria o quadro no qual a arte antecipa a morte? Se o livro é um vasto cemitério, o quadro de Vermeer passa a ser a lápide do escritor, que será lida pela escrita do narrador da Busca? Tableau e tombeau ressoam entrelaçando o livro e o túmulo, e no final de Ève s’évade, a narradora segue em direção aonde seu pai a espera, na morte, na cavidade de um sonho:

[...] j’étais allongée sur le divan de la tombe, à écrire dans l'obscurité, tous ces juifs qui me parlaient, me posaient des questions et comme je ne répondais pas me prenant pour une étrangère ils me parlaient en anglais. Aucune intimité. Il ne faut pas venir en semaine, me dis-je, seulement le dimanche. Là-dessus à l’aube j’étais prête à partir, dans une réalité plus mauvaise encore que la fausse réalité de la nuit, je ne pouvais plus m’arrêter d’aller d’un cimetière à l’autre en rêve en réalité, je ne pouvais pas rester, ni en rêve ni en réalité. Je tombai du lit sans délai, laissant derrière moi le garage de mon père. Je mangeai trois pommes de terre. J’étais obligée. Je bergotte, me dis-je. Ou bien c’est dans l’Énéide que je vais. On m’avait dit que le tableau de la tombe de Baudelaire était maintenant jonché de petits cailloux [...] (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 197, negrito nosso).17 17 Eu estava deitada sobre o divã do túmulo, escrevendo na obscuridade, todos esses judeus que falam comigo me perguntando e como não respondo me tomam por estrangeira e falam comigo em inglês. Nenhuma intimidade. Você não devia vir durante a semana, me digo, somente no domingo. Ainda sobre isso, na aurora eu estava pronta para partir, em uma realidade ainda pior que a falsa realidade da noite, não podia mais parar de ir de um cemitério ao outro no sonho na realidade, não podia permanecer, nem em sonho nem em realidade. Eu caí do leito sem demora deixando para trás a garagem de meu pai. Eu comi três batatas. Fui obrigada. Eu bergoto, me digo. Ou então é para a Eneida que vou. Disseram-me que o quadro do túmulo de Baudelaire está agora coberto de pedrinhas [...]

Caída do leito como Bergotte caído do canapé, pelo direcionamento para a arte por meio da morte, a narradora de Cixous conjuga o bergotar pela aproximação do quadro e do túmulo, da galeria de arte e do cemitério, pois, uma vez que entra em cena o cemitério, a narradora vai ao encontro do pai morto em sua infância. Morte que vive em sua escrita. Parece-nos, justamente, que esse fragmento de escrita remonta à noite em que se origina a Busca de Proust, literal e metaforicamente, pois o começo do livro se dá com o narrador caindo no sono e sabemos que Proust escrevia à noite, e no leito. Mas a noite é também aquela que cai sobre Bergotte diante do quadro de Vermeer e da obra que ele não realizou. Eu bergoto, então, conjuga uma obra que não foi escrita em conformidade com um desejo descoberto tarde demais, a de Bergotte, e conjuga uma que será escrita, a de Proust; a obra desejada de Bergotte, a morte interdita, a de Proust, ela dará permissão. O fragmento também remonta ao começo de Ève s’évade, o qual se reconstrói em um sonho da narradora da partida de Freud, em 1938, para Londres por ser judeu. Em outras palavras, há uma condensação de imagens: divã, túmulo, leito - de onde nasce a escrita?

Rêvasion

No começo deste ensaio, lemos as primeiras linhas de Ève s’évade. Nelas a narradora está diante do choque da aparição em que sua mãe se metamorfoseia em sua avó. Lemos essa cena a partir das cenas proustianas que escrevem diferentes versões da morte e da perda da avó: ao telefone, na chegada de Doncières, no instante da morte, no trabalho de luto e no sonho. Fim sem fim. Muitas mortes em uma morte. Também lemos as ressonâncias entre o quadro e o túmulo, entre a obra e a morte, por meio da morte do escritor Bergotte. Depois dessas primeiras linhas e do retorno a Proust, pudemos ler o que essas palavras-valise - omificada/Omificação e bergotar - condensam. Faz-se necessário, neste momento, darmos alguns passos para compreendermos o procedimento em jogo, isto é, a transformação de nomes em ação, para isso nos aproximaremos do modo como Cixous lê Freud lendo Le rêve du prisionnier. Lê-se no “Favor inserir”:

Le Rêve du Prisonnier est acrroché dans la galerie des “Rêves d’Enfants”.

Le 1 er Mai 2008 je montre à ma mère une reproduction de ce tableau de Moritz von Schwind, dont Freud a montré en 1916 à son public une reproduction afin d’illustrer sa conférence sur les Kindertraüme.

Selon Freud, Le Rêve du Prisonnier ne peut avoir d’autre contenu que l’évasion. Ce jour-là Freud ne dit pas à son public qu’il pense que “tout Rêveur est un prisonnier qui s’évade”. Il s’agit de Rêvasion. (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. ).18 18 O sonho do prisioneiro está pendurado na galeria dos “Sonhos de crianças”. No 1o de maio de 2008, mostro à minha mãe uma reprodução deste quadro de Moritz von Schwind que, em 1916, Freud mostrou ao seu público a fim de ilustrar sua conferência sobre os Kindertraüme. Segundo Freud, O sonho do prisioneiro não pode ter outro conteúdo senão o da evasão. Naquele dia, Freud não disse ao seu público que ele pensa que “todo Sonhador é um prisioneiro que se evade.” Trata-se de uma Rêvasion.

Antes de fazermos algumas perguntas a esse fragmento, assinalamos nele a condensação de algumas marcas da assinatura de Cixous. A data 1o de maio não é uma qualquer nos escritos de Cixous. Le jour où je n’étais pas là começa nesse dia; seu contemporâneo, o ensaio “Aller vers le plus effrayant”, também se remete a esse dia, a uma suposta manifestação que Hélène teria ido e ficado afônica, essa menção é feita para negar que a afonia da conferencista seja interpretada como uma resposta ao convite das psicanalistas para falar sobre o insublimável19 19 O leitor encontrará uma reflexão mais demorada sobre a sublimação em TROCOLI, Flavia. O pai sublimado e a criança morta não sublimada: experiência do limite em Hélène Cixous. In: Da sublimação à invenção. Campinas: Mercado de Letras, 2020. p. 83-100.. , isto é, sobre a criança morta. Kindertraüme remete à sua autobiografia alemã, a Cécile Waijbort. Cixous diz que, sendo o alemão a língua da mãe, da avó e da tia, que suas recordações de infância são em língua alemã. A presença da palavra que não é traduzida relacionada ao sonho e à infância já citada, retroagindo e antecipando, por assim dizer, o que foi dito por Freud sobre os sonhos de criança: neles o conteúdo latente e o manifesto coincidem, logo eles prescindem de tradução e de intepretação. É notável que os sonhos infantis estejam num lugar de exceção no que diz respeito ao latente e ao manifesto, e que, mesmo sem a distorção, eles confirmem que o sonho realiza um desejo. Nota-se um entrelaçamento entre a exceção, o infantil, o sonho e o inequívoco: “Em todos os sonhos, à exceção dos infantis e daqueles de tipo infantil, a deformação, como já afirmei, se interpõe em nosso caminho como um impedimento” (FREUD, 2014FREUD, Sigmund. Conferências Introdutórias à psicanálise (1916-1917). Tradução: Sergio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 181).

O sonho entrelaçado ao inequívoco e ao desimpedimento remete a Rêve je te dis, 2003, em que a sonhadora quer escrever seus sonhos como se fossem narrativas primitivas, isto é, como se fossem escritas antes da psicanálise e da literatura. Como se, encurtando a distância e suspendendo a perda do sonho no despertar (e com que velocidade o perdemos!), ela só quisesse escrever o conteúdo manifesto, sonho sem interpretação. Podemos cruzar, ainda, dois dizeres. Do subtítulo de Ève s’évade - la ruine et la vie, destaquemos o significante ruína. De A interpretação dos sonhos, destaquemos que interpretar é estabelecer nexos que o trabalho do sonho aniquilou (ver: FREUD, 2020FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (1900). Tradução: Renato Zwick. Revisão técnica e prefácio: Tania Rivera. Ensaio biobibliográfico: Paulo Endo e Edson Sousa. Porto Alegre: L&PM, 2020. Vol. 1-2., p. 335). Do cruzamento entre esses dois ditos, podemos extrair uma pergunta: essas ruínas que tanto interessam a Cixous não dizem respeito também a esses nexos aniquilados que nenhuma interpretação reestabelecerá?

Voltando às marcas, assinalemos a última delas que diz respeito à presença da palavra-valise: rêvasion, fundindo o sonho e a evasão, fazendo do acontecimento um acontecimento na palavra. Como podemos pensar a Rêvasion? De que prisão se trata? De que liberdade se trata? A forma do livro começa a nos responder. A liberdade se faz a partir da mudança das vozes. Por meio dessa liberdade se passa à literatura, reinventando uma nova forma de dizer Eu, à maneira do que Roland Barthes afirmou sobre o que deu liga na Busca de Proust. Tal metamorfose, em Cixous, se faz, predominantemente, pela citação, pela recitação, pela ressuscitação que é retorno à leitura dos textos. Nas primeiras páginas, atravessamos a Vida nova, de Dante, a Busca, de Proust, a Torre, de Montaigne, a voz de Ève, e chegamos à voz do sonho. Nota-se que há um paralelismo nos diálogos entre Ève e a sua filha, entre a narradora e o sonho, e, por citação velada, entre Freud e Anna. Escutemos:

- Où allons-nous? dis-je - À Londres, dit le rêve. Prépare-toi. Le rêve découvre mon nouvel apartement, pendant que je prépare mes bagages. C’est un beau matin. Le rêve est enceinte. À la vue de son ventre je corrige: c’est donc une Rêve. Surtout ne pas rater le train. La Rêve est vive, active, et sous les yeux ronds et chauds est attaché le sourire de maman. (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 16).20 20 - Para onde vamos? Digo. - A Londres, diz o sonho. Se prepara. O sonho descobre meu novo apartamento, enquanto preparo minha bagagem. É uma bela manhã. O sonho está grávida. Ao ver seu ventre, corrijo: é então uma Sonha. Sobretudo não perder o trem. A Sonha é viva, ativa, e sob os olhos redondos e quentes está preso o sorriso da mamãe.

O sonho e a narração prosseguem e mais adiante há uma pergunta sobre o que é Londres. É uma caixa de ressonância: l'onde [onda], l’ombre [sombra], long [longo], londi [on dit/dizem], allons dre [à Londre]. Vamos a Londres. E, como Freud não tardará a aparecer entremeado ao sonho, pode-se pensar que Londres, a cidade da fuga de Viena tomada pelo nazismo, é a dernière demeure de Freud, para dizer com Derrida sobre Blanchot, em que se escreverá o instante de sua morte.

A narradora, ou a sonhadora, faz as malas: “D’ailleurs selon Freud il est précisément fréquent que les bagages symbolisent d’une manière certaine nos propres organes génitaux. Selon moi la valise est l’utérus de rêve. [...] Voici sa nouvelle fonction: depuis cette année elle a pris le rôle de Tombe” (CIXOUS, 2009CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie. Paris: Galilée, 2009. , p. 17-18).21 21 “Além disso, para Freud, é bem frequente que as bagagens simbolizem de uma certa maneira nossos órgãos genitais. Para mim, a mala é o útero do sonho (...). Eis sua nova função: depois deste ano ela toma o papel de Túmulo.” Nesse fragmento, atam-se, no sonho, a fuga, a última morada, a mala, os órgãos genitais, os papéis escritos e o túmulo. Certamente, Cixous acrescenta uma sobrevida às malas-caixões de Albertine mencionadas acima. Certamente, o deslocamento operado pelo livro de Cixous do umbigo do sonho freudiano para o útero do sonho exigiria um outro ensaio, o que importa aqui é o modo como Cixous ata rêve e évasion.

Em carta de 12 de maio de 1938, Freud escreve a seu filho Ernst: “Duas perspectivas me dão alento nestes tempos sombrios: juntar-me a todos vocês e - morrer em liberdade” (FREUD, 1982FREUD, Sigmund. Correspondência de amor e outras cartas (1873-1939). Tradução: Agenor Soares Santos. Edição preparada por Ernst Freud. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982., p. 510). Ousaríamos dizer que Cixous transforma o desejo freudiano em livro, e é num certo sentido de liberdade que Freud e Cixous se encontram, liberdade para morrer e liberdade para escrever uma vida e uma morte para o nosso tempo.22 22 Aludimos ao título da biografia Freud: uma vida para o nosso tempo, de Peter Gay. A liberdade não estaria no que se diz, mas no modo como se diz, não no que de imediato se ouve e se replica, mas nos efeitos que provoca e nos novos trilhamentos que uma construção pode provocar. Neste momento, podemos, então, claramente alinhar a liberdade ao lado da forma. Assim, não é desprezível que Lacan, no início de seu ensino, destaque o estilo de Freud, o modo como ele trata a questão da técnica, “pelo frescor, pela vivacidade, pela simplicidade e franqueza do tom” (LACAN, 1986LACAN, Jacques. O seminário - Livro 1: Os escritos técnicos de Freud. (1953-1954). Versão brasileira Betty Milan. Rio de Janeiro: Zahar, 1986., p. 18). A liberdade criativa, de Freud e de Cixous, tem um efeito libertador.

Já de volta a Ève s’évade, sem nunca termos podido fugir dele, lembremos ainda que Freud nos aponta, como procedimento do sonho, a transformação do pensamento em experiência vivida (ver: FREUD, 2014FREUD, Sigmund. Conferências Introdutórias à psicanálise (1916-1917). Tradução: Sergio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 172). Omifier e bergotter não seriam a transformação da personagem em ação? No caso de bergotter, a literatura sobrevive como ação que entrelaça o tempo da morte e o tempo da obra. No caso de omifiée, a transformação do nome da avó em adjetivo e processo lembra que há envelhecimento, esquecimento, morte, e isso acontece na palavra. Não conjugamos esses verbos sem termos revisitado as cenas literárias nas quais eles se engendraram. E, se “rétrécissement” não fosse uma palavra dicionarizada, teríamos que acompanhar o voo e o roubo que Cixous perfaz do livro de Balzac ao seu, passando pelas mãos de Freud em seus últimos dias. O que remete ao começo: Freud, em sua Interpretação, teoriza que o Sonho “trata as palavras como se fossem coisas, resultado: neologismos cômicos e curiosos” (FREUD, 2020FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (1900). Tradução: Renato Zwick. Revisão técnica e prefácio: Tania Rivera. Ensaio biobibliográfico: Paulo Endo e Edson Sousa. Porto Alegre: L&PM, 2020. Vol. 1-2., p. 319). Rêvasion não seria, assim, a coisa inventada por Cixous para ficcionalizar a graça da vida na morte? Da liberdade na prisão? Aí mesmo onde ela situa a sua origem inesquecível e evadida: sou filha de uma prisão e de uma liberdade. Rasuremos: sou filha da morte e da literatura como ressurreição na palavra-valise. Sob as flores, malas, esquifes, mortes, útero, vida. E, quando tudo se apaga, começa a leitura. Quando Cixous lê, recomeça a literatura, refazendo as palavras com um sonho. De Proust, de Freud, de Ève, leito, liberdade, leite, essa tinta que não acaba: quadro, livro, túmulo. A ruína e a vida.

Referências

  • CIXOUS, Hélène. Osnabrück Paris: des Femmes, 1999.
  • CIXOUS, Hélène. Ève s'évade : la ruine et la vie Paris: Galilée, 2009.
  • FREUD, Sigmund. Correspondência de amor e outras cartas (1873-1939) Tradução: Agenor Soares Santos. Edição preparada por Ernst Freud. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
  • FREUD, Sigmund. Conferências Introdutórias à psicanálise (1916-1917) Tradução: Sergio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
  • FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (1900). Tradução: Renato Zwick. Revisão técnica e prefácio: Tania Rivera. Ensaio biobibliográfico: Paulo Endo e Edson Sousa. Porto Alegre: L&PM, 2020. Vol. 1-2.
  • LACAN, Jacques. O seminário - Livro 1: Os escritos técnicos de Freud. (1953-1954). Versão brasileira Betty Milan. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
  • MOTTA, Leda Tenório da. Balzac em Proust: notas sobre a derradeira Albertine. In: BERTHIER, Philippe. Balzac, a obra-mundo: o colóquio de São Paulo Introdução: Philippe Berthier. Tradução: Luciano Vieira Machado e Mônica Cristina Côrrea. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. p. 46-53.
  • PROUST, Marcel. A prisioneira Tradução de Manuel Bandeira e Lourdes Sousa de Alencar. 13. ed. São Paulo: Globo, 2011.
  • PROUST, Marcel. O caminho de Guermantes Tradução de Fernando Py. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004a.
  • PROUST, Marcel. O Tempo recuperado Tradução: Fernando Py. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004b.
  • PROUST, Marcel. Sodoma e Gomorra Tradução de Mario Quintana. 3.ed. São Paulo: Globo, 2008.
  • TROCOLI, Flavia. Memória de Marcel Proust e de Jacques Derrida em Hyperrêve [Hypersonho] de Hélène Cixous. In: FARIA, Joelma Pereira de; SANTANA, Juliana de Castro; NOGUEIRA, Luciana (org.). Linguagem, Arte e o Político Campinas: Pontes Editores, 2020. p. 289-305.
  • TROCOLI, Flavia. O pai sublimado e a criança morta não sublimada: experiência do limite em Hélène Cixous. In: Da sublimação à invenção Campinas: Mercado de Letras, 2020. p. 83-100.
  • 1
    Dia de sofrimento É, então, a Vida Nova, o que vejo. Seu rosto todo velho onde brilha a juventude eterna. Precisamente diante de mim e pego de pressa. Vejo que via o tempo cair. Esta emoção. [...] Sento em frente à mamãe que bruscamente não era mais mamãe, mas a própria Omi - “Quero uma segunda torrada”, diz mamãe omificada. Doravante, salvo ressalva, todas as traduções da obra de Hélène Cixous são nossas.
  • 2
    Em Osnabrück, a narradora escreve que essa tragédia genealógica é desencadeada pela morte do pai: “Como posso ser a filha de minha mãe já que sou eu mesma meu pai e a filha de meu pai?” (CIXOUS, 1999CIXOUS, Hélène. Osnabrück. Paris: des Femmes, 1999. , p. 106).
  • 3
    Neologismo de Leda Tenório da Motta (1999MOTTA, Leda Tenório da. Balzac em Proust: notas sobre a derradeira Albertine. In: BERTHIER, Philippe. Balzac, a obra-mundo: o colóquio de São Paulo Introdução: Philippe Berthier. Tradução: Luciano Vieira Machado e Mônica Cristina Côrrea. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. p. 46-53.) para pensar as relações entre A comédia humana, de Balzac, e Em busca do tempo perdido, de Proust.
  • 4
    O leitor encontrará uma leitura preliminar dessas cenas em: TROCOLI, FlaviaTROCOLI, Flavia. Memória de Marcel Proust e de Jacques Derrida em Hyperrêve [Hypersonho] de Hélène Cixous. In: FARIA, Joelma Pereira de; SANTANA, Juliana de Castro; NOGUEIRA, Luciana (org.). Linguagem, Arte e o Político. Campinas: Pontes Editores, 2020. p. 289-305.. Memória de Marcel Proust e de Jacques Derrida em Hyperrêve [Hypersonho] de Hélène Cixous. In: FARIA, J.P.; SANTANA, J.C.; NOGUEIRA, L. (org.). Linguagem, Arte e o Político. Campinas: Pontes Editores, 2020.
  • 5
    “Partindo, ela tirou um envelope de sua bolsa. Ela me entregou. ‘O cemitério é você.’ [...]. Desse dia em diante, me tornei cidadã do cemitério.”
  • 6
    “Ela assina: Ève 97 anos. Ou a velha Ève.”
  • 7
    “Quer. Vai. Volta. Dois taxis, diz ela. Na nossa idade, não dá mesmo para esperar. Cada dia um dia a menos.”
  • 8
    “A pele não é eterna. Dela, resta um pouco. É melhor que nada. Diz: o tempo é a pele. Não desperdiço.”
  • 9
    “Em primeiro lugar minha mãe me dá o endereço.”
  • 10
    “Ela sai. Falsa velha falsa pele de pantera. Livre.”
  • 11
    “Naquele dia - assim como o encontro no caderno-pantera -, esse dia de falsa pele em que minha mãe quer ir imperiosamente ao BHV com meu irmão, no momento em que ela sai em direção à grande loja eu espero - que Bergotte morra, assim como entra o Cemitério.”
  • 12
    “Talvez seja melhor parar de ler A pele de onagro neste momento de angústia, se dizia Freud, mas não posso fazer de outro modo. É um livro que ganha a briga. Não deveria ter começado. Fazemos o que tememos. Eu deveria deixar assim, nos dizemos, quando o minuto do tardedemais passou, no momento em que mais nada no mundo existe.”
  • 13
    “A véspera de uma morte prematura.”
  • 14
    “Eis que caí no poder da Pele de Onagro, ele dizia a si mesmo. Não posso mais parar de prever o fim, e, logo, de atraí-lo. Mas como parar de ler A pele de onagro. É um livro que te devora.”
  • 15
    A maneira como o Cemitério surpreende vocês é tão abrupta quanto a morte de Bergotte. Não podemos nos proteger de jeito nenhum. É inverossímil. Isso acontece no momento em que vocês estão absortos no problema, insolúvel, do peso das correntes - invisíveis e, por isso mesmo, cada vez mais pesadas - que retém a dita prisioneira: como fazer parecer leve uma corrente pesada?
  • 16
    “Lembramos de ter feito um projeto de ter um iate, era um falso projeto, um simulacro de compra de um meio de fugir - entra um cemitério. Entra um cemitério. Ele já estava lá? É inverossímil.”
  • 17
    Eu estava deitada sobre o divã do túmulo, escrevendo na obscuridade, todos esses judeus que falam comigo me perguntando e como não respondo me tomam por estrangeira e falam comigo em inglês. Nenhuma intimidade. Você não devia vir durante a semana, me digo, somente no domingo. Ainda sobre isso, na aurora eu estava pronta para partir, em uma realidade ainda pior que a falsa realidade da noite, não podia mais parar de ir de um cemitério ao outro no sonho na realidade, não podia permanecer, nem em sonho nem em realidade. Eu caí do leito sem demora deixando para trás a garagem de meu pai. Eu comi três batatas. Fui obrigada. Eu bergoto, me digo. Ou então é para a Eneida que vou. Disseram-me que o quadro do túmulo de Baudelaire está agora coberto de pedrinhas [...]
  • 18
    O sonho do prisioneiro está pendurado na galeria dos “Sonhos de crianças”. No 1o de maio de 2008, mostro à minha mãe uma reprodução deste quadro de Moritz von Schwind que, em 1916, Freud mostrou ao seu público a fim de ilustrar sua conferência sobre os Kindertraüme. Segundo Freud, O sonho do prisioneiro não pode ter outro conteúdo senão o da evasão. Naquele dia, Freud não disse ao seu público que ele pensa que “todo Sonhador é um prisioneiro que se evade.” Trata-se de uma Rêvasion.
  • 19
    O leitor encontrará uma reflexão mais demorada sobre a sublimação em TROCOLI, FlaviaTROCOLI, Flavia. O pai sublimado e a criança morta não sublimada: experiência do limite em Hélène Cixous. In: Da sublimação à invenção. Campinas: Mercado de Letras, 2020. p. 83-100.. O pai sublimado e a criança morta não sublimada: experiência do limite em Hélène Cixous. In: Da sublimação à invenção. Campinas: Mercado de Letras, 2020. p. 83-100..
  • 20
    - Para onde vamos? Digo. - A Londres, diz o sonho. Se prepara. O sonho descobre meu novo apartamento, enquanto preparo minha bagagem. É uma bela manhã. O sonho está grávida. Ao ver seu ventre, corrijo: é então uma Sonha. Sobretudo não perder o trem. A Sonha é viva, ativa, e sob os olhos redondos e quentes está preso o sorriso da mamãe.
  • 21
    “Além disso, para Freud, é bem frequente que as bagagens simbolizem de uma certa maneira nossos órgãos genitais. Para mim, a mala é o útero do sonho (...). Eis sua nova função: depois deste ano ela toma o papel de Túmulo.”
  • 22
    Aludimos ao título da biografia Freud: uma vida para o nosso tempo, de Peter Gay.
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola, aprovamos a versão final deste texto para sua publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2022
  • Aceito
    30 Jun 2022
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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