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Perspectivas conflitivas em Infância, de Graciliano Ramos

Conflicted perspectives in Graciliano Ramos’ Childhood

Resumo

Procuramos, neste trabalho, demonstrar que na obra Infância, de Graciliano Ramos, são construídos dois pontos de vista conflitivos. Baseados nas ideias do mecanismo de harmonização e desarmonização da narrativa de Fredric Jameson (1992), em O inconsciente político, e de textos da fortuna crítica da autobiografia em questão, sobretudo de Alfredo Bosi (2013), constatamos, por um lado, que a mirada adulta, contida na narração, objetifica o relato - principalmente reinterpretando as pessoas conhecidas e criticando a ordem social do período de menino. Por outro lado, vemos que a dominante mirada infantil se fundamenta na apreensão fragmentária e sinestésica do mundo. A narração por esse olhar figura a contínua busca da criança de adaptação e de amparo.

Palavras-chave:
Infância; Graciliano Ramos; autobiografia; focalização; harmonização da narrativa

Abstract

This paper seeks to analyze the development of two conflicted points of view in Graciliano Ramos’ autobiography Childhood. Drawing on Fredric Jameson’s notion of the harmonizing and disharmonizing mechanism of the narrative, in The political unconscious (1992), and on essays about the critical fortune of Childhood, especially those by Alfredo Bosi (2013), we can ascertain, on the one hand, that the adult gaze, which pervades the narration, objectifies the story - mainly reinterpreting the people in the child’s life and criticizing the social order of his childhood. On the other hand, it is clear that the child’s gaze is based on the fragmentary and synesthetic apprehension of the world. The narration through this gaze represents the child’s continuous search for adaptation and protection.

Keywords:
Childhood; Graciliano Ramos; autobiography; focalization; narrative harmonization

Resumen

Buscamos, en este trabajo, demostrar la construcción de dos puntos de vista conflictivos en la autobiografía Infancia, de Graciliano Ramos. Basados en la idea del mecanismo de armonización y desarmonización de la narrativa de Fredric Jameson (1992), en El inconsciente político, y de textos de la fortuna crítica del libro en cuestión, sobre todo de Alfredo Bosi (2013), constatamos que, por un lado, la mirada adulta, contenida en la narración, objetifica el relato - principalmente reinterpretando las personas conocidas y criticando el orden social del período de niño. Por otro lado, vemos que la dominante mirada infantil se fundamenta en la aprehensión fragmentaria y sinestésica del mundo. La narración mediante esta mirada figura la continua búsqueda del niño de adaptación y de amparo.

Palabras-clave:
Infancia; Graciliano Ramos; autobiografía; focalización; armonización de la narrativa

São vários os vocábulos, expressões, locuções e frases usadas por Graciliano Ramos que auxiliam a construção da falibilidade e da imprecisão daquilo que é contado pelo narrador em Infância através do olhar infantil prevalecente no início da autobiografia. Nos três primeiros capítulos, por exemplo, encontramos: “nuvens espessas que me cobriam” (RAMOS, 1981RAMOS, Graciliano. Infância. 17. ed. Rio de Janeiro: Record, 1981., p. 9),1 1 Todas as citações de Infância fazem parte da edição indicada nas referências. A partir daqui, mencionamos apenas as páginas e os possíveis grifos dos trechos citados. “tornei a mergulhar no sono, um sono extenso” (p. 11), “a hibernação continuou” (p. 11), “manchas paradas” (p. 11), “pontos nebulosos, ilhas esboçando-se no universo vazio” (p. 12), “as sombras me envolveram” (p. 14) etc. Entre a vontade de dar conta dos fatos, a impossibilidade de narrar o que, de fato, ocorreu, as intrínsecas imperfeições da memória e a grande distância temporal entre a matéria vivida e a reinterpretação dela pela escrita, o escritor alagoano situa-nos num mundo de incertezas por meio da composição de um discurso narrativo que se desenovela em dois modos de ver: o da criança e o do adulto.

Acerca da rememoração em Infância, Alfredo Bosi (2013BOSI, Alfredo. Passagens de Infância de Graciliano Ramos. In: BOSI, Alfredo. Entre a literatura e a história. São Paulo: Editora 34, 2013. p. 87-111., p. 87) afirma que o narrador exibe, nessa obra, uma “consciência vigilante” relativa ao processo efabulativo que provém do intervalo temporal - entre a enunciação, ou a narração, e o narrado - e das consequências suscitadas por ele. Tal consciência atesta os limites da memória, como veremos durante a nossa análise, que assinalam a hesitação do narrador diante de um relato pautado pela imprecisão do contado no que se refere ao olhar infantil.

Notamos, fundamentalmente, haver, na voz narrativa, a dita visão infantil do narrado, ou o que dela é lembrado, e a visão adulta da narração. Essas duas perspectivas são, muitas vezes, dissonantes, compondo a tensão entre a tentativa de mimetizar as sensações do menino e a busca de reinterpretá-las lucidamente. Analisando essas duas focalizações, verificamos que a do adulto avalia não apenas as sensações do menino, mas, por vezes, desarmoniza a narrativa e aponta os conflitos sociais em que a criança não era capaz de reparar. As impressões cinzentas e perplexas da perspectiva da meninice são relidas com maturidade pelo narrador adulto, no presente da enunciação, fazendo uso de uma linguagem mais objetiva - ao contrário da perspectiva infantil, em que se narram as sensações do íntimo do ser - que se aproxima do discurso social e político. Toda a revisão, portanto, enfrentada por Graciliano Ramos (desde a interpretação do outro até as comparações da escola com o cárcere) dá-se nesse jogo de olhares.

Harmonização e desarmonização da narrativa

Os conceitos de harmonização e desarmonização da narrativa, usados por nós neste estudo sobre Infância, originam-se das investigações de Fredric Jameson (1992JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. Tradução de Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Editora Ática, 1992.), em O inconsciente político, que focam os modos de representação dos embates sócio-históricos na prosa literária. Entendemos que tais procedimentos geram um gradiente em que, nos seus extremos, estão a máxima harmonização dos conflitos, em um polo, e a máxima desarmonização deles, em outro polo.

As obras mais desarmônicas seriam aquelas que não nublariam, ou melhor, não dariam acabamento estético a nenhuma tensão social; teriam, por exemplo, o caráter de manifesto, como ocorreu ou ocorre com autores que aderem à produção doutrinária. Boa parte da literatura de tese naturalista pende fortemente para o polo desarmônico de observação não-dinâmica de um certo período. A literatura de denúncia social, de modo igual, periga adentrar demasiadamente na desarmonia. Enfim, o texto literário pode ser de tal modo tão desarmonizado que o ato não é mais simbolicamente social, mas, sim, manifestamente ideológico.

A harmonização no discurso, por sua vez, estaria ligada ao desinteresse pela representação da história ou à pouca importância a ela concedida, o que, em certos casos, pode acarretar, ao nosso ver, a impossibilidade de uma adequada exegese histórico-social ou na sua possibilidade por meio, tão somente, de uma interpretação extremamente percuciente da obra.

Entre as obras de Graciliano Ramos, Caetés - o seu primeiro romance - talvez seja a narrativa que mais atenue os conflitos do mundo exterior. Tão somente uma leitura aguda do texto revela os embates presentes, pois eles estão abrandados em uma rememoração distendida ao sabor de uma crônica de costumes e sem choques de valor evidenciados.2 2 Estudamos a maneira como os conflitos são modulados nesse romance no artigo chamado Movimento ao interior da personagem: fissuras na tensão mínima em Caetés, de Graciliano Ramos, publicado na revista Teresa em 2018.

Já em Infância, a narração é concretizada, como mencionamos, por meio da combinação tensa entre a visão infantil (impressionista e ingênua, que acompanha o crescimento da percepção do mundo da criança) e a visão do adulto, que revela as incongruências de então, desarmonizando o mundo da infância. Como assinala Milton Hatoum (2015HATOUM, Milton. Um jovem, o velho e um livro. Floema, Vitória da Conquista, n. 11, p. 221-224, 2015., p. 223), “a vida se expande para fora e para dentro, como se fosse um mergulho nas brumas e na incerteza, no mundo hostil dos adultos, na escola, na casa, na fazenda, na cidade.” Em outras palavras, a expansão interna é representada, em quase todos os momentos, por meio das sensações do menino, enquanto o conhecimento e a avaliação externa são conduzidos pela mirada crítica do adulto. Ressalte-se que tal apreciação dá-se de modo parcimonioso na narrativa em pauta.

Construção conflitiva de perspectivas

De todo modo, Infância inclui-se entre as obras autobiográficas que dão conta desses dois eixos óticos: a tentativa de apreensão dos fatos e sentimentos de outrora e a revisão dos acontecimentos elaborada pelo sujeito no presente da enunciação. A carga tensional entre essas visadas ocorre na interpenetração de uma pela outra, não se podendo elucidar, muitas vezes, a quem pertence esta ou aquela perspectiva; no nosso caso, se ao menino ou ao adulto. Além disso, a falibilidade da memória coloca em dúvida os episódios e, por conseguinte, o seu reexame.

Todavia, à proporção que há o crescimento da consciência do menino acerca do que está em volta dele e, por conseguinte, a sua emancipação, que parte do “âmbito familiar interno, para o contexto social, externo” (GUIMARÃES, 1987GUIMARÃES, Jubireval Alencar. Graciliano Ramos e a fala das memórias. Maceió: EDICULTE/SECULTE, 1987., p. 113), a fragmentação da narrativa é reduzida. Em “Laura”, por exemplo, último capítulo do livro, não há titubeios na narração - não aparecem verbos modais nem algum metacomentário sobre a labilidade do processo rememorativo. O que há, da perspectiva do menino, é a perplexidade diante das transformações do próprio corpo. De acordo com Alfredo Bosi (2013BOSI, Alfredo. Passagens de Infância de Graciliano Ramos. In: BOSI, Alfredo. Entre a literatura e a história. São Paulo: Editora 34, 2013. p. 87-111., p. 111), “vemos despertar [nesse capítulo] a puberdade com suas angústias e pudores, o coração em desassossego, as olheiras fundas, os pensamentos turvos, inconfessáveis”.

Mas existe, sobretudo na primeira parte da obra, alguma dificuldade ocasional de precisão acerca de quem vê um ou outro evento. Numa passagem, por exemplo, o garoto considera notável o procedimento de uma criança maltratada - o de colocar um pano embebido em querosene no rabo de um gato e acendê-lo; já na revisão empreendida pelo adulto, ainda que de maneira vacilante, julga-o, ao contrário, reprovável:

Essa obra de arte popular [o procedimento dessa outra criança] até hoje se conserva inédita, creio eu. Foi uma dificuldade lembrar-me dela, porque a façanha do garoto me envergonhava talvez e precisei extingui-la. Ouvindo a modesta epopeia, com certeza desejei exibir energia e ferocidade. Infelizmente não tenho jeito para a violência. Encolhido e silencioso, aguentando cascudos, limitei-me a aprovar a coragem do menino vingativo. Mais tarde, entrando na vida, continuei a venerar a decisão e o heroísmo, quando isto se grava no papel e os gatos se transformam em papa-ratos. De perto, os indivíduos capazes de amarrar fachos nos rabos dos gatos nunca me causaram admiração. Realmente são espantosos, mas é necessário vê-los à distância, modificados. (p. 19, grifo nosso).

O jogo de perspectivas é bastante intrincado nesse trecho. Quando garoto, havia o embaraço diante de tal situação, talvez por não conseguir, embora desejasse, atuar com a mesma rebeldia diante das violências sofridas. Mais tarde, começou a cultuar a façanha do menino, porém, ao fim, no presente da enunciação, revela que ações como aquela nunca lhe causaram admiração. O que é necessário, segundo o narrador, é enxergar os atos à distância, possivelmente para que não comprometam os motivos da bravura nem se justifique a maldade da criança. De qualquer modo, observam-se as contradições, claramente expostas, da vida interior daquele que narra.

Em outro excerto, vemos como a autobiografia - baseada na mistura da tentativa de representação dos fatos, imaginação lírica, discernimento gradativo do mundo pelo menino e revisão madura do homem - é apresentada em texto sincrético que figura a perplexidade da criança (na sua dura educação sentimental e moral) e a desarmonização entre as impressões infantis e as do adulto. Com a família deslocando-se para Buíque, o garoto sente-se transplantado, desenraizado:

[...] vinham botequins de barro e palha, o trote de um animal a sacudir-me pelas estradas, xiquexiques e mandacarus subindo e descendo. Os botequins e os papa-lagartas envelheciam. Sensações violentas obliteravam xiquexiques e mandacarus: essas plantas não se acomodariam junto à grande arapuca [sobradinho] levantada em pernas de pau [casa suspensa como um garoto erguido em pernas de pau]. Senti vontade de chorar. Também não me acomodaria. (p. 47, grifo nosso).

A mudança de tempo verbal do pretérito perfeito do indicativo (“Senti”) para o futuro do pretérito do indicativo (“acomodaria”), nos últimos períodos, remete-nos a uma sentença de vida, que projeta a não-adequação do sujeito. À parte disso, o período final pode ser entendido como revelador do mal-estar que não estaria presente apenas na vila, mas que percorreria todo o texto de Infância e, talvez, o extratexto, isto é, a sensação que por ventura acompanharia toda a vida de Graciliano Ramos e não apenas até os 11 anos, como nessa obra. Além disso, essas palavras derradeiras denunciam não a perspectiva do menino, mas sim a do adulto que, como em outros momentos, revê a situação e intromete-se nas impressões infantis. E parece mesmo que a intromissão é elaborada de forma mais ou menos cônscia pelo autor. Tais intrusões, como foi dito, não são frequentes.

No capítulo “Mudança”, por exemplo, inserido do meio para o final da autobiografia, os fatores econômicos e sociais não são assinalados claramente. Sabemos apenas que o comércio do pai está instalado num “prédio vistoso, com diversas portas, um letreiro vermelho e negro [...]” (p. 173). No entanto, em outros trechos, como veremos, Graciliano Ramos escolhe reavaliar as condições sociais.

Alfredo Bosi (2013BOSI, Alfredo. Passagens de Infância de Graciliano Ramos. In: BOSI, Alfredo. Entre a literatura e a história. São Paulo: Editora 34, 2013. p. 87-111., p. 103) diz que “a consciência lúcida do adulto aponta o mal onde o encontra” Essa invasão altera o tom da narrativa: de impressionista para denunciador. O olhar adulto desarmoniza a obra e, consequentemente, há não apenas a crítica madura, mas também a atualização dos sentimentos. A leitura que estudos críticos poderiam fazer de eventos presenciados pelo menino, em que se desnudam conflitos sociais, é feita de antemão justamente pelo narrador adulto, que, além de interpretar o seu meio, interpreta a si mesmo, aparentemente sem reservas.

Observemos, a seguir, com mais detalhes, como se dá o processo de cristalização dos diferentes olhares a partir de trechos em que a modulação de um e de outro pode ser mais facilmente verificável. Com isso, é possível mostrar, com certa clareza, como há, por meio da ótica infantil, a harmonização dos conflitos e como, na mirada adulta, há a desarmonização pela percepção dos desníveis sociais e a reavaliação de pessoas que participaram da formação psicossocial do protagonista.

Representação de impressões dispersivas pela perspectiva infantil

Sobretudo nos primeiros cinco capítulos de Infância, há, no discurso, uma amplificação do mundo exterior - “vasta sala” (p. 10), “grande moça” (p.10), “o que me pasmou foi o açude, maravilha, água infinita” (p.15), etc. - em contraste com a pequenez do menino e com a desordenação dos acontecimentos. Ora a criança está em um lugar, ora em outro, e, como ela, não sabemos o que ocorreu antes ou depois - “apareceram lugares imprecisos, e entre eles não havia continuidade” (p. 12). O menino move-se assustado entre acontecimentos e períodos de hibernação.

Há, na esteira da dificuldade de assegurar os fatos dispersos, certa hesitação diante do contado, com mínimas intromissões da focalização adulta. No seguinte excerto, o narrador busca lembrar com exatidão uma história e corrigi-la com as lentes da enunciação. O verbo no presente do indicativo forma a ambiguidade da passagem, em que não sabemos se tal tempo é usado como um procedimento a fim de haver uma aproximação com a perplexidade infantil ou se as correções são feitas no processo de narração do adulto: “Papa quê? Julgo a princípio que se trata de papa-figo, vejo que me engano, lembro-me de papa-rato e finalmente de papa-hóstia. É papa-hóstia, sem dúvida.” (p. 17, grifo do autor).

Contudo, esse é um raro exemplo. O olhar infantil, como dissemos, domina os primeiros capítulos. No inicial, Alfredo Bosi (2013BOSI, Alfredo. Passagens de Infância de Graciliano Ramos. In: BOSI, Alfredo. Entre a literatura e a história. São Paulo: Editora 34, 2013. p. 87-111., p. 90) assinala que o seu próprio título, “Nuvens”, não poderia ser mais exato naquilo que é figurado na narrativa: “Formações que fazem e se desfazem assumindo aspectos diversos, alguns surpreendentes. Resulta a vaga sensação de irrealidade das imagens e situações” Tânia Pellegrini (2008PELLEGRINI, Tânia. Regiões, margens e fronteiras: Graciliano Ramos e Milton Hatoum. In: PELLEGRINI, Tânia. Despropósitos: estudos de ficção brasileira contemporânea. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008. p. 117-135., p. 127) assinala que o relato difuso e impreciso do figurado é

o resultado da adequação da técnica literária à realidade expressa, a construção de quadros destacados, nesse livro, onde os fatos se articulam aparentemente sem integração, como na memória, sugere um mundo incompreensível que primeiro se capta por névoas, nuvens, sonhos, sonoridades.

Dessa rede fragmentária e sensível de representação, Regina Fátima de Almeida Conrado (1997CONRADO, Regina Fátima de Almeida. O mandacaru e a flor: a autobiografia Infância e os modos de ser Graciliano. São Paulo: Arte e Ciência, 1997., p. 126, grifo da autora) aponta os sentidos de que se originam as emoções do garoto, a serem analisadas posteriormente:

A VISÃO: da manhã, da neblina, dos sapatões, das paredes; o SOM: dos pingos da chuva e das goteiras; a SENSAÇÃO: de molhado, de frio, de escuridão, de desconforto. Essa é a realidade recebida sensorialmente pela criança e retransmitida pelo narrador com procedimento impressionista.

O procedimento impressionista, aliás, deforma a realidade. No capítulo “Vida nova”, por exemplo, que representa a tentativa do menino de adequação a um novo lugar, ele supõe ter visto almas à noite, “figuras luminosas que se moviam na escuridão, subindo, baixando. Quando subiam, as cabeças delas alcançavam o teto” (p. 57). Assim, da cadeia sinestésica de apreensão do exterior, surgem, às vezes, o estranho, o inexplicável. Aprofundemos a captação sensorial da criança.

Relativamente à assimilação de sons, comecemos pelos vestígios sonoros de José Baía. O garoto associa o amigo a “barulho, exclamações, onomatopeias e gargalhadas sonoras” (p. 12). Já na ocasião de uma ventania, ele relata ter visto uma “senhorinha magra, minha indistinta mãe”, que tentava desesperadamente fechar a porta por onde entrou um “bicho zangado” que “soprou ou assobiou” (p. 13). Tal passagem demonstra como era amiúde difícil para a criança caracterizar, definir, delinear pessoas e coisas com clareza:

Meu pai e minha mãe conservavam-se grandes, temerosos, incógnitos. Revejo pedaços deles, rugas, olhos raivosos, bocas irritadas e sem lábios, mãos grossas e calosas, finas e leves, transparentes. Ouço pancadas, tiros, pragas, tilintar de esporas, batecum de sapatões no tijolo gasto. (p. 14).

Páginas depois, no entanto, nessa temporalidade descontinuada, o pai e a mãe já tinham traços mais bem delimitados:

Nesse tempo meu pai e minha mãe estavam caracterizados: um homem sério, de testa larga, uma das mais belas testas que já vi, dentes fortes, queixo rijo, fala tremenda; uma senhora enfezada, agressiva, ranzinza, sempre a mexer-se, bossas na cabeça mal protegida por um cabelinho ralo, boca má, olhos maus que em momentos de cólera se inflamavam com um brilho de loucura. Esses dois entes difíceis ajustavam-se. (p. 16, grifo nosso).

Note-se, na citação, o uso que Graciliano Ramos faz de adjetivos que mimetizam um ambiente inóspito - “olhos raivosos, bocas irritadas”, por exemplo - nesses dois excertos, em concomitância com a construção fracionada dos elementos físicos dos pais. A fragmentação da matéria ressoa na apreensão dos sons enumerados no final do excerto anterior.

Para o menino, que Graciliano Ramos procura representar nos meandros de captação sinestésica do mundo, é uma época de ajustes duros, de tentativa de discernimento do exterior, de compreensão das atitudes dos outros, cuja reconstituição vacilante pela memória é fundamental. O universo da criança, que se restringia, naquele capítulo, à fazenda e às suas proximidades, era obscuro: “O mundo era complicado” (p. 15).

Nessas passagens, a perspectiva é delegada ao menino e o adulto pouco intervém na narrativa. Quando o faz, como dissemos, é em pontos esparsos, como no momento em que relata que a safra de abóboras apodreceu no campo: “E a produção levantava-se, espalhava-se, desvalorizada” (p. 16, grifo nosso). Perceptivelmente, a visão da criança, levada a cabo até o segundo verbo da sentença, dá lugar ao julgamento do adulto. Em outro trecho, lembrando-se de uma história que ouvira, o discurso revisionista diz: “Outra emenda. O hábito de corrigir a língua falada instiga-me a consertar o primeiro verso” (p. 18, grifo nosso). Esse hábito não poderia ser de uma criança.

Todavia, o discurso segue fitando, sobretudo, a revelação paulatina da alma infantil. Mais um caso, entre tantos, da figuração da mente do menino é observado em trecho do sexto capítulo, chamado “Chegada à vila”. Há, nele, um duplo processo rememorativo do narrador, que relembra tanto o contato com a vila quanto o desejo do garoto de retorno à fazenda: “Procurei Amaro e José Baía, debalde. Longe da fazenda, considerei-me fora da realidade e só” (p. 46). A voz narrativa tenta emular as impressões da criança, retirada bruscamente do local que lhe era familiar e colocada num domínio obscuro: “De repente me vi apeado, em abandono completo, num mundo estranho, cheio de casas, brancas ou pintadas, sem alpendres, notáveis” (p. 46).

O discurso compõe as águas profundas da interioridade do menino. Na dedicação para a construção linguística do desnorteamento infantil perante um local desconhecido, Graciliano elabora a escrita fazendo uso de vocábulos que sinalizam, semanticamente, a imprecisão das sensações trazidas pelo que percebe à sua volta, o que vemos no modo como é descrita a véspera da mudança para Buíque:

Era uma noite fria. Vozes misturavam-se na calçada, andava gente em redor de uma fogueira grande, no pátio. Estalavam brasas, labaredas cresciam, iluminavam pedaços de figuras, esmoreciam, e da sombra fumacenta vinham risadas longas. Meu pai, invisível, comentava: - Parece um papa-lagartas. Que seria papa-lagartas? Se meu pai não me esfriasse a curiosidade repetindo uma frase suja a respeito de perguntadores, resolver-me-ia a interrogá-lo. [...] Pensei em dirigir-me a uma das pessoas ocultas na escuridão [...] Sem os malditos sapatos duros como pau, decidir-me-ia a entrar, sair, informar-me. Certamente não me ligariam importância. E os sapatos me incomodavam os dedos, esfolavam os calcanhares. Onde estariam as minhas alpercatas? Na roupa estreita, movia-me com dificuldade. Em geral eu usava camisa, saltava e corria como um bichinho, trepava nas pernas de José Baía [...]. A calça, o paletó e os sapatos pressagiavam acontecimentos volumosos. E palavras enigmáticas haviam-me despertado suspeitas vagas, medíocre entusiasmo por aventuras imprecisas e medo. Que iria suceder? Bom que José Baía estivesse comigo, papagueando na sua língua fácil e capenga, livrando-me de sustos. (p. 44-45, grifo nosso).

Um trecho verdadeiramente exuberante tanto no que tange à representação do sentimento de desorientação e perplexidade do menino quanto no prenúncio de uma vida de inadaptabilidade, sintetizada na questão “Que iria suceder?” Na noite - momento que dificulta a visão do menino - há “pedaços de figuras”; sabe-se, no entanto, que o pai estava lá, unicamente graças à apreensão de sua voz. A inquietação relacionada ao que seria papa-lagartas não pôde ser solucionada e o garoto vagava entre “pessoas ocultas na escuridão”, que eram desconhecidas e riam intensamente. Há três fatores principais que se amalgamam e suscitam o desnorteamento do menino, promovendo o desajuste. O primeiro é a pouca luminosidade, o segundo é o montante de pessoas estranhas - que emitem diversos barulhos - e o terceiro é o sufocamento que aquelas roupas causam na criança.

Com a acumulação desses três motivos - lembrando que, com as vestimentas da fazenda, “corria como um bichinho”, subindo nas pernas do amigo - a narração achega-se, mais uma vez, à figura de José Baía, aquele que iria livrar o garoto de todos os sustos. A prosa finca-se no contraponto entre o presente desconhecido (o caminho para a vila) e o passado conhecido (a fazenda).

A saudade de José Baía é a saudade da segurança e a indicação de futuras incertezas. Onde estariam as pessoas que tirariam o temor e as dúvidas daquela criança curiosa? Com o intuito de simular o mal-estar existencial do menino - desambientado e interiormente desintegrado - Graciliano Ramos faz uso de enunciado construído com o intuito de representar as sensações da criança em contato com os estímulos exteriores. Nisso, misturam-se a tentativa de discernimento do novo, o incômodo diante dele, e o afã de ver-se mais uma vez pertencente à fazenda, onde tudo era diferente. É criado, assim, um jogo, linguisticamente elaborado, mostrando que o desconhecido, ao mesmo tempo que atrai o garoto, também engendra temor.

Tal aspecto é igualmente percebido na sua relação com a linguagem, que, em conjunto com o entusiasmo, traz apreensão. Contudo, entre a expressão capenga, que ele entendia, de José Baía, e a inédita, falada ao redor, o menino decide-se por aceitar a novidade, como é visto tanto no seu processo de letramento quanto na reiterada curiosidade. A criança de Infância aproxima-se do menino mais velho de Vidas secas ao buscar, como diz Alfredo Bosi (2003BOSI, Alfredo. Céu, inferno. In: BOSI, Alfredo. Céu, inferno: ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2003. p. 19-50., p. 27), “ir além dos signos opacos” dos adultos.

Mas é por meio dos signos da ambivalência que o próximo excerto - em mais uma busca de figuração do interior em contato com o exterior, composta em apenas um parágrafo que começa logo no início da página 46 e se prolonga até o final do capítulo na página 48 - é conduzido. Citamos excertos dele:

De fato não estava só: várias pessoas transitavam por ali, ruídos vagos quebravam o silêncio. Admirável a casa suspensa, como um garoto erguido em pernas de pau. Cheguei a ela novamente, arredei-me para a que brilhava, faiscava. O paletó feria-me os sovacos, os sapatos mordiam-me os pés e tropicavam no tijolo. Senti falta da camisa e das alpercatas. No outro lado da rua um longo corredor expunha um quintal cheio de roseiras [...]. Tencionei examiná-las de perto. Ressurgiu o isolamento, pus-me a caminhar ansioso na calçada. O meu desejo era gritar, pedir informações. Necessário voltar, distrair-me com as baronesas do açude, os marrecos e a vazante. Absurdo alguém viver num lugar onde se apertavam tantas casas. Até então houvera quatro ou cinco [...]. José Baía segurava-me os braços e rodava [...] Elas [as velhas] e alguns transeuntes constituíram de chofre multidão - e a multidão me fascinava e amedrontava. Acercava-me timidamente do sobradinho. Queria ouvir histórias, risadas, cantigas. E queria ausentar-me dali, descalçar-me, ver minhas irmãs, entreter-me com o moleque José. Vaguei na calçada, coxeando, os olhos turvos, as virilhas úmidas. Sentei-me no chão, cansado e infeliz. Encostei-me depois a uma parede e adormeci. (p. 46-48).

O empenho artístico do autor constrói admiravelmente o tema do trecho - a inadaptabilidade - e suas consequências: o sofrimento e o sentimento de privação da criança. Novamente Graciliano Ramos faz com que o ato reminiscente - note-se que é mais um ato de reminiscência duplo, visto que o narrador se lembra de um momento da infância, e, a partir dele, rememora um tempo anterior - desenrole-se por intermédio de um evento (objeto, pessoa, sensação) motivador. Assim, quando sente a opressão das roupas urbanas, quer usar as da fazenda; quando caminha na calçada, lembra-se do espaço de outrora; quando vê pessoas desconhecidas (a multidão) recorda-se do moleque José. O trecho figura a busca constante da criança de pertencimento, tateando tímida e rudemente espaços estranhos com os constantes deslocamentos da família.

Os processos de adaptação do menino são figurados na recorrência da perspectiva infantil. Com ela, Graciliano Ramos consegue mimetizar, como assinalamos, as impressões do garoto perante a cadeia complexa de múltiplas condições interativas explicitadas no discurso. A mirada adulta tenta compreender o sentido de dificuldade, de estranhamento, além da sensação de novidade e de descobrimento do mundo. Para analisar os mecanismos sociais e reinterpretar as pessoas que participaram da sua infância com lucidez - como o olhar maduro o faz - é necessária uma percepção aguda do meio e das contradições do outro que a criança, pouco conhecedora deles, não detém. Vejamos como o olhar adulto constitui o seu lado na focalização.

Avaliação do outro e dos conflitos sociais pela perspectiva adulta

A objetificação do relato por meio da mirada adulta verifica-se, com mais frequência, nos capítulos de intenso contato com o outro, que, como dissemos, atrai o menino e o repele ao mesmo tempo. A procura pela coerência daqueles que participam da sua formação, pontual ou permanentemente, concebe a entrada do olhar adulto à cata de esclarecimentos a respeito das contradições dessas pessoas. Assim, retiramos exemplos, neste item, de dois capítulos que lidam com sujeitos que marcaram o garoto de modo perene.

Em “Chico Brabo”, vigésimo-primeiro capítulo, contamos com a breve intromissão da visão adulta na descrição da figura homônima ao título do capítulo, vizinho da criança. O narrador realiza a descrição sucinta, principalmente das características físicas da personagem e, na sequência, efetiva uma avaliação dela como membro da sociedade local:

Seu Chico Brabo era solteiro, de meia-idade, grosso, baixo, na cara balofa e amarelenta uma barba ruiva, olhos miúdos e de porco. Não me lembrava de tê-lo visto nas cavaqueiras de proprietários e negociantes, que, depois do Vigário e do Juiz, formavam a aristocracia [...]. Arredio, isentava-se dos deveres sociais com sorrisos tímidos, cumprimentos, alguma frase obsequiosa. Manipulava drogas, possuía uma farmácia caseira, chegava-se aos doentes e medicava-os de graça. Fazia festa às crianças, acariciava-as passando-lhes nos cabelos os dedos curtos e gordos. (p. 145-146).

Após a intervenção descritiva e sintética do adulto, a narrativa volta a ser elaborada por meio da visão infantil. Chico Brabo, que ia de encontro às convenções sociais, ao mesmo tempo que externava solidariedade aos menos desafortunados, medicando-os gratuitamente, era amável com as crianças, exibia modos totalmente distintos com o menino João, único empregado da farmácia. O garoto Graciliano ouvia os gritos coléricos de Chico Brabo direcionados a João. Tais incongruências levavam-no ao grau máximo de perplexidade: “As discrepâncias avultavam, acumulavam-se - e era difícil admitir que alguém fosse tão generoso e tão cruel. [...] Qual dos dois era o verdadeiro Chico Brabo?” (p .148).

A então criança já admitia alguns contrassensos, porém, no farmacêutico, eles eram tão gritantes que o narrador, relatando a procura infantil pela coerência, não consegue conciliá-los: “Os outros viventes possuíam virtudes e defeitos, com desvios e oscilações. Chico Brabo parecia-me dois seres incompatíveis. Em vão tentei harmonizá-los” (p. 151). A mistura tensa entre as perspectivas infantil e adulta, ao final do capítulo, leva à conjectura sobre tal fato: se Chico Brabo dispusesse de terras e filhos, poderia distribuir melhor a zanga; no entanto, havendo apenas o garoto João, ele “só dispunha daquela pequena subserviência. Depositava nela o veneno que produzia, purificava-se, voltava à sala, ia afagar as crianças, oferecer remédio às vizinhas” (p.152). O maior entendimento da situação da perspectiva adulta resume e tenta explicar, até incisivamente, as pessoas.

Já em “Fernando”, outro capítulo que trata de pessoas que marcaram de forma indelével Graciliano Ramos, a visão adulta sobreleva, mais fortemente, a infantil, apontando a cultura da violência, do voto de cabresto e do desmando dos coronéis - o que toma mais de duas páginas da narrativa. Vejamos alguns excertos:

Era [Fernando] parente do chefe político, e um chefe político da roça naquele tempo mandava mais que um soba, dispunha das pessoas e manipulava as autoridades. (p. 215-6).

Quando um proprietário governista queria molestar um adversário, mandava suprimir-lhe alguns moradores - e a pessoa ameaçada vendia-lhe a terra por menos do valor. (p. 216).

O Coronel se defendia aos gritos, espumava; os aderentes, medrosos, balbuciavam, tentavam descobrir os autores das infames acusações. Fervilhavam suspeitas. E dias depois era certo alguém ser agredido em público, a chicote ou cacete. Nunca vi regime tão forte. (p .217).

O próprio narrador confessa que o entendimento desse arranjo social não lhe veio de supetão, assinalando a sua inocência, óbvia, quando criança: “Essas noções me chegavam lentas e incompletas. Novo ainda, eu não entendia certas coisas” (p. 218). Se a perspectiva do menino não poderia realizar essa avaliação crua dos mecanismos sociais locais, Graciliano emprega a mirada adulta, nesse jogo simultaneamente de visões e tempos entre o presente da enunciação - transmitindo valores ideológicos do escritor maduro, desejando um relato racional e direto - e as reminiscências impressionistas do menino - em que há a tentativa de mimetização da figuração da memória (fazendo uso de verbos modais, descrições imprecisas do mundo interior etc) e do processo de ampliação de conhecimento de mundo, normalmente em estado de perplexidade. Nos trechos citados desse capítulo, vemos o panorama objetivamente descrito do funcionamento da política local.

Considerações finais

Com os choques de perspectivas - infantil e adulta - é elaborada uma obra com duas camadas de percepção que se contrapõem; enquanto a visão infantil constrói uma composição romanceada, de acordo com as dificuldades da memória e a mimetização das sensações da criança, a visão adulta denuncia, muitas vezes veementemente, as incongruências contidas nos vários ambientes relativos aos deslocamentos da família. Ao mesmo tempo, tais ambientes ainda contêm resíduos graves de épocas anteriores, como a situação do negro após a abolição, sobretudo nos capítulos “O moleque José” e “Um novo professor”. Nesses capítulos de grave conflito social e/ou em outros, o olhar adulto torna-se mais frequente e assume um discurso que tende ao político-ideológico - retirando a ambiguidade, a imprecisão da mirada do menino, compostas pelo discurso da incerteza e do medo - em contraste com a figuração das diversas sensações próprias da perspectiva do garoto.

A composição da mirada infantil, como notamos, tenta apreender tão somente o íntimo desordenado do menino, o que foi visto na busca da representação do seu interior instigado pelos motivos exteriores. A figuração dos titubeios reclama o uso de verbos modais, além de estruturas enunciativas que dão conta da descrição do âmago da criança, sobretudo por meio da captação sinestésica do exterior (principalmente através da visão e dos sons).

Contudo, há organicidade no encontro entre os dois olhares no que tem a ver, sobretudo, com o interesse pelo (re)conhecimento do outro, seja do que lhe impinge dor, seja daquele, talvez tão desprotegido ou visto como irrelevante pelos demais, com quem a criança sente-se integrada e cria laços. Enquanto o menino sente o outro, o adulto o racionaliza. Existe educação e reeducação sentimental e moral no prolongamento do impacto da alteridade sobre si.

Exemplos desse impacto não faltam: o pai, no caso do cinturão, com os berros direcionados ao menino, impeliu o homem ao horror aos gritos (p. 33), e, quando mandou prender o mendigo Venta-Romba, contribuiu para o seu ceticismo no que toca à autoridade e à justiça (p. 235). O cabo José da Luz, com humildade e benevolência, teve influência grande e benigna, incutindo humanidade no garoto (p. 103), bem como José Leonardo, que respondia as questões da criança de maneira imperturbável e dispôs o narrador adulto a sentimentos benévolos (p. 156). As moças que, por meio da ironia e da acidez do discurso - ao comentarem o paletó “cor de macaco” usado pela criança - fizeram-no estar sempre alerta em relação à fala do outro: “Guardei a lição, conservei longos anos esse paletó. [...] Ainda hoje, se fingem tolerar-me um romance, observo-lhe cuidadoso as mangas, as costuras, e vejo-o como ele é realmente: chinfrim e cor de macaco” (p. 198). E, finalmente, figuras como Chico Brabo e Fernando, que começaram a abalar as convicções do homem quanto à coerência dos seres.

Referências

  • BOSI, Alfredo. Céu, inferno. In: BOSI, Alfredo. Céu, inferno: ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2003. p. 19-50.
  • BOSI, Alfredo. Passagens de Infância de Graciliano Ramos. In: BOSI, Alfredo. Entre a literatura e a história São Paulo: Editora 34, 2013. p. 87-111.
  • CONRADO, Regina Fátima de Almeida. O mandacaru e a flor: a autobiografia Infância e os modos de ser Graciliano. São Paulo: Arte e Ciência, 1997.
  • GUIMARÃES, Jubireval Alencar. Graciliano Ramos e a fala das memórias Maceió: EDICULTE/SECULTE, 1987.
  • HATOUM, Milton. Um jovem, o velho e um livro. Floema, Vitória da Conquista, n. 11, p. 221-224, 2015.
  • JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. Tradução de Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Editora Ática, 1992.
  • PELLEGRINI, Tânia. Regiões, margens e fronteiras: Graciliano Ramos e Milton Hatoum. In: PELLEGRINI, Tânia. Despropósitos: estudos de ficção brasileira contemporânea. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008. p. 117-135.
  • RAMOS, Graciliano. Infância 17. ed. Rio de Janeiro: Record, 1981.
  • 1
    Todas as citações de Infância fazem parte da edição indicada nas referências. A partir daqui, mencionamos apenas as páginas e os possíveis grifos dos trechos citados.
  • 2
    Estudamos a maneira como os conflitos são modulados nesse romance no artigo chamado Movimento ao interior da personagem: fissuras na tensão mínima em Caetés, de Graciliano Ramos, publicado na revista Teresa em 2018.
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola aprovamos a versão final deste texto para sua publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2021
  • Aceito
    18 Out 2021
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