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À procura do impossível: o não-lugar ficcional em “Exilios”, de Ida Vitale

In search of the impossible: The fictional non-place in “Exilios”, by Ida Vitale

Resumo

Este artigo analisa o poema “Exilios”, de Ida Vitale, tomando-o como expressão estética da noção de não-lugar ficcional, que aqui se esboça e se propõe como uma alternativa às noções de lugar antropológico e de non-lieux de Marc Augé. Explorando as imagens do poema, o artigo dialoga com a noção de imagem de William T. J. Mitchell, conversa com outros teóricos, como Antonio Candido, Heidegger, Luiz Costa-Lima e James Hilman, e com estudos especializados sobre a autora, como os de Pablo Rocca, Bruña Bragado, Eduardo Milán, entre outros.

Palavras-chave:
não-lugar ficcional; exílios; Ida Vitale; voz-poema; limite; impossível

Abstract

This article analyzes the poem “Exilios”, by Ida Vitale, as an aesthetic expression of the notion of fictional non-place, which is proposed here as an alternative to Marc Augé's anthropological and non-places notions. Exploring the poem's images, this article dialogues with William T. J. Mitchell's notion of image, and talks with other theorists, such as Antonio Candido, Heidegger, Luiz Costa-Lima, James Hilman, and with specialized studies on the author, such as those by Pablo Rocca, Bruña Bragado, Eduardo Milan, among others.

Keywords:
fictional non-place; exiles; Ida Vitale; voice-poem; limit; impossible

Resumen

El presente artículo se propone analizar el poema “Exilios”, de Ida Vitale, como expresión estética de la noción de no-lugar ficcional, que aquí se esboza y se propone como una alternativa a las nociones de lugar antropológico y de non-lieux, de Marc Augé. Explorando las imágenes del poema, el artículo dialoga con la noción de imagen de William T. J. Mitchell, conversa con otros teóricos, como Antonio Candido, Heidegger, Luiz Costa-Lima, James Hilman, y con estudios especializados sobre la autora, como los de Pablo Rocca, Bruña Bragado, Eduardo Milán, entre otros.

Palabras clave:
no-lugar ficcional; exilios; Ida Vitale; voz-poema; límite; imposible

“Exilios” e o impossível: o sujeito do verbo “estar” e a desreferencialização na construção do não-lugar ficcional

“Exilios”, poema lançado na terra natal da autora Ida Vitale, Uruguai, alguns anos depois de seu retorno do exílio no México, é um dos poemas que se compagina no livro Procura de lo imposible (VITALE, 1998VITALE, Ida. Procura de lo impossible. México: Fondo de Cultura Económica, 1998.), cuja plena vastidão poética reúne poemas que se isentam do compromisso com a imitatio: com escrita incendiante1 1 A sinopse de Procura de lo imposible o define como um “río incansable, armonioso, dueño de ecos y de resplandores”, de onde “fluyen las palabras que incendian y vuelan”; um livro “con audaz acierto del encabalgamiento vigoroso, fluido, y la reunión de imágenes despiertas, inquietas, que atienden la flora y las pasiones, los animales y las cotidianidades (…)” (grifos nossos). Ao falar sobre a poesia de Ida Vitale de modo geral, Pablo Rocca (2010) destaca características que lembram as lançadas pela sinopse do livro: “infrecuentes objetos verbales”, “labradas cadenas de palabras y sonidos que seducen y, sobre todo, punzan”. , trazem imagens inquietas que atendem “o mundo da vida” conciliando-o com o “impossível” da inventividade poiética.

O poema faz jus à subdivisão capitular “arder, calar” em que se aloca, concentrando e reunindo em suas temáticas e construções arquitetônicas a simulação de dois extremos contrapolares, o ardor da presença e o silêncio da ausência, elaborando, assim, uma nova noção de não-lugar.

Um dos textos mais representativos de Procura de lo imposible, “Exilios”, se inicia com um verbo que insere o leitor num movimento peculiar: o do trânsito que evoca o provisório, com a ideia de uma breve permanência/estaticidade; o trânsito do verbo “estar”, como nota-se abaixo, no texto original (edição de 2014):

Exilios tras tanto acá y allá yendo y viniendo FRANCISCO DE ALDANA Están aquí y allá: de paso, en ningún lado. Cada horizonte: donde un ascua atrae. Podrían ir hacia cualquier grieta. No hay brújula ni voces. Cruzan desiertos que el bravo sol o que la helada queman y campos infinitos sin el límite que los vuelve reales, que los haría casi de tierra y pasto. La mirada se acuesta como un perro, sin el tierno recurso de mover la cola. La mirada se acuesta o retrocede, se pulveriza por el aire, si nadie la devuelve. No regresa a la sangre ni alcanza a quien debiera. Se disuelve, tan solo.2 2 Tradução de minha autoria: Exílios depois de tanto aquí e lá indo e vindo FRANCISCO DE ALDANA Estão aqui e lá: de passagem, em nenhum lado. Cada horizonte: onde uma brasa atrai. Poderiam ir até qualquer fresta. Não há bússola nem vozes. Cruzam desertos que o bravo sol ou que a geada queimam e campos infinitos sem o limite que os torna reais, que os faria quase de terra e pasto. O olhar se deita como um cão, sem o suave recurso de mover a cauda. O olhar se deita ou retrocede, se pulveriza pelo ar, se ninguém o devolve. Não regressa ao sangue nem alcança quem deveria. Se dissolve, e só. (VITALE, 2014VITALE, Ida. Procura de lo impossible. México: Fondo de Cultura Económica , 2014.)

Ao acessar o título antes do corpo do poema e deparar-se com a indefinição do sujeito já no primeiro verso, o leitor pode tender a concatenar a ideia de exílio à ideia de “estar”, e, por isso, evocar sujeitos exilados que “Están aquí y allá: de paso”, numa tentativa de preencher de forma verossímil o espaço vazio da ausência de sujeito no poema. Desse modo, os supostos indivíduos exilados, evocados pelo leitor, apenas estariam: situar-se-iam num espaço por tempo determinado e provisório, de passagem, em trânsito. Isso se depreenderia da leitura que busca o verossímil, contra a “indefinição” provocada pela inusitada imagética de “Exilios”. A leitura que insistisse em prosseguir dessa maneira o faria tortuosamente ao longo do texto, que reduz progressivamente a produção de semelhanças, para dar lugar à imensa manifestação de diferenças.

Mas se o título é tomado para além de uma simples construção introdutória de um poema como parte inicial do texto - parte do próprio corpo da escrita, o membro superior do poema - a indefinição do sujeito é, aos poucos, solapada pelo seguimento da leitura, que nos guia sutilmente à constatação de que o sujeito do verbo “estar” não são indivíduos exilados, mas os próprios exílios do título que antecede o verbo conjugado (estão): exílios estão aqui e ali. Impondo-se como parte do corpo imagético-poético, os exílios são sujeito elíptico de uma presença ausente ou de uma ausência presente; um sujeito (oculto) sobre o qual se fala durante todo o texto, mas cujo espaço sintático não se preencherá, não se prensará outra vez ao longo do corpo do poema.

Ao prosseguir com os dêiticos contrapolares, o poema localiza espaços sem defini-los, atribuindo a ambos ou reunindo em ambos, “aqui” e “lá”, a localização dos exílios. O conforto da leitura inicial, que situa o sujeito nesses espaços determinados, no entanto, começa a declinar quando, além de associar o sujeito às localizações indefinidas, o poema elucida o que é o estar “aqui e lá”, caracterizando-o como um movimento transitório “de passagem/ em nenhum lado” (grifos nossos).

A indefinição que se reunia nos dêiticos se amplia e ganha maior proporção com a expressão “em nenhum lado”, que inicia o processo de desreferencialização no poema, deslocalizando os exílios e a leitura, para mais adiante localizar e referir a presença desses exílios - que se estenderão para “lá” de um lugar geográfico e do “aqui” da vivência biográfica de um sujeito exilado.

Escapando, portanto, da restrição ao realismo da metáfora política, essa extensão dos exílios à indefinição faz com que o poema se metamorfoseie em sua ficção verbal. Como estar aqui e lá ao mesmo tempo, e de passagem em nenhum lado, senão de modo ficcional? O adjunto adverbial de modo “de passagem” sucedido pela expressão “em nenhum lado” inviabiliza a realidade de um movimento em lugar transitado e transitável. O poema lança o leitor na novidade inesperada do trânsito que se apresenta em lado nenhum.

Dessa forma, “Exilios” desvia a leitura da via interpretativa que poderia apontar para todo lado, ou para todas as partes, com o “aqui e lá” - possível sinônimo para todo e qualquer lugar. Distanciando-se progressivamente da estabilidade semântica do verossímil, “Exilios” arremessa o leitor para fora do conforto da solidez da leitura comum, possível e até previsível.

Como sugere Pablo Rocca em seu ensaio Las palabras y los hechos. Sobre algunos textos de Ida Vitale y sus metamorfosis (2021), o que a autora escreve sobre seu compatriota Casaravilla3 3 Appratto (2019), como Rocca, sempre nos lembra o papel de Ida Vitale como pensadora e a relação disso com sua produção literária. Ao falar de Ida e Idea, frisa que ambas “solidificaron su escritura por la via de encararla como um trabajo vital; a la vez que escribían críticas y ensayos, traducían, investigaban, publicaban […] la elegancia, la inteligencia y la sutileza de Ida […] no son posibles sin un tiempo de estudio, sin lecturas que orientaran y ayudaran a cuestionar lo que se llama el hacer poético. é central para o estudo de sua própria produção literária, serve para compreender sua “ideia de poesia”. Precisamente, o que sobre ele escreve em Marcha, de Montevideo, insistindo em que

la lírica de este gran olvidado se aleja del “común de los lectores”, que buscan “en la poesía la anécdota, el dato biográfico” […] había que leer la poesía de Casaravilla no como “el resultado de una biografía sino de una técnica, espontánea o acertante o sabiamente consciente”. (VITALE, 1972a, p. 30-31 apudROCCA, 2021ROCCA, Pablo. Las Palabras y los hechos. Sobre algunos textos de Ida Vitale y sus metamorfosis. Latinoamérica - Revista de estudios Latinoamericanos, n. 72, p. 11-31, 2021.).

Diz Rocca, “En esa línea persistirá la escritora uruguaya”, de modo que de igual maneira deve ser interpretada a sua produção. Aquele que esperar de “Exilios” um poema político4 4 Sobre a poesia enquanto metáfora política ou manifestação político-ideológica, Ida Vitale costuma dizer: “la poesía no es um “deber ser” [...] sino um modo de conocimiento expresado em uma función estética [...] Muchos poetas olvidan que su cometido como tal es hacer poesía y no otra cosa, que incluso la verdadera eficacia de su propósito se cumple cuando la redondez formal, violándonos imperiosamente en nuestra pasividad nos somete a aceptar, junto con la poesía, su contenido” (VITALE, 1961, p. 30 apud ROCCA, 2021). Na abertura da Festival de Literaria de Buenos Aires (Filba), em 2021, a poeta se contrapôs irónicamente aqueles que à poesia “le imponen la tarea de un ministerio, sin derechos propios, con una función ancilar de servicio comunitario”. sobre a experiência de uma autora exilada frustrar-se-á a cada verso lido.

Rompendo com as expectativas iniciais, o inesperado lugar nenhum é, no texto de Ida, um “espaço” conhecido que se apreende (é assimilável e assimilado) e um “espaço” desconhecido que, embora não se veja (não é aqui e ali; é aqui e ) também é apreendido pelo poema. A simultaneidade traz ao texto, desta vez, a proximidade do que é apreensível e aparente (ou subjetivo) e o distanciamento parcial do que poderia soar inapreensível, ausente e oculto (ou alheio e externo), mas que, ainda assim, alcança-se no texto, faz-se presente para o leitor. O poema parece não representar o visível, mas visualizar o invisível.

Por isso, a ideia de trânsito num espaço se distancia, em “Exilios”, daquela que se assume como um dos “critérios” que fundamentam a noção de non-lieux, de Marc Augé (2016AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da sobremodernidade. 2. ed. Trad. Miguel Serras Pereira. Lisboa: Letra Livre, 2016.). O que, para Augé, eram ambientes não puramente identitários, relacionais ou históricos, mas transitados num mundo prometido à individualidade solitária, à passagem, em Ida é a passagem em “nenhum lado”, à qual se soma a sensação de ausência de pontos de referência tranquilizadores: “não há bússola nem vozes”; não há, portanto, identidade ou história nos exílios.

Assim, simulando a anulação das referências identitárias, relacionais ou históricas, e indeterminando ainda mais os “espaços possíveis”, o “lado nenhum” em que os exílios transitam, o poema deixa a perspectiva palimpsesta e a polarização fugidia que se estabelecem entre as noções de lugar e de não-lugar, e faz com que nenhum deles se consuma totalmente: em “lado nenhum” não há espaço para uma pátria, para o estrangeiro; não há espaço para o lieu, mesmo em sua mais mínima manifestação.

Tanto os lugares como os não-lugares augerianos se constituem por uma série de predeterminações, limites e condições, para suas existências ou ocorrências, permanentes ou provisórias. O não-lugar de Ida não possui qualquer limite (“campos infinitos sin el limite/que los Vuelve reales”) e, por isso, não se ajusta aos moldes da realidade de um lugar ou de um não-lugar físico, augeriano; configura-se, então, como uma espécie de novo não-lugar, um não-lugar da ficção, já que nega o lieu de forma ainda mais severa do que o não-lugar de Augé. Não se torna sinônimo de todas as partes ou de todo lado, porque nele tudo o que se apreende e o que não se apreende não se ajusta à codificação sócio-histórica do que se entende por realidade sólida e possível (de lugar e/ou de não-lugar), dispensando as particularidades de um exílio como aqueles que o leitor de alguma forma já conhece, com uma série de fatores e condições históricas, sociais e culturais que circunscrevem a sua experiência.

Esses exílios de Ida Vitale assumem o trânsito em nenhum lado concentrando-se na projeção desse novo não-lugar, escapando da realidade de espaços comuns, circunscritos, limitados e estabelecidos, e aproximando-se (por meio das imagens contrastivas) do “impossível” que reside na immaginari poietica - inacessível para a leitura que se atém apenas ao que há de essencialmente verossímil em um texto.

Sem dispor de claras coordenadas culturais que facilitem a sua penetração na experiência estética do poema, o leitor percebe que, ao contrário, o texto lhe obriga a evitar demasiadas comparações com o mundo do percebido, pois o poema lhe apresenta uma construção que, por conter espaços ocultos, alheios (o lá, ilimitado), não se conforma às leis da percepção possível. O não-lugar de Ida “destrói” o non lieu, para alcançá-lo em nova essência, que, em virtude mesmo de não ter a ver com o mundo empírico, está definitivamente na linguagem, na ficção verbal. Por isso, denominá-lo-emos, aqui, não-lugar ficcional.

Imagens e voz-poema: as paisagens dos Exílios e a voz do texto

O poema, que traz aos versos o inquieto e o inquietante da imagem contrastiva dos exílios, simultaneamente reúne, em seu corpo, ordem e desordem. Essa característica se assume enquanto corpo que concentra em “figuras de conhecimento” (MITCHELL, 2011MITCHELL, W. J. T. ¿Que és una imagen? In: GARCIA, V. A. Filosofia de la imagen. Salamanca: Metamorfosis, 2011. p. 107-154., p. 19) um pouco do verossímil do “mundo da vida”. A concentração dessas figuras possibilita e sustenta a leitura por meio das imagens familiares e assimiláveis, de modo a não se perder por completo na indefinição do ilimitado.

Mas, ao mesmo tempo, são essas imagens, “figuras de conhecimento”, que concedem ao poema o poder da metamorfose, tornando a mímesis cada vez mais inventiva na medida em que conseguem dispor sobre uma base verossímil uma construção diferencial, atendendo à definição de mímesis costalimiana.5 5 Costa-Lima define a mímesis como um produto da relação entre semelhança em base menor e diferença em base maior. Algo similar declarara Lévi-Strauss, ao definir o semelhante, que evoca no leitor de Ida a sensação da possibilidade de alcance do “impossível”, como diferença reduzida. Juntas, as imagens possibilitam a assimilação do que se desvia do verossímil e do que parece impossível; são elas que possibilitam que a ideia de não-lugar ficcional - que se aproxima do impossível, porque se aproxima da inexistência6 6 O não-lugar ficcional se aproxima do impossível porque se aproxima da inexistência: só existe o que é apreensível, conhecido, organizado, habitável e limitado; só os limites, a solidez e a fertilidade fundam um mundo real, existente: “sin el limite/que los Vuelve reales/ que los haría de solidez y pasto”. - seja sentida e compreendida pelo leitor.

O atrito entre a realidade (fundada ontologicamente a partir de limites e delimitações) e o novo não-lugar de Ida deslocaliza a leitura e desconcerta o leitor, já que a realidade e o puramente verossímil não admitem a instauração de universos ilimitados e, portanto, de “leituras impossíveis”. No entanto, a imagética metafórica e a ficção verbal de “Exilios”, ao passo em que expõem esse atrito e dele se utilizam, também o tornam tolerável e assimilável, porque conciliam e equilibram, em diferentes proporções, as semelhanças e diferenças. Assim, desviamo-nos da leitura tradicional, pensada em termos de imitatio e realismo, ao passo em que também nos afastamos da incompreensão do ilimitado. Sem ancorar-nos a um e a outro extremos contrapolares, mas conciliando-os, podemos, enfim, recuperar a condição do poema enquanto “discurso de diferença” que pressupõe semelhanças - afinal, é mesmo pelas semelhanças, ainda que reduzidas a uma base mínima, que a leitura e a comunicação se sustentam.

Nesse ponto, dialogando com Michéle Ramond a fim de trazer novas contribuições ao estudo da poesia vitaliana, vamos de encontro, em parte, ao que a estudiosa afirma na contracapa de Ida Vitale, Obra poética I (1992):

la poesia alquímica de Ida Vitale se alza contra la poesía metafórica porque rehúsa a que el trabajo poético no sea al mismo tiempo un trabajo sobre el mundo. Es bastante evidente […] que para Ida Vitale lo poético no tiene el derecho de sustituir a lo real. Lo poético es un melancólico trabajo de transmutación de la materia, toda la materia, no solo de la lengua. (grifos nossos).

Parece-nos que, valendo-se da metáfora7 7 Em artigo que se compagina no livro Ida Vitale: palabras que me cantan (2019), organizado em homenagem a recepção do Prêmio Cervantes, com o que foi galardonada em 2018, José María Espinaza diz, a respeito da escrita de Ida, que “nos parece a veces que habla con el lenguaje del sabio medieval, más mago que científico, y más brujo que mago, en el que toda palabra es metáfora” (grifos nossos). , o “terreno poético” muito singular de Ida Vitale inaugura em si o impossível que busca - e que só possui espaço no mundo da vida se inserido inteiramente no âmbito ficcional. Mantendo um “resto de verdade”, uma semelhança com o que a sociedade toma por possível, cria-se sobre o texto a sua diferença. A obra de ficção, a partir de seu meio próprio, o meio das imagens e não dos conceitos, perspectiviza a “verdade”; assim, a leitura rompe com o “possível”, mais previsível, de modo que a “leitura impossível” (improvável) torna-se aquela cuja possibilidade é construída como resultado da produção de diferença.

As imagens que concentram “figuras de conhecimento” ilustram, por meio das já conhecidas paisagens áridas e longínquas (referenciais que o leitor reconhece, que lhe fazem sentido; marca da presença da semelhança e das analogias), a “homogeneidade heterogênea” do paradoxo: ao tratar de sol e geada, evidenciam-se essas dicotomias e a simultaneidade (que se apresenta de modo discreto até este ponto) do ilimitado lado-nenhum.

Cruzam desertos que o bravo sol ou que a geada queimam e campos infinitos sem o limite que os torna reais, que os faria quase de solidez e pasto. (grifos nossos).

As alternâncias entre termos que recordam a sensação de quentura, de ardência, e outros que, ao contrário, recordam a frieza, as rupturas, evoca contraste equivalente ao do aqui e lá, que, em colocação simultânea e concorde com a noção de exílio do texto de Ida, reafirmam a “indefinição” desmedida do lado nenhum, onde os exílios estão - em “Cada horizonte: onde uma brasa atrai” e “Poderiam ir a qualquer fissura” ou a qualquer fresta.

Esse novo não-lugar elabora, com essas imagens, uma paisagem ab origine: os desertos e os campos infinitos e ilimitados, com a presença apenas dos elementos fundadores de um mundo, gelo e fogo (brasas). “Exilios”, então, inaugura seu mundo, imerso na solidão própria do não-lugar ficcional.

Em nenhum momento o poema escrito em 1998 faz referência à modernidade, à sobre-modernidade, ou a quaisquer elementos da paisagem urbana, como o faz Marc Augé, ainda que o urbano possa se situar no “aqui” ou no “lá”. O texto dispensa os recursos do urbano e do urbanismo e a discussão que se restringe a espaços físicos. O que interessa é o caráter desértico e desalmado8 8 Ver HILLMAN, 1993. do novo não-lugar em que transitam e estão os exílios.

Ao mencionar sensações, é possível citar a de uma “meditação” atenta, em trânsito pelas imagens do poema; uma meditação empreendida pela voz do texto, que visualiza o não visível, sem, contudo, recorrer a impressões alucinatórias. Essa “visão” meditativa, quase uma clarividência do novo não-lugar vitaliano, reúne as paisagens dos extremos contrapolares: é a “angulação” da imagem “heterogênea em sua homogeneidade”, a angulação que melhor captura a particularidade adimensional do não-lugar de “Exilios”.

Essa sensação, que possivelmente se aproxima da de um “olhar em movimento” não confirma, no entanto, um deslocamento espacial que torne “Exilios” um poema itinerante. Certamente há trânsito e sobre trânsito se fala - o que se evidencia, sobretudo, com os verbos “ir” e “cruzar” - mas o movimento da “voz do texto” não é o de deslocamento. O poema não exibe registros de um passeio, como ocorre em uma poesia itinerante (CANDIDO, 1993CANDIDO, Antonio. O poeta itinerante. In: CANDIDO, Antonio. O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993. p. 257-278). Entra em cena, desta vez, a permanência, contida no dêitico “aqui”, assumida pelo poema, que de forma estática “visita” nenhures, num trânsito suspenso, de immaginari.

Essas “visitas” às paisagens no poema não se vozificam por meio de um eu-poético; o que se diz no poema não é dito por ninguém, simplesmente está dito e posto, como se brotasse do texto, do que se diz e quando se diz. A “voz” é o poema e o poema é a “voz”. A “voz-poema” está, como estão também os exílios e o poema em si, em nenhum lado, e de lá emergem para o leitor, criando e trazendo imagens, “olhares”, “vidências”. Isto é: ao texto já não assiste uma presença prévia que o justifique; essa presença há de ser criada pelo próprio fazer poético. A retirada das presenças tranquilizadoras corresponde a maior evidência de textualidade.

Mais do que um texto de immaginari poietica, que parte de uma desreferenciação já ao seu início, “Exilios” retoma a imagerie (a imaginação enquanto produção de imagens), por meio dessa “voz-poema”, que, ao meditar, em sua consciência solitária alcança e produz os extremos contrapolares, os “impossíveis”. Assim, o texto não se apoia na pretensa representação de algo que se transpõe para o espaço verbal. Como esclarece Hugo Friedrich, “não há cenas evocadas, mas cenas produzidas pela própria tessitura verbal” (apudCOSTA-LIMA, 1980COSTA-LIMA, Luiz. Mímesis e modernidade: formas das sombras. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1980., p. 160).

Apresentando ao leitor o não-lugar ficcional, a “voz” assume o trânsito por paisagens e imagens, mas, ainda que empreenda essa espécie de meditação, ela não expressa individualidade. “Exilios” coloca em suspensão a noção de comunicação monodialógica e subjetiva, já que se desconhece quem ou o quê se manifesta a partir de lugar nenhum. Assim, a “voz-poema” se aproxima, de certo modo, do impossível: ela é uma voz que não pertence a ninguém e não vem de parte alguma, senão do próprio texto. Essa “voz de ninguém”, contudo, não é uma voz de ausência e de vazios: esse “ninguém” é “voz” despersonalizada, mas meditativa e presente. É a presença (em vez da ausência) que torna possível a comunicação e a compreensão do poema pelo leitor.

No entanto, perfazendo sua fala vinda de nenhum lado, criando uma imagem de e do silêncio9 9 As falas de Vitale, resgatadas por Bragado, abriram o Festival de Literatura de Buenos Aires (Filba), em que a escritora se dedicou a falar sobre o poema e o árduo e delicado trabalho do poeta com as palavras: “El poema es, entonces, la interrupción noble de un silencio, de ese silencio que reina, maravilloso, en el mundo, mientras no es derrotado, la emergencia de un continuo que está dentro del poeta, coherencia interior que puede o no, ser nítidamente evidente” (grifos nossos). No entanto, como observa Rocca (2010), se para Ida Vitale a palavra poética ameaça o silêncio, dobrando-o, quando isso não ocorre em sua poesia (é o caso de “Exilios”) e o poema se repliega ante o poder do silêncio que pode ser, esse silêncio se manifesta no poema como outra forma de dizer - neste caso, de dizer a condição da ficção, como se verá. , toda a expressão do poema, aparentada com o transcendente do transe, do trânsito, da simulação do ilimitado (mas regido pela própria materialidade do poema, pelas imagens apreensíveis, pelo “aqui” do texto), aproxima-se da sensação de mutismo, o que dá à “voz”, ainda mais, a característica de uma fala in illo tempore, presente com o ar de entidade textual (o próprio texto falante), e que, por fim, cala-se, ao ápice de sua ardência, numa das imagens mais entusiasmantes do poema de Vitale.

Essa “voz” é responsável por equilibrar o poema entre a ausência e a presença, e se desvela, para o leitor, de forma quase a ocultar-se, num verdadeiro desvelar auto-velante: seu “vir à luz” ocorre em tensão com um contramovimento cooriginário de subtração que Heidegger descreve como um “trazer à frente", “no desoculto” e “desde o oculto”. A reformulação da “voz poética” como hervorbringen aponta para a tensão constitutiva que em “Exilios” é o que provoca a sensação de acesso à vastidão do não-lugar ficcional, mas que se ampara pela presença da “voz-poema”, que tudo apresenta.

A “voz”, então, possibilita a transcendência, não no sentindo de buscar um além teológico, mas no de buscar o impossível da imanência e da indefinição, trazendo à arte o “fundo sem fundo” dos exílios10 10 “Eis a arte convertida em transcendência; e, como não é transcendência para, mas autorreflexiva, pois, seu telos está em si mesma, o qual, entretanto, não satisfaz seu produtor, torna-se transcendência vazia” (COSTA-LIMA. 1980, p.163). .

A solidão dos Exílios e o impossível poético

A meditação é empreendida e transmitida pela “voz-poema”, que passa a exibir no texto, por meio da mirada, do olhar, algumas imagens, “cenários”. Mas, em determinado ponto do poema, não é mais para as paisagens desérticas que a “voz” se volta: dessa vez, em movimento rebobinado, ela se dedica ao próprio olhar (como uma espécie de autorreflexão). Essa mirada de “Exilios”, exibida pela “voz”, aparece prestes a deitar-se ou a pulverizar-se na solidão desértica, sem referenciais tranquilizadores, sem relações, comunicações ou correspondências reais:

O olhar se deita ou retrocede, se pulveriza pelo ar, se ninguém a devolve. (grifo nosso).

Imagem-irmã de “cada horizonte: onde uma brasa atrai”, o olhar que se deita poderia, por alusão a direção horizontal e à suposta tranquilidade do “deitar-se”, remeter o leitor à sensação de conforto da imagem anterior (“onde uma brasa atrai”), mas o texto rapidamente se desvia de ideias tranquilizadoras e impossibilita essa via interpretativa por meio do uso da complementação contrastiva dos versos que sucedem a expressão “deita”: o olhar se pulveriza; ninguém o devolve.

Como se dá a entender, se o olhar encontrasse um “outro”, ele produziria uma visualização, essa, sim, possivelmente confortante. Sem dúvida, não há vozes no deserto dos exílios, o olhar que busca o horizonte não tem bússola, senão a “brasa que atrai” - único indício de esperança e expectativa de retorno. Se ninguém devolve o olhar na vastidão solitária, ele se pulveriza ou se deita: num movimento que lembra o deitar das pálpebras, o olhar se “fecha”, e “fecha” também o poema, proporcionando o ápice de seu silêncio absoluto.

Esse recolhimento é associado imageticamente ao de um cão que, mais do que sem expectativa ou ânimo, não possui o suave recurso de mover a cauda, em resposta a possíveis estímulos interativos. A incapacidade de gestos suaves, de acenos amigáveis, amplia-se à incapacidade de trocas comunicativas, já que não se possui esse recurso. Essa leitura se confirma com a primeira versão do poema de Ida (modificado na edição de 2014), em que o verso original era “sin siquiera el recurso de mover una cola”.

Nesse sentido, como em espécie de metalinguagem, “Exilios” se transforma em metáfora intensa para dizer a condição da ficção.

A poesia que lida com a “pulverização” não é um caso isolado no conjunto das obras de Ida Vitale. Como destaca Eduardo Milán, também na contracapa de Ida Vitale, obra poética I, a autora, com uma “poesía riquísima em aliteraciones, antítesis, paranomasias”, tem a linguagem poética que “joga”, “por ejemplo, bajo la permanente mirada de la muerte o jugar, por ejemplo, en la cuerda tensa de la fugacidad […]”.

Os temas da dispersão, do efêmero, do trânsito, do transitório e, quiçá, do fim, são recorrentes na poética vitaliana, bem como um clima de carência e de falta. O “deitar” de “Exilios” remete a outros poemas de Vitale que trazem a temática do poente11 11 Tomemos como demonstração o poema “El puente”, publicado pela primeira vez em 1971, na antologia coletiva Poesía rebelde uruguaya, sob o selo da Biblioteca de Marcha (SHINCHA Y ELISSALDE, 1971), e posteriormente incluído em Oidor andante, pela Arca, no ano seguinte, sem nenhuma alteração. - momento de recolhimento da luminosidade que cederá lugar no texto para o escuro absoluto ou para o seu encerramento. Alguns estudos observam esse movimento de inclinação à dissipação e comentam sua conexão com a metalinguagem. É o caso, por exemplo, de María José Bruña Bragado, professora e pesquisadora da Universidade de Salamanca, que em seu ensaio Ida Vitale: Herida esencial y soberanía de la palabra destaca:

Una segunda imagen para la poesía que utiliza nuestra autora es la de “un puente pero no de seguro hierro, sino un puente dinamitado, riesgoso, lleno de fisuras, harapos, angustias, fracasos y que tan solo vale para el que lo crea”, un puente que “se puede parecer al puente Mirabeau desde el que saltó el atormentado Paul Célan hacia la muerte”. La figuración vuelve a incidir en las amenazas del oficio, en el desafío que supone para el que lo ejerce […].

No poema que analisamos, em via de mão única, o poema não diz se aquilo que espera, a devolução, realiza-se - justamente porque prolonga em si mesmo a experiência do exílio (na linguagem) e parece seguir no aguardo incerto de um retorno, do olhar do outro, agora remetido ao leitor, que devolveria a mirada com a sua leitura. Sem o retorno, o poema se dissolve, findando seu trânsito breve, de passagem em nenhum lado.

Fica declarada a intencionalidade de alcance da ficção, que se lança no escuro e se põe ao aguardo de uma sinalização de retorno, sem ter, contudo, “o recurso de mover a cauda”, isto é, a certeza de que essa interação entre poema e leitor existirá. O tema do exercício poético aliado a intencionalidade da ficção se confirma nos dizeres da autora, também retomados por Bragado: “En el primer plano de la poesía debe estar el lenguaje, ese es el tema. Lo que me mueve a escribirlo es él, la búsqueda de lo que ya no se va a dar” (VITALE apudBRAGADO, 2018BRAGADO, Maria. Ida Vitale: Herida esencial y soberanía de la palabra. Periódico de Poesía, n. 106, 2018. , grifos nossos).

Revolvendo o chão semântico, quebrando expectativas, o texto vai tornando mais nítida e possível, para o leitor, a sensação de contato com o que é o “exílio ficcional” apresentado pelo poema que fala de si próprio:

A mirada se deita como um cão, sem sequer o recurso de mover um rabo. (grifo nosso).

O não-lugar em Ida, ao se atrelar à fissura do real, atrela-se também à solidão, quebrando as expectativas da leitura que espera por cenários, um lugar (lieu) acolhedor e uma resolução confortante. Sem aliviar a leitura que (contra toda a indeterminação instaurada no texto) busca se ater às informações mais verossímeis, o poema simula a máxima sensação desse exílio peculiar: o mutismo, a iminência do silêncio absoluto, a impossibilidade de comunicação direta, a solidão. Com a ideia da possibilidade da dissipação do olhar textual, o que vinha sendo construído ao longo do poema se acentua em grau máximo com a finalização do próprio texto: a afirmação do exílio, não como fado, mas como condição para a ficção (um estágio obrigatório).

Curiosamente, em seus versos finais, esse exílio, sujeito elíptico, está ainda mais presente no texto, mais do que esteve antes ao longo do corpo do poema, sem nele se prensar: a evocação do silêncio, o “calar-se”, assevera a sensação do exílio-ficcional, do isolamento do texto que, como um “instante”, desenrola-se, dissolve-se e só, nada mais.

Ao contrário do que se espera, é justamente a metalinguagem do texto vitaliano que faz com que ele se desvie de interpretações coercitivas, que tendem a alocá-lo e a enquadrá-lo em classificações como as de “texto fantástico” ou de “escrita surrealista”.

A metalinguagem em “Exilios” e o limite do poema

Por um lado, o poema de Ida, assim como os exílios sobre os quais fala, consegue aproximar-se do “lá” do texto, possibilitando o acesso ao “impossível” do lugar nenhum, do novo não-lugar e de suas ausências - que se afastam das semelhanças, adentrando o campo das diferenças.

Por outro lado, também se aproxima do “aqui” do leitor, por meio de artifícios textuais que criam a verossimilhança, com analogias e imagens que se assemelham ao real, e que apreendem o “mundo da vida”, para, em seguida, desfazê-lo, em certa medida, jogar com ele, remontando-o em outras ordens.

Com o “aqui” do texto (com as imagens conhecidas ou reconhecíveis, assimiláveis pelo leitor e, por isso, acessíveis para ele), “Exilios” entrega a quem o lê diversos referenciais. Se não, como poderíamos lê-lo? Sem qualquer referencial, toda leitura estaria condenada a ser arbitrária.

Ao trazer as “imagens de conhecimento”, ao caracterizar os exílios com a qualidade desértica, ardida, com certa aspereza (“que o bravo sol ou que a geada queimam”), o poema “determina” o que se pretende “indeterminável”, e cede presença aos versos, inviabilizando a ausência absoluta, mas possibilitando, sobretudo, a experiência estética, o contato com o objeto estético, cuja “fórmula” é a verossimilhança do inverossímil (BLUMENBERG; 1966, p. 154).

“Exilios” não poderia mergulhar no caos da indeterminação absoluta; do contrário, o poema estaria ainda informe, em estado de mímesis-zero, dificultando interpretações, ou seria como uma espécie de teste de Rorschach: admitiria qualquer leitura; cada um leria nele o que quisesse, como se interpretasse imagens em nuvens. A experiência ficcional supõe a experimentação do que não se conhece, empreendida a partir do que o produtor e o receptor tomam por verdadeiro.

Dessa forma, o texto toma o “esvaziamento” do não-lugar como ponto de partida temática, talvez também como ponto de chegada, mas não pode usufruir dele para se constituir arquitetonicamente, enquanto texto. Num poema, uma coisa é sobre o que se fala, outra coisa é o modo como se chega a dizer. É preciso identificar o olhar do poema, mas também o seu limite. A poesia tem de lidar com as fronteiras de seus projetos.

Por isso, em “Exilios”, que exercita a atividade metalinguística, Ida não repete o mundo, mas não necessariamente o repele: o deserto do poema é um simulacro. A ausência absoluta, do não-lugar ficcional, só não poderia alcançar o próprio poema, testemunho dessa ausência. Essa é “a fórmula rotineira de afirmar a transcendência vazia e a única certeza de permanência: o poema” (COSTA-LIMA, 1980COSTA-LIMA, Luiz. Mímesis e modernidade: formas das sombras. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1980., p. 164).

Por mais que procure figurar a impessoalidade, o poema o faz por meio de uma língua (no poema original, o espanhol) e tudo o que ele porta a respeito da historicidade e da identidade da fala. O texto ficcional, por mais que tenha como horizonte uma espécie de “ponto neutro”, com a voz de “Exilios”, estará sempre circunscrito sócio-historicamente, culturalmente. Apesar de lograr a sensação de vazio, o poema se insere em limites claros, utilizando-se de referenciais a serem construídos no processo de leitura que o texto admite, tornando-o assimilável para o leitor, mesclando, de modo coerente, presença e ausência, diferenças e semelhanças.

Eis o limite que torna a “voz-poema” uma “voz” necessariamente presente; que faz de “Exilios” um poema com escrita compreensível, e que permite o livre acesso ao não-lugar ficcional que se busca em Procura de lo imposible.

Referências

  • APPRATTO, Roberto. Al mismo tiempo: Ida Vitale e Idea Vilariño. Intervalo - espacio cultural de Escaramuza, 29 abr. 2019. Disponível em: Disponível em: https://escaramuza.com.uy/nota/al-mismo-tiempo/489 Acesso em: 18 ago 2022.
    » https://escaramuza.com.uy/nota/al-mismo-tiempo/489
  • AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da sobremodernidade. 2. ed. Trad. Miguel Serras Pereira. Lisboa: Letra Livre, 2016.
  • BRAGADO, Maria. Ida Vitale: Herida esencial y soberanía de la palabra. Periódico de Poesía, n. 106, 2018.
  • CANDIDO, Antonio. O poeta itinerante. In: CANDIDO, Antonio. O discurso e a cidade São Paulo: Duas Cidades, 1993. p. 257-278
  • COSTA-LIMA, Luiz. Mímesis e modernidade: formas das sombras. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1980.
  • ESPINAZA, José M. Apuentes al margen para leer a Ida Vitale. In: CAÑETE OCHOA, Jesús; LANZA, Fernando Fernández (org.). Ida vitale: Palabras que me cantan. Madrid: Editorial Universidad de Acalá, 2019. p. 105-113.
  • HILLMAN, James. Cidade e alma Trad. Gustavo Barcelos e Lucia Rosenberg. São Paulo: Studio Nobel, 1993.
  • MITCHELL, W. J. T. ¿Que és una imagen? In: GARCIA, V. A. Filosofia de la imagen Salamanca: Metamorfosis, 2011. p. 107-154.
  • PABLO Rocca realizo la laudatio de Ida Vitale em el acto del Paraninfo. La diaria, 07 jul. 2010. Disponível em: Disponível em: https://ladiaria.com.uy/articulo/2010/7/pablo-rocca-realizo-la-laudatio-de-ida-vitale-en-el-acto-del-paraninfo/ Acesso em: 18 ago 2022.
    » https://ladiaria.com.uy/articulo/2010/7/pablo-rocca-realizo-la-laudatio-de-ida-vitale-en-el-acto-del-paraninfo/
  • ROCCA, Pablo. Las Palabras y los hechos. Sobre algunos textos de Ida Vitale y sus metamorfosis. Latinoamérica - Revista de estudios Latinoamericanos, n. 72, p. 11-31, 2021.
  • VITALE, Ida. Procura de lo impossible México: Fondo de Cultura Económica, 1998.
  • VITALE, Ida. Procura de lo impossible México: Fondo de Cultura Económica , 2014.
  • 1
    A sinopse de Procura de lo imposible o define como um “río incansable, armonioso, dueño de ecos y de resplandores”, de onde “fluyen las palabras que incendian y vuelan”; um livro “con audaz acierto del encabalgamiento vigoroso, fluido, y la reunión de imágenes despiertas, inquietas, que atienden la flora y las pasiones, los animales y las cotidianidades (…)” (grifos nossos). Ao falar sobre a poesia de Ida Vitale de modo geral, Pablo Rocca (2010PABLO Rocca realizo la laudatio de Ida Vitale em el acto del Paraninfo. La diaria, 07 jul. 2010. Disponível em: Disponível em: https://ladiaria.com.uy/articulo/2010/7/pablo-rocca-realizo-la-laudatio-de-ida-vitale-en-el-acto-del-paraninfo/ . Acesso em: 18 ago 2022.
    https://ladiaria.com.uy/articulo/2010/7/...
    ) destaca características que lembram as lançadas pela sinopse do livro: “infrecuentes objetos verbales”, “labradas cadenas de palabras y sonidos que seducen y, sobre todo, punzan”.
  • 2
    Tradução de minha autoria: Exílios depois de tanto aquí e lá indo e vindo FRANCISCO DE ALDANA Estão aqui e lá: de passagem, em nenhum lado. Cada horizonte: onde uma brasa atrai. Poderiam ir até qualquer fresta. Não há bússola nem vozes. Cruzam desertos que o bravo sol ou que a geada queimam e campos infinitos sem o limite que os torna reais, que os faria quase de terra e pasto. O olhar se deita como um cão, sem o suave recurso de mover a cauda. O olhar se deita ou retrocede, se pulveriza pelo ar, se ninguém o devolve. Não regressa ao sangue nem alcança quem deveria. Se dissolve, e só.
  • 3
    Appratto (2019APPRATTO, Roberto. Al mismo tiempo: Ida Vitale e Idea Vilariño. Intervalo - espacio cultural de Escaramuza, 29 abr. 2019. Disponível em: Disponível em: https://escaramuza.com.uy/nota/al-mismo-tiempo/489 . Acesso em: 18 ago 2022.
    https://escaramuza.com.uy/nota/al-mismo-...
    ), como Rocca, sempre nos lembra o papel de Ida Vitale como pensadora e a relação disso com sua produção literária. Ao falar de Ida e Idea, frisa que ambas “solidificaron su escritura por la via de encararla como um trabajo vital; a la vez que escribían críticas y ensayos, traducían, investigaban, publicaban […] la elegancia, la inteligencia y la sutileza de Ida […] no son posibles sin un tiempo de estudio, sin lecturas que orientaran y ayudaran a cuestionar lo que se llama el hacer poético.
  • 4
    Sobre a poesia enquanto metáfora política ou manifestação político-ideológica, Ida Vitale costuma dizer: “la poesía no es um “deber ser” [...] sino um modo de conocimiento expresado em uma función estética [...] Muchos poetas olvidan que su cometido como tal es hacer poesía y no otra cosa, que incluso la verdadera eficacia de su propósito se cumple cuando la redondez formal, violándonos imperiosamente en nuestra pasividad nos somete a aceptar, junto con la poesía, su contenido” (VITALE, 1961, p. 30 apud ROCCA, 2021ROCCA, Pablo. Las Palabras y los hechos. Sobre algunos textos de Ida Vitale y sus metamorfosis. Latinoamérica - Revista de estudios Latinoamericanos, n. 72, p. 11-31, 2021.). Na abertura da Festival de Literaria de Buenos Aires (Filba), em 2021, a poeta se contrapôs irónicamente aqueles que à poesia “le imponen la tarea de un ministerio, sin derechos propios, con una función ancilar de servicio comunitario”.
  • 5
    Costa-Lima define a mímesis como um produto da relação entre semelhança em base menor e diferença em base maior. Algo similar declarara Lévi-Strauss, ao definir o semelhante, que evoca no leitor de Ida a sensação da possibilidade de alcance do “impossível”, como diferença reduzida.
  • 6
    O não-lugar ficcional se aproxima do impossível porque se aproxima da inexistência: só existe o que é apreensível, conhecido, organizado, habitável e limitado; só os limites, a solidez e a fertilidade fundam um mundo real, existente: “sin el limite/que los Vuelve reales/ que los haría de solidez y pasto”.
  • 7
    Em artigo que se compagina no livro Ida Vitale: palabras que me cantan (2019), organizado em homenagem a recepção do Prêmio Cervantes, com o que foi galardonada em 2018, José María EspinazaESPINAZA, José M. Apuentes al margen para leer a Ida Vitale. In: CAÑETE OCHOA, Jesús; LANZA, Fernando Fernández (org.). Ida vitale: Palabras que me cantan. Madrid: Editorial Universidad de Acalá, 2019. p. 105-113. diz, a respeito da escrita de Ida, que “nos parece a veces que habla con el lenguaje del sabio medieval, más mago que científico, y más brujo que mago, en el que toda palabra es metáfora” (grifos nossos).
  • 8
    Ver HILLMAN, 1993HILLMAN, James. Cidade e alma. Trad. Gustavo Barcelos e Lucia Rosenberg. São Paulo: Studio Nobel, 1993..
  • 9
    As falas de Vitale, resgatadas por Bragado, abriram o Festival de Literatura de Buenos Aires (Filba), em que a escritora se dedicou a falar sobre o poema e o árduo e delicado trabalho do poeta com as palavras: “El poema es, entonces, la interrupción noble de un silencio, de ese silencio que reina, maravilloso, en el mundo, mientras no es derrotado, la emergencia de un continuo que está dentro del poeta, coherencia interior que puede o no, ser nítidamente evidente” (grifos nossos). No entanto, como observa Rocca (2010PABLO Rocca realizo la laudatio de Ida Vitale em el acto del Paraninfo. La diaria, 07 jul. 2010. Disponível em: Disponível em: https://ladiaria.com.uy/articulo/2010/7/pablo-rocca-realizo-la-laudatio-de-ida-vitale-en-el-acto-del-paraninfo/ . Acesso em: 18 ago 2022.
    https://ladiaria.com.uy/articulo/2010/7/...
    ), se para Ida Vitale a palavra poética ameaça o silêncio, dobrando-o, quando isso não ocorre em sua poesia (é o caso de “Exilios”) e o poema se repliega ante o poder do silêncio que pode ser, esse silêncio se manifesta no poema como outra forma de dizer - neste caso, de dizer a condição da ficção, como se verá.
  • 10
    “Eis a arte convertida em transcendência; e, como não é transcendência para, mas autorreflexiva, pois, seu telos está em si mesma, o qual, entretanto, não satisfaz seu produtor, torna-se transcendência vazia” (COSTA-LIMA. 1980COSTA-LIMA, Luiz. Mímesis e modernidade: formas das sombras. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1980., p.163).
  • 11
    Tomemos como demonstração o poema “El puente”, publicado pela primeira vez em 1971, na antologia coletiva Poesía rebelde uruguaya, sob o selo da Biblioteca de Marcha (SHINCHA Y ELISSALDE, 1971), e posteriormente incluído em Oidor andante, pela Arca, no ano seguinte, sem nenhuma alteração.
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola, aprovamos a versão final deste texto para sua publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2022
  • Aceito
    30 Jun 2022
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