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LINGUAGEM INCLUSIVA EM CONTEXTO DIDÁTICO-DIGITAL: UMA ANÁLISE DE IDEOLOGIAS LINGUÍSTICAS EM VIDEOAULA E COMENTÁRIOS ON-LINE

RESUMO

Este artigo objetiva identificar e analisar ideologia linguística subjacente ao tratamento teórico concedido à linguagem inclusiva em contexto didático-digital (videoaula e comentários on-line) de Língua Portuguesa, a partir de perspectivas teóricas da Linguística Antropológica (Irvine; Gal, 2000IRVINE, J. T.; GAL, S. Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. V. (org.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe: School of American Research Press, 2000. p. 35–84.; Kroskrity, 2004KROSKRITY, P. Language ideologies. In: DURANTI, A. (org.) A companion to Linguistic Anthropology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 496–517.), de teorias queer (Butler, 2003; Pinto, 2014PINTO, J. P. Linguagem, feminismo e efeitos de corpo. In: SILVA, D. N.; FERREIRA, D. M. M.; ALENCAR, C. N. (org.). Nova pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014. p. 207–230.) e da Linguística (Câmara Jr., 1970; Castilho; Elias, 2015CASTILHO, A. T.; ELIAS, V. M. Pequena gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2015.). A justificativa desse estudo está no enfoque em contextos didático-digitais de larga audiência, enquanto espaços para difusão e embate de ideologias linguísticas que regulam publicamente a língua, tornando relevante a discussão empreendida. O contexto didático-digital pesquisado se dá pela publicação de videoaulas sobre linguagem inclusiva através do canal Português com Letícia, no YouTube. Considerando que os objetos empíricos estão inseridos na virtualidade com registros textuais e audiovisuais, a investigação é documental sob inspiração netnográfica. Os resultados apontam a existência de confronto entre ideologias linguísticas, uma em favor da linguagem inclusiva, outra apoiada numa perspectiva conservadora para o tratamento da língua. O embate entre ambas é tensionado por uma ordem prescritivista que anula variedades possíveis nos usos linguísticos para fins comunicativos e inclusivos, tomando como base percepções enraizadas e naturalizadas na mentalidade do senso do comum, desde a formulação dos ideais do colonialismo.

PALAVRAS-CHAVE
linguagem inclusiva; contexto didático-digital; ideologias linguísticas

ABSTRACT

This article aims to identify and analyze linguistic ideology underlying the theoretical treatment granted to inclusive language in a didactic-digital context (video class and online comments) of Portuguese Language, from theoretical perspectives of Anthropological Linguistics (Irvine; Gal, 2000IRVINE, J. T.; GAL, S. Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. V. (org.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe: School of American Research Press, 2000. p. 35–84.; Kroskrity, 2004KROSKRITY, P. Language ideologies. In: DURANTI, A. (org.) A companion to Linguistic Anthropology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 496–517.), queer theories (Butler, 1999; Pinto, 2014PINTO, J. P. Linguagem, feminismo e efeitos de corpo. In: SILVA, D. N.; FERREIRA, D. M. M.; ALENCAR, C. N. (org.). Nova pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014. p. 207–230.) and Linguistics (Câmara Jr., 1970; Castilho; Elias, 2015CASTILHO, A. T.; ELIAS, V. M. Pequena gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2015.). The justification of this study lies in the focus on didactic-digital contexts of wide audience as spaces for diffusion and clash of linguistic ideologies that publicly regulate the language, making relevant the discussion undertaken. The specific didactic-digital context we researched is video lesson publications about inclusive language in the YouTube channel “Português com Letícia” channel. Considering that our empirical objects are inserted into the virtual world with written and audiovisual registers, the investigation method is documentary and netnography. The results indicate that there is a confrontation between linguistic ideologies, one in favor of inclusive language, and the other defends a conservative perspective of language. The clash between both ideologies is strained by a prescriptive order that voids possible variables of language usage for communicative and inclusive purposes, based on anchored and naturalized perceptions of common sense, since the formulation of colonialism ideals.

KEYWORDS
inclusive language; didactic-digital context; linguistic ideologies

Introdução1 1 Este artigo está vinculado a uma pesquisa mais ampla, em realização no curso de Doutorado em Linguagem e Ensino, no Programa de Pós-graduação em Linguagem e Ensino. Esse estudo desenvolve-se sob a responsabilidade dos autores, o qual focaliza a relação entre tecnologias digitais educacionais e o ensino de LP, precisamente, de conteúdos do eixo AL/S.

Com o objetivo de integrar linguisticamente mulheres e pessoas não-binárias, a linguagem inclusiva desperta a atenção e o interesse não somente de gente especializada, seja no ensejo de deslegitimar esse tipo de linguagem no âmbito social, seja no propósito de validá-la mediante seu potencial de representatividade em relação a grupos vulneráveis. Para citar um exemplo, em 23 de julho de 2021, na gestão de Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, pudemos constatar uma crítica de Mário Frias, Secretário Especial da Cultura no Governo Federal (de 2020 a 2022), em relação ao emprego do pronome todes (usado como forma genérica em vez do masculino) em publicação on-line do Museu da Língua Portuguesa2 2 O Museu da Língua Portuguesa fez sua publicação através da rede social Twitter, a qual pode ser acessada em: https://twitter.com/museudalingua/status/1414704318800875520?s=46&t=LJJuu8sFW-mceoMYe2stLg. , em 12 de julho de 2021. Na rede social Twitter, o então secretário nomeou como “piruetas ideológicas”3 3 Embora tenhamos reproduzidos os tweets na íntegra, ambos podem ser consultados em: https://twitter.com/mfriasoficial/status/1418704494460801025?s=46&t=LJJuu8sFW-mceoMYe2stLg. os usos realizados por responsáveis pela instituição, vejamos:

O governo federal investiu R$ 56 milhões nas obras do Museu da Língua Portuguesa, para preservarmos o nosso patrimônio cultural, que depende da preservação da nossa língua. Não aceitarei que esse investimento sirva para que agentes públicos brinquem de revolução.

Tomarei medidas para impedir que usem o dinheiro público federal para suas piruetas ideológicas. Se o governo paulista se comporta como militante, vandalizando nossa cultura, não o fará com verba federal.

Os dois textos reproduzidos, que circularam na mídia pública, correspondem a tweets publicados pelo representante da pasta em seu perfil pessoal, nos quais é acionado o enquadre “ideológico”, para adjetivar as práticas de linguagem do Museu e, mais que isso, para condicionar a interpretação de que usos semelhantes, visando a não marcação de gênero, também sejam pejorativamente interpretadas como ideológicas. Nessa visão conservadora, as escolhas linguísticas da instituição estão desalinhadas de seus objetivos de preservar a memória da língua, por conseguinte, a cultura, colocando-se favorável à naturalização e ao apagamento das questões de linguagem que servem a interesses específicos, como os do patriarcalismo (Moita Lopes, 2013MOITA LOPES, L. P. Ideologia linguística: como construir discursivamente o português do século XXI. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola, 2013. p. 18–52.) e do binarismo de gênero.

A partir de Silverstein (2012)SILVERSTEIN, M. Los usos y la utilidad de la ideología. In: SCHIEFFELIN, B. B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. V. Ideologías linguísticas: práctica y teoria. Madrid: Catarata, 2012. p. 164–192., notamos que a situação ilustrada através desse episódio se configura como um emprego do termo ideologia numa acepção, segundo a qual, diz respeito a uma coleção de ideias equivocadas, suspeitas e duvidosas. Nessa perspectiva, a aplicação do pronome todes erroneamente contravém a ordem linguística pré-estabelecida, contribuindo para promover, no meio linguístico-discursivo, “brincadeiras de revolução” ao causar uma espécie de abalo na constituição identitária e cultural (fornecida pela norma-padrão) motivado por pronomes assim flexionados. No entanto, essa situação de litígio instaurada não equivale, somente, às tentativas de preservação da ideia de uma língua comum, mas à visibilidade concedida aos grupos que são representados pela linguagem inclusiva. As utilizações de pronomes, sufixos flexionais e construções de vocabulário não-binárias constituem-se como possibilidades mediante a pluralidade linguístico-cultural presente no sistema sociolinguístico. Porém, como na fala do secretário, vemos materializar-se um discurso de repulsa, no qual subjaz uma ideologia linguística que cobre sentimentos de conservação/preservação e de repúdio a certas formas usuais da língua. De acordo com Laurentino (2022)LAURENTINO, J. V. B. Práticas de ensino de Língua Portuguesa: evidências de ideologias linguísticas em videoaulas e comentários on-line. 2022. Dissertação (Mestrado em Linguagem e Ensino) — Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2022. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1GYYBg765kvTXMBeHnpUJ2reVvxPqOHFF/view. Acesso em: 01 set. 2022.
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, ideologias linguísticas correspondem ao conteúdo que se indexa à materialidade sígnica de enunciados que tematizam a língua nas interações discursivas, refratando as posições e os valores daqueles que predicam sobre fenômenos de linguagem. Conforme salienta Kroskrity (2004)KROSKRITY, P. Language ideologies. In: DURANTI, A. (org.) A companion to Linguistic Anthropology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 496–517., essas ideologias manifestam-se tanto por parte de quem a fala, quanto por parte de quem a pesquisa; mas também diz respeito ao conceito operacional usado para tratá-las analiticamente.

O tema da linguagem inclusiva alcança não apenas discursos sobre a língua por parte de pessoas da esfera pública, circulando também em outros espaços virtuais de interação, convocando internautas que se empenham em apoiá-la ou refutá-la. A questão também tem lugar em contextos didático-digitais, isto é, em ambientes on-line nos quais se instanciam situações de ensino e aprendizagem através do compartilhamento de materiais pedagógicos, como videoaulas de Língua Portuguesa (LP, doravante) (Laurentino, 2022LAURENTINO, J. V. B. Práticas de ensino de Língua Portuguesa: evidências de ideologias linguísticas em videoaulas e comentários on-line. 2022. Dissertação (Mestrado em Linguagem e Ensino) — Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2022. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1GYYBg765kvTXMBeHnpUJ2reVvxPqOHFF/view. Acesso em: 01 set. 2022.
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). O funcionamento didático desses espaços assemelha-se às operações realizadas em salas de aula presenciais, porque pressupõem atividades de ensino escolarizado mediadas por um par mais desenvolvido e, em alguns casos, interações estabelecidas não face a face, mas em chats assíncronos.

Desse modo, a linguagem inclusiva torna-se objeto de conhecimento linguístico, sendo analisada como uma entre as múltiplas variedades atualmente em uso na LP. Como veremos, não é abordada em contexto didático-digital com o propósito de promover a substituição da norma-padrão em espaços de aprendizagem, e sim de tornar possível o reconhecimento crítico, por parte do público discente, da existência de variedades estigmatizadas. É, nesse sentido, que a Base Nacional Comum Curricular apresenta objetivos do eixo de Análise Linguística/Semiótica (AL/S, doravante), a serem alcançados pelos estudantes no Ensino Fundamental, dentre os quais está: “discutir, no fenômeno da variação linguística, variedades prestigiadas e estigmatizadas e o preconceito linguístico que as cerca, questionando suas bases de maneira crítica” (Brasil, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018., p. 83).

Neste artigo, voltamo-nos a um contexto-didático digital que se instaura a partir da publicação, na rede social YouTube, de uma videoaula de LP pertencente ao eixo AL/S. Em resposta, situam-se interações não síncronas que podem ser denominadas como comentários on-line, os quais, em geral, buscam ser responsivos ao material compartilhado, focalizando, dentre outros assuntos, o conteúdo de LP na formulação de enunciados que materializam dúvidas, contestações, acréscimos teóricos e analíticos por parte de comentaristas diversos, por exemplo. Em nosso caso, pomos em relevo um contexto didático-digital que se dá em torno de uma videoaula sobre linguagem inclusiva, proporcionando a abordagem de diversidade linguístico-cultural no ensino de LP em ambientes on-line de acesso público.

Desta feita, objetivamos identificar e analisar a ideologia linguística subjacente ao tratamento teórico concedido à linguagem inclusiva em contexto didático-digital (videoaula e comentários on-line) voltado ao ensino de LP. Para tanto, visamos desenvolver inteligibilidade acerca de um problema social, no qual a linguagem ocupa um papel nuclear, por isso, inserimo-nos no campo da Linguística Aplicada, numa tendência indisciplinar e mestiça (Moita Lopes, 2006MOITA LOPES, L. P. Uma lingüística aplicada mestiça e ideológica: interrogando o campo como lingüista aplicado. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006. p. 13–44.). Tomamos direcionamentos de campos de saber que fornecem contribuições teóricas e metodológicas para o estudo que empreendemos sobre a língua, por exemplo, a Linguística Antropológica (Irvine; Gal, 2000IRVINE, J. T.; GAL, S. Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. V. (org.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe: School of American Research Press, 2000. p. 35–84.; Kroskrity, 2004KROSKRITY, P. Language ideologies. In: DURANTI, A. (org.) A companion to Linguistic Anthropology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 496–517.; Woolard, 2012WOOLARD, K. Las ideologías lingüísticas como campo de investigación. In: SCHIEFFELIN, B. B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. V. Ideologías linguísticas: práctica y teoria. Madrid: Catarata, 2012. p. 19–69.), que concede base à discussão sobre ideologia linguística; as teorias queer (Butler, 2003BUTLER, J. Problemas do gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.; Pinto, 2014PINTO, J. P. Linguagem, feminismo e efeitos de corpo. In: SILVA, D. N.; FERREIRA, D. M. M.; ALENCAR, C. N. (org.). Nova pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014. p. 207–230.; Povinelli, 2016), quando nos referimos ao conceito de gênero social, que embasa a discussão sobre linguagem inclusiva; e a Linguística (Câmara Jr., 1970; Castilho; Elias, 2015CASTILHO, A. T.; ELIAS, V. M. Pequena gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2015.; Castilho, 2019CASTILHO, A. T. Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2019.), campo de que nos valemos ao discutir sobre gênero gramatical em LP.

A discussão que promovemos respalda-se na justificação de que é preciso investigar a pluralidade linguística considerando os constantes cruzamentos entre língua e cultura, principalmente, quando o tema ocupa posição central no ensino de LP em contexto didático-digital, cuja audiência se dá em larga escala, apresentando produtiva participação. Ademais, por meio desse estudo, investigamos espaços virtuais de ensino para compreender ideologias linguísticas neles subjacentes. Essas ideologias podem promover embates em qualquer sociedade e em qualquer período histórico, uma vez que reivindicam uma regulação pública da língua (Woolard, 2012WOOLARD, K. Las ideologías lingüísticas como campo de investigación. In: SCHIEFFELIN, B. B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. V. Ideologías linguísticas: práctica y teoria. Madrid: Catarata, 2012. p. 19–69.). Por último, com essa pesquisa, motivamos uma discussão que dialoga com nosso tempo, buscando ser responsiva às práticas sociais atualizadas na terceira década deste século.

Inicialmente, neste artigo, discutimos o papel da ideologia linguística no dizer a (sobre) língua, esclarecemos a que se refere à perspectiva de gênero social e elucidamos, do ponto de vista teórico, o funcionamento da linguagem inclusiva. Na sequência, expomos os procedimentos metodológicos que orientaram a realização da investigação, evidenciando a composição do corpus deste estudo. Ulteriormente, apresentamos as reflexões sobre ideologia linguística, observando excertos da videoaula e comentários on-line que se voltam à linguagem inclusiva mediante uso de pronomes e escolhas vocabulares. Por último, expomos nossas considerações finais.

Ideologia linguística no dizer a (sobre) língua

As ideologias linguísticas têm uma atuação objetiva porque se materializam nas diversas predicações sobre a linguagem, ao exemplo dos discursos a respeito da língua que circulam nas descrições produzidas por linguistas e nas práticas didáticas instanciadas nos ambientes (virtuais ou não) de ensino e aprendizagem de língua. Irvine e Gal (2000)IRVINE, J. T.; GAL, S. Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. V. (org.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe: School of American Research Press, 2000. p. 35–84. evidenciam que essas ideologias são mantidas em sistemas sociolinguísticos e são sustentadas pelos observadores (como linguistas e etnógrafos) mediante visões socialmente situadas, por isso, nunca neutras. As autoras também ressaltam que tomadas de posição a respeito da língua conectam-se diretamente à maneira através da qual as pessoas concebem a relação entre as formas linguísticas e os fenômenos sociais, contribuindo para a produção de indexações sobre o emprego dessas formas às identidades socioculturais.

A teorização sobre ideologias linguísticas é construída à vista dos intercruzamentos e dos vínculos mútuos e multidirecionais da linguagem com a sociedade, a cultura e a política. Para o estudo de tais ideologias, erige-se uma definição de linguagem como prática social, nessa esteira, a linguagem é relacionada ao contexto, sendo entendida tanto como parte dele, quanto elemento que o constitui (Del Valle; Meirinho-Guede, 2016DEL VALLE, J.; MEIRINHO-GUEDE, V. Ideologías linguísticas. In: GUTIÉRREZ-REXACH, J. Enciclopedia de Lingüística Hispánica. New York: City University of New York, 2016. v.2. Disponível em: https://academicworks.cuny.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1273&context=gc_pubs. Acesso em 12 out. 2021.
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). Nem todas as racionalizações que se voltam à língua e à comunicação são produzidas em instâncias acadêmicas; é o caso dos juízos de valor enunciados por pessoas nativas sobre os seus próprios usos linguísticos ou de terceiros. As predicações com esse teor e tema demonstram, por assim dizer, um alicerce construído e definido por ideologias, as quais têm atuação pervasiva, naturalizada e, muitas vezes, inconsciente nas práticas sociais. A naturalidade dada às abordagens normativas configura-se como um exemplo dessas percepções que discursivamente entram em jogo para orientar, sobretudo, para prescrever os usos da língua.

Muitos julgamentos dessa natureza, ressalta Kroskrity (2004)KROSKRITY, P. Language ideologies. In: DURANTI, A. (org.) A companion to Linguistic Anthropology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 496–517., têm por base os critérios de verdadeiro, esteticamente agradável e moralmente bom, os quais se tornam embasamentos para a emissão de avaliações e, por conseguinte, para o fomento de modelagens linguísticas. O autor assevera que essa calibragem pública da língua se alicerça numa experiência social que é codependente, várias vezes, dos interesses de natureza política e econômica subjacentes. Dito de outro modo, os porquês reverberados nesses casos endossam uma língua prototípica cujos espaços de circulação estão estritamente relacionados ao poder.

Para o senso comum, essa língua hegemônica, amplamente aceita como um dispositivo de prescrição linguística, é uma variedade específica que, em determinado momento, “se impõe e é imposta como a língua de referência pela qual se deve medir todos os comportamentos. É a língua correta [...] que por definição, classifica todas as outras formas possíveis como erros e incorreções” (Aléong, 2012ALÉONG, S. Normas linguísticas, normas sociais: uma perspectiva antropológica. In: BAGNO, M. (org.). Norma linguística. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Edições Loyola, 2012. p. 141–170., p. 148). Conforme Aléong (2012)ALÉONG, S. Normas linguísticas, normas sociais: uma perspectiva antropológica. In: BAGNO, M. (org.). Norma linguística. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Edições Loyola, 2012. p. 141–170., uma posição radical pode entrever as existências de outras variedades. Por assim dizer, há ideologias que contribuem para a propagação de uma visão sociolinguística homogeneizante, promotora do apagamento da diversidade, ao exemplo da difusão de que para cada povo existe uma língua, escondendo a multiplicidade dialetal existente entre o próprio povo.

Woolard (2012)WOOLARD, K. Las ideologías lingüísticas como campo de investigación. In: SCHIEFFELIN, B. B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. V. Ideologías linguísticas: práctica y teoria. Madrid: Catarata, 2012. p. 19–69. salienta que o colonialismo produziu uma equação com as constantes língua-nação, exportando-a para o mundo inteiro não como um construto ideológico e cultural, mas como um fato natural. Por isso, a crença numa unidade linguística representativa de uma comunidade nacional é o que provavelmente contribui para acentuar a relevância da língua prescrita. A autora destaca também que participantes de uma comunidade associam certos valores a formas linguísticas particulares. Nesse sentido, as variedades representativas de grupos socialmente vulneráveis recebem um valor negativo, ao passo que aquela, ocupante do status central, é positivamente enquadrada.

Acerca dessa questão, Woolard (2012)WOOLARD, K. Las ideologías lingüísticas como campo de investigación. In: SCHIEFFELIN, B. B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. V. Ideologías linguísticas: práctica y teoria. Madrid: Catarata, 2012. p. 19–69. elucida ainda que os usos por falantes nativos são concebidos como sinais de identidade e de lealdade. Seguindo seus argumentos, é possível depreender o critério de regulação linguística que aí se aporta, segundo o qual usuários que não dominam o padrão/estândar ou, ainda, que partem em defesa de variedades em relação a ele, não são leais no que concerne à língua que concede identidade a uma nação.

Por fim, do mesmo modo em que as ideologias linguísticas são múltiplas (Kroskrity, 2004KROSKRITY, P. Language ideologies. In: DURANTI, A. (org.) A companion to Linguistic Anthropology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 496–517.), assim também o são suas formas de funcionamento. A partir desta seção, percebemos que a atuação delas pode promover o acionamento de enquadres valorativos para as práticas de linguagem, tendo por molde uma língua prototípica, como exemplo, voltamo-nos à língua prescrita. No segmento textual a seguir, nosso escopo passa para o gênero social e sua relação com a linguagem inclusiva.

Gênero social e linguagem inclusiva

Inspirados em Kroskrity (2004)KROSKRITY, P. Language ideologies. In: DURANTI, A. (org.) A companion to Linguistic Anthropology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 496–517., entendemos que a possibilidade de pensar uma linguagem inclusiva resulta de uma percepção de língua que nasce do bojo de grupos socialmente vulneráveis, como as mulheres em geral e como aqueles compostos por lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queers4 4 Para Jesus (2012), constitui-se o grupo de pessoas que não se enquadram em nenhuma expressão de gênero. , intersexo, agêneros, assexuados e mais (reunidos no acrônimo LGBTQIA+). Por isso, nesta seção, nosso escopo corresponde à relação dessa linguagem com a comunidade LGBTQIA+. Urge, inicialmente, a necessidade de explicitar que essa comunidade é composta por pessoas que não se enquadram nos padrões heterossexuais, do ponto de vista da sexualidade, bem como, por pessoas que não se reconhecem através do gênero social masculino ou feminino, do ponto de vista da identidade.

De acordo Butler (2003BUTLER, J. Problemas do gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 59), entende-se por gênero a “estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser”. A autora explica que a ideia de gênero é uma construção, com isso, não aponta ilusão ou artificialidade, mas salienta sua característica enquanto processo regulado, escondido sob o rótulo da naturalidade. Gonzalez e Moita Lopes (2018)GONZALEZ, C.; MOITA LOPES, L. P. Reflexividade metapragmática sobre o cinema de Almodóvar numa interação online: indexicalidade, escalas e entextualização. Trabalhos em linguística aplicada, Campinas, v. 57, p. 1102–1136, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tla/a/rnbtMZYy5tJmMPpb69FBrBq/?format=html⟨=pt. Acesso em 12 dez. 2021.
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complementam que o determinismo biológico, um dos alvos da crítica de Butler (2003)BUTLER, J. Problemas do gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., é empregado para construir identidades orientadas pela heteronormatividade, concebidas como inerentes à condição humana e, por isso, nunca passíveis a quaisquer questionamentos.

Ainda para Butler (2003)BUTLER, J. Problemas do gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., todo corpo já foi interpretado por significados culturais, ou seja, já está inserido em um contexto discursivo que o permite significar-se. Nas palavras da autora: “os limites da análise discursiva de gênero pressupõem e definem por antecipação as possibilidades das configurações imagináveis e realizáveis do gênero na cultura” (Butler, 2003BUTLER, J. Problemas do gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 28). Na cultura hegemônica local, o fenômeno é interpretado biologicamente, criando uma relação de correspondência entre gênero e sexo biológico, entrevendo ou apagando realidades como a transgeneridade. Para Jesus (2012)JESUS, J. G. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. Guia técnico sobre pessoas transexuais, travestis e demais transgêneros, para formadores de opinião. Brasília, 2012. v. 2. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/16/o/ORIENTA%C3%87%C3%95ES_POPULA%C3%87%C3%83O_TRANS.pdf. Acesso em: 01 abr. 2022.
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, denomina-se transgênero a identificação de pessoas que não se encaixam com o comportamento de gênero atribuído com o seu nascimento (ou, até mesmo antes), no mesmo viés, chama-se cisgênero o grupo que se reconhece com o gênero de nascença. Seguindo Butler (2003)BUTLER, J. Problemas do gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., a autora expressa, além disso, que essa atuação é determinada socialmente e não biologicamente, podendo a pessoa agir ou não conforme tal papel.

Pinto (2014)PINTO, J. P. Linguagem, feminismo e efeitos de corpo. In: SILVA, D. N.; FERREIRA, D. M. M.; ALENCAR, C. N. (org.). Nova pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014. p. 207–230. defende que a propagação da ideia de gênero enquanto elemento real, binário e hierárquico torna-se violenta. Dito de outro modo, à medida em que o gênero é encarado como fundamentado em uma existência natural, realizando-se unicamente em suas formas masculina/feminina e promovendo, com isso, a hegemonização da posição social do homem, defrontamos configurações culturais muitas vezes agressivas por serem não somente excludentes, mas também injustas. Esse cenário alcança sustentação, para Pinto (2014)PINTO, J. P. Linguagem, feminismo e efeitos de corpo. In: SILVA, D. N.; FERREIRA, D. M. M.; ALENCAR, C. N. (org.). Nova pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014. p. 207–230., mediante o papel fundamental desempenhado pela linguagem, no sentido mais geral do termo. Por meio dela, são mantidos e recusados os efeitos dessa violência, cujo pano de fundo não é, senão, relações de poder5 5 Pinto (2014) refere-se ao conceito de poder a partir de Judith Butler, a qual, por sua vez, encontra inspiração em Michel Foucault. Desse modo, para Butler (2003), poder “abrange tanto as funções ou relações diferenciais jurídicas (proibitivas e reguladoras) como as produtivas (inintencionalmente generativas)” (Butler, 2003, p, p. 54). .

Considerando que gênero social está conectado à linguagem, Povinelli (2016, p. 209) delineia-o como “as diferenças sexuais codificadas na linguagem que apreendem esses comportamentos, valores, posturas e status indexicalmente associados a seres sexuados”. Nesse sentido, é justamente por meio do emprego de expressões linguísticas que se torna possível estilizar o corpo, conforme evidenciado por Butler (2003)BUTLER, J. Problemas do gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., através delas se é permitido representá-lo, mas também enquadrá-lo em marcações repetidas de identidade. Conforme Povinelli (2016), aspectos linguísticos e pragmáticos funcionam como mecanismos que contribuem para ativar sistemas simbólicos que expressam valores, dominações e explorações referentes às questões de gênero e sexualidade.

Ao reconhecermos a necessidade de uma linguagem inclusiva, passamos, imprescindivelmente, por três afirmações voltadas à ideia de gênero, são elas: 1) o gênero é uma construção social; 2) nesse viés, existem gêneros além do par homem–mulher e; 3) decorrente das anteriores, precisa-se considerá-los nas práticas de linguagem, colocando-os à mostra. Essa perspectiva vem ao encontro das principais bandeiras levantadas pela comunidade LGBTQIA+, as quais, de acordo com Gonzalez e Moita Lopes (2018)GONZALEZ, C.; MOITA LOPES, L. P. Reflexividade metapragmática sobre o cinema de Almodóvar numa interação online: indexicalidade, escalas e entextualização. Trabalhos em linguística aplicada, Campinas, v. 57, p. 1102–1136, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tla/a/rnbtMZYy5tJmMPpb69FBrBq/?format=html⟨=pt. Acesso em 12 dez. 2021.
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, são: 1) a igualdade de direitos; 2) a normalização social e; 3) a visibilidade. Coadunam-se, desse modo, a reivindicação que pauta a linguagem inclusiva, pois, busca conceder visibilidade às identidades não contempladas pelo binarismo, normalizando-as e fomentando a luta por igualdade de gênero no meio social (Fischer, 2020FISCHER, A. Manual prático de linguagem inclusiva. São Paulo: Tecidas, 2020. Disponível em: https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bdaac3/files/uploaded/mpli1_2.pdf. Acesso em: 01 mar. 2022.
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).

No Brasil, em especial, o debate acerca da linguagem inclusiva na Língua Portuguesa tem ganhado fôlego, tanto na academia6 6 É o caso da obra Linguagem “neutra”: língua e gênero em debate, de Barbosa Filho e Othéro (2022), que reúne uma coleção de capítulos que põem em discussão a linguagem inclusiva para representação de mulheres e de grupos não-binários na linguagem. quanto em casas legislativas. O desenvolvimento de projetos de lei7 7 A partir de Barbosa Filho (2022), podemos citar os seguintes projetos que circulam no Congresso Nacional Brasileiro: Projeto de Lei nº 5248/2020; Projeto de Lei nº 5198/2020; Projeto de Lei nº 721/2020 e Projeto de Lei nº 211/2021. demonstra o interesse de parlamentares mais conservadores sobre a questão, no entanto, o propósito que os norteia nem sempre é promover reflexão sobre fenômenos linguísticos e gramaticais, mas gerar oposição aos valores e às visões de mundo que são convocados mediante o uso da linguagem inclusiva. Para Barbosa Filho (2022), esses projetos veem esse tipo de linguagem como uma espécie de ameaça aos valores que carregam. Em outras palavras, os autores dessas emendas normativas entendem que a linguagem inclusiva coloca em xeque vontades de verdade basilares ao pensamento conservador, até então, concebidas como invioláveis, é o caso das percepções sobre gênero social e sobre nação.

Por fim, é preciso salientar que a promoção da linguagem inclusiva é fruto da consciência discursiva em relação ao papel social que a linguagem em si encerra ao significar o corpo. À vista disso, o reconhecimento desse potencial possibilita reconhecer, do ponto de vista da estrutura linguística, as lutas vivenciadas por pessoas que não se encaixam na estruturação rígida de gênero. Na seção a seguir, aprofundamos o tema da linguagem inclusiva, de modo a descrever formas de seu funcionamento gramatical.

Gênero gramatical na linguagem inclusiva em LP

Urge delinear, inicialmente, em que consiste gênero do ponto de vista gramatical para, subsequentemente, descrever sua manifestação na linguagem inclusiva; primeiro, observando o funcionamento do paradigma do pronome ile e, segundo, apreciando o aspecto da inclusão a partir das escolhas vocabulares.

Câmara Jr. (1970) mostra que gênero corresponde a uma categoria gramatical de natureza mórfica para os nomes, provendo duas categorias — masculino e feminino — que aglutinam tanto seres animais, quanto coisas. Desse modo, o autor compreende que não há relação entre a discriminação do gênero gramatical e o papel de gênero desempenhado pelas pessoas — usando os termos da perspectiva queer. Nesse sentido, ele expõe que existe uma confusão semântica nos estudos gramaticais tradicionais quanto ao gênero gramatical, pois, “[a natureza do gênero] costuma ser associada intimamente ao sexo dos seres” (Câmara Jr., 1970, p. 88). O suposto desalinho criticado pelo autor não é, senão, fruto das relações e interconexões que a linguagem estabelece com o meio, não sendo consideradas mediante à descrição linguística de vertente estrutural por ele desenvolvida.

Ainda tendo por base Câmara Jr. (1970), visualizamos a explicitação de que, em LP, o masculino é uma forma não-marcada, enquanto o feminino é marcada, por isso, uma especialização. Em outras palavras, o masculino é uma forma genérica e homogênea aplicável aos seres humanos em sua totalidade. Desse modo, a flexão de gênero se dá através da eliminação da vogal temática (quando existe) em nomes masculinos, seguida de acréscimo de um sufixo flexional -a, átono (Câmara Jr., 1970). O autor prossegue apresentando alomorfes que promovem a flexão para o feminino, para citar alguns exemplos: a alternância vocálica tônica, a perda de travamento nasal e a supressão de vogal temática.

Dentre as pautas da linguagem inclusiva, desdobra-se também seu potencial enquanto crítica ao masculino como genérico, considerando-o como um tipo de codificação linguística que invisibiliza mulheres e pessoas não-binárias. Como alternativa, Bertucci e Zanella (2023) advogam pela instituição de novo paradigma, o qual se dá a partir do pronome pessoal ile, para se referir à terceira pessoa do singular (iles terceira pessoa do plural): “essa nova palavra, esse novo pronome de gênero ‘ile’, é uma tentativa de questionar a ‘norma’, a cis-heteronormatividade, aquele conceito que diz que ‘o certo é homem, macho e masculino e mulher, fêmea e feminina’” (Bertucci; Zanella, 2023).

A partir de Castilho e Elias (2015)CASTILHO, A. T.; ELIAS, V. M. Pequena gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2015., entendemos que a palavra ile, enquanto partícipe na classe dos pronomes, estabelece a função de retomar um substantivo, o qual corresponde à terceira pessoa do discurso envolvida na conversação/interação. Ainda nesse viés, é possível identificar que ile apresenta, do ponto de vista de suas propriedades semânticas, um funcionamento anafórico, permitindo referir-se a uma informação já fornecida por meio do texto e/ou contexto. Através de Castilho (2019)CASTILHO, A. T. Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2019., observando-a pela sintaxe, ile pode ocupar a posição de sujeito, podendo antepor-se ou pospor-se em relação ao verbo da sentença, concordando com tal palavra. De igual modo, também desempenha função de complemento8 8 Nessa assertiva, ancoramo-nos em Castilho e Elias (2015), por isso, referimo-nos ao português brasileiro informal e não à norma-padrão. . A partir do pronome pessoal ile, define-se também o pronome possessivo primeira pessoa do singular e do plural, minhe(s) e nosse(s); e da terceira pessoa do singular e do plural, dile e diles, respectivamente.

Bertucci e Zanella (2023) explicam que a LP não é flexível para designar, gramaticalmente: 1) a pessoa que não se sente nem homem e nem mulher; 2) nem quem se sente ora um, ora outro; e 3) quem vive o seu gênero social de modo não-binário. Tomando esse grupo como referente, o uso pronominal de codificações linguísticas como ile/iles, minhe/nosse e dile/diles provocam estranhamento, porque, fogem ao par hegemônico, masculino e feminino. Para compor o quadro de sua proposta de linguagem inclusiva, Bertucci e Zanella (2023) apresentam exemplos como diretore e aliade. No primeiro caso, o processo de flexão se dá pelo acréscimo do -e, como sufixo flexional átono e não-binário; já no segundo, ocorre a supressão da vogal temática -o em aliado, seguida pela adição do -e. Nesse viés, Fischer (2020FISCHER, A. Manual prático de linguagem inclusiva. São Paulo: Tecidas, 2020. Disponível em: https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bdaac3/files/uploaded/mpli1_2.pdf. Acesso em: 01 mar. 2022.
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, p. 7) disserta que “em português, e sobretudo em países de língua espanhola, algumas pessoas têm usado ‘e’ como forma de atenuar ‘o’ masculino e ‘a’ feminino”.

Processo similar ocorre no que tange ao pronome quantificador indefinido todes, termo em flexão não-binária, cujo uso foi alvo da crítica pelo então Secretário Especial da Cultura, Mário Frias. Essas configurações linguísticas têm caráter de novidade, porquanto, seus usos não conquistaram hegemonia e nem fazem parte da norma-padrão, no entanto, constituem uma variedade que se objetiva na realidade discursiva de comunidades. Por não haver gramatização dessas formas, Fischer (2020)FISCHER, A. Manual prático de linguagem inclusiva. São Paulo: Tecidas, 2020. Disponível em: https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bdaac3/files/uploaded/mpli1_2.pdf. Acesso em: 01 mar. 2022.
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salienta que não há unanimidade no que tange às regras de aplicação do gênero não-binário representado pelo -e. Os pronomes ile/iles e dile/diles, bem como, o sufixo flexional -e correspondem a duas possibilidades de instanciar situações de inclusão por meio da linguagem, havendo outras formas delineadas a partir de -x e -@, embora bastante criticadas9 9 Quanto às críticas, Fischer (2020, p, p. 7) advoga que esses sufixos flexionais não são inclusivos, mas excludentes, porque “criam problemas de leitura para deficientes visuais que utilizam programas leitores de texto, para pessoas com dislexia”. (Fischer, 2020FISCHER, A. Manual prático de linguagem inclusiva. São Paulo: Tecidas, 2020. Disponível em: https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bdaac3/files/uploaded/mpli1_2.pdf. Acesso em: 01 mar. 2022.
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).

Há também a possibilidade de tornar inclusiva a codificação linguística mediante o vocabulário, o qual, de acordo com Castilho (2019)CASTILHO, A. T. Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2019., equivale ao conjunto de palavras criadas a partir do sistema lexical da língua. Nesse sentido, mediante escolhas do locutor à vista da diversidade vocabular, é possível substituir termos originalmente no masculino por outros que, semanticamente, cobrem uma coletividade, desse modo, pessoas não-binárias, mulheres e homens. Fischer (2020)FISCHER, A. Manual prático de linguagem inclusiva. São Paulo: Tecidas, 2020. Disponível em: https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bdaac3/files/uploaded/mpli1_2.pdf. Acesso em: 01 mar. 2022.
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chama atenção, por exemplo, para as palavras “pessoa”, “sociedade”, “humanidade” e “ser humano” como substituições viáveis para “homem”, termo que, para o autor, corresponde a uma validação explícita do sexismo na língua.

Fischer (2020FISCHER, A. Manual prático de linguagem inclusiva. São Paulo: Tecidas, 2020. Disponível em: https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bdaac3/files/uploaded/mpli1_2.pdf. Acesso em: 01 mar. 2022.
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, p. 11) critica ainda o uso do masculino genérico alegando que seu uso reforça a ideia de que todas as pessoas referidas são homens. Desse modo, advogando por sua evitação, esclarece:

Escolha substantivos que se referem às instituições e não às pessoas que fazem parte delas (...). Os senadores estão votando a pauta → O Senado está votando a pauta. Os diretores vão escolher o nome → A diretoria vai escolher o nome. Os pernambucanos adoram o frevo → A população de Pernambuco adora o frevo.

Diante de tal aspecto, Iliovitz e Miranda Neto (2007, p. 9) criticam esses usos alegando que “a substituição da palavra ‘homem’ por ‘pessoas’ significa simplesmente que, ao invés de usar uma palavra do gênero masculino, será usada uma do gênero feminino” e acrescentam que, com a linguagem inclusiva, “passamos de um extremo a outro”. Nesse sentindo, induzem que a troca de expressões escamoteia uma tentativa de compensação histórica em relação ao gênero social feminino, oprimido ao longo da história, mas privilegiando com a mudança: “‘dívida histórica’ do sexo masculino em relação ao feminino, por tê-lo subestimado” (Iliovitz; Miranda Neto, 2007, p. 9). No entanto, como vimos, os enunciados trazidos por Fischer (2020)FISCHER, A. Manual prático de linguagem inclusiva. São Paulo: Tecidas, 2020. Disponível em: https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bdaac3/files/uploaded/mpli1_2.pdf. Acesso em: 01 mar. 2022.
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apresentam expressões coletivas também masculinas, como em “o senado”, revelando uma oposição pouco consistente. A linguagem inclusiva, quando promovida por permutas no vocabulário, não promove mudanças estruturais na composição de palavras, uma vez que se vale de termos existentes. A invisibilização passa a não ocorrer, pois pessoas não-binárias também estão inclusas na coletividade, por isso, respeitadas pela não marcação exclusiva de gênero masculino. Nas palavras de Fischer (2020FISCHER, A. Manual prático de linguagem inclusiva. São Paulo: Tecidas, 2020. Disponível em: https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bdaac3/files/uploaded/mpli1_2.pdf. Acesso em: 01 mar. 2022.
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, p. 10): “pessoas são pessoas, independente do gênero”.

Realizadas as considerações teóricas, por meio das quais revisitamos as ideologias linguísticas, a perspectiva de gênero social e gramatical, passamos agora aos procedimentos metodológicos empregados nesta investigação.

Procedimentos metodológicos

Metodologicamente, na esteira de Paiva (2019)PAIVA, V. L. M. O. Manual de pesquisa em estudos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2019., podemos considerar esse estudo como de abordagem qualitativa, pois possibilita interpretar fenômenos linguísticos, em nosso caso, a linguagem inclusiva em contexto didático-digital — videoaulas e comentários on-line. Desse modo, o objeto empírico desta pesquisa está inserido na virtualidade, requisitando a observação netnográfica para a coleta de dados. A netnografia, método desenvolvido a partir da etnografia, insere quem pesquisa numa situação de comunicação para investigar práticas culturais realizadas através de um computador (Amaral; Natal; Viana, 2008). Além disso, o estudo em questão configura-se enquanto pesquisa documental, porque tanto as videoaulas quanto os comentários on-line são documentos, uma vez que materializam as intenções conscientes e inconscientes de quem produz esses materiais (Le Goff, 1997LE GOFF, J. Documento-monumento. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1997. v.1: memória-história. p. 95–106.).

O contexto didático-digital focalizado nesta investigação faz parte da coleção de dados que constituíram uma pesquisa anterior sobre ensino de LP10 10 Trata-se da pesquisa Práticas de ensino de Língua Portuguesa: evidências de ideologias linguísticas em videoaulas e comentários on-line de Laurentino (2022), que colocou em relevo videoaula dos três canais supracitados. . O referido conjunto contempla contextos produzidos através da publicação de videoaulas e comentários on-line em canais (perfis de internautas) da rede social YouTube, quais sejam: Professor Noslen11 11 O canal está disponível neste link: https://www.youtube.com/c/ProfessorNoslen. Acesso em: 13 dez. 2023. , Redação e Gramática Zica12 12 O canal está disponível neste link: https://www.youtube.com/c/redacaoegramatica. Acesso em: 13 dez. 2023. e Português com Letícia13 13 O canal está disponível neste link: https://www.youtube.com/c/PortuguêscomLetícia. Acesso em: 13 dez. 2023. . No entanto, utilizando a temática da linguagem inclusiva como processo de triagem, percebemos que apenas o terceiro canal se propõe a tratá-lo didaticamente.

Os dados coletados, até então não analisados, referem-se ao ambiente de ensino instanciado pela publicação da videoaula, cujo título é LINGUAGEM NEUTRA14 14 Em nossa perspectiva, a denominação “linguagem neutra” não corresponde à terminologia mais adequada para tratar o fenômeno, porque pressupõe uma neutralidade não alcançável quando temos a língua como escopo. Assim, neste artigo, para nos referirmos a essa variedade linguística, adotamos “linguagem inclusiva”. No entanto, em alguns trechos das transcrições de áudio apresentadas na análise dos dados, reproduzimos o uso “linguagem neutra”, para nos mantermos fiéis aos dados. — O que é? Como funciona? É polêmica? Minha opinião como professora de Português!, que apresenta mais de 76 mil visualizações15 15 Tendo em vista que os números de visualizações, comentários e avaliações são flutuantes, torna-se necessário situá-los temporalmente como de maio de 2023. , mais de 2000 comentários e mais de 6 mil avaliações positivas (simbolizadas pelo ícone do polegar para cima, quando negativa, polegar para baixo) por parte de quem assistiu ao material. O compartilhamento dessa videoaula aconteceu em 12 de julho de 2021, mesma data na qual a criticada publicação do Museu da Língua Portuguesa (empregando o pronome todes) foi lançada em rede social, dias antes da oposição feita por Mário Frias, antigo secretário do Governo Federal.

Nesse contexto didático digital, colocamo-nos defronte a uma videoaula na qual encontramos uma expositora, no papel de professora e, consequentemente, de par mais desenvolvido, articulando sua explanação didática a partir de seis perguntas levantadas por ela, a saber: 1) o que é a linguagem neutra ou não-binária?; 2) a linguagem neutra inclui ou exclui?; 3) a escola deve ensinar linguagem neutra?; 4) a linguagem neutra é mesmo necessária?; 5) a Língua Portuguesa é machista? e; 6) e você, professora, o que acha?. Para desempenhar a tarefa de responder esses questionamentos na videoaula, a expositora vale-se tanto de recursos de áudio, quanto de elementos visuais (linguagem verbal e cinésica, por exemplo), requerendo, para a coleta de dados, capturas de imagem16 16 Ocultamos a imagem do rosto da expositora na videoaula, os nomes de comentaristas participantes e suas fotos de perfil, valendo-nos do aplicativo Picsart. e transcrição de áudio — seguindo as regras para tratamento de dados orais apresentadas por Dionísio (2012)DIONÍSIO, A. P. Análise da conversação. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (org.). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2012. v. 2. p. 81–112..

Os comentários on-line, que também tomam lugar na composição desse cenário de aprendizagem, funcionam como uma ferramenta tecnológica para proporcionar situações de interação on-line e instauram, a partir disso, conversação entre pessoas numa espécie de chat público e aberto, algumas conversações com mais turnos de fala, algumas abertas com apenas um. Outrossim, é possível compreendê-los enquanto respostas àquilo que foi compartilhado (à videoaula, neste caso), partindo de enunciados que apresentam posição seja de adesão ou refutação, seja de apoio ou crítica ao que foi dito, como ressaltou Araújo (2017)ARAÚJO, P. S. R. Análise dialógica de réplicas no gênero comentário on-line: A compreensão responsiva ativa sobre o segundo casamento cristão-católico. 2017. 161f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017.. Os comentários on-line podem receber avaliação positiva e/ou negativa por demais comentaristas, quando a avaliação é positiva por parte do canal que publicou o material comentado, o ícone empregado é um coração na cor vermelha. Considerando esses aspectos gráficos na composição dos comentários, para reproduzi-los, valemo-nos das capturas de tela, com vistas a apreciarmos as interfaces visualizadas no dispositivo tecnológico, flagrando-os, desse modo, em seu habitat natural.

Com a reflexão que empreendemos neste estudo, objetivamos identificar e analisar a ideologia linguística que subjaz à abordagem teórica concedida à linguagem inclusiva em videoaula e em comentários on-line, ambos materiais de domínio público e de acesso gratuito. Isto posto, considerando que essa variedade linguística pode se objetivar em mais de uma forma, são nossos escopos a inclusão por meio da utilização de novos pronomes e a inclusão mediante substituições de termos e expressões. Desse modo, partimos das seguintes categorias de análise: 1) ideologia linguística manifesta pelo uso de pronomes e; 2) ideologia linguística manifesta pelas escolhas vocabulares, ambas desdobradas a seguir.

Na primeira categoria de análise, reproduzimos duas capturas de tela, uma da videoaula e outra de comentários on-line, bem como, uma transcrição do áudio da exposição teórica. Na categoria seguinte, apresentamos outra transcrição e, em sequência, reproduzimos comentários relacionados. Esses dados foram coletados por amostragem, os quais foram compreendidos como representativos de um comportamento em série.

Ideologia linguística manifesta pelo uso de pronomes

Como vimos anteriormente a partir de Irvine e Gal (2000)IRVINE, J. T.; GAL, S. Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. V. (org.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe: School of American Research Press, 2000. p. 35–84., quando nos colocamos ante ideologias linguísticas, vislumbramos as relações entre as formas linguísticas e os fenômenos sociais. A conexão entre ambas se refrata também na compreensão das variedades linguísticas, dentre as quais está a linguagem inclusiva, permitindo às pessoas interpretarem, representarem e sustentarem as diferenças entre essas variedades inseridas no mesmo sistema sociolinguístico. Desse modo, a predicação concernente a tal linguagem não é situada no vácuo, todavia, definem-se como um dizer sobre ou dizer a língua, constituído por olhares socialmente posicionados, conforme ressaltaram essas autoras. O contexto didático-digital em evidência é um cenário virtual no qual há troca (às vezes verbalmente agressiva) de ideias, nesse caso, a respeito da linguagem inclusiva; não obstante, tal conversação é pautada em um princípio democrático, no sentido de ser facultado o direito à fala aos usuários cadastrados na rede social, com a condição de não cometerem violações às Diretrizes da Comunidade do YouTube17 17 As diretrizes, que apontam quais discursos podem circular na rede social YouTube, podem ser acessadas através do seguinte link: https://support.google.com/youtube/answer/9288567?hl=pt-BR. Acesso em: 13 dez. 2023. .

A partir disso, por meio da Figura 01, reproduzimos a interface gráfica visualizada quando a expositora se empenha em explicar a que se referem os pronomes inclusivos que entram em uso nessa variedade linguística, buscando responder ao questionamento: A linguagem neutra inclui ou exclui?. Já na Transcrição 01, igualmente disposto na sequência, confrontamos a fala transcrita da expositora na resolução dessa pergunta, mas também desta: A escola deve ensinar a linguagem neutra?. A Transcrição 01 compreende dois excertos do áudio da videoaula, o primeiro iniciado em 06min04s e 07min00s, o segundo entre 08min33s e 09min24s. Vejamos.

Figura 1
– Reprodução de imagem de videoaula sobre linguagem inclusiva

Transcrição 1 – Reprodução de áudio de videoaula sobre linguagem inclusiva

  • 01 eu vou trazer aqui pra vocês um sistema da linguagem neutra que é o ILE

  • 02 uma frase com o sistema ILE é assim ile é minhe amigue então aqui nós

  • 03 temos o pronome pessoal né que/ que seria o ele ou ela o ile o pronome

  • 04 possessivo é/ que seria meu ou minha minhe e um substantivo amigue que

  • 05 poderia ser é/ amigo ou amiga aqui na linguagem neutra é amiGUE outro

  • 06 exemplo o gato é dile aqui nós temos o que seria o pronome dele ou dela o

  • 07 pronome neutro dile então esses são exemplos de um sistema de linguagem

  • 08 neutra e parece bem esquisito principalmente se é a primeira vez que a gente

  • 09 tem contato com essa linguagem /.../ qual é o papel do professor de língua

  • 10 portuguesa? é: é ensinar ao aluno os contextos de comunicação e ensinar a

  • 11 norma-padrão pra que ele consiga utilizar a norma-padrão nos contextos que

  • 12 exigem... e existem contextos em que seja adequada a utilização da

  • 13 linguagem neutra? claro que existem... por exemplo, se eu tenho o Instagram

  • 14 é: com a finalidade de discutir e trazer fatos relacionados a comunidade

  • 15 LGBT é pertinente que eu utilize a linguagem neutra nesse contexto? Claro

  • 16 que é... se eu vou prestar um concurso público se eu vou escrever uma

  • 17 redação é: pro ENEM por exemplo eu posso usar a linguagem neutra? claro

  • 18 que não ela não está prevista na gramática

Na Transcrição 01, vislumbramos a expositora tratar sobre os sistemas possíveis a partir dos quais a linguagem inclusiva pode desenvolver-se, concedendo, em sua fala, espaço para o sistema em torno do pronome pessoal ile, seguindo o viés de Bertucci e Zanella (2023): “eu vou trazer aqui pra vocês um sistema da linguagem neutra que é o ILE” (cf. linhas 01 e 02). Assim, ela afirma a presença e o uso de outros paradigmas de codificações, as quais podem ser visualizadas em retângulo roxo, próximo ao centro da Figura 01, quais sejam: “Outros sistemas: Elu Ilu El”. A posição da expositora, revelada ao relatar a existência desses sistemas, demonstra uma ideologia linguística pautada na dinamicidade da língua, não existindo, em sua visão, uma forma única ou engessada para instanciar os usos pelo viés da inclusão, “eu vou trazer aqui pra vocês um sistema da linguagem neutra” (cf. linha 01). Essa perspectiva é a mesma que confrontamos quando se menciona a ideia de contexto para justificar a variação situacional, “ensinar ao aluno os contextos de comunicação” (cf. linha 10). Há, portanto, uma ideologia respaldada em um princípio de maleabilidade e flexibilidade, o qual preenche discursivamente a abordagem didática empreendida na videoaula deste contexto didático-digital.

É justamente esse potencial que torna possível desenvolver um pronome pessoal específico, o ile, que tem o grupo constituído por pessoas não-binárias como referente, ou seja, formado por gente que não se identifica nas estruturas regulatórias e nos comportamentos cristalizados de gênero (Butler, 2003BUTLER, J. Problemas do gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.). Desse modo, a linguagem inclusiva é fruto de uma ideologia linguística que se dá frente à consciência perante o papel simbólico de representação que a língua possui. Ao trazê-la para discussão neste contexto didático, entendemos que a videoaula possibilita refletir, de forma crítica, sobre uma variedade linguística. Com isso, o material parece não promover a simplificação do campo sociolinguístico ao homogeneizá-lo (Irvine; Gal, 2000IRVINE, J. T.; GAL, S. Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. V. (org.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe: School of American Research Press, 2000. p. 35–84.), uma vez que a exposição didática enseja tornar visíveis, através da língua, grupos de pessoas, que, comumente, são despercebidos. Assim, a videoaula não entrevê as variedades exteriores à norma-padrão (Aléong, 2012ALÉONG, S. Normas linguísticas, normas sociais: uma perspectiva antropológica. In: BAGNO, M. (org.). Norma linguística. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Edições Loyola, 2012. p. 141–170.), pelo contrário, transforma-as em objeto de conhecimento linguístico.

Dialogando com a formação de professores, o conteúdo da Transcrição 01 torna claro que o espaço privilegiado na escola é da norma-padrão, “ensinar a norma-padrão pra que ele consiga utilizar a norma-padrão nos contextos que exigem” (cf. linhas de 10 a 12). Desta feita, torna-se papel de docentes de LP apresentar contextos que exigem essa variedade, por exemplo, “prestar um concurso público” (cf. linha 16) e “escrever uma redação pro ENEM” (cf. linha 16 e 17), mas ao mesmo tempo, apresentar outros nos quais é aceitável o emprego de outras linguagens, como a inclusiva e seu conjunto de novos pronomes. Como caso análogo, é citada a publicação de conteúdos em redes sociais para públicos específicos, “se eu tenho o Instagram é: com a finalidade de discutir e trazer fatos relacionados a comunidade LGBT” (cf. linhas 14 e 15). Nesse sentido, a expositora, ponderando os critérios de calibragem pública dos usos linguísticos, demonstra consciência discursiva, colocando o seu desenvolvimento dessa habilidade como um dos objetivos do ensino de LP.

Nesse viés, o excerto da fala transcrita não demonstra uma atribuição de valor negativo ao uso do pronome, nem deslegitima a sua utilização, embora aponte a possibilidade de estranhamento por parte de quem fará uso do paradigma ile, “e parece bem esquisito principalmente se é a primeira vez que a gente tem contato com essa linguagem” (cf. linhas 08 e 09), à vista do fato de que não há, na norma-padrão da LP e em muitas das variedades faladas no Brasil, uma marcação gramatical capaz de contemplar pessoas não-binárias. A crença de que o estranhamento promovido se dá, apenas, pela configuração de novos pronomes e novos sufixos flexionais é, talvez, uma percepção insuficiente. O adjetivo esquisito (cf. linha 08) é fruto da reprovação ocasionada por um enquadre proveniente de uma performance de preservação da língua, nesse sentido, fruto de uma ideologia linguística de conservação que, na perspectiva de Kroskrity (2004)KROSKRITY, P. Language ideologies. In: DURANTI, A. (org.) A companion to Linguistic Anthropology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 496–517., está ancorada em um dos critérios de regulamentação linguística — ser esteticamente agradável.

Pode-se entender, assim, que a videoaula não se mostra favorável ao processo de apagamento que, como mostra Irvine e Gal (2000)IRVINE, J. T.; GAL, S. Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. V. (org.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe: School of American Research Press, 2000. p. 35–84., oculta pessoas, grupos e atividades desenvolvidas por comunidades minoritárias. Ao trazer a discussão para a sala de aula (virtual), o cerne da questão é discutir a pluralidade linguístico-cultural, despertando para a dimensão ideológica que a representatividade na língua oferece, e não a substituição da norma-padrão pela linguagem inclusiva. Sem dúvidas, a consciência discursiva que se objetiva na explanação teórica aponta não apenas para os diferentes graus de regulamentação linguística comumente concebida por variação contextual, mas concomitantemente, indexa também a racionalização da posição de conservação e manutenção da ordem sociolinguística, “e parece bem esquisito” (cf. linha 08).

Embora sejam essas evidências e reverberações uma disputa discursiva na própria fala da expositora, é nos comentários on-line que podemos visualizá-la de maneira mais explícita. Em resposta à didatização realizada sobre o uso de pronomes, reproduzimos por amostragem a Figura 02 a seguir.

Figura 2
– Reprodução de comentários on-line sobre pronomes na linguagem inclusiva

A Figura 02 ilustra uma situação de conversação on-line entre duas pessoas, na qual há dois turnos de fala. Os dois comentários supracitados percorrem a órbita traçada por Araújo (2017)ARAÚJO, P. S. R. Análise dialógica de réplicas no gênero comentário on-line: A compreensão responsiva ativa sobre o segundo casamento cristão-católico. 2017. 161f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017. já que demonstram uma tomada de posição divergente entre si, pois o primeiro (Comentário 01, doravante) apoia a perspectiva defendida na videoaula, salientando a imprescindibilidade da linguagem inclusiva frente à hodiernidade; por sua vez, o segundo (Comentário 02, doravante) busca refutá-la, tentando demonstrar inutilidade valendo-se de regra oriunda da gramática da norma-padrão, julgando tal regra como suficiente para cobrir os múltiplos usos da língua.

Nesse sentido, o Comentário 01 coloca-se em favor da linguagem inclusiva, considerando a empatia em relação à pessoa não-binária como argumento, “e que se sente confortável apenas com o neutro”. Ressalta, ainda, que essa prática é uma atitude respeitosa, devendo ser replicada noutras interações linguísticas, “o mínimo que as pessoas precisam fazer (...) é usar os pronomes e as palavras no neutro quando conversarem com alguém não binário”. Por último, evidencia-se uma menção a uma situação em que as pessoas, previamente, apresentam em seus perfis de redes sociais (Instagram e TikTok) os pronomes que devem ser usados para se referir a elas: “existe uma discussão p as pessoas colocarem os pronomes que usam na biografia do insta, do tiktok” (cf. Figura 02). Acerca desse comentário, a apreciação da Figura 02 revela que o Comentário 01 recebeu um número de três aprovações, inclusive, do canal produtor/divulgador da videoaula, manifesto pelo coração vermelho e pela imagem de perfil do canal posicionados abaixo do comentário, à esquerda.

O segundo (Comentário 02, doravante) evidencia uma posição contrária em relação à anterior, ancorada na alegação de que o masculino em LP é uma forma neutra sendo, por isso, desnecessária a linguagem inclusiva, “é neutra, quando se utiliza o masculino” (cf. Figura 02). A base que concede sustentação à posição de quem produziu o Comentário 02 é a tendência normativa e descritiva dos estudos linguísticos que não dão conta das relações que as pistas linguísticas desempenham na interpretação e significação dos fenômenos socialmente situados (Irvine; Gal, 2000IRVINE, J. T.; GAL, S. Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. V. (org.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe: School of American Research Press, 2000. p. 35–84.). Como resposta à videoaula e ao Comentário 01, o Comentário 02 não recebeu, até então, nem aprovação e nem novas réplicas.

O que as posições divergentes revelam não é somente uma discordância entre posições, mas a objetivação de ideologias linguísticas opostas, divergentes, instanciando um confronto de discursividades. Os dados analisados sinalizam, pelo menos, duas perspectivas ideológicas justapostas sobre a linguagem produzidas no seio de grupos sociais diferentes (Kroskrity, 2004KROSKRITY, P. Language ideologies. In: DURANTI, A. (org.) A companion to Linguistic Anthropology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 496–517.).

De um lado, o Comentário 01 e a videoaula convergem para o não apagamento de uma variedade linguística específica defendida, essencialmente, pela comunidade LGBTQIA+: “usar os pronomes e as palavras no neutro” (cf. Figura 02) e “é pertinente que eu utilize a linguagem neutra nesse contexto? Claro que é (cf. Transcrição 01, linhas 15 e 16)”. Esses excertos demonstram que o Comentário 01 e a videoaula operam como uma visão não totalizante, buscando não ocultar os elementos que não se enquadram na estrutura interpretativa convencional (Irvine; Gal, 2000IRVINE, J. T.; GAL, S. Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. V. (org.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe: School of American Research Press, 2000. p. 35–84.), mas os desvelar, trazendo-os à discussão como objetos linguísticos válidos porque estão sobretudo fundamentados nos usos: “usar os pronomes” (cf. Figura 02) e “é pertinente que eu utilize”.

De outro lado, o Comentário 02 diverge ao indexar uma visão baseada numa simplificação sociolinguística, ou seja, no apagamento da diversidade ao defender o uso exclusivo da língua nos ditames da norma-padrão, “é neutra, quando se utiliza o masculino” (cf. Figura 02), perspectiva cuja raiz está numa ideologia que enxerga a norma-padrão como tudo que há na LP. Nessa esteira, o Comentário 02 performa uma ação prática de remover àquilo que supostamente o ameaça (Irvine; Gal, 2000IRVINE, J. T.; GAL, S. Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. V. (org.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe: School of American Research Press, 2000. p. 35–84.), é o caso dos pronomes inclusivos e dos sufixos flexionais que, nessa visão, colocam em xeque as ideias de moralmente bom e esteticamente agradável dadas sobre o construto língua, já sinalizadas por Kroskrity (2004)KROSKRITY, P. Language ideologies. In: DURANTI, A. (org.) A companion to Linguistic Anthropology. Oxford: Blackwell, 2004. p. 496–517.. Inspirados por Irvine e Gal (2000)IRVINE, J. T.; GAL, S. Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, P. V. (org.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe: School of American Research Press, 2000. p. 35–84., entendemos que esse comentário é resultado do apagamento ideológico, mas que não significa o apagamento real, porque embora se negue a existência da linguagem inclusiva, ela não deixa de existir e, mais ainda, de resistir.

Além da ideologia linguística de conservação, o Comentário 02 também indexa sistemas simbólicos de dominação relacionados ao gênero social. Ao afirmar que -o é uma codificação “neutra” (cf. Figura 02), no sentido de não marcada, a forma oposta, seria, consequentemente, o sufixo flexional -a, marcado. Por isso, o enunciado do Comentário 02 não é unicamente metalinguístico, não obstante, resulta de outra luta discursiva que, para Butler (2003)BUTLER, J. Problemas do gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., é a defesa pela prescrição binária para estilização do corpo. A partir dessa autora, entendemos que esse comentário é uma forma repetida que funciona dentro de um quadro regulador de gênero. A ideologia linguística materializada no Comentário 02 é convocada e colocada como instrumento empregado na defesa de identidades orientadas pela heteronormatividade. Em contrapartida, a videoaula e o Comentário 01 compreendem que a linguagem inclusiva permite que esses corpos possam se significar tal como se reconhecem.

Ideologia linguística manifesta pelas escolhas vocabulares

Além do emprego de pronomes não-binários, os usos de linguagem podem tornar-se inclusivos pelas escolhas de vocabulário e de expressões que têm como escopo não uma forma masculina, mas um coletivo genérico sem especificação de gênero. Acerca dessa questão, apresentamos, por meio da Transcrição 02, a fala da expositora dada entre 10min55s e 11min56s, buscando responder à pergunta: A linguagem neutra é mesmo necessária?; na sequência, reproduzimos, por meio da Figura 03, a interface gráfica de um comentário (Comentário 03, doravante), cujo conteúdo temático também equivale, dentre outros aspectos, à seleção vocabular.

Figura 3
– Reprodução de comentário on-line sobre “frases” na linguagem inclusiva

Transcrição 2 – Reprodução de áudio de videoaula sobre uso de expressões na linguagem inclusiva

  • 01 e me parece que a linguagem neutra é uma tentativa de as pessoas não-

  • 02 binárias se sentirem representadas se sentirem contempladas por meio das

  • 03 palavras mas a língua portuguesa nós sabemos é muito rica e existem muitas

  • 04 possibilidades de reformular as palavras para contemplar todas as pessoas por

  • 05 exemplo em vez de falar alunos eu posso falar estudantes alunos é o

  • 06 masculino né? estudantes pode servir pra masculino e feminino em vez de

  • 07 falar professores eu posso falar corpo docente que eu contemplo todo mundo

  • 08 e não preciso usar o masculino para contemplar homens e mulheres e pessoas

  • 09 não-binárias é/ em vez de falar todos os presentes eu posso falar todas as

  • 10 pessoas presentes então essas são técnicas para contemplar todas as pessoas

As pistas linguísticas, que constituem a Transcrição 02, são evidências de que a videoaula opera com uma ideologia que projeta a língua como fortemente vinculada ao mundo social, não apenas como instrumento de comunicação, porque, está imbricada à prática discursiva e à ideia de que a língua também indexa identidades, neste caso, identidades de gênero, “as pessoas não-binárias se sentirem representadas se sentirem contempladas” (cf. linhas 01 e 02). Para Woolard (2012)WOOLARD, K. Las ideologías lingüísticas como campo de investigación. In: SCHIEFFELIN, B. B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. V. Ideologías linguísticas: práctica y teoria. Madrid: Catarata, 2012. p. 19–69., por meio dessas ideologias, formas linguísticas particulares são associadas a certos valores. Assim, enquanto a linguagem neutra pode ser encarada por seu potencial de oferecer visibilidade a grupos socialmente vulneráveis, por isso, um valor positivo, também lhe são atribuídas axiologias negativas uma vez que são rompidas regras gramaticais já naturalizadas na língua.

De igual modo, tornam-se perceptíveis alguns instintos de preservação que sinalizam também influência de outra ideologia, a de conservação, já identificada anteriormente. Ora, se por um lado existe no âmbito social um enquadre que caracteriza a linguagem inclusiva como um tipo de uso “bem esquisito” (cf. linha 08 da Transcrição 01), as escolhas vocabulares permitem deslocamentos mais sutis, de modo que não há o mesmo estranhamento ao romper-se a ordem sociolinguística, em outras palavras, ao se transgredir a norma. Nesse sentido, quando a expositora afirma que “a língua portuguesa nós sabemos é muito rica e existem muitas possibilidades de reformular as palavras para contemplar todas as pessoas” (cf. linhas 03 e 04), a compreensão de LP que defrontamos não é, senão, aquela que a concebe como sinônimo de norma-padrão, pois, a linguagem inclusiva não deixa de ser uma entre a miríade de línguas rotuladas como LP.

Quando a videoaula põe em relevo que “existem muitas possibilidades de reformular as palavras” (cf. linhas 03 e 04), pois a LP “é muito rica” (cf. linha 03), o material didático-digital sugere a permuta de um vocábulo por outro ou de um vocábulo por sintagmas nominais mais complexos. Desse modo, busca justamente ser responsivo ao litígio entre as duas ideologias linguísticas, a de conservação em favor da norma-padrão e a de promoção da inclusão gramatical de pessoas não-binárias. Nessa esteira de conciliação, torna-se possível ser inclusivo sem tensionar a dimensão da morfologia (da flexão ou das classes de palavras), mais cristalizada, ao considerar a dimensão do vocabulário, mais flexível. Em outros termos, tornar-se-ia possível incluir sem romper critérios de regulamentação da norma-padrão, assim, sem desvencilhar-se da crença na unidade linguística como símbolo da comunidade nacional (Woolard, 2012WOOLARD, K. Las ideologías lingüísticas como campo de investigación. In: SCHIEFFELIN, B. B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. V. Ideologías linguísticas: práctica y teoria. Madrid: Catarata, 2012. p. 19–69.).

Isso não quer dizer, entretanto, que “em vez de falar alunos eu posso falar estudantes” (cf. linha 05), “eu posso falar corpo docente que eu contemplo todo mundo” (cf. linha 07) e, ainda, “em vez de falar todos os presentes eu posso falar todas as pessoas presentes” (cf. linhas 09 e 10), possam sinalizar uma suposta “neutralidade”, já que atendem, ao mesmo tempo, aos defensores de uma uniformização linguística e às demandas dos grupos que reivindicam visibilidade nas práticas de linguagem. A posição que essas trocas evidenciam parte de um reconhecimento de que as formas masculinas não são suficientes para cobrir os gêneros sociais mulher e não-binário, bem como, de um reconhecimento de que há na linguagem como um todo poder de representação.

Por sua vez, o Comentário 03 configura-se como um único turno, no qual a pessoa que comenta explicita sua concordância em relação à necessidade de se pensar e de se aplicar uma linguagem inclusiva na prática, “que eu defendo” e “usar a linguagem neutra como uma linguagem mais inclusiva” (cf. Figura 03). Diferentemente dos turnos de comentaristas que já foram mencionados neste estudo, esse se erige trazendo à discussão o potencial que esse tipo de linguagem tem para representar também as mulheres, “essa linguagem é uma pauta feminista [na França]” (cf. Figura 03), por isso, seu emprego nas situações reais de interação pode obstar o machismo em LP, “como também evitar o machismo na língua” (cf. Figura 03). No mesmo viés, Moita Lopes (2013MOITA LOPES, L. P. Ideologia linguística: como construir discursivamente o português do século XXI. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola, 2013. p. 18–52., p. 23) explica que a palavra “homem” foi comumente usada como sinônimo de espécie humana mediante atuação de uma ideologia linguística que oculta as diferenças de gênero sustentando-se pelo “fato de que sócio-historicamente o homem ter sido construído como o mais capaz e o mais poderoso”.

Interessa-nos a constatação de que, tanto para atender à demanda da causa feminina, quanto para conceder visibilidade à gente não-binária, a pessoa que comenta vale-se, inicialmente, da mesma estratégia linguística que incide nas escolhas vocabulares, quando enuncia, por exemplo, que a linguagem se torna inclusiva “usando frases neutras” (cf. Figura 03). Nesse caso, quem promoveu essa interação busca responder ao que foi dito na videoaula, enxergando, como frases, sintagmas nominais. Para citar alguns exemplos, “corpo docente” (cf. linha 07) como alternativa para “professores” (cf. linha 07), “todas as pessoas presentes” (cf. linhas 10 e 11) em vez de “todos os presentes” (cf. linha 09). Ao aplicá-los nas práticas sociais da língua, não entra em cena o chamado masculino genérico (Fischer, 2020FISCHER, A. Manual prático de linguagem inclusiva. São Paulo: Tecidas, 2020. Disponível em: https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bdaac3/files/uploaded/mpli1_2.pdf. Acesso em: 01 mar. 2022.
https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bd...
) cujos referentes são homens (“professores” e “alunos”), mas se empregam coletivos masculinos e femininos, como “corpo docente” e “todas as pessoas” respectivamente, cujos referentes são grupos amplos sem especificação de gêneros sociais.

Todavia, o Comentário 03 considera, ainda, que a forma “todes” (cf. Figura 02) seja mais eficiente quando o quesito é inclusão coletiva ao expor que essa “seria, em uma só palavra, [capaz de] incluir todas as pessoas numa única palavra” (cf. Figura 02). Ao asseverar seu ponto de vista à guisa de conclusão do turno de fala, o Comentário 03 revela uma posição mais radical se a compararmos com aquela trazida na Transcrição 02 da videoaula. Percebe-se, desse modo, que o referido quantificador indefinido e inclusivo é indicado como substituição viável, uma vez que, semanticamente, alcança a diversidade de gêneros, mesmo sendo uma forma desdobrada de um novo paradigma pronominal, por isso, fora da norma. Quanto a esse tópico, parece-nos que o Comentário 03 coaduna-se à perspectiva do Museu de Língua Portuguesa, criticada pelo segmento social mais conservador (cf. Introdução).

Nesse sentido, a análise dos dados possibilitou compreender que videoaulas e comentários são discursivamente preenchidos por mais de uma ideologia linguística, as quais tomam parte no sistema sociolinguístico. Isso revela, portanto, que as visões sobre a intersecção entre língua e sociedade estão inseridas numa relação complexa, pois, à medida em que se imiscuem e se interligam, também entram em confronto. Em um movimento pendular, que ora incide numa ideologia ora noutra, a análise da videoaula possibilitou-nos identificar que a abordagem teórica é produto de uma luta de discursividades, de embates que são motivados não somente por questões linguísticas, mas por questões que envolvem identidades de gênero. Formulando réplicas ao material neste contexto didático-digital, comentaristas se empenham em defender suas perspectivas, em apresentar suas impressões sobre o assunto, seja ampliações e limitações, seja argumentos para legitimar ou deslegitimar a variedade que é a linguagem inclusiva.

Considerações finais

As categorias de análise, concernentes às ideologias linguísticas relativas ao uso de pronomes e às escolhas vocabulares, possibilitaram-nos coligir alguns aspectos da abordagem teórica instanciada na videoaula voltada à linguagem inclusiva como objeto de conhecimento linguístico. Um deles é a defesa pela não substituição da norma-padrão por outra variedade da língua, decorrente deste, outro corresponde à elucidação de que a linguagem inclusiva é uma variedade passível a uso em situações nas quais ela seja aceitável. Essas considerações são possíveis pela ancoragem numa compreensão da língua enquanto potencial de representação, desse modo, não funcionando apenas como instrumento de comunicação, mas estando conectada a questões sociais.

A videoaula analisada promove uma abordagem sobre o fenômeno sem lançar mão de juízos de valor negativo aos empregos da linguagem inclusiva. No tratamento teórico concedido, refratam-se, predominantemente, ideologias linguísticas relativas à variação situacional, à representatividade na linguagem e à dinamicidade da língua. Por outro lado, a posição da expositora quanto à noção de estranhamento também revela, embora de maneira sutil, preenchimento de ideologias linguísticas conservadoras ligadas a questões estéticas. A partir disso, percebemos que as tensões provenientes da atual cena sociolinguística, arena na qual se confrontam ideologias opostas, compreensões diferentes e litigiosas para a língua, também influenciam na complexa tarefa de transformar objetos da realidade linguística em objetos de ensino de LP.

Quanto aos comentários on-line enfocados nessas categorias, percebemos que eles tornam possível uma interação assíncrona, similar à interação oral em sala de aula presencial, os quais manifestam posições provenientes da experiência sociocultural de quem comenta. Dessa maneira, funcionam como um campo frutífero para analisar a objetivação das ideologias linguísticas por meio da manifestação das percepções que possuem em relação à língua. Isso nos coloca diante de dados que, sem filtros, expõem aquilo em que pessoas acreditam e julgam por verdadeiro, bom, agradável. Trata-se de percepções enraizadas e naturalizadas na mentalidade do senso comum, desde a formulação dos ideais do colonialismo.

Assim, tornou-se perceptível que essas ideologias também se misturam à luta de grupos socialmente vulneráveis para alcançar visibilidade do ponto de vista linguístico, uma vez que o dizer é significar. Conscientes ou inconscientes desse aspecto, também há quem acredite na falácia de que ignorar ou negligenciar a existência de uma variedade em uso é removê-la, mais ainda, é fechar as portas do armário para negar a realidade social da língua.

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    » https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/16/o/ORIENTA%C3%87%C3%95ES_POPULA%C3%87%C3%83O_TRANS.pdf
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  • 1
    Este artigo está vinculado a uma pesquisa mais ampla, em realização no curso de Doutorado em Linguagem e Ensino, no Programa de Pós-graduação em Linguagem e Ensino. Esse estudo desenvolve-se sob a responsabilidade dos autores, o qual focaliza a relação entre tecnologias digitais educacionais e o ensino de LP, precisamente, de conteúdos do eixo AL/S.
  • 2
    O Museu da Língua Portuguesa fez sua publicação através da rede social Twitter, a qual pode ser acessada em: https://twitter.com/museudalingua/status/1414704318800875520?s=46&t=LJJuu8sFW-mceoMYe2stLg.
  • 3
    Embora tenhamos reproduzidos os tweets na íntegra, ambos podem ser consultados em: https://twitter.com/mfriasoficial/status/1418704494460801025?s=46&t=LJJuu8sFW-mceoMYe2stLg.
  • 4
    Para Jesus (2012)JESUS, J. G. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. Guia técnico sobre pessoas transexuais, travestis e demais transgêneros, para formadores de opinião. Brasília, 2012. v. 2. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/16/o/ORIENTA%C3%87%C3%95ES_POPULA%C3%87%C3%83O_TRANS.pdf. Acesso em: 01 abr. 2022.
    https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/16/...
    , constitui-se o grupo de pessoas que não se enquadram em nenhuma expressão de gênero.
  • 5
    Pinto (2014)PINTO, J. P. Linguagem, feminismo e efeitos de corpo. In: SILVA, D. N.; FERREIRA, D. M. M.; ALENCAR, C. N. (org.). Nova pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014. p. 207–230. refere-se ao conceito de poder a partir de Judith Butler, a qual, por sua vez, encontra inspiração em Michel Foucault. Desse modo, para Butler (2003), poder “abrange tanto as funções ou relações diferenciais jurídicas (proibitivas e reguladoras) como as produtivas (inintencionalmente generativas)” (Butler, 2003, pBUTLER, J. Problemas do gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 54).
  • 6
    É o caso da obra Linguagem “neutra”: língua e gênero em debate, de Barbosa Filho e Othéro (2022), que reúne uma coleção de capítulos que põem em discussão a linguagem inclusiva para representação de mulheres e de grupos não-binários na linguagem.
  • 7
    A partir de Barbosa Filho (2022), podemos citar os seguintes projetos que circulam no Congresso Nacional Brasileiro: Projeto de Lei nº 5248/2020; Projeto de Lei nº 5198/2020; Projeto de Lei nº 721/2020 e Projeto de Lei nº 211/2021.
  • 8
    Nessa assertiva, ancoramo-nos em Castilho e Elias (2015)CASTILHO, A. T.; ELIAS, V. M. Pequena gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2015., por isso, referimo-nos ao português brasileiro informal e não à norma-padrão.
  • 9
    Quanto às críticas, Fischer (2020, pFISCHER, A. Manual prático de linguagem inclusiva. São Paulo: Tecidas, 2020. Disponível em: https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bdaac3/files/uploaded/mpli1_2.pdf. Acesso em: 01 mar. 2022.
    https://irp-cdn.multiscreensite.com/87bd...
    , p. 7) advoga que esses sufixos flexionais não são inclusivos, mas excludentes, porque “criam problemas de leitura para deficientes visuais que utilizam programas leitores de texto, para pessoas com dislexia”.
  • 10
    Trata-se da pesquisa Práticas de ensino de Língua Portuguesa: evidências de ideologias linguísticas em videoaulas e comentários on-line de Laurentino (2022)LAURENTINO, J. V. B. Práticas de ensino de Língua Portuguesa: evidências de ideologias linguísticas em videoaulas e comentários on-line. 2022. Dissertação (Mestrado em Linguagem e Ensino) — Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2022. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1GYYBg765kvTXMBeHnpUJ2reVvxPqOHFF/view. Acesso em: 01 set. 2022.
    https://drive.google.com/file/d/1GYYBg76...
    , que colocou em relevo videoaula dos três canais supracitados.
  • 11
    O canal está disponível neste link: https://www.youtube.com/c/ProfessorNoslen. Acesso em: 13 dez. 2023.
  • 12
    O canal está disponível neste link: https://www.youtube.com/c/redacaoegramatica. Acesso em: 13 dez. 2023.
  • 13
    O canal está disponível neste link: https://www.youtube.com/c/PortuguêscomLetícia. Acesso em: 13 dez. 2023.
  • 14
    Em nossa perspectiva, a denominação “linguagem neutra” não corresponde à terminologia mais adequada para tratar o fenômeno, porque pressupõe uma neutralidade não alcançável quando temos a língua como escopo. Assim, neste artigo, para nos referirmos a essa variedade linguística, adotamos “linguagem inclusiva”. No entanto, em alguns trechos das transcrições de áudio apresentadas na análise dos dados, reproduzimos o uso “linguagem neutra”, para nos mantermos fiéis aos dados.
  • 15
    Tendo em vista que os números de visualizações, comentários e avaliações são flutuantes, torna-se necessário situá-los temporalmente como de maio de 2023.
  • 16
    Ocultamos a imagem do rosto da expositora na videoaula, os nomes de comentaristas participantes e suas fotos de perfil, valendo-nos do aplicativo Picsart.
  • 17
    As diretrizes, que apontam quais discursos podem circular na rede social YouTube, podem ser acessadas através do seguinte link: https://support.google.com/youtube/answer/9288567?hl=pt-BR. Acesso em: 13 dez. 2023.
  • 18
    Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GvcAjxcqPV0. Acesso em: 13 dez. 2023.
  • 19
    Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GvcAjxcqPV0. Acesso em: 13 dez. 2023.
  • 20
    Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GvcAjxcqPV0. Acesso em: 13 dez. 2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2022
  • Aceito
    24 Maio 2023
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