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A CONCEPÇÃO DE TEMA NAS OBRAS DO CÍRCULO DE BAKHTIN

RESUMO

O estudo da significação é uma das problemáticas mais complexas da Linguística, segundo os pressupostos de Bakhtin e do Círculo. Nesse ínterim, o tema, um dos conceitos-chave, embora não seja o mais estudado pelo Círculo, torna-se essencial para a compreensão da linguagem como ação concreta. Este artigo, de escopo bibliográfico, objetiva discutir, epistemológica e teoricamente, a concepção de tema e os conceitos a ele relacionados nos trabalhos do Círculo, especificamente, Bakhtin, Volochínov e Medviédev. Para tanto, o texto retoma as considerações a respeito do tema nas obras desses autores, a observar seu desdobramento, no decorrer dos anos. Os resultados apontam que há variações, nos textos, em relação ao conceito, o que possibilitou depreender algumas tendências em seu entendimento: (1) tema como o sentido total da enunciação, o acontecimento, a realidade e o momento no qual, axiologicamente, interagem conteúdo e forma; (2) tema como a relação entre significação e valoração do signo ideológico; e (3) tema como objeto da enunciação/do enunciado.

Tema; círculo de Bakhtin; sentido total da enunciação; relação entre significação e valoração; objeto da enunciação

ABSTRACT

The study of meaning is one of the most complex problems in Linguistics, according to Bakhtin’s and his Circle’s assumptions. In the meantime, the theme, one of the key concepts, although not the most studied by the Circle, becomes essential for the understanding of language as a concrete action. This bibliographic article aims to discuss, epistemologically and theoretically, the concept of the theme as well as the concepts in the Circle’s works, specifically, Bakhtin’s, Volochínov’s and Medviédev’s. To this end, the text resumes the considerations about the theme in these authors’ works, to observe its deployment over the years. Results show that there are variations in the concept, which made it possible to understand some trends in their understanding: (1) theme as the total meaning of the utterance, the event, the reality and the moment in which content and form interact axiologically; (2) theme such as the relationship between meaning and value of the ideological sign; and (3) theme as the object of the utterance.

Theme; Bakhtin’s circle; total meaning of the utterance; relationship between meaning and valuation; object of the utterance

Introdução

O tema tem sua constituição na interação e envolve aspectos históricos, culturais e sociais. Ao enunciar, o sujeito recorre a outras enunciações/enunciados, adequa seu discurso às condições enunciativas, ao sistema linguístico (ou outra modalidade semiótica), de modo a construir o seu projeto de dizer, dando-lhe sentido e buscando a reação-resposta ativa do outro. Volochínov (2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929]) já considerava o problema da significação um dos mais difíceis da Linguística, fato que é reafirmado por outros estudiosos da linguagem (BRAIT, 2019BRAIT, B. Importância e necessidade da obra “O método formal nos estudos literários: introdução a uma poética sociológica”. In: MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. p. 11-18.; BOENAVIDES, 2015BOENAVIDES, W. M. Sobre o conceito de “Tema” em Marxismo e Filosofia da Linguagem. Organon, Porto Alegre, v. 30, n. 59, p. 211-224, jul./dez. 2015.; CEREJA, 2005CEREJA, W. Significação e Tema. In:BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p. 201-220.). Embora o conceito de tema não seja o mais estudado do Círculo, ele é fundamental para o entendimento da linguagem como ato concreto.

Diante disso, o objetivo geral deste artigo é o de discutir, epistemológica e teoricamente, a concepção de tema e os conceitos a ele relacionados nos estudos do Círculo de Bakhtin. Para tanto, o estudo, de escopo bibliográfico, percorre algumas obras do Círculo, com o intuito de observar de que forma, em cada uma delas, o ato de significar é compreendido, possibilitando a união de considerações que contribuem para uma melhor compreensão do tema.

Este texto organiza-se segundo a cronologia das versões originais, perpassando os textos do Círculo. Após essas considerações, apresenta-se seção de discussão que trata dos possíveis diálogos entre os textos, a fim de caracterizar o referido conceito-chave para o Círculo.

Tema e seus desdobramentos nas obras do Círculo de Bakhtin

O Círculo de Bakhtin era “um grupo, de uma intensa e afinada colaboração, em clima de amizade, em pesquisas comuns, a partir de interesses e competências diferentes” (PONZIO, 2011PONZIO, A. Problemas de sintaxe para uma linguística da escuta. In: BAKHTIN, M. Palavra própria e a palavra outra na sintaxe da enunciação. São Carlos: Pedro & João Editores, 2011. p. 7-57., p. 46). Havia um trabalho coletivo na discussão dos temas e, apesar de, muitas vezes, o texto ficar “sob a responsabilidade de um autor, não era a autoria que interessava ao grupo” (GERALDI, 2013GERALDI, J. W. O mundo não nos é dado, mas construído. In: VOLOCHÍNOV. V. A construção da enunciação e outros ensaios. Organização, tradução e notas: João Wanderley Geraldi. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013 [1930]. p. 7-27. [1930], p. 13), gerando dúvidas em relação à autoria formal de alguns dos escritos1 1 Neste texto, respeitamos as autorias das edições originais. Reconhecemos como da autoria de Bakhtin os textos publicados sob seu nome ou encontrados em seus arquivos. .

Além da problemática da autoria, há ainda a chegada das obras no Ocidente, sem nenhuma ordem cronológica na sua divulgação. O conhecimento público sobre as obras do Círculo não acompanhou a cronologia de publicação nas versões originais. Ademais, inúmeras traduções foram lançadas, em diferentes idiomas, o que causou flutuação terminológica (BRAIT, 2006BRAIT, B. Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006.), uma vez que o tradutor realiza o ato tradutório a partir de um conjunto de referenciais culturais e teóricos, os quais nem sempre dão conta adequadamente do texto a ser traduzido.

Na leitura dos textos, com foco nos desdobramentos do tema e de outros conceitos a ele relacionados, seguimos a cronologia de escrita das versões originais (Quadro 1). Tendo em vista o número de produções do Círculo, neste artigo, selecionamos algumas delas que permitiram abordar, de forma mais pontual, o conceito objeto de pesquisa.

Quadro 1
Cronologia dos textos do Círculo

As seções seguintes abordam cada um dos textos, apresentando: (1) breve resumo do texto analisado; (2) indicações dos entendimentos sobre tema e (3) fechamento com a síntese das principais impressões e referências sobre o referido conceito. Após esse panorama geral, passamos às reflexões sobre o conceito, com possíveis aproximações entre os textos. Finalizamos com a conclusão e as referências.

Para uma Filosofia do Ato

Para uma filosofia do ato é um ensaio inacabado de Bakhtin, escrito entre 1920-1924, no qual o autor dialoga com o campo filosófico de seu tempo, por meio das visões de mundo, da vida e da cultura, vinculadas à eventicidade do Ser. O foco da obra não é a linguagem em si, mas a condição humana que “não prescinde da linguagem” (SOBRAL, 2019SOBRAL, A. A filosofia primeira de Bakhtin: roteiro de leitura comentado. São Paulo: Mercado de Letras, 2019., p. 67). Alguns conceitos apontados por Bakhtin, como o irrepetível, o inconcluso, o agir/interagir, o tom emotivo-volitivo, o conteúdo-sentido etc. têm seus ecos em obras posteriores, por isso, ela foi acionada para iniciar a discussão a respeito da constituição da concepção de tema.

O ato responsável é denominado por Bakhtin (2017BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017 [1986]. Escrito de 1920 a 1924. [1986], p.43), como Jano Bifronte2 2 Jano é uma divindade com duas faces: uma que representa o porvir (voltada para frente) e outra, o que já passou (voltada para trás). Essa analogia é evocada, pelo Círculo, já que nada é definitivo, tudo está por vir e é fruto de um elo dialógico entre discursos do passado, do presente e do futuro, assim como consta em Formas de tempo e de cronotopo no romance (BAKHTIN, 1988c [1975], p. 263), dentre outros. , ou seja, o ato se constitui da “unidade objetiva de um domínio da cultura” e da “singularidade irrepetível da vida”. Sem essas dimensões (dado e novo) não há interação, haja vista que se houver apenas o dado, não há algo de novo, não há dizer. Se for só o novo, não há compreensão, pois é preciso um território comum de compreensão. Há, assim, uma distinção entre o ser real do ato-evento, voltado àquilo que é irrepetível do ato, e seu conteúdo-sentido. O ato forma um todo integral com seu conteúdo-sentido e com a presença da consciência real do Ser singular, determinado pela historicidade concreta de sua realização.

Diante disso, quando Bakhtin (2017BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017 [1986]. Escrito de 1920 a 1924. [1986], p. 44]) emprega a expressão “conteúdo-sentido” do ato, refere-se ao “juízo de validade universal, ao aspecto abstrato do sentido, à unidade teórica do domínio teórico”. No âmbito do ato, pensando em seu “sentido” geral, o que é dado é o aspecto do conteúdo, já que, para o autor, o conteúdo sozinho não pode forçar o sujeito ao ato: “o aspecto conteudístico não era mais que um momento” (BAKHTIN, 2017BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017 [1986]. Escrito de 1920 a 1924. [1986], p. 94). O conteúdo, então, seria um momento do sentido, que se une ao “dado-a-realizar”. Este requer o agir, a posição e a avaliação dos atos, de modo a tornar o sujeito responsável moral e eticamente pelo que faz, referindo-se ao “aspecto histórico-individual – o autor, o tempo, as circunstâncias e a unidade moral de sua vida” (BAKHTIN, 2017BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017 [1986]. Escrito de 1920 a 1924. [1986], p.44). O conteúdo, enquanto valor real, precisa entrar em uma “ligação essencial com a valoração efetiva3 3 Neste texto, durante a exposição sobre tema, sentido, conteúdo etc., outros conceitos do Círculo são acionados, como valor, relações dialógicas, cronotopo, compreensão, dentre outros. Como o foco, aqui, é observar os desdobramentos do tema, ao longo das obras, o aprofundamento sobre as relações específicas entre tema e outros conceitos será apresentado em outras produções. [...] somente posso pensá-lo verdadeira e ativamente em tom emotivo-volitivo” (BAKHTIN, 2017BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017 [1986]. Escrito de 1920 a 1924. [1986], p.86), demonstrando interconexão com a dimensão valorativa.

Nesse processo, há o sujeito singular, situado, que realiza responsavelmente seus atos, estabelecendo o diálogo entre os momentos do conteúdo e da história, constituindo o sentido. O ato deve encontrar unidade de responsabilidade bidirecional, além de um plano unitário para

[...] refletir-se em ambas as direções, no seu sentido e em seu existir; deve encontrar a unidade de uma responsabilidade bidirecional, seja em relação ao seu conteúdo (responsabilidade especial), seja em relação ao seu existir (responsabilidade moral), de modo que a responsabilidade especial deve ser um momento incorporado de uma única e unitária responsabilidade moral. (BAKHTIN, 2017BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017 [1986]. Escrito de 1920 a 1924. [1986], p. 43, grifo nosso).

O existir do Ser está ligado à responsabilidade moral, pois o sujeito existe de modo singular e irrepetível, ocupando um lugar único, insubstituível da parte do outro. Desse modo, o existir é definível pela participação singular do sujeito no mundo, concebendo-se a unidade do ser como unidade de valor. A responsabilidade especial é apenas um momento incorporado ao evento. O ato, por estar na temporalidade da historicidade, inclui “sabor axiológico” (BAKHTIN, 2017BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017 [1986]. Escrito de 1920 a 1924. [1986], p. 55-56), logo, o enunciado existe não a partir do conteúdo (dito), mas na sua realização. É o aspecto emotivo-volitivo (entonação) que dá vida ao conteúdo-sentido.

Os conceitos que se voltam à questão do sentido do ato, nos âmbitos de conteúdo-sentido e de conteúdo perpassado pelo sentido da ação, são retomados em obras posteriores do Círculo. Não se trata, aqui, da ideia explícita de tema, mas já se aponta para: (1) o diálogo entre os aspectos do conteúdo-sentido (repetível – ligado à unidade teórica) e do histórico-individual (irrepetível – âmbito histórico-social), gerando sentidos; (2) a singularidade do ato e o papel da entonação para que o sentido se constitua, em diálogo com aspectos valorativos, temporais e espaciais.

O Problema do Conteúdo, do Material e da Forma na Atividade Estética

O problema do conteúdo, do material e da forma na atividade estética foi produzido entre os anos de 1923-1924 e integra a obra Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (QLE), publicada em 1975, traduzida diretamente do russo. Na primeira parte desse ensaio, Crítica da Arte e Estética Geral, Bakhtin (1988a [1975]) discorre sobre o reducionismo teórico das correntes formalistas e psicologistas que propõe as relações humanas segundo fatos, desvinculados de práticas sociais concretas. Segundo o autor, “[...] o fato e a singularidade puramente factual não têm direito à voz; para consegui-lo eles precisam transformar-se em sentido” (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 16, grifo nosso). O sentido, então, corresponderia ao todo (união do fato, do dado e da singularidade, única), haja vista que isolados, esses elementos constituem apenas significados, o que seria uma contradiction in adjeto, segundo o estudioso.

Ao abordar o pensamento da estética material, Bakhtin (1988a [1975], p. 18, grifo do autor) destaca o pensamento de Jirmúnski a respeito do que considera como “momento temático”: “ele introduz o tema apenas como um momento do material (o significado de uma palavra) [...]”. Há o entendimento dos formalistas sobre o conceito de tema, vinculado estritamente à materialidade textual, ao significado da palavra, o que é questionado por Bakhtin. Após apontar “toda uma ‘série de erros’” da estética material, passa-se a segunda parte do ensaio: O problema do conteúdo. O texto destaca a necessidade de constituir um conjunto de saberes que dialoguem com as relações práticas e sociais, considerando seus aspectos formais. A obra, ou objeto estético, é viva e significativa em uma relação tensa e ativa com a realidade valorizada.

O modo como o autor trata dessa “realidade” parece indicar pistas em relação ao que se poderia entender como tema. Ele afirma que: “[...] não se pode opor à arte nenhuma realidade em si, nenhuma realidade neutra: pelo próprio fato de que falamosdelaea opomos a algo, nós, como que a definimos e lhe damos um valor [...]” (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 31, grifo nosso4 4 O itálico é do texto original, por isso, empregamos sublinhado, em algumas citações, para indicar destaque nosso. ) e “[...] a realidade [...] entra na obra (mais precisamente no objeto estético [sic]) e torna-se entãoum elemento constitutivo indispensável [...]” (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 33, grifo nosso). A realidade passa a ser considerada como algo que é conhecido e avaliado, a constituir a obra, tanto que:

[...] chamamos deconteúdoda obra de arte (mais precisamente, do objeto estético) àrealidade do conhecimento e do ato estético [...] e ésubmetida a uma unificação concreta, intuitiva, a uma individualização, a uma concretização, a um isolamento e a um acabamento, ou seja, a uma formalização multiforme com a ajuda de um material determinado. (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 35, grifo nosso).

Há, assim, um sentido mais amplo, uma “realidade do conhecimento e do ato estético” (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 35), que, quando recebe um “acabamento”, com o auxílio de um material, passa a ser considerado o conteúdo da obra. Esse conteúdo é um “momento constitutivo indispensável do objeto estético” (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 35, grifo do autor), em relação direta com a forma estética, constituindo significado. Ademais, o conteúdo é tido como “objeto do conhecimento e do ato ético” e sem ele “a forma não pode ser esteticamente significante” (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 35).

Bakhtin (1988a [1975]) trata da obra como resultado de um trabalho arquitetônico do autor que reúne conteúdo, material e forma. É no contexto cultural e semântico-axiológico (científico, artístico, político etc.) ou no contexto de uma situação isolada da vida cotidiana que o enunciado se constitui, toma forma. Esta pode ocorrer nos âmbitos da materialidade do texto – forma composicional – e do discurso, com foco na organização do conteúdo, no todo do enunciado – forma arquitetônica.

O discurso, entendido como fenômeno social, constitui-se, então, de “dois poderes e duas ordens legais; dois sistemas axiológicos, o do conteúdo e o da forma5 5 Em O problema do autor, publicado no interior da obra Estética da criação verbal (BAKHTIN, 2003b [1979]), essas discussões são retomadas, já que se considera que a obra é constituída por dois sistemas de peso axiológico: conteúdo e forma, junto do aspecto material. ”, pois “em cada momento significante ambos os sistemas se encontram numa interação essencial e axiologicamente tensa” (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 38, grifo nosso). Como o capítulo se volta ao conteúdo, o autor aponta três princípios orientadores: (a) a necessidade de distinguir o elemento ético-cognitivo (o conteúdo) do estético; (b) a noção de que o conteúdo se volta ao campo ético, logo, não deve ser considerado como um pensamento, uma ideia; e (c) a apropriação do elemento ético-cognitivo do conteúdo por meio da co-apreciação, e não pela compreensão teórica.

Na terceira parte do ensaio: O problema do material, Bakhtin (1988a [1975], p. 46) considera o enunciado em um “contexto cultural e semântico-axiológico” Isso porque toda a significação é considerada “cultural” (cognitiva, ética e estética), assim como “axiológica”. Ao tratar do material, Bakhtin retoma o conteúdo, ao afirmar:

[...] ligado à palavra como um dos seus aspectos, ao lado do fonema, do morfema e de outros, o conteúdo apresenta-se mais tangível, mais reificado [...] conteúdo como elemento constitutivo indispensável [...] habitualmente tende-se a compreender apenas o momento da diferenciação objetal e da determinação cognitiva [...] mas este momento não pode em nenhuma hipótese esgotar o conteúdo (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 54, grifo nosso).

Aqui, trata-se do fato de que o conteúdo é inesgotável, muito embora já tenha sido apontado que ele foi submetido a uma unificação concreta, a um acabamento com a ajuda do material. Nesse ponto, aciona-se a terceira parte do ensaio, O problema da forma, considerada enquanto forma arquitetônica (organização de valores cognitivos e éticos) e em relação axiológica com o conteúdo. O questionamento maior que guia a discussão é: “como é que a forma, enquanto expressão verbal de uma relação subjetiva e ativa com o conteúdo, pode tornar-se uma forma criativa que realiza o conteúdo?” (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 59, grifo do autor).

O autor retoma a discussão sobre o conteúdo, destacando que ele é “aquietado” e “concluído” pela forma, o que demarca uma significação pura e ético-cognitiva, ou seja, uma reflexão valorativa que aprova ou desaprova uma prática, que está de acordo ou não com ela. O sujeito, assim, torna-se ativo na forma, ocupando posição axiológica fora do conteúdo, “e isto torna possível pela primeira vez o acabamento e em geral a realização de todas as funções estéticas da forma no que tange ao conteúdo” (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 59).

O conteúdo da obra é considerado o “fragmento” de um “acontecimento”, conforme segue: “um fragmento do acontecimento único e aberto da existência, isolado e libertado pela forma [...]” (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 60, grifo nosso). O que seria, então, esse acontecimento aberto e único? Seria possível compreendê-lo em associação à noção já mencionada de “realidade que entra na obra”? O conteúdo é a realidade do ato que foi submetida a uma unificação concreta, em função de determinado contexto, é um fragmento do acontecimento único, libertado pela forma. Logo, não é possível afirmar que conteúdo seja sinônimo de tema. Este termo só é acionado quando se exemplifica algum aspecto do formalismo, que o considera como momento do material.

De modo geral, a leitura do ensaio permite levantar aspectos interpretativos em relação ao ato de significar. Muito embora não seja explicitamente empregado, o tema pode ser visto como: (1) o sentido constituído nas fronteiras entre conteúdo e forma; (2) a realidade que entra na obra e se torna elemento indispensável; (3) o momento significante no qual interagem axiologicamente conteúdo e forma; (4) o acontecimento único e aberto da existência.

Discurso na Vida e Discurso na Arte

Discurso na vida e discurso na arte (DVDA) é um ensaio, de 1926, organizado em sete partes. Trata dos aspectos do discurso na vida, já apontados, por exemplo, em Para uma Filosofia do Ato, como a entoação, o juízo de valor e o extraverbal, constitutivos do discurso, assim como da distinção entre comunicação verbal estética e da vida cotidiana, instaurando o método sociológico.

Voloshinov (1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 5) afirma que o discurso está diretamente ligado à vida e não pode ser divorciado dela sem perder sua significação. Para isso, há o exemplo de duas pessoas, em uma sala, sendo que uma delas diz: “Bem”, e a outra não responde. Nesse caso, para nós, de fora, “Bem”, tomado isoladamente, é ininteligível, mas, para os sujeitos do diálogo, “faz pleno sentido, é completo e pleno de significação” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 5, grifo nosso). Logo, acionam-se as ideias de “sentido” e de “significação”, já que, para o autor, por mais que se dê valor ao aspecto verbal, “não se avançará um simples passo para o entendimento do sentido total de um enunciado” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 5, grifo nosso).

Infere-se, então, que o “sentido” volta-se para o total do discurso, como fruto dos elos estabelecidos com o contexto extraverbal. Isso porque o enunciado compreende “forma” e “significado” que são “determinados basicamente pela forma e caráter” da interação (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 9) e quando se extrai o enunciado do “solo real que o nutre”, perde-se “a chave tanto de sua forma quanto de seu conteúdo”. O significado e a importância do discurso na vida não coincidirão com o aspecto puramente verbal, pois há presumidos não enunciados, já que os sujeitos estão em constante compreensão e avaliação dos discursos.

É o contexto extraverbal que torna a palavra “Bem” “uma locução plena de significado para o ouvinte” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 5, grifo nosso). Ou seja, um enunciado pleno de conteúdo significativo, dentro de um contexto semântico mais amplo, que pressupõe, por exemplo, sabermos a entoação com a qual foi pronunciado. Diante disso, há o enunciado, fruto do elo entre significado do conteúdo e da forma, no âmbito de um contexto extraverbal, tornando-o pleno de sentido.

Logo, para compreender o “sentido total”, é preciso considerar o extraverbal que se constitui de: “a) o horizonte espacial comum dos interlocutores [onde e quando do enunciado]; b) o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores [objeto; aquilo de que se fala]; c) sua avaliação comum desta situação [atitude valorativa dos sujeitos]” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 5). No enunciado concreto, há, assim, o percebido e o presumido, com características que permitirão discutir o papel da constituição do sentido na enunciação. Quando se trata do percebido, refere-se aos “fatores estritamente verbais (linguísticos) do enunciado” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 4), isto é, ao aspecto técnico da forma. Já o presumido se volta ao extraverbal, vinculado ao “conteúdo, como sua avaliação ideológica” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
https://www.academia.edu/19347967/Discur...
[1926], p. 12).

Assim como se aborda o “sentido total” de um enunciado, outras passagens parecem refletir a questão mais global do sentido do enunciado, que nos leva a pensar no conceito de tema. Por exemplo, em: “Um entendimento viável da significação global do discurso deve reproduzir este evento de relação mútua entre os falantes” e “o conteúdo total do discurso e seu valor ideológico – o cognitivo, político, estético, ou outro – são inacessíveis [ao ponto de vista linguístico]” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
https://www.academia.edu/19347967/Discur...
[1926], p.10, grifo nosso), parece haver uma amplitude no entendimento do discurso. São acionados adjetivos, como “global” e “total”, que levam à compreensão do conteúdo em sua totalidade, e não somente como um objeto de que se fala.

Há uma percepção mais situada do objeto do enunciado, quando o autor aborda que o discurso é produto da interação de três participantes: “o falante (autor), o interlocutor (leitor) e o tópico (o que ou o quem) da fala (o herói)” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
https://www.academia.edu/19347967/Discur...
[1926], p. 9, grifo nosso). No texto, emprega-se, como sinônimo da expressão destacada: “objeto do enunciado”; “terceiro participante vivo” da interação; “o tópico (o que ou o quem) da fala (o herói)” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 9); “objeto do enunciado – o herói” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 11). De modo geral, o “herói” é o tópico da fala, seu conteúdo, tido como expressão ativa da avaliação, assim como o ouvinte também o é6 6 No ensaio de 1930, intitulado, A construção da enunciação, Volochínov (2013a [1930]) reafirma o entendimento sobre “o objeto ou tema de que trata a enunciação”, ou seja, daquilo de que se fala. .

O enunciado, como já exposto, compreende o conteúdo/o herói, assim como a forma que é significada pelo conteúdo. A forma, como materialidade do signo, precisa ser uma “avaliação convincente do conteúdo” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 11, grifos do autor), ou seja, há uma “escala avaliativa” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 13), há um peso hierárquico do “herói”, que determinará o nível geral da forma e de seus elementos configurantes. Isso porque “o herói funciona como o centro organizador do enunciado” (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926], p. 14).

De modo geral, da leitura de DVDA, em relação ao ato de significar, infere-se que: (1) o emprego de expressões como “sentido total” de um enunciado, “significação global” e “conteúdo total” do discurso permite pensar no conceito mais amplo do ato de significar, a tender para o tema; (2) na enunciação são estabelecidas relações entre sentidos e significados, junto do contexto extraverbal; (3) o conteúdo e a importância do discurso na vida não coincidirão com o aspecto puramente verbal; (4) o herói é considerado o “conteúdo do enunciado”; “o objeto do enunciado”; o “terceiro participante vivo” da interação; “o tópico da fala”; “o centro organizador do enunciado”.

O Método Formal nos Estudos Literários

O método formal nos estudos literários, produzido em 1928, configura-se como leitura fundamental para a compreensão dos elementos do Formalismo Russo, tendência estudada até o final dos anos 1980. Os formalistas consideravam, como objeto inicial de sua teoria, a linguagem poética, em detrimento da obra. Apresentavam como foco a oposição ao subjetivismo, desconsiderando o contexto externo em suas discussões. Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p.53), por sua vez, considera a “obra” como um “produto ideológico”.

Na leitura do livro, dois capítulos permitem reflexões mais profícuas a respeito do ato de significar, a saber: O material e o procedimento como componentes da construção poética e Os elementos da construção artística. No primeiro, Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 183, grifo nosso) afirma que “o sentido do enunciado possui um significado histórico e social [...] [com] realização aqui e agora, em dadas circunstâncias, em dado momento histórico, nas condições de dada situação social”, de modo a considerar o enunciado carregado de um sentido mais amplo, ou seja, como reflexo dos significados histórico e social.

O autor continua a tratar da avaliação do enunciado que reúne “a presença singular de um enunciado com a abrangência e plenitude do seu sentido” (MEDVIÉDEV, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 184, grifo nosso), isto é, essa presença singular, pode se referir aqui ao conteúdo, que recebe relativo acabamento, em condições específicas, como visto em Problema do Conteúdo, do material e da forma (BAKHTIN, 1988a [1975]). Além disso, existe uma plenitude de sentido do enunciado, algo amplo, não delimitado, que poderia ser pensado no âmbito do tema, assim como exposto em Discurso na Vida e Discurso na Arte.

As “formas de enunciado” são apresentadas no capítulo: Os elementos da construção artística, fundamentando a discussão na ideia de que a linguagem se materializa por meio de enunciados e seus gêneros. Ao tratar dos elementos da construção artística, concebe-se a arte como o modo de os sujeitos significarem a realidade, por meio da materialidade semiótica, o que contribui para as reflexões sobre os gêneros. Para Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928]), os formalistas não compreenderam o papel social dos gêneros, haja vista que a preocupação deles se voltava à linguagem poética, especificamente. Nesse sentido, é que se considera a realidade do gênero como a realidade social, marcada por um tempo e um espaço, e ele é definido, por Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 200), como “conjunto de meios de orientação coletiva na realidade, dirigido para seu acabamento”, que é sempre relativo.

Para o autor, os gêneros apresentam primeira e segunda orientações na realidade, com interdependência indissolúveis, que possibilitam tratar do sujeito situado socialmente (MEDVIÉDEV, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928]). Na primeira orientação, considera-se a exterioridade do gênero, relacionada à vida, para seus acontecimentos, quanto ao tempo, ao espaço e à esfera ideológica a qual o gênero se alinha. Na segunda orientação, o foco recai na interioridade do gênero, para aspectos de sua forma e conteúdo. Um primeiro aspecto a ser destacado se refere à afirmação de que “é possível somente um acabamento composicional do enunciado, porém, não é possível um acabamento temático autêntico dele” (MEDVIÉDEV, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 194, grifo nosso). Aqui, já se identifica característica voltada ao tema, à ideia de que ele não pode ser encerrado ou receber um acabamento, talvez em função de sua abrangência e amplitude.

Ademais, há a ideia de que “a obra está orientada na vida, como se diz, de dentro, por meio de seu conteúdo temático [...] cada gênero está tematicamente orientado para a vida, para seus acontecimentos” (MEDVIÉDEV, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 195, grifo nosso). Trata-se do conteúdo temático do enunciado, de modo mais restrito/situado, ao mesmo tempo em que se diz que o gênero é orientado para a vida tematicamente, caracterizando algo mais amplo, voltado aos acontecimentos. O tema parece ser a base mais instável da constituição do enunciado que se associa a uma significação, expressa no conteúdo. Assim, é no interior do tema que a significação tem a possibilidade de significar.

Além do emprego de “conteúdo temático”, Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 196, grifo nosso) passa a questionar: “o que então seria a unidade temática da obra?”. É possível depreender a resposta e observar o emprego de diferentes termos, segundo postulado pelo autor:

É impossível construir a unidade temática de uma obra como se ela fosse uma combinação dos significados de suas palavras e de suas orações isoladas. [...] A compreensão linguística do sentido da palavra e da frase convém à palavra e à frase como tais, mas não ao tema. O tema não se forma, em absoluto, desses significados; ele constitui-se somente com sua ajuda, assim como com a ajuda de todos os elementos semânticos da língua. Dominamos o tema com a ajuda da língua, mas não devemos incluí-lo na língua, como se fosse um elemento dela. (MEDVIÉDEV, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 196, grifo nosso).

Para o autor, a “unidade temática” não é combinação de significados de palavras isoladas. Além disso, a “compreensão linguística dos sentidos” das palavras cabe à palavra, tomada de forma isolada, e não ao “tema” que não se forma desses significados. Parece haver o mesmo entendimento de “sentidos das palavras” e seus “significados”. A partir disso, o “tema” se constitui com a ajuda da compreensão linguística e dos elementos semânticos da língua, de modo a transcender a “língua [por direcionar-se] para o todo do enunciado como apresentação discursiva. [...] O tema de uma obra é o tema do todo do enunciado [dimensão social constitutiva], considerado como determinado ato sócio-histórico” (MEDVIÉDEV, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 196, grifo nosso). O tema, então, está em realização na realidade social.

Diante do exposto, “unidade temática” e “tema” parecem conceitos correlatos. Isso se mantém quando são observadas as outras definições para os termos, já que o tema é inseparável da situação do enunciado e dos elementos linguísticos. Para o autor,

o todo do significado dos elementos verbais da obra é somente um dos meios de se dominar o tema, mas não é o próprio tema. [...] podem ser analisados apenas os significados das palavras e das orações [...], porém o próprio tema, compreendido como o tema do enunciado integral, não pode ser assim analisado. (MEDVIÉDEV, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 197, grifo nosso).

Para Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928]), o tema é inseparável da situação social. Ao tratar da unidade temática, ele considera errônea a definição de Tomachévski, de que “O tema (do que se fala) é formado pela unidade dos significados dos elementos isolados das obras” (MEDVIÉDEV, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 196). Na realidade, o formalista destaca o assunto (do que se fala) da obra, já que considera os aspectos linguísticos como meios para se alcançar o tema.

Ao mesmo tempo que o autor empregou tema, passa a dizer que “a unidade temática da obra é inseparável [...] das circunstâncias espaciais e temporais. [...] A unidade temática da obra e seu lugar real na vida unem-se, de forma orgânica, na unidade dos gêneros” (MEDVIÉDEV, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 197, grifo nosso). Além disso,

o conteúdo corresponderá à unidade temática (no seu limite); enquanto a forma corresponderá à realização efetiva da obra. [...] Não existe conteúdo sem forma, como também não existe forma sem conteúdo. A avaliação social é aquele denominador comum ao qual se reduzem o conteúdo e a forma [...]. (MEDVIÉDEV, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928], p. 206, grifo nosso).

No texto, há aproximação no entendimento de “unidade temática” e “tema”. Aqui, mais um sentido: o conteúdo correspondendo à unidade temática “no seu limite”, ou seja, o conteúdo apresenta relação com a unidade temática/tema, no seu limite, como se fosse possível dar um acabamento relativo ao que é dito. Em Bakhtin (1988a [1975]), quando trata do problema do conteúdo, este foi considerado como realidade submetida a um acabamento, com a ajuda do material. Logo, se é impossível dar acabamento temático ao enunciado, como expõe Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928]), o conteúdo não corresponde à noção de tema/unidade temática.

Nessa obra, Medviédev emprega o termo “tema”, sendo possível depreender algumas considerações a seu respeito: (1) não está direcionado para a palavra e nem para a frase isoladas da situação social; (2) se constitui com a ajuda da língua e a transcende; (3) é o tema do todo do enunciado; (4) é inseparável tanto do todo da situação do enunciado quanto dos elementos linguísticos; (5) é inseparável das circunstâncias espaciais e temporais; (6) corresponderá à unidade temática; (7) não pode ser concluído no enunciado.

Marxismo e Filosofia da Linguagem

Marxismo e filosofia da linguagem (MFL) se configura como uma das obras do Círculo mais reconhecidas no âmbito dos estudos linguísticos, produzida em 1929. Nela, Volochínov trata da concepção interacionista de linguagem, por meio de questionamentos em relação aos pressupostos da linguística estrutural e da estilística clássica, propondo um método sociológico para as ciências da linguagem, já iniciado em Discurso na vida e discurso na arte.

Alguns estudiosos (BOENAVIDES, 2015BOENAVIDES, W. M. Sobre o conceito de “Tema” em Marxismo e Filosofia da Linguagem. Organon, Porto Alegre, v. 30, n. 59, p. 211-224, jul./dez. 2015.; DIAS, 2005DIAS, L. F. Significação e forma linguística na visão de Bakhtin. In: BRAIT, B. Bakhtin: dialogismo e construção do sentido. Campinas, SP: Ed. da Unicamp, 2005. p.99-107.; SOBRAL, 2009SOBRAL, A. Tema e significação. In: SOBRAL, A. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Mercado de Letras, 2009. p. 73-82.; CEREJA, 2005CEREJA, W. Significação e Tema. In:BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p. 201-220.) já se debruçaram na discussão sobre tema, em MFL, principalmente, com foco no capítulo Tema e significação, em que se estabelece um contraponto entre os dois conceitos. Apesar de Volochínov (2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929]) destinar o Capítulo 7 para a discussão sobre tema, é importante ressaltar sua ocorrência ao longo da obra7 7 Boenavides (2015) registrou 93 ocorrências do termo, em MFL. Este texto não verificou, em números, as ocorrências do termo tema (ou de algum correlato), mas compartilha da ideia de que seis Capítulos o mencionam, respectivamente: Relação entre a infraestrutura e as superestruturas; Duas Orientações do Pensamento Filosófico Linguístico; Tema e Significação na Língua; O “discurso de Outrem”; Discurso indireto, discurso direto e suas variantes; Discurso indireto livre em francês, alemão e russo. Ademais, este texto considera que, no Capítulo, Língua, fala e enunciação, embora não haja menção ao termo, é possível tratar do tema, quando se aborda a mobilidade do signo . . Na leitura dos capítulos, é possível depreender o elo do conceito de tema com outros, como de infra e superestruturas; de forma e conteúdo; de valoração e de significação.

O Capítulo 2 aborda “O problema da relação recíproca entre a infra-estrutura e as superestruturas, [considerado] problema dos mais complexos e que exige, para sua resolução fecunda [...] [o] estudo do material verbal” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 42). O tema estará justamente no fim do processo iniciado na infra-estrutura, ou seja, na realidade, em diálogo com a superestrutura/esfera ideológica formalizada. Busca-se saber, então, como “a realidade (a infra-estrutura) determina o signo, como o signo reflete e refrata a realidade em transformação” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 42), indicando que o processo de enunciação é determinado tanto pela enunciação quanto pelo auditório social (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929]).

A partir disso, Volochínov (2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929]) aborda a psicologia do corpo social, segundo algumas características principais. A primeira trata do elo “entre a estrutura sócio-política e a ideologia no sentido estrito do termo (ciência, arte etc.)” que se materializa sob a forma de interação verbal (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 42-43). Desse modo, esse corpo social é inteiramente exteriorizado na palavra, a partir: “[1] do ponto de vista do conteúdo, dos temas que aí se encontram atualizados num dado momento do tempo”, ou seja, a partir do objeto do discurso e da situação social que se atualiza no tempo, constituindo um sentido completo da enunciação; e “[e 2] do ponto de vista dos tipos e formas de discurso através dos quais estes temas tomam forma, são comentados, se realizam [...]”, isto é, a partir dos gêneros discursivos (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 44, grifo nosso). A depender da época e do grupo social, há um repertório próprio de gêneros, de formas discursivas, que apresentam seu “grupo de temas” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 44), isto porque, segundo o autor, já em referência ao capítulo 7, as palavras/as formas discursivas apresentam pluralidade de significações que são alteradas com a mudança de situação. Com o tempo, muito embora o tema dissolva a significação, as significações começam a sofrer certa solidificação para o emprego temático das diferentes palavras, podendo formar o que se denominou grupo de temas. Desse modo, a palavra sempre opera como uma enunciação completa, sem significações estáveis. Por esse motivo, mais adiante nas discussões, o autor afirmará que não é possível traçar um limite rígido entre o tema e a significação.

Ainda no capítulo 2, o autor trata da relação entre o conceito de tema e forma; os temas apresentam significação que se materializa na forma. Se o signo advém da interação, torna-se indispensável que “o objeto [o conteúdo] adquira uma significação interindividual” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 46, grifo nosso), a fim de formar o signo, carregado de valor social.

No capítulo 7, de forma mais pontual, o autor trata da relação entre tema e significação, apontando definições mais claras do que seja tema. Todavia, no capítulo 2, o autor já antecipa uma noção: “Admitamos chamar a realidade que dá lugar à formação de um signo de tema do signo. Cada signo constituído possui seu tema. Assim, cada manifestação verbal [enunciado] tem seu tema” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 46, grifo nosso). De modo geral, o tema é concebido como a realidade8 8 Esse sentido de tema voltado à realidade é desenvolvido, também, no ensaio de 1930, A palavra e sua função social. que participa da constituição do enunciado. No ensaio sobre o problema do conteúdo, Bakhtin (1988a [1975]) já parecia apontar para esse entendimento, já que lá se refere à “realidade do conhecimento e do ato estético” (BAKHTIN, 1988a [1975], p. 35) que, quando recebe um “acabamento”, com o auxílio de um material, passa a ser considerada o conteúdo da obra.

Esses pressupostos parecem ser reafirmados no capítulo 7: “[o tema da enunciação] se apresenta como a expressão de uma situação histórica concreta que deu origem à enunciação” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 133, grifo nosso). A situação histórica concreta/a realidade e sua expressão são compreendidas como o grande tema social, objetivamente inexaurível. Além disso, o autor complementa, em nota de rodapé: “Esse termo é, naturalmente, sujeito a dúvidas. Para nós, o termo “tema” cobre igualmente sua realização; é por isso que ele não deve ser confundido com o tema de uma obra de arte” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 133, grifo nosso), já que, neste último caso, ele é compreendido nos limites do texto literário. Por fim, o autor afirma: “O conceito de “unidade temática” é o que estaria mais próximo do nosso” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 133). Nesse caso, Volochínov compreende o tema como a realidade que cobre sua realização e o aproxima da noção de unidade temática. Isso ocorre, pois, em O método formal nos estudos literários, Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928]) propõe que a unidade temática da obra é inseparável das circunstâncias espaciais e temporais, considerando sua realização social. Logo, tema e unidade temática são termos próximos, no sentido de que são inseparáveis de sua orientação para a realidade.

Além de considerar o tema como a expressão da “situação histórico concreta”, o autor afirma, logo no início do capítulo: “Um sentido definido e único, uma significação unitária, é uma propriedade que pertence a cada enunciação como um todo. Vamos chamar o sentido da enunciação completa o seu tema” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 133, grifo nosso). O enunciado prenhe de sentido é constituído do elo entre: (1) a expressão de uma situação histórica e concreta; o “sentido definido e único”; o “tema”, isto é, o sentido assumido a cada realização (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929]); e (2) a “significação”; a expressão abstrata; o significado linguístico, ou seja, o significado semiótico do dado (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929]).

O tema é dotado de significação e precisa da forma do enunciado para se materializar. Quando isso ocorre, a significação se torna tema de determinado discurso e passa a ser constituída semanticamente pelas formas que a materializaram. Desse modo, o tema é considerado individual, reiterável, flexível e dinâmico, haja vista as condições de produção do enunciado em um tempo-espaço. Além disso, é determinado pelas formas linguísticas e pelos elementos não verbais da situação, em referência aos aspectos já tratados nos textos antecedentes: o dado-a-realizar/a realidade irrepetível (BAKHTIN, 2017BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017 [1986]. Escrito de 1920 a 1924. [1986]); o presumido (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926]); o conteúdo-sentido (BAKHTIN, 2017BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017 [1986]. Escrito de 1920 a 1924. [1986]); e o percebido (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926]).

Por isso que se diz que o tema se apoia “sobre uma certa estabilidade de significação; caso contrário, ele perderia seu elo com o que precede e o que segue, ele perderia, em suma, o seu sentido” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 134). A estabilidade da significação se refere a um sistema semiótico com uma potência de significar, dentro do tema concreto. A significação é compreendida como “elementos que são reiteráveis e idênticos cada vez que são repetidos (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 134, grifo do autor). Trata-se do aparato técnico para a realização do tema, um sistema semiótico, que significa. Logo, “o tema constitui o estágio superior real da capacidade linguística de significar. De fato, apenas o tema significa de maneira determinada” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 136, grifo do autor). Logo, o estudo da significação de um elemento linguístico pode ocorrer no limite do tema (superior), quando se trata da significação contextual da palavra, enquanto enunciado concreto, e/ou no limite da significação (inferior), com o estudo da palavra no sistema, mas com potência para significar no âmbito do tema.

O tema, com seu conteúdo atualizável a cada enunciação, é constituído também pela forma que o carrega e expressa o índice de valor que é, por natureza, interindividual. Sendo assim, questiona-se: é possível compreender a significação somente a partir da noção de que se refere aos elementos não reiteráveis da língua? No Capítulo 5 é que Volochínov (2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929]) trata do conceito de “mobilidade específica”, que pode auxiliar no entendimento da relação entre tema e significação:

Enquanto uma forma linguística for apenas um sinal e for percebida pelo receptor somente como tal, ela não terá para ele nenhum valor linguístico. [...] o elemento que torna a forma linguística um signo não é sua identidade como sinal, mas sua mobilidade específica; da mesma forma que aquilo que constitui a descodificação da forma lingüística não é o reconhecimento do sinal, mas a compreensão da palavra no seu sentido particular, isto é, a apreensão da orientação que é conferida à palavra por um contexto e uma situação precisos, uma orientação no sentido da evolução e não do imobilismo. (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 97, grifo nosso).

O autor compreende a mobilidade específica como “apreensão da orientação que é conferida à palavra por um contexto e uma situação precisos”, característica voltada ao tema, situação concreta/situada, empregando, para isso, os aparatos técnicos, a significação. Esta apresenta orientação ao imobilismo quando desprendida da situação; no entanto, ao dar forma ao tema, origina a palavra que é compreendida em sentido particular.

É a compreensão ativa que possibilita acessar o tema, pois “compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 137). Por esse motivo, não é possível traçar uma fronteira evidente entre o tema e a significação. Esta pertence à palavra enquanto elemento de elo entre interlocutores; quando o sujeito busca o sentido da palavra, desconsiderando o tema do signo (a realidade que dá lugar a sua formação), atinge o seu nível inferior estável e idêntico a si mesmo, cortando a corrente da comunicação, responsável por fornecer vida à significação.

A enunciação constitui-se do diálogo entre a estabilidade da significação, que possibilita o seu reconhecimento em diferentes contextos, e a mobilidade relativa, em função da realidade temática das tensões sociais. Junto do tema e da significação de um conteúdo, há também o acento de valor ou apreciativo. Só compreendemos a evolução histórica do tema e das significações que o compõem, em função do horizonte apreciativo de um dado grupo social9 9 No ensaio Algumas ideias-guia para a obra ‘Marxismo e filosofia da linguagem’, Volochínov (2013c [1930]) considera a avaliação como o aspecto mais ativo e socialmente significativo que vem à tona na enunciação. Para estabelecer significado é necessário um horizonte social axiológico, que permitirá ao grupo social as mudanças nos significados das palavras, na linguagem. . Por isso que a significação, elemento abstrato em si mesmo, é absorvida pelo tema, pela porção instável do ato de significar, “para retornar enfim sob a forma de uma nova significação com uma estabilidade e uma identidade igualmente provisórias” (VOLOCHÍNOV, 2012VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012 [1929]. [1929], p. 141).

Em discussões posteriores, Bakhtin retoma aspectos expostos em MFL, por exemplo, quando afirma que os sentidos são sempre renováveis e que irão reviver em cada novo contexto (em 1930-1940, em Metodologia das Ciências Humanas); assim como a ideia de que, no confronto dos sentidos, revelam-se relações dialógicas e valores sociais determinados pelo grupo social (em 1959-61, em O problema do texto na Linguística, na Filologia e em outras Ciências Humanas).

A partir do exposto, é possível depreender algumas considerações a respeito ao tema: (1) relaciona-se à psicologia social; (2) é a realidade que dá lugar à formação de um signo, denominada de tema do signo; (3) é a realidade que participa da constituição do enunciado; (4) é a expressão de uma situação histórica concreta de interação; (5) não deve ser confundido com o tema de uma obra de arte; (6) aproxima-se do conceito de “unidade temática”; (7) é um sentido definido e único; (8) é dotado de significação e precisa da forma do enunciado para se materializar; (9) é individual, reiterável, flexível e dinâmico; (10) se apoia sobre certa estabilidade de significação; (11) constitui o estágio superior real da capacidade linguística de significar; (12) é vinculado à mobilidade relativa; (13) atua junto da significação e do acento de valor ou apreciativo.

A construção da enunciação

Em 1930, é produzido o ensaio A construção da enunciação que, assim como as demais obras do Círculo, reafirma a natureza social da linguagem. Volochínov (2013a [1930], p. 170, grifo nosso) argumenta que cada enunciação apresenta, além da orientação social, “um significado, um conteúdo. Privada desse conteúdo, a enunciação torna-se um encadeamento de sons sem sentido e perde seu caráter de interação verbal”. Para alcançar o significado da enunciação, por meio do conteúdo e da forma do discurso, é preciso conhecer as condições nas quais ela foi pronunciada. A partir disso, o autor anuncia que

Quase todas as palavras de nossa língua podem ter significados distintos, segundo o sentido geral de toda enunciação. Esse sentido geral depende tanto da situação imediata que gerou diretamente a enunciação, como de todas as causas e condições gerais mais remotas daquele intercâmbio comunicativo verbal específico. (VOLOCHÍNOV, 2013a [1930], p. 171, grifo nosso).

Para se alcançar o “sentido geral” da enunciação, é preciso considerar a situação imediata, assim como as causas e condições do momento da interação. Em MFL, há o emprego de “sentido geral da enunciação”, ao tratar do tema, haja vista que o sentido da enunciação completa é determinado pelas formas linguísticas e pelos elementos não verbais da situação.

Diante disso, Volochínov (2013a [1930]) considera que cada enunciação se compõe de duas partes: verbal e não verbal, e utiliza um exemplo para ilustrar: um homem de barba grisalha, sentado diante de uma mesa, que diz “já!”. Um jovem que estava em pé, fica corado e vai embora. O que pode significar a parte verbal da enunciação: “já!”? Por qual motivo não compreendemos a situação? Não há compreensão porque desconhecemos a segunda parte da enunciação (não verbal) que determina o significado da primeira, a verbal. Se não sabemos onde, nem quando ocorreu a conversação, “desconhecemos o tema da conversação [...] desconhecemos a relação que ambos interlocutores têm relativamente a esse tema, suas respectivas valorações” (VOLOCHÍNOV, 2013a [1930], p. 172, grifo do autor).

O tema da conversação é um dos três aspectos subentendidos da parte não verbal: [1] espaço e o tempo em que ocorre a enunciação (“onde” e o “quando”); [2] objeto ou tema de que trata a enunciação (“aquilo de que” se fala) e [3] atitude dos falantes face ao que ocorre (a valoração) (VOLOCHÍNOV, 2013a [1930], p. 172, grifo nosso). Nesse caso, o autor considerar o “objeto ou tema”, como sinônimos, isto é, como sendo “aquilo de que se fala”, em diálogo muito próximo com a definição de “tópico/herói/objeto do enunciado”, presente em Discurso na vida e discurso na arte. Volochínov (2013a [1930]) afirma que a situação e o auditório determinam a orientação social da enunciação, assim como o próprio tema da conversação, ou seja, aquilo de que se fala.

A partir do exposto, no texto, emprega-se tema, como: (1) o objeto ou tema de que trata a enunciação; (2) “aquilo de que” se fala.

A Palavra e sua função social (1930)

Volochínov (2013b [1930]) inicia seu texto com a discussão a respeito da transformação do objeto em signo ideológico, tal qual realizou em MFL. Para fazer com que um objeto adentre o horizonte social de um grupo e possibilite reações semânticas, ideológicas, é preciso que ele esteja vinculado às premissas socioeconômicas da realidade objetiva do grupo.

Há, então, a palavra como signo, com um som significante, pronunciada ou pensada em determinado momento histórico real, no intercâmbio comunicativo. Ela não é somente um ponto de vista, mas um “ponto de vista avaliativo”, porque, ao empregar a palavra, o sujeito percebe a “realidade objetiva [...] que a palavra reflete enquanto dela é um signo” (VOLOCHÍNOV, 2013b [1930], p.196). Ademais, “[...] uma mesma palavra nos lábios de pessoas de classes distintas reflete também pontos de vista distintos, mostra relações diferentes com a mesma realidade, com o mesmo fragmento de realidade que constitui o tema daquela palavra” (VOLOCHÍNOV, 2013b [1930], p. 197, grifo nosso). Aqui, o tema da palavra é considerado como a “realidade” ou o “fragmento da realidade”, em um sentido mais discursivo do termo, que está além dos limites linguísticos do enunciado.

É nesse sentido que o texto destaca que não avaliamos a palavra enquanto som “carregado de um significado, nem avaliamos a palavra enquanto objeto de estudo gramatical, mas avaliamos o significado, o conteúdo, o tema [...]” (VOLOCHÍNOV, 2013b [1930], p. 197, grifos do autor). A palavra é carregada de (1) significado objetivo/objetal (dependente da situação social); (2) conteúdo, que pode ser compreendido como parte de uma realidade maior, como um fragmento do acontecimento; (3) de tema, entendido como “Arealidade objetiva histórica e naturaltorna-setema de nossas palavrasenquanto signos ideológicos (VOLOCHÍNOV, 2013b [1930], p. 200, grifo nosso). Logo, a realidade objetiva se torna tema da enunciação, diferentemente do conteúdo, fragmento do acontecimento maior.

A partir do exposto, é possível depreender algumas considerações a respeito de tema: (1) realidade que se torna tema; (2) não o confundir com conteúdo.

O Discurso no Romance

O Discurso no romance foi produzido entre os anos de 1934-1935 e integra a obra brasileira Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (QLE). Na parte introdutória, Bakhtin (1988b [1975]) afirma que o objetivo do trabalho é o de eliminar a ruptura entre o formalismo e o ideologismo abstratos nos estudos literários. Isso porque passa a compreender o discurso como fenômeno social. No decorrer do ensaio, Bakhtin defende o romance como um “fenômeno pluriestilístico, plurilíngue e plurivocal” (BAKHTIN, 1988b [1975], p. 73) e “uma diversidade social de linguagens organizadas artisticamente” (BAKHTIN, 1988b [1975], p. 74). O romance é considerado à luz das diferentes vozes sociais que o compõem, de modo a orquestrar todos os seus temas, ou seja, todos os seus conteúdos.

Em relação ao tema do gênero romance, Bakhtin (1988b [1975], p. 135, grifos do autor) afirma que o “principal objeto do gênero romanesco [...] é “o homem que fala e sua palavra”, indicando ainda: “a pessoa que fala e seu discurso” e o sujeito que fala e sua palavra na esfera extraliterária da vida (BAKHTIN, 1988b [1975], p. 138, grifos do autor). Isso revela o claro diálogo com a obra Problemas da obra de Dostoiévski, de 1929, depois, renomeada Problemas da poética de Dostoiévski”, de 1963, que registra o grande interesse dos estudiosos pela literatura. Nela, o tema fundamental de todas as obras do gênero romance (como as de Dostoiévski) é a “orientação do homem em relação ao discurso do outro e à consciência do outro” (BAKHTIN, 2015BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. 5. ed. Tradução: Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015 [1963]. [1963], p. 237), pois o discurso do herói sobre ele mesmo se constitui da influência do discurso do outro sobre ele.

O tema do gênero romance pode ser considerado a fala/o discurso do homem comum, no âmbito da esfera literária. Esse objeto/tema do gênero é penetrado por diferentes ideias, entonações; ele orienta o discurso que entra em diálogo com outros já-ditos, gerando compreensões do sentido atual do discurso, a partir de outras enunciações do mesmo tema.

A partir do exposto, é possível depreender algumas considerações a respeito ao tema: (1) trata-se do tema do gênero romance, definido como o homem que fala e sua palavra ou a pessoa que fala e seu discurso.

Formas de Tempo e de Cronotopo no Romance

O ensaio Formas de tempo e de cronotopo no romance foi escrito originalmente entre 1937-1938 e integra a obra Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (QLE). O foco principal do texto está na discussão sobre o cronotopo, ou seja, nas relações indissolúveis entre tempo e espaço, assimiladas na literatura, haja vista que o espaço pode ser fixo, mas é, em seu interior, que o tempo é percebido. Bakhtin (1988c [1975]) considera o cronotopo como elemento fundamental para o estudo dos gêneros, pois organiza os acontecimentos no espaço e no tempo.

Ao tratar do romance grego, o autor trata dos diferentes “temas” como elementos constitutivos nos enredos, por exemplo, o encontro, a despedida etc. que são “cronotópicos por natureza” (BAKHTIN, 1988c [1975], p. 222). Logo, apesar dos “motivos dos romances” (BAKHTIN, 1988c [1975], p. 227) não serem novos, pois já haviam sido desenvolvidos por outros gêneros, no âmbito desse cronotopo, eles adquirem novo significado, em funções particulares. O tema é conceito empregado pelo autor, no sentido de conteúdo/objeto do romance que acaba sendo determinado por uma orientação singular para uma realidade, segundo a visão de mundo do grupo social: “À medida que o corpo social se divide em classes, o complexo sofre importantes modificações, e os motivos e temas correspondentes passam por reinterpretações” (BAKHTIN, 1988c [1975], p. 321, grifo nosso).

A leitura do texto possibilita depreender que o significado dos cronotopos carrega consigo seu significado temático, pois eles organizam os acontecimentos temáticos do romance: “cada tema possui seu próprio cronotopo” (BAKHTIN, 1988c [1975], p. 357). Podemos acionar, aqui, as noções de conteúdo apontadas, por exemplo, em Problema do conteúdo, quando Bakhtin (1988a [1975]) afirma que o conteúdo/objeto, em um determinado espaço e tempo, é submetido a uma unificação concreta, a um relativo acabamento, dentro de determinada situação social. Assim como o herói/tópico (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926]), compreendido como o objeto do enunciado.

A partir do exposto, é possível depreender algumas considerações a respeito do tema: (1) está em diálogo com o conceito de cronotopo; (2) compreendido como conteúdo/objeto do romance; (3) recebe orientação singular para uma realidade, segundo a visão de mundo do grupo social.

A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais

A Cultura popular na Idade Média e no Renascimento (CPIMR), produzida em 1940, é obra de referência nos estudos literários, principalmente, àqueles que se dedicam à história do riso e à cultura popular. Na Apresentação do Problema, Bakhtin apresenta o objetivo central: compreender a influência da cultura cômica popular na obra de François Rabelais. Em CPIMR, a concepção de signo como arena de luta, local de entrecruzamento de valores sociais, presente, por exemplo, em MFL, é ilustrada claramente, já que se abordam as diferenças de significados que uma mesma palavra apresenta, em diferentes contextos. Principalmente, em As imagens de Rabelais e a realidade de seu tempo, Bakhtin destaca como Rabelais aborda costumes de sua época por meio de outras palavras.

No capítulo 1, Rabelais e a História do Riso, Bakhtin analisa a obra de Rabelais e suas relações com a cultura popular. No capítulo dois, Bakhtin discorre sobre a presença dos elementos do realismo grotesco, inerentes à narrativa. O todo imagético do realismo é analisado no terceiro capítulo; destacam-se as imagens do parto, do ato de comer. Bakhtin (1993 [1965], p.392) revela como Rabelais, por meio de suas imagens, busca evidenciar “sua ligação com a realidade efetiva”, por meio dos planos da realidade contemporânea, da atualidade política e do carnavalesco e popular da guerra.

Sendo assim, há planos maiores que recobrem as imagens/as palavras de Rabelais, pois toda a sua obra “está ligada da forma mais estreita aos acontecimentos e problemas políticos de seu tempo” (BAKHTIN, 1993BAKHTIN, M. M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec; Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1993 [1965]. Escrito em 1940. [1965], p. 393). Por exemplo, as imagens da guerra picrocholina são “um eco vivo do tema político do agressor, de grande atualidade” (BAKHTIN, 1993BAKHTIN, M. M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec; Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1993 [1965]. Escrito em 1940. [1965], p. 393, grifo do autor). Ademais, nas imagens das festas, no plano carnavalesco, revela-se “o sentido mais profundo do processo histórico” (BAKHTIN, 1993BAKHTIN, M. M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec; Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1993 [1965]. Escrito em 1940. [1965], p. 394, grifo do autor). Bakhtin apresenta a palavra/a imagem dos elementos, no texto de Rabelais, dialogando diretamente com a época, com a realidade social deste. Essa orientação espaço-temporal que determina a elaboração do discurso/do gênero, retoma os conceitos estudados de cronotopo, em Formas do tempo e do cronotopo (BAKHTIN, 1988c [1975]).

Bakhtin trata de algumas peças, como Le jeu de la feuillé, de Arras, e indica, por exemplo, o “tema do banquete” e “o tema do jogo de dados” (BAKHTIN, 1993BAKHTIN, M. M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec; Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1993 [1965]. Escrito em 1940. [1965]), p. 226, grifo do autor) que, de acordo com o cronotopo, receberão diferentes significados, pois “cada objeto, cada entoação, encontra-se no ponto de intersecção das fronteiras das línguas-concepções do mundo, é englobado numa luta ideológica encarniçada” (BAKHTIN, 1993BAKHTIN, M. M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec; Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1993 [1965]. Escrito em 1940. [1965], p. 415, grifo do autor).

A partir do exposto, é possível depreender algumas considerações a respeito do tema: (1) compreendido como conteúdo/objeto do romance; (2) recebe orientação singular para uma realidade, segundo a visão de mundo do grupo social.

Os Gêneros do Discurso

Os gêneros do discurso foi escrito entre 1951 e 1953, em Saransk, e foi publicado, na Rússia, pela primeira vez, numa coletânea em 1979. Nesse ensaio inacabado, Bakhtin (2003a [1979]) apresenta o enunciado como entidade concreta e a língua como instrumento sócio-histórico, constituídos e estruturados pelas formas de organização e de distribuição de esferas sociais, como as esferas do cotidiano (familiares e íntimas) e as esferas dos sistemas ideológicos constituídos (moral, religião, ciência, arte etc.). Em seu interior, os enunciados refletem as suas condições e finalidades, não apenas em seu conteúdo (temático), mas também em seu estilo e sua construção composicional. Para o autor, “cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominados gêneros do discurso” (BAKHTIN, 2003a [1979], p. 262, grifo do autor). Por conseguinte, a esfera na qual o gênero está inserido é o ponto de partida para o seu estudo.

A concepção de que os gêneros são tipos relativamente estáveis respalda-se na perspectiva histórica da linguagem e não na teórico-abstrata. Isso porque os gêneros são tipos de enunciado estilísticos, temáticos e composicionais, constituídos historicamente, com peculiaridades estruturais comuns, no interior de situações sociais de emprego da linguagem. Além disso, os gêneros são as “correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem” (BAKHTIN, 2003a [1979], p. 268), constituindo-se pelo “conteúdo temático”, pelo “estilo da linguagem” e pela “construção composicional” (BAKHTIN, 2003a [1979], p. 261).

De acordo com Bakhtin, os objetos de discurso estão presentes nas esferas sociais e são inesgotáveis. Por estar nos limites do enunciado, esse objeto, já considerado tema/conteúdo, carregado de sentido, pode ser exaurido, ou seja, “esgotado” (HOUAISS, 2004HOUAISS, A. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004., p. 332), o que permite falar da “exauribilidade do objeto e do sentido” ou “exauribilidade semântico-objetal do tema” (HOUAISS, 2004HOUAISS, A. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004., p. 281), um dos fatores que proporciona abordar a totalidade acabada do enunciado. Aqui, é possível retomar O problema do conteúdo, do material e da forma na atividade estética (BAKHTIN, 1988a [1975]), quando Bakhtin afirma que o conteúdo do objeto é submetido a um acabamento, tornando-se conteúdo com sentido ético-cognitivo.

Esse tema do enunciado/conteúdo temático ganha conclusibilidade em função de condições definidas pelo autor. A intenção/o intuito determina a escolha do objeto, assim como o tratamento exaustivo do sentido do objeto. O momento subjetivo (a intenção) combina com o aspecto semântico-objetivo, restringindo-o, vinculando-o a uma situação concreta particular de comunicação, tornando-o conteúdo de um dado enunciado.

Para Bakhtin (2003a [1979], p. 292), “quando escolhemos as palavras na construção do enunciado, costumamos tirá-las de outros enunciados, de enunciados congêneres com o nosso, isto é, pelo tema, pela composição, pelo estilo”. Sendo assim, por pertencerem a uma mesma esfera e a um mesmo gênero, há certas regularidades do gênero, não como regra, por isso, que Bakhtin diz: “normatividade do gênero mais livre” (BAKHTIN, 2003a [1979], p. 293) e complementa:

O gênero do discurso não é uma forma da língua mas uma forma típica do enunciado; como tal forma, o gênero inclui certa expressão típica a ele inerente. No gênero a palavra ganha certa expressão típica. Os gêneros correspondem a situações típicas da comunicação discursiva, a temas típicos, a alguns contatos típicos dos significados das palavras com a realidade em circunstâncias típicas [...] (BAKHTIN, 2003a [1979], p. 293, grifo nosso).

Os gêneros podem ser considerados pela perspectiva da tipificação social dos enunciados, com certas regularidades comuns, constituídas historicamente nas atividades humanas. Então, esses gêneros corresponderão a “temas típicos”, que podem ser entendidos, por meio da citação, como: “situações típicas da comunicação” e “realidade em circunstâncias típicas”. Ou seja, o gênero, no âmbito de determinada esfera e situação social, apresenta um tema típico a ser tratado. Essa tipificação é marcada linguisticamente e composicionalmente no gênero, em função do imobilismo linguístico. Quando esse conteúdo/tema típico ganha conclusibilidade, em função de condições definidas pelo autor, Bakhtin destaca o “tema do enunciado”.

Por exemplo, no caso do gênero artigo-jornalístico, há como conteúdo típico, o ponto de vista do articulista sobre acontecimentos sociais e políticos do contexto histórico-social, objetos de notícias jornalísticas (RODRIGUES, 2005RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 152-183.). Quando se passa a análise de um exemplar específico do gênero, assim como realizou Rodrigues (2005)RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 152-183., com o texto-exemplo, A previdência e a expectativa de vida, de Antônio Ermírio de Moraes, aborda-se o “conteúdo temático do enunciado” ou o “tema do enunciado”, já que o articulista pertence à categoria empresarial, que “toma a reforma previdenciária como objeto do seu discurso, tema em debate naquele momento histórico e focalizada pela mídia, e ‘exprime’ o seu acento de valor como ‘a verdade’ ao posicionar-se a favor da reforma” (RODRIGUES, 2005RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 152-183., p. 173). O artigo é motivado por acontecimentos da atualidade, como a reforma da previdência, de modo que o artigo produzido se constitui como reação-resposta a outros discursos da atualidade (o já-dito), estabelecendo relações dialógicas, e buscando a reação-resposta ativa do seu interlocutor. Desse modo, o conteúdo do enunciado adquire um sentido particular, tornando-se relativamente concluído, em função das condições de produção e das relações valorativas estabelecidas. É nesse contexto que se trata da relativa conclusão ou relativo esgotamento do objeto e do sentido, elemento de acabamento do enunciado.

A partir do exposto, é possível depreender algumas considerações a respeito do tema: (1) voltado ao objeto da enunciação; (2) ganha conclusibilidade em função de condições definidas pelo autor; (3) compreendido como o tema do enunciado/conteúdo temático do enunciado e tema típico/conteúdo temático típico do gênero.

Essa percepção de tema, de modo geral, não se alinha com a proposta em MFL, já que, nesta obra, a enunciação se constitui do diálogo entre a estabilidade da significação, que possibilita o seu reconhecimento em diferentes contextos, e a mobilidade relativa, em função da realidade temática das tensões sociais. MFL aborda o tema como a própria situação concreta, o sentido total do enunciado, irrepetível, em diálogo com a significação composta de elementos que são reiteráveis e idênticos, com certa estabilidade. Logo, a significação, ao dar forma ao tema, origina a palavra que é compreendida em sentido particular.

Tendo isso em vista, seria possível afirmar que os gêneros se voltam tanto ao tema, quanto à significação, para sua efetiva realização? A resposta poderia ser afirmativa, uma vez que tema e significação estão em um contínuo, não sendo possível restringir o entendimento sobre o gênero apenas à significação, por exemplo. O gênero materializa-se linguisticamente, apresenta relativa estabilização, dotada de significação, o que permite tratar de seu caráter regulador para a construção, acabamento e avaliação do enunciado. Essa significação dará forma ao tema da enunciação, originando o gênero, em sentido particular, ou seja, na sua composição há elementos advindos de outros discursos sociais, mas que são renovados, a cada nova situação social de interação. Logo, assim como Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019 [1928]. [1928]), Bakhtin compreende que o gênero é orientado coletivamente, na realidade, dirigindo-se a um possível acabamento.

Diálogos entre as obras quanto ao conceito de tema

A leitura dos trabalhos do Círculo revela a importância dos elos entre eles, a fim de delimitar melhor os conceitos que são abordados pelos estudiosos, ao longo dos anos. De modo geral, foi possível depreender tendências gerais no entendimento do conceito de tema como: (1) sentido total da enunciação, acontecimento, realidade e momento no qual, axiologicamente, interagem conteúdo e forma; (2) relação entre significação e valoração do signo ideológico; e (3) objeto da enunciação/do enunciado (Cf. Quadro 2).

Quadro 2
Compreensão sobre o tema em alguns textos do Círculo.12

O estudo a respeito do tema leva-nos a reafirmar o quão complexo é refletir sobre esse conceito-chave. As tendências aqui expostas são possibilidades interpretativas que podem revelar que, no interior do próprio Círculo, os estudiosos apresentavam diferentes entendimentos sobre o assunto.

Ao pensar cronologicamente, nos textos de 1920 a 1926 (muito embora seja praticamente inviável pensar em limites tão pontuais ao se tratar de aspectos da linguagem), assim como em suas autorias, a tendência (1) se marca, principalmente, em função da compreensão do tema como sendo o sentido total da enunciação, o acontecimento, a realidade e o momento no qual, axiologicamente, interagem conteúdo e forma. Em Para uma filosofia do ato responsável (BAKHTIN, 2017BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. 3. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017 [1986]. Escrito de 1920 a 1924. [1986]), o autor trata desse sentido fruto dos elos entre o repetível e o irrepetível, ideia presente, também, em Problema do conteúdo, do material e da forma na atividade estética (BAKHTIN, 1988a [1975]), quando se aborda o elo entre o fato e a singularidade. Na sequência, Bakhtin pontua que o conteúdo/objeto estético é a realidade do conhecimento e do ato que foi unificado. Logo, é no interior dessa realidade significativa maior, denominada também como acontecimento único e aberto, que o conteúdo (fragmento dessa realidade) se constitui e significa. Em Discurso na vida e discurso na arte, Voloshinov (1976VOLOSHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte: (sobre poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo. 1976 [1926]. Disponível em: https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte. Acesso em: 26 maio 2022.
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[1926]) aborda o sentido total, ou seja, o contexto semântico mais amplo do enunciado que envolve, além do aspecto verbal, o extraverbal, definido segundo os horizontes espacial; de compreensão comum da situação e de sua avaliação. Logo, o tema estaria em um âmbito mais amplo/superior do significar, sendo que, em seu interior, os objetos/os conteúdos são significados.

De 1928 a 1930, nos textos de Medviédev e Volochínov, há um foco maior na acepção (2), ou seja, o tema voltado à relação entre significação e valoração do signo ideológico. Em O método formal nos estudos literários (1928), Medviédev trata da impossibilidade do acabamento temático e da noção de que os gêneros estão tematicamente orientados para a vida, aos acontecimentos. Dessa forma, o tema é o tema do todo do enunciado, não se igualando à noção de conteúdo, este visto como passível de acabamento relativo ao que é dito (ideia já demarcada no ensaio Problema do conteúdo, do material e da forma na atividade estética, de 1923-1924).

Nesse contexto, apresenta-se Marxismo e filosofia da linguagem (1929), que aborda o tema em relação às noções de significação e de valoração. Volochínov retoma dos textos anteriores alguns pressupostos, como a ideia de que o tema é o sentido da enunciação completa; a noção de que o tema recobre a sua realização, não sendo confundido com o tema de uma obra de arte, por exemplo, segundo preceitos formalistas. Mais do que isso, o autor considera o tema como a realidade que dá lugar à formação de um signo e como a situação histórica concreta que dá origem à enunciação (noção que será retomada, em 1930, no ensaio A palavra e sua função social).

Além disso, o tema se apoia sobre certa estabilidade, algo já pontuado por Medviédev quando afirma que o tema é constituído com a ajuda da língua; no entanto, tanto Medviédev quanto Volochínov concordam que o tema não pode ser tomado como elemento dela. Volochínov postula que a significação se refere a um sistema semiótico com potência de significar, dentro de um tema concreto, por isso, ela se constitui de elementos reiteráveis e idênticos. Sem essa “estabilidade de significação”, o tema perderia seu elo com o que precede e o que segue. Desse modo, o entendimento da significação de um elemento linguístico pode ocorrer no limite do tema (superior), quando se trata da significação contextual da palavra, enquanto enunciado concreto, e/ou no limite da significação (inferior), com o estudo da palavra no sistema, mas com potência para significar no âmbito do tema.

Em 1930, no ensaio A construção da enunciação, Volochínov aborda novamente o sentido geral de toda a enunciação, retomando, de forma muito clara, os aspectos do extraverbal, apresentados em Discurso na vida e discurso na arte. Nesse momento, ele aborda o espaço e o tempo em que ocorre a enunciação; o “objeto ou tema de que trata a enunciação” (“aquilo de que” se fala”) e a atitude dos falantes. O autor emprega a conjunção alternativa “ou”, com ideia de alternância, de opção, logo, o objeto da enunciação equivaleria à tema, diferindo de Discurso na vida e discurso na arte que aborda o “objeto do enunciado”, não acionando o conceito de tema.

A partir disso, de 1930 a 1953, em textos assinados, em sua maioria, por Bakhtin, o entendimento de tema passa a estar mais claramente relacionado ao objeto do enunciado. Em O discurso no romance (1934-1935), Bakhtin trata do “objeto específico do gênero romanesco”, tendo como tema: “o homem que fala e sua palavra”. O mesmo acontece em Formas do tempo e do cronotopo no romance (ensaios de poética clássica) (1937-1938) e em A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais (1940).

Em Os gêneros do discurso (1951-1953), o foco recai nos gêneros como tipos relativamente estáveis, segundo perspectiva histórica da linguagem. Bakhtin, então, postula que os objetos de discurso se tornam “tema do enunciado”, adquirindo particularidade e aspecto relativamente concluídos, ou seja, tema e conteúdo temático podem ser compreendidos como equivalentes. Como já exposto, por exemplo, em Problema do conteúdo, do material e da forma na atividade estética (1923-1924) e O método formal nos estudos literários (1928), o conteúdo é um fragmento de uma realidade, de uma situação mais ampla, extraverbal, fato que é retomado no capítulo dos gêneros. A ideia de exaurir o conteúdo semântico-objetal revela a possibilidade de dar acabamento ao objeto do sentido, destoando das noções de tema propostas, por exemplo, em O método formal nos estudos literários (1928) e Marxismo e Filosofia da linguagem (1929), que revelam a impossibilidade de conclusão do tema.

Além disso, no ensaio dos gêneros, Bakhtin afirma que eles podem ser concebidos de acordo com a tipificação social, com certas regularidades comuns que foram constituídas nas atividades humanas. Em função disso, o gênero apresenta um tema típico (ou conteúdo temático do gênero), determinado no âmbito de uma esfera e situação.

De modo geral, os textos da tendência (1) não empregam explicitamente o termo tema, pois os autores indicam discussões voltadas aos sentidos que são estabelecidos dos elos entre porções repetíveis e irrepetíveis do enunciado e à realidade que entra na obra e a constitui. O conceito é abordado, de 1928 a 1930 (tendência 2), nos textos de Medviédev e Volochínov, indicando-se o tema como o tema do todo do enunciado, não correspondendo à noção de conteúdo, mas sim à de unidade temática. Isso porque, para Medviédev, o tema não pode ser concluído. Em MFL, Volochínov continua essa perspectiva e traz para o bojo das discussões o tema como relação entre significação e valoração no âmbito do signo ideológico. Desse modo, a significação, ao dar forma ao tema, origina a palavra que é compreendida em sentido particular. Já na tendência (3), as obras de Bakhtin revelam o tema como objeto do enunciado, pois ganha conclusibilidade relativa em função das condições de produção definidas pelo autor, por isso, o autor trata do “tema do enunciado”/“conteúdo temático”.

Conclusão

O objetivo deste artigo foi o de discutir, epistemológica e teoricamente, a concepção de tema e os conceitos a ele relacionados, nas obras do Círculo de Bakhtin. O que, em um primeiro momento, poderia ser considerada simples revisão de “literatura”, revelou-se como um trabalho árduo e necessário para o entendimento de um conceito-chave que, por vezes, não é o mais estudado, mas que se mostrou fundamental para a compreensão da linguagem como ação social.

O entendimento do conceito de tema se dá a partir do conjunto de textos de diferentes épocas, de modo a constituir a arquitetônica do pensamento do Círculo. Conforme Brait (2016)BRAIT, B. Dialogismo e polifonia em Bakhtin e o Círculo (Dez obras fundamentais). In: FARIA, J. (org.). Guia bibliográfico da FFLCH/USP. São Paulo: EdUSP, 2016. Disponível em: http://fflch.usp.br/sites/fflch.usp.br/files/2017-11/Bakhtin.pdf. Acesso em: 14 jun. 2019.
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, na leitura dos textos, cabe ao leitor, de acordo com seus interesses, estabelecer a ordem que responde às suas necessidades. Nos limites a que este texto se restringiu, esperamos ter contribuído para novas reflexões sobre o conceito, abrindo-se novas oportunidades de escrita sobre o tema, de modo a considerá-lo em relação a outros conceitos-chave, como valoração, relações dialógicas, cronotopo, compreensão etc.

Agradecimento

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS

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    » https://www.academia.edu/19347967/Discurso_Na_Vida_Discurso_Na_Arte
  • 1
    Neste texto, respeitamos as autorias das edições originais. Reconhecemos como da autoria de Bakhtin os textos publicados sob seu nome ou encontrados em seus arquivos.
  • 2
    Jano é uma divindade com duas faces: uma que representa o porvir (voltada para frente) e outra, o que já passou (voltada para trás). Essa analogia é evocada, pelo Círculo, já que nada é definitivo, tudo está por vir e é fruto de um elo dialógico entre discursos do passado, do presente e do futuro, assim como consta em Formas de tempo e de cronotopo no romance (BAKHTIN, 1988c [1975], p. 263), dentre outros.
  • 3
    Neste texto, durante a exposição sobre tema, sentido, conteúdo etc., outros conceitos do Círculo são acionados, como valor, relações dialógicas, cronotopo, compreensão, dentre outros. Como o foco, aqui, é observar os desdobramentos do tema, ao longo das obras, o aprofundamento sobre as relações específicas entre tema e outros conceitos será apresentado em outras produções.
  • 4
    O itálico é do texto original, por isso, empregamos sublinhado, em algumas citações, para indicar destaque nosso.
  • 5
    Em O problema do autor, publicado no interior da obra Estética da criação verbal (BAKHTIN, 2003b [1979]), essas discussões são retomadas, já que se considera que a obra é constituída por dois sistemas de peso axiológico: conteúdo e forma, junto do aspecto material.
  • 6
    No ensaio de 1930, intitulado, A construção da enunciação, Volochínov (2013a [1930]) reafirma o entendimento sobre “o objeto ou tema de que trata a enunciação”, ou seja, daquilo de que se fala.
  • 7
    Boenavides (2015)BOENAVIDES, W. M. Sobre o conceito de “Tema” em Marxismo e Filosofia da Linguagem. Organon, Porto Alegre, v. 30, n. 59, p. 211-224, jul./dez. 2015. registrou 93 ocorrências do termo, em MFL. Este texto não verificou, em números, as ocorrências do termo tema (ou de algum correlato), mas compartilha da ideia de que seis Capítulos o mencionam, respectivamente: Relação entre a infraestrutura e as superestruturas; Duas Orientações do Pensamento Filosófico Linguístico; Tema e Significação na Língua; O “discurso de Outrem”; Discurso indireto, discurso direto e suas variantes; Discurso indireto livre em francês, alemão e russo. Ademais, este texto considera que, no Capítulo, Língua, fala e enunciação, embora não haja menção ao termo, é possível tratar do tema, quando se aborda a mobilidade do signo .
  • 8
    Esse sentido de tema voltado à realidade é desenvolvido, também, no ensaio de 1930, A palavra e sua função social.
  • 9
    No ensaio Algumas ideias-guia para a obra ‘Marxismo e filosofia da linguagem’, Volochínov (2013c [1930]) considera a avaliação como o aspecto mais ativo e socialmente significativo que vem à tona na enunciação. Para estabelecer significado é necessário um horizonte social axiológico, que permitirá ao grupo social as mudanças nos significados das palavras, na linguagem.
  • 10
    São retomadas aqui algumas das características que foram resumidas ao final de cada seção sobre as obras.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2020
  • Aceito
    11 Maio 2021
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