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A governança da justiça militar entre Lisboa e o Rio de Janeiro (1750-1820)

Resumo

O objetivo desse artigo é traçar um esboço histórico da constituição do campo da justiça militar, centrando a análise em dois momentos. O primeiro deles é o das reformas pombalinas. É nesse momento que o tema da justiça militar é colocado em pauta pelo Conde de Lippe. Em 1763, é possível localizar vários alvarás emitidos com o objetivo de instituir novas autoridades e formalizar a primeira instância da justiça militar. No centro do debate, estava o próprio foro militar. Um conjunto de ações que terá continuidade no reinado mariano-joanino, sendo que, nesse segundo momento, o alvo prioritário foi a segunda instância da justiça militar e a codificação da legislação penal militar.

Palavras-chave
Política luso-brasileira; justiça militar; reforma institucional; código penal militar

Abstract

The purpose of this article is to draw a historical outline of the constitution of the military justice field, centering the analysis in two moments. The first moment is that of the Pombaline Reforms. It is in this moment that the subject of the military justice is put on the agenda by Count Lippe. In 1763, it is possible to locate several charters issued with the intent to establish new authorities and to formalize the first instance of the military justice. In the center of the discussion was the military forum itself. A set of actions that will have continuity in the Marian-Johannine reign, and in this second moment, the priority aims were the second instance of the military justice and the codification of the military criminal legislation.

Palavras-chave
Política lusobrasileira; justiça militar; reforma institucional; código penal militar

É bem lamentável e pode causar estranheza até, que uma instituição militar portuguesa que perdurou pelo largo espaço de dois séculos (...) aguarde ainda até a época presente que alguém lhe redija a respectiva história.

{Luís Henrique Pacheco Simões}

A instituição militar portuguesa referida na epígrafe é o Conselho de Guerra de Lisboa, e a avaliação foi realizada pelo coronel Luís Henrique Pacheco Simões - oficial português e historiador militar - em artigo intitulado "O Conselho de Guerra (1640-1834): breves subsídios para sua história", publicado em Portugal pelaRevista Militar . Apesar de elaborada em 1923, a avaliação do coronel permanece atual. O Conselho de Guerra não chegou a se constituir em objeto de estudos para a historiografia e, ainda hoje, há apenas um artigo acadêmico sobre a instituição, dedicado à análise dos limites de seu poder no contexto da Guerra de Restauração.2 2 Refiro-me ao artigo: COSTA, Fernando Dores. O Conselho de Guerra como lugar de poder: a delimitação de sua autoridade. Análise Social , Lisboa, n.191, 2009. Até então, o tema tinha merecido apenas breves referências em alguns livros. Ver: HESPANHA, Antônio Manuel. Às vésperas do Leviathan. Instituições e poder político Portugal, século XVII. Coimbra: Livraria Almedina, s/d. p.256 e SUBTIL, José. Os poderes do Centro. In: MATTOSO, José (org.). História de Portugal:o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p.162. Não é objetivo desse artigo, no entanto, suprir tal lacuna, redigindo - como sugere Pacheco Simões - uma história do Conselho de Guerra de Lisboa. A proposta é, através de um mapeamento da história do Conselho, com especial atenção para o período entre fins do século XVIII e início do XIX, analisar o que considero ser uma autonomização da justiça militar no interior da instituição

Essa falta de investigações sobre o Conselho de Guerra de Lisboa teve ainda um efeito específico: em geral ele é lembrado por suas competências administrativas, e suas atribuições como órgão da justiça militar permanecem esquecidas. Sobre esta temática, não há referência na historiografia, tanto portuguesa quanto brasileira. Quando d. João se instalou em 1808 no Rio de Janeiro, criou na nova Corte um congênere do Conselho de Guerra, o Conselho Supremo Militar e de Justiça. Do ponto de vista legislativo, o novo conselho era uma duplicata do Conselho de Guerra de Lisboa, tendo herdado seu regimento, datado de 1643, e uma série de alvarás, cartas régias e decretos produzidos pelas monarquias lusas. Todavia, o mais surpreendente é que, enquanto o Conselho de Guerra de Lisboa foi extinto em 1834, o Conselho Supremo Militar e de Justiça seguiu subsistindo no Brasil até 1893, já sob o regime republicano, julgando réus militares e tendo sua rotina regida por uma legislação do Antigo Regime português.

Essa análise em longa duração possibilitou o mapeamento de debates importantes, como o gerado em torno da definição do foro militar, da estruturação de tribunais militares de primeira e segunda instâncias e da elaboração de um código penal militar.3 3 SOUZA, Adriana Barreto de. Conselho Supremo Militar e de Justiça: ideias e práticas de uma cultura jurídica de Antigo Regime (1808-1831). In: CARDOSO, José Luís; MONTEIRO, Nuno Gonçalo; SERRÃO, José Vicente (org.).Portugal, Brasil e a Europa Napoleônica. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2011. Todos esses debates, no entanto, nos remetem a uma temática mais geral sobre a constituição de um campo próprio à justiça militar em meio a uma ampla constelação de poderes já instituídos e erguidos a partir de uma racionalidade pluralista, que previa a sobreposição de instâncias jurisdicionais com seus mecanismos específicos de normatização e resolução de conflitos.4 4 Para um debate mais teórico sobre o pluralismo político e institucional, ver: HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura jurídica europeia.Síntese de um milênio. Lisboa: Publicações Europa-América, 2003. Sobre o modelo dos "conselhos régios", ver: SUBTIL, José. Os desembargadores em Portugal (1640-1820). In: MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CARDIM, Pedro; CUNHA, Mafalda Soares da (orgs). Optima Pars. Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005.

Nos limites desse artigo, pretendemos traçar um esboço histórico da constituição desse campo da justiça militar centrando a análise em dois momentos. O primeiro deles é o das reformas pombalinas. Apesar de o tema já ter sido em geral bem explorado pela historiografia, vale destacar que as reformas empreendidas pelo ministro de d. José I no campo militar ainda carecem de estudos. Acredito que é nesse momento, logo após o término da Guerra dos Sete Anos, que o tema da justiça militar é colocado em pauta pelo Conde de Lippe. Durante o ano de 1763, na sequência da publicação do Regulamento de Infantaria e Artilharia e dos Artigos de Guerra que constituem um de seus capítulos, é possível localizar vários alvarás emitidos com o objetivo de instituir autoridades e regulamentar procedimentos para a formalização da primeira instância da justiça militar. No centro do debate, está o próprio foro militar. Um conjunto de ações que terá continuidade no reinado mariano-joanino, sendo que, nesse segundo momento, o alvo prioritário é a segunda instância dessa justiça, com a instituição de um tribunal militar no interior do Conselho de Guerra de Lisboa e a nomeação, em março de 1802, de uma comissão encarregada da elaboração de um código penal militar.

I. O Conselho de Guerra de Lisboa e a justiça militar.

Conselho de Guerra de Lisboa foi criado em 11 de dezembro de 1640, no contexto da Guerra de Restauração. A intenção era reorganizar militarmente o Reino para sustentar a aclamação de d. João IV e, nesse sentido, o Conselho era apenas uma das inovações institucionais do período, quando foram criados, também para sustentar a guerra contra Castela, os Governos das Armas, a Junta dos Três Estados, as Vedorias e Pagadorias militares. Integrando o sistema de conselhos régios, o Conselho de Guerra era uma inovação - como afirma Dores Costa - consonante com o padrão de governo da época. Ou seja, seguia o modelo dos órgãos colegiais, dominados pela primeira nobreza e por letrados, que instruíam a partir de pareceres a ação do príncipe.5 5 COSTA, Fernando Dores. A Guerra de Restauração 1641-1668 . Lisboa: Livros Horizonte, 2004. p.24; Idem. Insubmissão.Aversão ao serviço militar no Portugal do século XVIII. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2010. No caso, a ação em uma área chave da administração da Coroa, a das milícias.

O novo Conselho obteve um regimento três anos após sua criação, em 22 de dezembro de 1643, e só então teve sua composição e atribuições regulamentadas. O primeiro ponto que merece destaque é a proximidade com o Conselho de Estado, órgão máximo da administração central. O regimento afirma com toda clareza, no parágrafo V, que "os conselheiros de Estado seriam também do Conselho de Guerra, acudindo a ele todas as vezes que pudessem para assistência dos negócios".6 6 SUPREMO Tribunal Militar. Organização, antecedentes e instalações. Lisboa: [s.n.],1980. p.30. Sua composição era, portanto, flexível. Das sessões ordinárias, participava o pequeno grupo integrado por aqueles que eram apenas conselheiros de guerra. Um número que não era definido pelo regimento, podendo variar segundo os interesses da Coroa. Mas, em ocasiões críticas, reunia-se o Conselho ampliado, de cujas sessões participavam também os conselheiros de Estado. O símbolo maior da preeminência do Conselho de Guerra, no entanto, era o fato de ser presidido pelo rei, mesmo estando este ausente das sessões. A cadeira vazia na cabeceira da mesa onde se reuniam os conselheiros ostentava sua presença.7 7 COSTA, Fernando Dores. A Guerra de Restauração . Op.Cit. p.25.

A função primordial do Conselho de Guerra era elaborar, por solicitação régia, pareceres sobre os mais variados assuntos relativos às milícias, expondo-os, justamente por meio das consultas régias, à Coroa. O Conselho não possuía, portanto, função deliberativa. O rei poderia contrariar as propostas do Conselho ou simplesmente ignorá-las, como parece ter ocorrido na segunda metade do reinado de d. João IV.8 8 Ibidem, p.26. Os pareceres também poderiam subir para apreciação da Coroa sem ter obtido unanimidade entre os conselheiros, seguindo à parte as justificativas dos votos contrários.

Mas essas seriam as funções mais tipicamente políticas do Conselho de Guerra. Para além delas, ele possuía uma larga lista de funções vinculadas à administração da vida militar, que iam desde passar patentes e autorizar licenças, quando do impedimento dos governadores de armas, até zelar pela manutenção e funcionamento das fortalezas, artilharias, fundições, oficinas, hospitais e alojamentos, passando pela observação do cumprimento das obrigações dos cargos e seus regimentos, do pagamento das tropas e do despacho dos correios, mantendo em dia as cartas ordinárias e as consultas régias.9 9 SUPREMO Tribunal Militar . Op.Cit. p.33-34.

A atribuição menos conhecida do Conselho de Guerra é a vinculada ao exercício da justiça militar, e aqui vale fazer duas observações. Primeira: o Conselho não era um tribunal, como se dizia à época, de juízes letrados. O que havia eram sessões especiais, que corriam em separado, à tarde (enquanto as sessões do Conselho de Guerra ocorriam pela manhã), destinadas apenas aos negócios da justiça. Nestas sessões, era obrigatória a presença de um ministro letrado que, para o exercício da função, recebia o título de juiz assessor do Conselho. Preferencialmente, este juiz deveria ser desembargador do paço.10 10 Ibidem. Especialmente parágrafo XXII, p.37. Ele não participava - essa é a segunda observação - das discussões sobre temáticas políticas e administrativas do Conselho de Guerra. Restringia-se aos assuntos da justiça. Quando o crime fosse julgado "leve" (pela definição do regimento, punível com até no máximo cinco anos de degredo), o juiz assessor devia ser assistido em seu despacho por dois dos conselheiros mais antigos. No caso de "culpas graves", o regimento previa, além do juiz assessor, a presença de mais dois juízes letrados nomeados pela Coroa.11 11 SUPREMO Tribunal Militar . Loc. Cit.

Ao instituir uma instância própria para as causas da justiça militar, o regimento estabelece também, no parágrafo XXIII, o privilégio do foro, organizando as instâncias onde deveriam ser julgados os crimes militares. Trata-se do momento de criação do foro militar, que, no regimento, já aparece definido como um privilégio reservado apenas à tropa paga e aos militares que servissem nas fronteiras. O que significa que o foro não se estendia aos militares das Ordenanças, submetidos a um regimento próprio.12 12 Trata-se do Regimento das Ordenanças, de 1564. Para a temática da justiça, ver especialmente os parágrafos 24, 26 e 45 do regimento. MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da Formação Administrativa do Brasil . Vol.2. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972.

O alcance do foro, no entanto, não é claramente definido, podendo se estender, como consta no parágrafo XXIII do regimento, para causas cíveis relativas a contratos. Ou seja, o foro não é instituído a partir de uma definição de crime militar. Ele se referia antes à condição social da pessoa que cometeu o crime e, ainda assim, não de forma integral. Para os casos de ações cíveis de partilhas, heranças e outras semelhantes, o foro não valia, e os processos corriam na justiça ordinária.13 13 SUPREMO Tribunal Militar . Op. Cit. Para o parágrafo XXIII, ver p.37.

Ainda que o regimento também não seja muito claro quanto à organização dessa justiça militar, pode-se afirmar que ela se dividia em duas instâncias. A primeira delas se organizava em torno dos auditores e, assim como as sessões de justiça do Conselho de Guerra de Lisboa, não recebia um nome que a definisse. Para evitar "multiplicação de competências", a função de auditor seria exercida - ainda segundo o regimento - pelo juiz de fora e, na ausência deste, por um corregedor.14 14 Ibidem, parágrafo XXIV, p.37. No caso de "desobediên­cias e culpas militares" - note-se que não é utilizada a expressão crime militar - o auditor se reuniria com o capitão-mor ou com o governador das armas com jurisdição suficiente para mandar prender e, em seguida, determinar sumariamente o castigo. Para os casos de motins, rebeliões e traições que não tivessem sofrido dilação, o procedimento seria semelhante, acrescentando-se apenas mais uma autoridade, a do provedor. A jurisdição destas autoridades, assim reunidas, era também maior, sendo alçada até morte natural. A única exceção aceita seria no caso de réus fidalgos ou capitães, quando o regimento prevê o envio dos mesmos, presos, para a corte, guardando as qualidades de cada caso.15 15 Ibidem, parágrafo XXV, p.38.

A segunda instância eram as referidas sessões de justiça do Conselho de Guerra de Lisboa. Entre as duas instâncias, havia ainda a figura do auditor geral, cuja função não é definida no regimento. Ao que parece, era uma espécie de mediador, responsável por encaminhar os apelos e agravos para o Conselho de Guerra de Lisboa.16 16 Ibidem, parágrafo XXIV, p.37.

Essa imprecisão jurisdicional não resistiria a um contexto de vinte e sete anos de guerra. Logo após o restabelecimento da autonomia portuguesa, a Coroa baixou novo regimento, destinado apenas à regulamentação da ação jurisdicional das autoridades vinculadas à justiça militar - o Regimento dos Governadores das Armas, seus Auditores e Assessores, de 1º de junho de 1678. No próprio texto do regimento, a Coroa afirma que o documento é uma resposta aos "abusos que a calamidade da guerra introduziu na disciplina militar, acerca da administração da justiça" e reconhecia, assim, a inexistência "neste Reino de leis ou regimento" que estabelecessem "com clareza a jurisdição que lhe pertencia." O núcleo do problema - produzido pela guerra, e que o regimento buscava equacionar - eram as "grandes contendas entre os cabos da milícia, seus auditores e os ministros das jurisdições ordinárias."17 17 Regimento dos Governadores das Armas, seus Auditores e Assessores, de 1º de junho de 1678. Todas as informações desse parágrafo foram retiradas da apresentação do regimento. COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa publicada no ano de 1928 . Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa, 1936. Disponível em: IusLusitanae. Fontes Históricas de Direito Português: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=102&id_obra=63&pagina=146>. Acesso em: 28 jul. 2014. Ou seja, os desentendimentos entre as mais altas autoridades militares, os letrados da justiça militar e os das jurisdições ordinárias.

A grande alteração foi na concentração e reforço das autoridades provinciais. Os governadores das armas e os "cabos maiores" que fossem encarregados do governo de uma província deveriam de imediato mandar informar ao juiz e oficiais da Câmara suas patentes para que, desde então, estes tomassem conhecimento de suas jurisdições. Além disso, o regimento exigia que suas patentes fossem registradas nos livros da Câmara, na Vedoria e na Contadoria Geral.18 18 Ibidem, parágrafo I. Feito isso, caberia a essas autoridades militares visitar as principais praças da província a fim de fazerem um levantamento dos crimes mais graves e escandalosos ainda sem julgamento para, em seguida, ordenarem ao auditor geral que procedesse contra eles. Todos os crimes que não resultassem na pena de morte natural, civil, corte de membros ou mais de cinco anos de degredo para o Brasil podiam ser sentenciados pelo governador de armas, com o mestre de campo general e o auditor geral. Na ausência do mestre de campo, as sentenças seriam pronunciadas apenas pelo governador com o auditor geral. Tudo sem agravo nem apelação ao Conselho de Guerra de Lisboa. As únicas exceções admitidas dependiam da qualidade do réu: as sentenças dos fidalgos ou oficiais militares com patente igual ou superior a capitão de infantaria não seriam executadas sem que o caso fosse remetido ao Conselho de Guerra.19 19 Ibidem, parágrafos II e III.

O auditor geral passa a ser, assim, uma autoridade central nesse novo desenho da justiça militar. Se no regimento de 1643, ele parecia ser apenas um mediador, com função sediada em Lisboa, pelo novo regimento a figura do auditor geral não apenas se multiplica, sendo nomeado um para cada província do Reino, como também tem sua autoridade preservada. No parágrafo XXIV, fica determinado que, em caso de motins ou rebeliões, quando devem se reunir, além do governador das armas com o auditor e cabos maiores, o corregedor da comarca ou o provedor, caberá ao auditor geral a função de juiz relator, que, após descrever minuciosamente o caso, será o primeiro a votar, tendo precedência sobre os demais ministros letrados.20 20 Ibidem, parágrafos V e XXIV. Os auditores gerais são definidos, assim, como juízes privativos de todos os crimes cometidos por cabos e soldados pagos, cada um sendo julgado em sua província. Também cabia a eles proceder às prisões,21 21 Ibidem, parágrafo XXV. sendo mantidos na função por um triênio, tal como ocorria com os juízes de fora.22 22 Ibidem, parágrafos XLII e LX.

O privilégio do foro sofre uma alteração expressiva: é estendido, como consta no parágrafo XLIX do regimento, a todos os oficiais (até a patente de sargento, incluindo-a) dos terços auxiliares. Seu alcance é o mesmo, afetando os contratos e ações cíveis celebrados com esses militares. A intenção era preservar seus soldos, armas e cavalos, empenhados no serviço da monarquia.23 23 Ibidem, parágrafos XXVI e XXX. Vale destacar que, nesse mesmo regimento, já é possível encontrar a expressão "crime militar", ainda que usada com uma significação bastante restrita, designando apenas "motins, rebeliões, trânsfugas e quebramentos de bandos".24 24 Ibidem, parágrafo V. Os demais crimes são designados no regimento como "feitos crimes".

Nesse novo desenho da justiça militar, para além dos auditores gerais, há ainda uma outra autoridade: a do auditor particular. Esse cargo é em geral exercido pelos juízes de fora, e está diretamente vinculado às praças das províncias onde há tropa paga. Estando próximos à tropa, cabe a ele manter o auditor geral informado sobre os crimes mais graves cometidos nas praças e, sendo caso de devassa, caberá ainda a esse auditor iniciá-la o mais rapidamente possível. Em seguida, deverá remeter o caso para o auditor geral, a quem caberá, junto com o governador das armas, pronunciar e sentenciar o réu. Mas há uma exceção: se os autores quiserem acusar o réu no lugar do delito, recusando-se a acusá-lo em outro lugar. Neste caso, deve-se assegurar a vontade dos autores e o auditor pronunciará a devassa e a sentenciará com o cabo que governar a praça onde ocorreu o delito. O procedimento transforma essa ação em uma primeira instância. Obrigatoriamente, o auditor particular e o cabo darão apelo e agravo para o governador das armas e seu auditor geral, transformados, assim, em segunda instância.25 25 Ibidem, parágrafo XLV.

A última instância, fosse ela a segunda ou a terceira, permanecia organizada em torno do juiz assessor do Conselho de Guerra de Lisboa. Nenhuma delas constituía um tribunal, com nome e funções bem definidas. As atividades se estruturavam em torno de autoridades que, reunidas em sessões especiais, voltadas para a administração da justiça, procediam e sentenciavam "feitos crimes" de réus militares.

II. As reformas pombalinas: Conselhos de guerra, auditores regimentais, foro militar e polícia

Esse modelo de justiça militar - organizado em torno de autoridades (e não de tribunais), de devassas (não de processos com produção de provas) e de um foro militar ainda pouco definido - permaneceu sem alterações expressivas até a segunda metade do Setecentos. Só então, quase cem anos após o Regimento de 1678, mediante a emergência de uma nova matriz de organização e distribuição do poder régio, elaborada a partir das ideias iluministas, é que novas reformas foram implantadas na justiça militar.

Essa nova matriz política começou a ser implantada em Portugal durante o reinado de d. José I, por meio das reformas empreendidas por seu primeiro ministro, as reformas pombalinas. Como destacou António Manuel Hespanha, essa nova matriz produziu uma completa inversão no exercício da prática penal, levando à substituição da justiça pela disciplina como ideia-força da ação penal. A Coroa começou, então, a constituir-se como centro único do poder e de ordenação social e, assim, iniciou um investimento no esvaziamento dos centros políticos periféricos. Se, antes, a punição tinha um papel quase exclusivamente simbólico, prevalecendo a benignidade do príncipe como pastor e pai dos súditos, em fins do Antigo Regime ela passa a desempenhar um papel normativo prático. Ao punir, a Coroa começa, de fato, a intervir e tentar controlar comportamentos.26 26 HESPANHA, António Manuel. Política e Litigiosidade: história e prospectiva. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993. Capítulo: "Daiustia à disciplina - texto, poder e política penal no Antigo Regime". Silvia Lara também chama atenção para a ampliação do poder de intervenção da Coroa em finais do século XVIII, mas em espaços coloniais. A autora destaca o investimento da Coroa na organização de meios de "controle militar dos moradores". LARA, Silvia Hunold. Campos de violência. Escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1888. Ver especialmente o capítulo I.

Não por acaso, um dos sintomas da inversão dessa matriz política foi - ainda segundo Hespanha - a reforma da justiça. O direito penal precisava ser eficaz, se instituir como instrumento efetivo de controle.27 27 Ibidem, p.321. Eficácia tanto mais necessária no campo militar, especialmente após o ingresso de Portugal na Guerra dos Sete Anos.

Essa confluência entre a instituição de uma matriz política de administração ativa, em que a "razão de Estado" deve se impor e ordenar a sociedade, e o ingresso de Portugal em um grande conflito armado potencializou a ação intervencionista da Coroa no campo militar. Parte das reformas então instituídas já foi analisada por Fernando Dores Costa.28 28 COSTA, Fernando Dores. Insubmissão. Op. Cit. Ver especialmente capítulo 7. Minha intenção, no entanto, é examinar a reforma realizada na justiça militar.

O ano chave dessa reforma é 1763. Finda a guerra, o conde de Lippe, marechal e comandante em chefe do Exército português, tendo sido alçado à condição de Alteza, tratamento reservado aos membros da família real portuguesa, adotou várias medidas para adequar a justiça militar do Reino ao padrão em vigor na Europa, principalmente na França e na Prússia.29 29 A referência ao contexto de guerra e à necessidade de equiparar o Exército real ao das "grandes potências européias" em termos de instrução e disciplina é constante nos alvarás, decretos e regulamentos relativos à justiça militar entre finais do século XVIII e início do XIX. Daí a importância que o argumento ganhou na estruturação desse artigo e o interesse pela construção - ainda que breve - desses contextos de guerra. A primeira delas foi a formalização da primeira instância dessa justiça em um tribunal: os conselhos de guerra. Eles são instituídos pelo Regulamento de Infantaria e Artilharia, de 19 de fevereiro de 1763.A partir de então, caberia a esses conselhos julgar os delitos militares a partir dos Artigos de Guerra, sistematizados pelo conde de Lippe no parágrafo XXVI do mesmo regulamento. Esse é um ponto importante. Para além da criação desses pequenos tribunais, reconhecidos como tais, o regulamento rompia com uma prática antiga, que dava aos magistrados o direito de livre interpretação das leis. Tratava-se, de fato, de outro modelo penal, marcado pelo sistemático não cumprimento das leis, substituídas por interpretações moderadoras, mais interessadas na manutenção do equilíbrio e do "governo da paz", que na punição como meio de dirigir comportamentos. O que se pretendia, portanto, com o "novo regulamento" (como ficaria conhecido o regulamento de 1763), era proceder à eliminação desse modelo antigo e, junto com ele, à eliminação da hegemonia dos juristas sobre as matérias do governo.30 30 HESPANHA, António Manuel. Política e Litigiosidade. Op. Cit. Capítulo: "justiça e administração entre o Antigo Regime e a Revolução".

Em alvará publicado cinco meses depois, no dia 15 de julho, a Coroa anunciava com firmeza a "indispensável necessidade" de observação dos Artigos de Guerra para a manutenção da disciplina militar, proibindo que aqueles artigos ficassem "sujeitos a interpretações, e inteligências, que gravem alguns culpados com penas maiores (...) ou moderem a outros aqueles castigos a que se acharem sujeitos" pelos crimes cometidos.31 31 Alvará de 15 de julho de 1763. Apresentação. COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa..., Op.Cit. IusLusitanae.Fontes Históricas de Direito Português. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_obra=74&pagina=369>. Acesso em: 28 jul 2014. Esse novo alvará reforçava, assim, o anterior, de 18 de fevereiro, que - segundo o novo documento - vinha sendo inconvenientemente violado. O ponto central da questão é a afirmação de que aos conselhos de guerra só cabia o julgamento mediante o "exame das provas". Essa ideia é inédita, e fundamental para se pensar a formalização do campo da justiça militar. O texto do alvará é preciso: todo crime devia ser provado, não estando os artigos de guerra sujeitos ao arbítrio dos juízes. E vai além: no lançamento das sentenças, os artigos que as fundamentam devem ser copiados literalmente pelos juízes, tal "como se acham escritos no 'novo regimento, sem acrescentarem ou diminuírem uma só palavra'". A contrapartida dessa interdição é o reforço da autoridade real: o perdão ou a moderação de sentenças deviam ser um atributo exclusivo da clemência e da benignidade reais.32 32 COSTA, Fernando Dores. Insubmissão. Op. Cit., p.286.

Os conselhos de guerra substituíam os auditores gerais e os juízes de fora, que, desde o regimento de 1678, vinham tendo o exercício de auditores particulares. Ambos tiveram suas jurisdições abolidas pelo alvará de 20 de outubro de 1763. A figura central dos conselhos de guerra passava a ser o auditor regimental. A diferença para os auditores anteriores é que este ficaria atrelado a uma unidade militar - o Regimento -, recebendo seu ordenado, inclusive, pelas Tesourarias Gerais das Tropas.33 33 COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa..., Op.Cit. Alvará de 20 de outubro de 1763. IusLusitanae. Fontes Históricas de Direito Português. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_obra=74&pagina=378>. Acesso em: 28 jul 2014. Um vínculo que se tornou ainda mais estreito com a publicação do alvará de 18 de fevereiro de 1764. Por este, ficava definido que o auditor regimental estava subordinado aos "chefes dos regimentos". Ou seja, à autoridade militar que comandava a unidade. Para formalizar a subordinação, todo auditor, ao iniciar no exercício da função, recebia uma patente militar - a de capitão agregado à referida unidade - e passava a vencer soldo idêntico ao dos demais capitães. Ficava obrigado, ainda, a portar o mesmo uniforme, gozando das mesmas honras.34 34 Ibidem. Alvará de 18 de fevereiro de 1764. IusLusitanae.Fontes Históricas de Direito Português. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_obra=74&pagina =394>. Acesso em: 28 jul 2014.

Essas determinações procuravam interferir em um problema delicado: os conflitos de jurisdição entre auditores e juízes ordinários. Somente a definição das fronteiras que separavam o campo de atuação dessas autoridades e, portanto, o reconhecimento dessas fronteiras, poderia garantir autonomia aos conselhos de guerra como primeira instância da justiça militar. Por isso, ainda em outubro de 1763, a Coroa baixou um longo alvará, com dezoito parágrafos, visando dar aos auditores "regras certas, e determinados limites, que lhes prescrevam a jurisdição" a ser exercitada em "matéria tão delicada".35 35 Ibidem. Alvará de 21 de outubro de 1763. Fontes Históricas de Direito Português. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_obra=74&pagina=380>. Acesso em: 28 jul 2014.

A primeira determinação rompia com a tradição dos juízes leigos, definindo que o cargo fosse sempre ocupado por um bacharel que, para além de ser instruído nos crimes comuns, tivesse um bom conhecimento dos Artigos de Guerra. A intenção era prover o posto com um profissional habilitado, fazendo prevalecer o princípio da competência técnica. Daí também a decisão de o auditor permanecer, durante o tempo de exercício da função (no mínimo três anos), como capitão agregado ao regimento. Ele deveria conhecer as leis, mas também as particularidades do cotidiano militar. Até porque, nessa época, o foro militar encontrava-se ainda mais associado à pessoa que ao tipo de crime cometido. Neste alvará, por exemplo, a expressão que prevalece no texto é "crimes dos militares", e não "crime militar". E não se trata aqui de preciosismo: o tema foi amplamente visitado pela legislação da segunda metade do século XVIII. A relação é recíproca: uma definição dos limites da jurisdição depende de uma delimitação precisa do alcance do foro, sendo o inverso igualmente válido. Logo, se o foro se define pelo tipo de crime, isso significa que um réu militar deverá, caso tenha cometido um crime comum, ser julgado pelos tribunais civis. Em contrapartida, se o foro é pessoal, independentemente do crime cometido, o réu militar estará sempre sob a jurisdição dos auditores regimentais e conselhos de guerra.

Sem dúvida, o foro pessoal está associado a uma matriz política mais antiga, que fazia do foro um privilégio pessoal, mais um dos meios para se qualificar e distinguir pessoas. E, nesse sentido, o alvará de outubro de 1763 introduz alguns elementos novos na discussão, ainda que, em seus primeiros parágrafos, a fim de assegurar a autonomia dos conselhos de guerra e seus auditores, endosse o princípio pessoal de definição do foro militar.36 36 Ibidem. Ver especialmente os parágrafos 1, 2 e 3. Esse endosso torna-se visível logo em seu segundo parágrafo, quando o alvará determina que "a todos os sobreditos privilégios, deve prevalecer nos casos de crimes proibidos pelas leis militares, ou civis, sem diferença alguma, a jurisdição dos sobreditos auditores e conselheiros de guerra". A única exceção que o alvará comporta é a de crime de lesa majestade. Nesses casos, afirma o documento, os réus deveriam ser remetidos, de imediato, pelas autoridades militares, aos tribunais e ministros civis responsáveis pelo julgamento de "abomináveis delinquentes". Uma proposta que se completa no parágrafo seguinte, quando o alvará afirma que serão inibidas e cassadas todas as jurisdições, de todos e quaisquer magistrados e tribunais, que tentem "tomar conhecimento" daquilo que "pertence aos crimes dos militares", assegurando a jurisdição dos conselhos de guerra e auditores mesmo no caso de réus que sejam cavaleiros das ordens militares.37 37 Ibidem, parágrafo 3 e 4. Neste último parágrafo, define-se apenas que, no caso de réus que tenham um dos hábitos das ordens militares, o conselho de guerra deverá incorporar em sua composição um número de cavaleiros das referidas ordens igual ao número de oficiais de patente que o compõem. Observando-se ainda que o juiz cavaleiro não pode pertencer à mesma ordem militar do réu.

Todavia, o que produz esse endosso do foro pessoal é claramente o problema dos conflitos de jurisdição, que, no momento de instituição de um tribunal militar de primeira instância, e em um contexto de grande tensão bélica entre as potências européias, torna-se mais agudo. O que nos primeiros parágrafos do alvará se define como uma preocupação com a guarda da jurisdição dos conselhos de guerra, logo em seguida, se caracteriza como um esforço dessa nova política de Estado, mais propriamente intervencionista, para "sustentar a paz pública, e a tranquilidade dos povos". A partir do quinto parágrafo, o tema predominante no alvará é o da relação entre a "disciplina militar e a polícia" e, nesse debate, a preocupação da Coroa volta-se para os excessos dos militares. Assim, determina que: "todo aquele oficial militar que usurpar a jurisdição civil dos ministros, ou câmaras das terras, ou praças onde estiver, ou se alojar, perca por este fato o posto que tiver".38 38 Ibidem, parágrafo 5.

Há aqui outra instituição, quase tão nova quanto os conselhos de guerra, criada pela mesma política regalista do marquês de Pombal, cuja presença deve ser destacada: a Intendência Geral de Polícia. Criada pouco antes do ingresso de Portugal na Guerra dos Sete Anos, em 25 de junho de 1760, a Intendência de Polícia ocupou um lugar chave nesse movimento de ordenação dos espaços políticos e sociais do Reino.39 39 LARA, Silvia Hunold. Campos de violência . Op. Cit., p.31. Não por acaso, o alvará de outubro de 1763, ao abordar o tema dos conflitos de competência, faz menção direta à polícia. Na verdade, considerando o texto do alvará, era com ela que os militares da tropa de linha rivalizavam nas ruas do Reino. E, nessa altura do texto, a preocupação com a demarcação dos limites do foro militar ganha um contorno mais nítido40 40 COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Alvará de 21 de outubro de 1763. Sobre a Intendência de Polícia, parágrafo 8. Já o tema dos conflitos de jurisdições permeia todo o alvará, aparecendo de forma mais concentrada, no entanto, a partir do parágrafo 6.

Se, por um lado, era preciso demarcar e assegurar as fronteiras jurisdicionais de cada instituição, por outro, principalmente em um contexto de guerra, essas fronteiras não poderiam inviabilizar ou obstacularizar a atuação dos agentes da Coroa na manutenção da "paz pública". O que se depreende da leitura do alvará é que, em meio à guerra, valendo-se do princípio do foro pessoal, as autoridades responsáveis pela preservação da ordem, no momento da ação nas ruas, não se entendiam: militares flagrados cometendo delitos resistiam às ordens da polícia e de outras autoridades civis, e estas, por sua vez, quando flagradas em ações criminosas, não reconheciam a autoridade dos oficiais militares. No parágrafo 6 do alvará, a determinação da Coroa explicita com toda clareza o problema: "todos os militares são competentes para prenderem, nos casos de flagrante delito, todos os criminosos que virem delinquir (...) e que, pela outra parte, todos os magistrados e oficiais civis são respectivamente competentes para prenderem todos os soldados, e oficiais de guerra, nos mesmos casos, sem por isso violarem o privilégio militar".41 41 Ibidem, parágrafo 6.

O foro militar, lido a partir da matriz política antiga, como um privilégio inerente à pessoa que o porta, tornava essas autoridades intocáveis. Uma leitura compatível com os valores aristocráticos ainda predominantes na sociedade. Todavia, inconciliável com uma política que se pretendia, não niveladora da sociedade, porém regalista, assentada no princípio da razão de Estado. Algumas críticas à estrutura jurisdicional orientada para os privilégios podiam eventualmente ser encontradas na literatura jurídica da época, mas, em geral, a demanda era por critérios claros de repartição das competências forenses.42 42 HESPANHA, António Manuel. Política e litigiosidade. Op. Cit., p.401-404.

O alvará de outubro de 1763 segue essa orientação. Ele busca, antes de tudo, clarificar os critérios de definição das jurisdições em conflito. Para isso, avança em duas direções. Primeiro, define o foro militar como uma prerrogativa no ato do julgamento. Assim, determina que tão logo um soldado ou oficial, preso por flagrante delito ou por vagar pelas ruas, seja entregue ao intendente de polícia ou a um ministro, o caso deve ser imediatamente informado ao comandante da tropa para que este "o faça conduzir à prisão militar".43 43 COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Alvará de 21 de outubro de 1763. Parágrafo 6. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_obra=74&pagina=380>. Acesso em: 28 de jul. de 2014. Antes disso, porém, independentemente das prerrogativas do foro, o militar preso deverá ser submetido aos procedimentos sumários da polícia. O intendente, ou seu substituto, mandará formar culpa por processo verbal, guardando cópia do mesmo nos arquivos da Intendência e enviando o original, junto com o preso, para o auditor de seu regimento.44 44 Ibidem, parágrafo 8. Esse processo deverá instruir o conselho de guerra, reconhecido como única instância com jurisdição para julgar um militar, fosse ele oficial ou praça. Ou seja, ainda que encaminhe o problema dos conflitos de jurisdição, vale destacar que o alvará reforça o princípio do foro pessoal. Desde a prisão até o julgamento, o único elemento levado em conta na definição dos procedimentos adotados é se o culpado era ou não um militar.

O debate sobre a matéria do crime do qual o réu é acusado aparece no alvará - e essa é sua segunda direção importante - de forma restrita. A linha divisória estabelecida pelo documento incide sobre as causas cíveis. Assim, no parágrafo 12, fica determinado que "todas as causas cíveis militares são alheias à jurisdição dos ditos auditores e de todos os conselhos de guerra, e são exclusivamente pertencentes à jurisdição dos tribunais e magistrados civis." O objeto do alvará são as dívidas, bens móveis ou bens de raiz. O tema - como vimos linhas acima - já era abordado no regimento de 1678, e o núcleo do debate é a execução das ações movidas contra militares. Há a compreensão - que persiste no alvará de 1763 - de que os bens do patrimônio de um militar que são indispensáveis ao serviço da Coroa não podem ser penhorados para o pagamento de dívidas.45 45 bidem, parágrafo12.

Aqui, uma vez mais, o objetivo do alvará é precisar critérios, o que o leva a fixar, no parágrafo 13, os bens que não estão sujeitos à execução para o pagamento de dívidas realizadas por militares das tropas pagas: "estabeleço (...) que por dívidas cíveis se não possam penhorar, nem executar aos ditos oficiais de guerra, e soldados, os bens que não estão, nem deverão nunca estar, no comércio por serem indispensavelmente necessários para o meu serviço, e defesa do Reino (...) como são os cavalos, selas, jaezes e arreios; as armas ofensivas, e defensivas, e os soldos".46 46 Ibidem, parágrafo 13. Do mesmo modo, fica ainda estabelecido que não se poderá prender militares pelo não pagamento de dívidas cíveis. O argumento segue a mesma lógica: "deve prevalecer aos interesses dos credores a utilidade pública de se conservarem completos os corpos destinados à defesa do reino".47 47 Ibidem, parágrafo 14.

O alcance dessas determinações, que reformam a justiça militar, pode ser avaliado por meio das resistências às mesmas, que se expressam no número de alvarás publicados ao longo do segundo semestre de 1763 e ainda durante o ano seguinte apenas para reiterar essas determinações. Em 17 de fevereiro de 1764, ao enfrentar dificuldades para controlar a tropa do Reino e seus oficiais, o conde Lippe chegou a mandar publicar novamente, em separado, os parágrafos sexto e sétimo do alvará de 1763. Ao final do texto, falando em nome de Sua Majestade, e defendendo o sossego público, o decoro e a honra militares, ameaçava a oficiais e soldados com prisão, lembrando que, levados a conselho de guerra por crime de rebelião, serão "irremediavelmente condenados a pena de morte natural".48 48 Ibidem. Alvará de 17 de fevereiro de 1764. Foi só então que a Coroa, por meio de um alvará sintomaticamente denominado "alvará de ampliação", decidiu vincular mais estreitamente os auditores aos militares, passando-lhes a patente de capitão agregado e, assim, ajustando essa reforma da justiça militar.49 49 Ibidem. Alvará de 18 de fevereiro de 1764. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_ obra=74 &pagina=394>. Acesso em: 28 de jul. de 2014.

III. As reformas mariano-joaninas: Conselho de Justiça, Conselho do Almirantado e o código penal militar

Ao assumir o trono em 1777, d. Maria I não se opôs à reforma realizada por Pombal no campo da justiça militar. Ao contrário: tendo assumido a direção do Império em meio à intensificação da campanha de mobilização para a guerra contra a Espanha, organizada na península e na América, a rainha retomou a reforma sustada em1764, quando o conde de Lippe deixou Portugal.50 50 Maiores detalhes sobre a intensificação da campanha de mobilização, ver: SELVAGEM, Calos. Portugal Militar. Compêndio de história militar e naval de Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 2006. p.482. O alvo preferencial de seu governo, no entanto, foi a segunda instância da justiça militar, até então limitada - como vimos anteriormente - às sessões especiais do Conselho de Guerra de Lisboa, reguladas pelo regimento de 1643. No poder havia apenas três meses, e preocupada com o acúmulo de conselhos de guerra, em agosto de 1777, a rainha determinou que fossem adotadas disposições que assegurassem maior celeridade à administração da justiça. "A demora na expedição dos ditos conselhos" - afirmava o alvará - vinha comprometendo seriamente a "disciplina da tropa".51 51 COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Decreto de 20 de agosto de 1777. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=109&id_obra=73&pagina=237>. Acesso em: 28 de jul. de 2014.

A primeira disposição adotada por d. Maria I paraacelerar os julgamentos foi a de ordenar que, daquele momento em diante,"no Tribunal do meu Conselho de Guerra se despachem, enquanto eu não mandar o contrário, todos os processos ou conselhos". Em seguida, para garantir a rapidez na execução dos procedimentos, lançou uma segunda disposição, definindo que haveria uma vez por semana "um conselho de guerra destinado somente para este despacho, a que se dará o nome de Conselho de Justiça".52 52 COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa . Loc. Cit.

A pouca clareza do decreto no uso do termo"conselho de guerra" é, a princípio, surpreendente. No texto, eleparece designar ora processo, ora julgamento, ora tribunal. Todavia, acredito que essa indefinição deve ser entendida como sintoma das mudanças em curso. Prosseguindo na leitura do documento, não restam dúvidas de que àquela altura se formalizava um tribunal no interior doConselho de Guerra de Lisboa- o Conselho de Justiça.

Esse novo Conselho, que deveria se reunir uma vez por semana, seria integrado por três ministros juristas, todos desembargadores dos agravos da Casa de Suplicação. Ou seja, o decreto elevava o número e a qualificação dos juízes presentes no Conselho de Guerra de Lisboa. Com a transformaçãodas antigas sessões destinadas aos negócios da justiça emtribunal, três ministros letrados assumiam a função que antes era exercida por apenas um juiz assessor. Além disso, o que antes era facultativo, devendo ser o dito juiz "preferencialmente" desembargador do paço, tornava-se, agora, certo: os três juízes eram desembargadores. Um deles seria o relator (responsável pelas sessões), e os outros dois adjuntos. O Conselho de Justiça contariaainda com a presença de três vogais (juízes leigos) e dos conselheiros de guerra que desejassem acompanharsuas sessões.53 53 COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa. Loc.Cit.

A criação dessa sessão semanal com status de tribunal e o título de Conselho de Justiça no interior do antigo Conselho de Guerra de Lisboa, dirigida por autoridades da tradicional carreira jurídica, com o tempo, produziu novos conflitos de jurisdição.

Em agosto de 1790, d. Maria I voltava a visitar o tema com o objetivo de "regular os Conselhos de Guerra na superior instância do Conselho de Justiça". Por meio de novo decreto, além deprecisar o número de conselheiros de guerra que teriam assento no Conselho de Justiça, determinando que todos os conselhos de guerra que subissem à superior instância do Conselho de Justiça fossem sentenciados por três juízes togados e três conselheiros de guerra,regulamentava ainda os procedimentos a serem adotados em caso de empate, distinguindo, nestes casos, os crimes ordinários dos capitais.54 54 OLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op. Cit. Decreto de 13 de agosto de 1790. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=109&id_obra=73&pagina=909>. Acesso em: 28 jul 2014.

Esse decreto, no entanto, não foi suficiente. Três meses depois, em 13 de novembro de 1790, a rainha voltava a produzir um documento legislativopara esclarecer "meus Reais Decretos de 20 de agosto de 1777 e 13 de agosto de 1790". Só então a situação parece ter sido definida. No novo decreto, fixava-se afinal a jurisdição do Conselho de Justiça, que tinha "todo o arbítrio e faculdade para confirmar, revogar, alterar e modificar as sentenças dos conselhos de guerra, tanto de condenar como de absolver os réus nos casos em que o direito o permitir, podendo minorar as penas impostas pelo regulamento militar, parecendo justo, e tendo as ditas sentenças do Conselho de Justiça uma pronta execução regulada pela forma do primeiro decreto de 20 de agosto de 1777".55 55 Ibidem. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=109&id_obra=73&pagina=237>. Acesso em: 28 jul 2014.

Essa experiência de organização de um conselho de justiça militar em Portugal influenciou d. João que, em 1792, apenas dois anos após essas últimas redefinições, assumiu extra-oficialmente a governança do Reino.56 56 D. Maria I fora considerada incapaz de gerir o Reino em 1792, mas d. João só assume oficialmente a regência em 1799. Nesse ínterim, cuidava dos assuntos do Império, assinando em nome de sua mãe. Essa influência fica nítida quando se observa como o príncipe organizou a segunda instância da justiça militar no Brasil. Ao se fixar com sua Corte no Rio de Janeiro, criou na cidade um órgão congênere ao antigo Conselho de Guerra de Lisboa - o Conselho Supremo Militar e de Justiça. Todavia, esse novo conselho já nascia com duas seções bem demarcadas: o Conselho Supremo Militar e o Conselho de Justiça. Este preservava a jurisdição definida pelas reformas de d. Maria I, funcionando como tribunal militar, enquanto os assuntos políticos e administrativos, que também eram de competência do Conselho de Guerra de Lisboa, ganharam uma esfera própria, o Conselho Supremo Militar. Os dois conselhos, juntos, formavam um único órgão, com jurisdições claramente definidas no alvará de sua criação.57 57 Alvará de 1º de abril de 1808. Uma análise mais detalhada da influência desse debate sobre d. João VI pode ser encontrada em: SOUZA, Adriana Barreto de. Conselho Supremo Militar e de Justiça. Op. Cit.

Mas a reforma na segunda instância da justiça militar, instituída durante o reinado mariano-joanino, não se limitou à criação do Conselho de Justiça em Portugal e, depois, do Conselho Supremo Militar e de Justiça no Rio de Janeiro. Ainda durante a regência extra-oficial do príncipe d. João, em 1795, mais um conselho foi criado - o Conselho do Almirantado. Essa é uma peça importante dessa etapa das reformas na justiça militar. O órgão dava continuidade a uma política de particularização dos debates relativos à Marinha, iniciada por d. Maria I em 1783. Neste ano, reconhecendo que não havia sequer um regimento real que definisse os procedimentos a serem adotados contra pessoas da Armada que cometessem delitos, a Coroa determinou a criação de conselhos de guerra específicos para a Marinha.58 58 COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Ver o alvará de 15 de novembro de 1783 e o parágrafo VII do Título Terceiro do Regimento do Conselho do Almirantado, publicado pelo alvará de 26 de outubro de 1796. Para a criação do Conselho do Almirantado, ver: alvará de 25 de abril de 1795. IusLusitanae. Fontes Históricas de Direito Português. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/index.php>. Realizar a busca por data. Quatro anos após a criação do Conselho do Almirantado, em setembro de 1799, essa política deixava de ser apenas institucional: a Coroa fixava Artigos de Guerra exclusivos para o serviço e disciplina da Armada Real, desvinculando os militares da Marinha dos Artigos de Guerra instituídos pelo conde de Lippe.59 59 Para a criação dos Artigos de Guerra da Marinha, decreto de 25 de setembro de 1799. Esses artigos podem ser encontrados em: ROQUE, Nuno. A Justiça Penal Militar em Portugal. Linhó: Atena, 2000.

O Conselho do Almirantado seguia, portanto, essa diretriz política: reconhecia a necessidade de um fórum específico para discussão e aconselhamento da Coroa nas questões relativas à Armada. Cabia ao Conselho zelar pela "boa administração da Marinha em todos os ramos de sua dependência".60 60 OLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Ver o Alvará de 25 de abril de 1795. As sessões do Conselho do Almirantado destinadas aos assuntos administrativos substituiriam a gestão até então partilhada pelo Capitão General da Armada Real e pelo Inspetor Geral da Marinha. Vale destacar, no entanto, que não caberia a essas sessões do Conselho do Almirantado os assuntos que seriam destinados, a partir da publicação desse mesmo alvará, à Real Junta da Fazenda da Marinha. Essa junta foi criada, logo em seguida, pela lei de 26 de outubro de 1796, que dava forma ao Conselho do Almirantado. Sobre essa Junta, ver o parágrafo 3 do Título I da lei. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/index.php>. Acesso em: 28 jul 2014. Realizar a busca por data. No entanto, ele seguia apenas em parte a estrutura do Conselho de Guerra reformado por d. Maria I. Apesar de possuir sessões destinadas às questões político-administrativas, no Conselho do Almirantado não havia - de acordo com seu regimento - um tribunal superior funcionando regularmente. Nessa instância da justiça naval, os três juízes togados, também desembargadores da Casa de Suplicação, trabalhariam assistidos por pelo menos dois conselheiros em "juntas (...) no dia e hora em que este [o Conselho do Almirantado] determinar".61 61 Ibidem. Parágrafos VII e VIII do Título Terceiro do Regimento do Conselho do Almirantado, publicado pelo alvará de 26 de outubro de 1796. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=110&id_obra=73&pagina=522>. Acesso em: 28 jul. 2014.

Ao que tudo indica, essa política mariano-joanina, vista aqui apenas no âmbito da justiça militar, integrava um projeto mais amplo, de reforma da Marinha Real.62 62 Andrée Mansuy-Diniz identifica um projeto de reforma da Marinha: SILVA, Andrée Mansuy-Diniz. Portrait d'unhomme d'État: d. Rodrigo de Souza Coutinho, Comte de Linhares (1755-1812). Paris: Centre Culturel Calouste Gulbenkian, 2006. Capítulo: La réporganisation du Départament de la Marine. A mesma lei que deu forma ao Conselho do Almirantado em 1796, por exemplo, criou duas outras instituições: a Junta de Fazenda da Marinha e um Corpo de Engenheiros Construtores. O texto da lei afirma com clareza o interesse da Coroa portuguesa na ampliação da Marinha e a necessidade que havia, naquela conjuntura, de se centralizar sua administração para eliminar os "vícios" de "administrações hereditárias" ou fundadas em "uma única espécie de luzes". Era intenção da Coroa concentrar "todas as luzes teóricas, práticas, militares e administrativas, em maneira tal, que os conhecimentos do oficial da Marinha venham a coadjuvar os dos administradores, recebendo também destes o necessário auxílio".63 63 COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Apresentação da lei de 26 de outubro de 1796, que dá forma ao Conselho do Almirantado, cria uma Junta de Fazenda da Marinha e um novo Corpo de Engenheiros Construtores. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=110&id_obra=73&pagina=505>. Acesso em: 28 jul. 2014.

A conjuntura a que a lei se refere é a de meados de 1795 quando, a partir de dois tratados, o da Basiléia e o de Santo Ildefonso, se estabeleceu uma aliança de colaboração militar defensiva e ofensiva entre a Espanha e a França revolucionária, abrindo-se, por consequência, uma guerra entre Espanha e Inglaterra. A partir desse momento, acirram-se as discussões na Corte portuguesa sobre a posição a ser tomada por d. João. Debate que, sete anos depois, resultaria na transferência da Corte para o Rio de Janeiro.64 64 Sobre esse quadro das relações políticas internacionais e as discussões que resultaram na transferência da Corte, ver: SILVA, Ana Rosa Cloclet da.Inventando a nação. Intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do Antigo Regime português (1750-1822). São Paulo: Hucitec, 2006. Certamente daí adveio - como indica toda a legislação - o interesse da Coroa em ampliar a Marinha e centralizar sua administração, tanto do ponto de vista burocrático, quanto financeiro e da justiça militar. Mais uma vez, como também se viu durante o governo pombalino, as reformas no campo militar, e as da justiça não escaparam à regra, eram impulsionadas pelo ingresso (ou iminente ingresso) de Portugal em grandes conflitos armados, ficando algumas delas sem efeito logo após o término da guerra. Esse foi o caso do Conselho do Almirantado: nem ele, nem qualquer órgão congênere, foi implantado no Brasil em 1808. Realizada a travessia do Atlântico, e definida a posição de Portugal nas disputas europeias da virada do século XVIII, as questões administrativas e os processos criminais da Armada voltariam a ser encaminhados, juntamente com os do Exército, para um mesmo órgão, o recém-criado Conselho Supremo Militar e de Justiça.

Em meio às reformas, realizadas nesse contínuo estado de guerra, o Código Penal Militar foi outro tema que despertou grande interesse. Os Artigos de Guerra da Marinha podem ser pensados, assim, como primeira etapa de um debate maior, sobre a codificação da legislação penal militar, que se instituiria com mais sistematicidade em 1802.

A nova matriz política de organização e distribuição do poder régio, fundada nos postulados filosóficos do Iluminismo e que vinha sendo implantada em Portugal desde o reinado josefino, começava a produzir as primeiras críticas aos Artigos de Guerra do conde de Lippe. Nos artigos predomina o mecanismo da punição exemplar. Não mais o dos grandes teatros do suplício penal, que retinham a vida no sofrimento, "subdividindo-a em mil mortes" por meio da produção de requintadas agonias.65 65 FOULCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1977. p.16. Mas mantinha-se ainda uma forma de exercício do poder que devia ser inexorável, suscitar o medo e marcar o corpo do condenado. Além da pena capital, prevista em trezedos29 Artigos de Guerra (44,8% das penas), e que podia variar entre a pena de morte simples e a por arcabuz, as punições mais recorrentes eram o carrinho perpétuo, com a colocação de argolas de ferro nas pernas do condenado, e as pancadas de espada de prancha, depois vulgarizadas como nome de "pranchadas". Essas penas logo seriam criticadas por autoridades militares e jurídicas que, além de considerá-las aviltantes, também faziam ponderações sobre sua eficácia, uma vez que, sendo aplicadas tal como previsto no regulamento, eliminariam boa parte dos soldados cujo recrutamento sempre fora um desafio para Portugal.66 66 Sobre a lógica punitiva de Antigo Regime e seu funcionamento, ver: HESPANHA, António Manuel. Política e Litigiosidade.Op.Cit; LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas. Livro V . São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

Se a crítica sobreo caráter aviltante das penas não foi capaz de mobilizar muitas opiniões, naturalizando no Brasil a pranchada e o açoite como prática nas forças armadas até os primeiros anos do século XX, a segunda crítica foi ouvida com mais cuidado.

O que entrava em pauta não era a pena de morte, mas o funcionamento do próprio sistema penal de Antigo Regime. Em estudo específico sobre o tema, António Manuel Hespanha examinou os dispositivos de efetivação da ordem penal e verificou que esse sistema, na prática, principalmente entre os séculos XVI e XVII, comutava maciçamente as penas mais rigorosas, em especial a pena capital.67 67 HESPANHA, António Manuel. Política e Litigiosidade. Op. Cit. Ver especialmente o item intitulado "O direito penal na monarquia corporativa". Isso porque a lógica que o engendrava não previa uma aplicação irrestrita da lei. Ao contrário, obedecia à lógica do "se fazer temer, ameaçando" e de se "fazer amar, não cumprindo".68 68 Ibidem, p.311. A ameaça era mantida para que sua concretização -ou não-dependesse da apreciação concreta de cada caso, da benevolência e compaixão suscitadas ao aplicar a norma geral a uma pessoa em particular. Como afirma Hespanha, tratava-se de uma ordem jurídica em parte virtual, mais orientada para a promoção da imagem do rei como dispensador da justiça do que para uma intervenção efetiva, normativa, capaz de disciplinar condutas desviantes.69 69 Ibidem, p.292. A mesma mão que ameaçava com castigos impiedosos, poderia, dependendo apenas de sua vontade, prodigalizar as medidas de graça, perdoando ou comutando as penas.

No meio militar, esse sistema penal tornava-se inviável em fins do século XVIII. Se todos os Artigos de Guerra que previam pena de morte fossem executados, tal como previsto no regulamento, os efetivos do Exército e da Marinha desapareceriam. Por outro lado, seu não cumprimento, sobretudo em contextos de guerra, comprometia a disciplina da tropa. A manutenção dessa lógica penal, quando o tema já era amplamente discutido, produzia críticas jocosas. Conta-se, por exemplo, que ao ler o livro V das Ordenações Filipinas, o rei Frederico II, da Prússia, surpreso diante do número de artigos que previam a aplicação da pena capital, teria perguntado se ainda havia gente viva em Portugal.70 70 Ibidem, p.299.

O ponto central do debate era a eficácia desse sistema penal. E, para alterá-lo, além da reforma institucional, que procurava dirimir o problema da multiplicidade de jurisdições e das delongas processuais, impunha-se, a partir de então, a implantação de um direito penal com modalidades de intervenção social normativas.

Os Artigos de Guerra da Marinha avançaram nesse debate. A pena capital e os castigos corporais não foram eliminados. Como dito antes, esse debate não mobilizou muitas opiniões em Portugal. Não se tratava, portanto, da emergência de uma nova sensibilidade, organizada a partir do discurso da humanização penal. Mesmo assim, em termos comparativos, é importante perceber algumas alterações em relação aos Artigos de Guerra do conde de Lippe, que permaneciam em vigor no Exército.

A primeira alteração que vale destacar é o aumento expressivo no número de artigos, que passavam de 29 para 80. Acredito que esse fato - a princípio um detalhe - é indicativo da atenção dedicada pelas autoridades navais e jurídicas à elaboração da nova legislação. Esse aumento expressa um maior cuidado na diferenciação dos crimes e na imputação de penas aos réus. A pena de morte, por exemplo, caiu em 12,3%, sendo prevista em 26 dos 80 artigos. Entretanto, mais importante que essa redução, é o fato de que, na maior parte dos casos, a pena capital é indicada apenas quando o réu reincide algumas vezes no crime. Sua aplicação imediata se restringe aos crimes que-segundo a legislação - "comprometam a honra da nação", tais como crime de traição, abandono de posto ou de embarcações e rendições não autorizadas em contexto de guerra.71 71 Artigos de Guerra da Marinha, decreto de 25 de setembro de 1799. Esses artigos foram reproduzidos em: ROQUE, Nuno. Op. Cit., p.64.

Outra alteração bastante significativa é o número de artigos que simplesmente não preveem penas, indicando que as mesmas serão imputadas pelo conselho de guerra, órgão a quem caberia não só "infligir os castigos", mas também proporcioná-los conforme os delitos. Esse reconhecimento da primeira instância da justiça militar, de sua autoridade propriamente jurídica, é também digno de atenção.72 72 ROQUE, Nuno. Loc. Cit. Ele expressa - ao menos do ponto de vista legislativo-um interesse por preservar as competências institucionais e, desse modo, evitar o arbítrio, tão comum no exercício simultâneo e desordenado das práticas penais por autoridades jurídicas, militares e policiais. A articulação entre uma primeira instância fortalecida em sua autoridade - principalmente após a instituição do auditor regimental pelo regulamento de 1763, como vimos anteriormente -e uma legislação mais meticulosa sem dúvida promovia avanços na superação do modelo penal antigo, que substituía o cumprimento das leis por interpretações moderadoras, mais interessadas no "governo da paz", que na punição como meio de dirigir comportamentos.

Por fim, vale ainda ressaltar a multiplicação dos tipos de penalidades. Nos Artigos de Guerra da Marinha, é possível encontrar, por exemplo, a pena de prisão, com o tempo variando de acordo com a gravidade do crime cometido, além da perda de soldo, por um período de tempo também variável, até a expulsão e o trabalho nas "reais fábricas".

É importante deixar claro que, ao destacar essas mudanças na legislação penal militar, não pretendo negar ou amenizar seu caráter cruel. Tratava-se de uma sociedade altamente hierarquizada, e a hierarquia militar espelhava esse sistema de hierarquias mais amplo, da sociedade.73 73 Para uma análise detalhada sobre a hierarquia militar no oitocentos, ver: SOUZA, Adriana Barreto de. O Exército na consolidação do Império:um estudo histórico sobre a política militar conservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999. Por isso, o tema do castigo corporal, e mesmo o da pena de morte, não mobilizou muitas opiniões. O castigo parecia ser o único corretivo possível para "almas de natureza bruta". No entanto, essa perspectiva não eliminou por completo o debate, ainda que tenha definido- de forma bastante clara -seus contornos.

A elaboração de um Código Penal Militar, comum para o Exército e para a Marinha, só viria a ser oficialmente tematizada com o alvará de 21 de março de 1802, quando o então príncipe regente nomeou uma junta para elaborar um projeto de Código Penal Militar. Reconstituir a composição dessa junta não é fácil, até porque, como seu trabalho foi prolongado, mudanças ocorreram ao longo do tempo. No entanto, os nomes identificados até o momento nos permitem afirmar que um critério importante em sua composição foi o mérito. Dela participaram oficiais generais e superiores com ampla e respeitável experiência no Exército Real, como Luís Teles da Silva Caminha e Menezes (marquês de Alegrete), João de Ordaz e Queirós (barão de Castello Novo), Bernardim Freire de Andrade, Antônio Teixeira Rebelo e João de Souza e Mendonça.74 74 O decreto de criação da junta menciona que segue em anexo uma relação de seus integrantes. Porém, as cópias localizadas por esta pesquisa não traziam o referido anexo. Os nomes aqui citados foram extraídos de documento assinado pelo príncipe regente, em data não identificada, e intitulado "Plano para a junta do Código Penal Militar e Melhoramento das Caudelarias do Reino a fim de se regular em conformidade". Arquivo Histórico Militar de Lisboa. Lisboa, Brasil. Cota: PT- AHM-DIV-1-13-09-10. Dois anos depois, em 1804, a junta foi ampliada para elaborar um Código Criminal Militar para a Marinha. Para essa nova tarefa, recebeu mais três novos integrantes: o vice-almirante Pedro de Mendonça e Moura, o capitão de mar e guerra Ignácio da Costa Quintella e o desembargador José Antônio de Oliveira Leite de Barros.75 75 O alvará é o de 23 de fevereiro de 1804. Os dados aqui fornecidos foram extraídos, porém, de SOARES, Joaquim Pedro Celestino. Quadros Navaes ou Collecção dos Folhetins Marítimos do Patriota seguidos de uma Epopéia Naval Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1863. Tomo III.

Essas iniciativas constituem mais uma prova do investimento que vinha sendo realizado desde Pombal, com continuidade no reinado mariano-joanino, na implantação de uma nova matriz política de organização e distribuição do poder régio em Portugal. Os interesses de d. Maria I ultrapassavam em muito os limites de uma reforma da Marinha, ou mesmo militar. O tema dos códigos militares, que só foi formalmente apresentando por seu filho, é mais um desdobramento de outro projeto legislativo: de recompilação do corpo de ordenações do Reino. A proposta, que havia sido efetivada pelo decreto de 31 de março de 1778, criou uma Junta de Ministros para fazer o "exame das muitas leis dispersas e extravagantes", além das que integravam as ordenações. Ainda nesse mesmo movimento, quatro meses depois, um novo decreto suspendeu a execução de algumas leis pombalinas.76 76 COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Decreto de 17 de julho de 1778. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=87&id_obra=65&pagina=365>. Acesso em: 28 jul. 2014. A reforma acompanhava a mudança dos princípios que fundamentavam a concepção de direito que, até então, orientava as codificações nacionais. Ou seja, os postulados iluministas, além de produzirem as primeiras críticas às instituições jurídicas e à lógica do castigo exemplar, também difundiam a ideia de que o caminho para uma sociedade mais bem estruturada estava na sistematização e racionalização do direito.

A doutrina do direito natural, em fins do século XVIII, sustentava o direito como algo independente de todo poder humano ou divino, fundado em uma razão pura, e não na vontade.77 77 Em Portugal, essa nova "política do direito", que tende a afirmar a supremacia da lei sobre todas as outras fontes de direito (o costume, o direito e a doutrina), teve início com a "lei da Boa Razão", de 19 de agosto de 1769. Sobre o debate no Brasil, ver: GRINBERG, Keila. O fiador dos brasileiros. Cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Esse movimento de codificação, inspirado no direito natural, favorecia - como, de fato, ocorreu -a centralização política, mas sem dúvida, ao propagar o lema "submeter o rei à lei", e não mais a lei ao rei, minava as bases do absolutismo. Em Portugal, após mais uma intervenção da Coroa, os códigos criminal e de direito público seriam finalizados por Pascoal José de Melo Freire em 1789. Porém, ao ser submetido a uma revisão, como era praxe na época, o projeto de direito público produziu acalorado debate entre Melo Freire - definido como representante da linha dura do despotismo iluminista - e Antônio Ribeiro dos Santos, teórico mais próximo de posições liberais.78 78 Após cinco anos de funcionamento da Junta de Ministros, sem que esta apresentasse qualquer material, a Coroa encarregou Pascoal de Melo Freire de escrever o livro segundo do Novo Código, sobre direito público, e, depois, o livro quinto, sobre direito criminal. Esses livros foram submetidos a Junta de Cesura e Revisão, criada por decreto de 3 de fevereiro de 1789 e da qual participava Antônio Ribeiro dos Santos. As críticas deste ao projeto de código de direito público e a resposta de Melo Freire foram editadas em Coimbra, em 1844. O projeto de direito criminal não chegou a ser discutido. A polêmica, na opinião de especialistas, resume o extrato das posições constitucionalistas portuguesas no ano em que rebentava a Revolução Francesa.79 79 HESPANHA, Antonio Manuel. O Constitucionalismo monárquico português: breve síntese. Historia Constitucional , Lisboa, n.13, p.477-526, 2012. Disponível em: <http://www.historiaconstitucional.com>. Acesso em: 28 de jul. de 2014. Já seu desfecho evidencia a tensão vivida nos círculos intelectuais portugueses: apesar das avaliações de Pascoal de Melo Freire continuarem sendo as oficiais, moldando a cultura universitária de várias gerações de bacharéis de direito, o código de direito público jamais entrou em vigor

O debate sobre o Código Penal Militar integra esse mesmo movimento intelectual e político. Reclamava-se um código geral para o Exército, partindo-se da consideração de que o cotidiano militar era regulado por uma legislação em parte ultrapassada, em parte confusa, mas acima de tudo inexequível. O Regulamento do conde de Lippe era, naquele momento, o alvo preferencial das críticas, mas não o único. Também gerava insatisfação o fato de que um conjunto legislativo muito anterior, datado do século XVII, seguia em vigor. Daí a sensação de confusão. Várias legislações, vinculadas a conjunturas muito específicas, coexistiam. O reclame era, portanto, pela sistematização e racionalização do direito e da justiça militar. Exatamente por leis que tivessem validade universal.

Uma demanda que, tanto quanto no debate dos códigos criminal e do direito público, também era polêmica e exigia tempo. Assim, a fim de coibir as irregularidades produzidas pela falta de regras claras para a punição dos crimes de deserção em tempo de paz, que não foram reguladas nos Artigos de Guerra do conde de Lippe, o príncipe regente solicitou três anos depois, em 1805, que a Junta do Código Penal Militar elaborasse uma ordenança especial sobre o tema. Ela deveria regular os diferentes tipos de crime de deserção e a proporcionalidade das penas a serem aplicadas. Ao que parece, nesse momento inclusive, novas pessoas foram nomeadas para integrar a referida Junta, achando-se, entre elas, ninguém menos que o jurista Antônio Ribeiro dos Santos.80 80 A Ordenança de 9 de abril de 1805, elaborada pela Junta do Código penal Militar, foi reproduzida na íntegra por: SAMPAIO, Antônio Manoel da Silveira. Instruções para o uso dos oficiais do Exército Nacional e Imperial nos processos de conselho de guerra . Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1824. Já a informação sobre Antônio Ribeiro dos Santos ter ingressado na Junta pode ser encontrada na "Carta ao Leitor" escrita por Cândido Mendes de Almeida para a 14ª edição das Ordenações Filipinas, publicada no Rio de Janeiro, pela Typographia do Instituto Philomathico, em 1870.

A intenção era de que a Ordenança fosse provisória, encaminhando o problema da deserção até que o Código Penal Militar ficasse pronto. Todavia, nem o contexto das invasões napoleônicas impulsionou o código, que parece ter caído no esquecimento. Somente em 1816, onze anos depois, um novo decreto real reativaria o tema.

Em geral, as narrativas sobre o primeiro Código Penal Militar português tendem a destacar uma continuidade- a Coroa retomou em 1816 a iniciativa de 1802, recompondo a antiga Junta responsável por sua elaboração. Uma pesquisa mais minuciosa, no entanto, revela uma outra história. A iniciativa de 1816, ao que tudo indica, foi resultado das pressões políticas da Regência de Lisboa que, depois do Congresso de Viena, viu crescer de forma expressiva o descontentamento e o sentimento anti-britânico no Reino.81 81 Pesquisa importante foi realizada pelo jurista brasileiro Mário Tiburcio Gomes Carneiro. Os resultados desse esforço foram parcialmente publicados naRevista Arquivo do Direito Militar , editada na década de 1940 pela Imprensa Nacional. Para esse tema em particular, ver os volumes I e III da revista. Com a economia arruinada, a auto-estima abalada pela opção brasileira do rei e uma nova disponibilidade para o debate público, criou-se em Portugal solo fácil para revoltas. Pior, o ator então mais mobilizado era o próprio Exército que, em 1811, chegou a contar com 60 mil homens em armas, uma força que a monarquia decidiu conservar, mesmo após a paz de 1815. Somando a esse efetivo, os 52 mil homens das milícias, o Exército português era, tendo por referência sua população, um dos maiores da Europa.82 82 Para esses dados sobre as forças militares portuguesas, ver: SELVAGEM, Carlos. Op. Cit., p.532-537; RAMOS, Rui. História de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009. p.446-453.

Exército grande, porém com graves cesuras internas. Sob o comando do marechal britânico William Carr Beresford desde 1809, o Exército português de 1816 havia sido devidamente treinado em seu sistema de rotação de regimentos e método disciplinador, tornando-se um corpo com contorno mais nacional e profissional. Mas o benefício teve preço. O marechal mantinha o Reino, inclusive o Conselho de Regência de Lisboa, sob um regime severo e, mesmo após o fim dos conflitos napoleônicos, guardava os postos de comando do Exército português para oficiais ingleses. A política bloqueava a promoção dos portugueses que, tendo engajado suas vidas na causa monárquica e tendo sido, desse modo, simbolicamente promovidos a heróis pátrios, sentiam-se agora desprestigiados.83 83 RAMOS, Rui. Op.Cit., p.453.

Foi em meio a esse contexto, de tensão interna, no qual se articulava uma revolta militar contra o governo da Regência e o marechal Beresford, que a Coroa recuperou o projeto do Código Penal Militar, criando, em maio de 1816, uma nova Junta para se ocupar de sua elaboração. Essa Junta, no entanto, nada tinha da anterior. A intenção de d. João era fortalecer uma vez mais a autoridade do marechal William Beresford que, além de ficar encarregado de presidir os trabalhos da Junta, também participou de sua composição, nomeando apenas generais e desembargadores do Reino para integrá-la.84 84 A Junta era integrada pelos tenente-generais conde de Sampaio e Mathias José Dias Azedo, como vogais, pelo Desembargador do Paço e juiz relator de Conselho de Justiça, Alexandre José Teixeira Castello, e o Desembargador do Paço Auditor Geral do Exército José Antônio de Oliveira Leite de Barros. Coube ainda à Junta nomear seu secretário. Decreto de 28 de maio de 1816. Apud. CARNEIRO, Mário Tiburcio Gomes. O código penal militar de 1820.Revista Arquivo do Direito Militar , Rio de Janeiro, vol.3, p.228, janeiro a abril de 1943. O Conselho da Regência, por seu turno, lamentava a escolha da Coroa por concentrar a "força toda do Reino na mão de um general estrangeiro", desautorizando o governo.85 85 Apud. RAMOS, Rui. Op.Cit., p.452.

A iniciativa era, portanto, obra de um Portugal convulsionado. A conspiração descoberta justamente um ano depois, em maio de 1817, e que resultou na execução de ninguém menos que o marechal Gomes Freire de Andrade, constituía prova da gravidade da situação. Não por acaso, nos anos seguintes, Beresford esteve duas vezes no Brasil. Em sua segunda viagem, o general britânico buscava junto à Coroa meios para enfrentar as insurreições e, nesse momento, trouxe com ele o projeto do Código Penal Militar. Mas, antes de aprová-lo, seguindo a praxe, d. João submeteu o projeto à apreciação do jurista visconde da Cachoeira, Luiz José de Carvalho Mello.86 86 Uma referência ao episódio é feita pelo senador José Inácio Borges na sessão de 2 de setembro de 1826. Anais do Senado Brasileiro . Disponível em: http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/asp/IP_Anais Imperio.asp. Acesso em: 28 de jul. de 2014. A medida preocupou o marechal que, por meio de cartas, procurou sensibilizar o ministro da guerra, Thomaz Antônio de Villanova Portugal, para a necessidade de uma decisão urgente. Temia que o trabalho de revisão, realizado por um desembargador com "muitos encargos e laboriosas atribuições", se prolongasse consideravelmente; lembrava que o projeto havia sido "discutido com toda miudeza, e muito bem ponderado pela experiência e luzes de dois desembargadores do paço dos mais acreditados" e, por fim, afirmava que, "não havendo outro código criminal para a disciplina do Exército e administração da justiça militar, o melhor era aprovar esse o mais rapidamente possível, ainda que ele saísse "com pequenas imperfeições".87 87 Carta do marquês de Campo Maior ao ministro da guerra datada de 7 de junho de 1820. Apud. Arquivo de Direito Militar , Rio de Janeiro, vol.3, janeiro a abril de 1943.

O esforço do marechal surtiu efeito. Três meses depois, em 7 de agosto de 1820, d. João VI publicava um alvará, aprovando o novo Código Penal Militar. Apesar de ser produto de uma conjuntura específica, os objetivos do Código de 1820 eram os mesmos do decreto de 1802: reformar e sistematizar as leis criminais militares a fim de se manter a disciplina das tropas, evitando arbitrariedades no ato de julgar e que se "dê azo a interpretações e inteligências, que muitas vezes gravam com castigos maiores culpas leves e minorar impropriamente a pena de crimes, que exijam mais severa correção".88 88 Decreto de 7 de agosto de 1820. Disponível em

Mas esse Código Penal Militar, em função do movimento constitucionalista e do retorno de d. João VI para Portugal, nunca entrou em execução no Brasil. Para ter seu primeiro código penal militar, as forças armadas brasileiras esperaram por mais 71 anos. Ainda assim, o novo código, de 1891, possuía uma especificidade: não se tratava de um código propriamente militar, e sim da Marinha que, desde 1865, havia particularizado sua luta pela regulamentação dos procedimentos para julgar da Armada.

IV. O campo da Justiça Militar

Esse artigo se dedicou a pensar historicamente a constituição de um campo próprio à justiça militar no interior de uma ampla constelação de poderes já constituídos e erguidos a partir de uma lógica pluralista. A noção de campo inspira-se, guardadas as devidas proporções, nas reflexões de Pierre Bourdieu. Não se trata aqui - é certo - de pensar a justiça militar, ou mesmo o saber jurídico, como um "saber-fazer" já dotado de um formalismo refinado teoricamente e que, a partir desse refinamento, chegara a um alto grau de autonomia.89 89 <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/alvara/anterioresa1824/alvara-39026-7-agosto-1820-568465-publicacaooriginal-91786-pl.html>. Acesso em: 28 jul. 2014. Por isso, o destaque logo de início à racionalidade pluralista. Esse artigo se inscreve num contexto específico, o de finais do século XVIII.

A noção de campo, entretanto, ajudou a dar forma a determinadas disputas, ações e saberes que foram observados durante a pesquisa, mas estavam dispersos em um amplo conjunto documental. Ela serviu, assim, para dar uma direção à investigação. A partir da noção de campo, procuramos imprimir unidade a essas diversas ações, disputas e saberes, tomando-os efetivamente como um conjunto, procurando articulá-los e, acima de tudo, pensá-los como um espaço social historicamente constituído e que, desse modo, possuía um momento de emergência na tradição jurídica portuguesa. Momento esse que não deve ser pensado como "origem" que se desdobra de forma evolutiva e linear até se desenhar como um campo forte e quase impenetrável do direito. Ao contrário, o que vimos foi puro movimento, um constante fazer, refazer e desfazer de legislações, autoridades e também de instituições. Expressão de interesses e experiências, ora convergentes, ora conflitantes, por vezes pouco delineados, mas sempre resultado de ações políticas e sociais. Dois bons exemplos desse constante movimento foram o Conselho do Almirantado, que foi recriado uma vez mais no século XIX brasileiro, e o debate sobre o código penal militar, que foi relançado, com a constituição de comissões, encomenda e elaboração de textos, por duas vezes mais no mesmo período. Termo talvez melhor que emergência, seja invenção.

Acredito que a invenção da justiça militar como campo jurídico em Portugal - em toda sua complexidade, que comporta tensões, oposições e efetivos fracassos-se dá com as reformas pombalinas. Ainda que o conjunto dessas reformas já tenha sido bem estudado, as ações do ministro de d. José I na área militar ainda carecem de pesquisas. Logo após o fim da Guerra dos Sete Anos, na sequência da aprovação do Regimento de Infantaria e Artilharia, a publicação de vários alvarás instituindo autoridades e regulando procedimentos de formalização dos conselhos de guerra evidenciam o interesse da Coroa pela temática da justiça militar, pelo ordenamento das relações sociais e de poder nesse campo específico. No centro do debate, estava a disputa por uma definição mais precisado foro militar, ainda pensado como privilégio que garantiria aos militares de linha - a partir de 1763, também aos dos terços auxiliares -o julgamento em fóruns especiais de justiça.

Em meio a essa reforma institucional, a criação do cargo de auditor regimental foi uma grande inovação. A diferença para os auditores anteriores é que o regimental estava atrelado a uma unidade militar - o Regimento - e subordinado a seu comandante. Essa subordinação era formalizada logo no momento de seu ingresso, quando, além da patente de capitão, o auditor passava a receber soldo (de capitão) e a portar uniforme.

Essas mudanças eram indiscutivelmente produto da política regalista do marquês de Pombal que, pouco antes do ingresso de Portugal na Guerra dos Sete Anos, havia criado outra instituição importante- e ainda pouco estudada - nesse movimento de ordenação dos espaços sociais e políticos do Reino: a Intendência Geral de Polícia. Era com ela que os militares da tropa de linha rivalizavam nas ruas do Reino. E, em função disso, sua criação redefine os termos do debate sobre os limites do foro militar.

Ao assumir o trono em 1777, d. Maria I deu continuidade à reforma pombalina na justiça militar, sendo que o alvo preferencial de seu governo foi a segunda instância dessa justiça. Assim, após uma sequência de intervenções no Conselho de Guerra de Lisboa, criou um conselho dedicado exclusivamente aos assuntos da justiça militar - o Conselho de Justiça. Integrado por três juízes togados e três conselheiros de guerra, o novo conselho tinha total liberdade para confirmar, revogar ou modificar as sentenças proferidas nos conselhos de guerra(tribunais de primeira instância), substituindo em definitivo as antigas sessões de justiça do Conselho de Guerra de Lisboa.

O debate sobre as particularidades da justiça militar, o contexto de grande tensão bélica entre as potências europeias e as demandas internas por um fórum específico para discussão e aconselhamento da Coroa nos assuntos relativos à Armada Real, levariam ainda à criação em 1795 de mais um conselho régio - o Conselho do Almirantado.

Nessa nova série de reformas é que se situa o debate sobre a codificação da legislação penal militar. Estabelecendo uma sequência cronológica, teríamos: em 1763, a aprovação, no interior do Regulamento de Infantaria e Artilharia, dos Artigos de Guerra do conde de Lippe; em 1799, a aprovação dos Artigos de Guerra da Marinha; em 1802, a criação da primeira Junta para elaborar um Código Penal Militar e, em 1820, a aprovação por d. João VI do primeiro Código Penal Militar do Império luso-brasileiro.

Desse esforço de pesquisa, do exercício de pensar articuladamente todas essas medidas, que se encontram inteiramente dispersas por uma série de decretos, alvarás e regimentos régios, podemos observara emergência de uma nova matriz de organização e distribuição do poder régio, elaborada a partir das ideias iluministas. Ainda que uma parcela dessas medidas tenha sido -como procurei mostrar no artigo - desfeita logo em seguida, deixando algumas leis sem execução ou suprimindo instituições, a discussão e sua aprovação já são suficientes para demonstrar o interesse da Coroa portuguesa por produzir, a partir dessa nova matriz política, alterações no exercício da prática penal, levando à substituição da justiça pela disciplina como ideia-força da ação penal.

A opção por operar apenas com documentação legislativa é, sem dúvida, passível de crítica. Uma das razões é justamente essa: não é possível garantir se e como essa legislação foi implementada. E, fundamentando essa argumentação, poderíamos ainda lembrar que as leis, mesmo as leis penais, nunca são pontualmente cumpridas, que elas também não constituem todo o direito - principalmente em sociedades de Antigo Regime- e, por fim, que elas não constituem de modo algum um espelho da realidade social.

Nesse sentido, globalmente, a crítica é justa. Todavia, e para finalizar, gostaria de defender dois contra-argumentos. O primeiro é particular a essa temática. A ausência de pesquisas acadêmicas sobre a justiça militar e, por conseguinte, de referências básicas sobre suas instituições, autoridades e funcionamento, legitimam uma exploração mais detida das fontes legislativas. Ela nos permite justamente esboçar um mapeamento do campo. Nos limites dessa pesquisa, acredito que a confluência entre a circulação e as disputas pela instituição de uma matriz política de administração ativa, em que a "razão de Estado" deve se impor e ordenar a sociedade, e o ingresso de Portugal num grande conflito armado potencializou a ação intervencionista da Coroa. Se o direito penal, por essa nova matriz, precisava ser eficaz e se instituir como instrumento efetivo de controle social, essa eficácia tornou-se tanto mais necessária no campo militar.

O segundo argumento é mais geral, de caráter teórico. Defendo a ideia de que realidades conceituais, expressas em diversos tipos de textos, inclusive nos legislativos, experimentam mudanças no tempo. "Justiça", "foro", "violência" ou mesmo "militar" são realidades conceituais mas que, tanto quanto os fatos sociais do passado, chegam até nós por meio de textos. Elas integram lógicas políticas e doutrinárias que, justamente por serem marcadas de história, são também perecíveis. Há, assim, outros tipos de indagação que podemos endereçar aos textos legislativos, para além da tradicional - e sem dúvida importante - inquietação sobre a implementação ou não de suas propostas. Podemos ainda indagar sobre a problemática que está sendo pautada, sobre os nomes que se engajam nos diferentes projetos, as instituições que estão sendo discutidas, o tipo de argumentação mobilizada na criação, supressão ou reforma de leis e/ou instituições, além da necessária pergunta sobre as tradições intelectuais, antigas ou modernas, nacionais ou estrangeiras, que, a cada momento, estão alimentando debates e decisões.

  • 1
    Esse artigo é produto do projeto "O governo da justiça militar: um estudo sobre legislação, ideias e práticas políticas entre Lisboa e Rio de Janeiro (1750-1889)", financiado pela FAPERJ, e que vinha sendo desenvolvido no âmbito de um projeto coletivo, intitulado "Dimensões e Fronteiras do Estado brasileiro" - PRONEX - CNPq/FAPERJ. As linhas gerais desse texto foram discutidas pela primeira vez em um seminário ministrado por mim no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS/UL). Do seminário, participaram os professores Nuno Gonçalo Monteiro e Fernando Dores Costa, a quem agradeço as sugestões que seguem incorporadas ao texto. Agradeço também as observações precisas e sugestões de um dos pareceristas anônimos. Ao final, tive ainda a oportunidade de contar com as críticas da professora Silvia Hunold Lara, que me levaram a fazer uma última revisão nesse texto.
  • 2
    Refiro-me ao artigo: COSTA, Fernando Dores. O Conselho de Guerra como lugar de poder: a delimitação de sua autoridade. Análise Social , Lisboa, n.191, 2009. Até então, o tema tinha merecido apenas breves referências em alguns livros. Ver: HESPANHA, Antônio Manuel. Às vésperas do Leviathan. Instituições e poder político Portugal, século XVII. Coimbra: Livraria Almedina, s/d. p.256 e SUBTIL, José. Os poderes do Centro. In: MATTOSO, José (org.). História de Portugal:o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p.162.
  • 3
    SOUZA, Adriana Barreto de. Conselho Supremo Militar e de Justiça: ideias e práticas de uma cultura jurídica de Antigo Regime (1808-1831). In: CARDOSO, José Luís; MONTEIRO, Nuno Gonçalo; SERRÃO, José Vicente (org.).Portugal, Brasil e a Europa Napoleônica. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2011.
  • 4
    Para um debate mais teórico sobre o pluralismo político e institucional, ver: HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura jurídica europeia.Síntese de um milênio. Lisboa: Publicações Europa-América, 2003. Sobre o modelo dos "conselhos régios", ver: SUBTIL, José. Os desembargadores em Portugal (1640-1820). In: MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CARDIM, Pedro; CUNHA, Mafalda Soares da (orgs). Optima Pars. Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005.
  • 5
    COSTA, Fernando Dores. A Guerra de Restauração 1641-1668 . Lisboa: Livros Horizonte, 2004. p.24; Idem. Insubmissão.Aversão ao serviço militar no Portugal do século XVIII. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2010.
  • 6
    SUPREMO Tribunal Militar. Organização, antecedentes e instalações. Lisboa: [s.n.],1980. p.30.
  • 7
    COSTA, Fernando Dores. A Guerra de Restauração . Op.Cit. p.25.
  • 8
    Ibidem, p.26.
  • 9
    SUPREMO Tribunal Militar . Op.Cit. p.33-34.
  • 10
    Ibidem. Especialmente parágrafo XXII, p.37.
  • 11
    SUPREMO Tribunal Militar . Loc. Cit.
  • 12
    Trata-se do Regimento das Ordenanças, de 1564. Para a temática da justiça, ver especialmente os parágrafos 24, 26 e 45 do regimento. MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da Formação Administrativa do Brasil . Vol.2. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972.
  • 13
    SUPREMO Tribunal Militar . Op. Cit. Para o parágrafo XXIII, ver p.37.
  • 14
    Ibidem, parágrafo XXIV, p.37.
  • 15
    Ibidem, parágrafo XXV, p.38.
  • 16
    Ibidem, parágrafo XXIV, p.37.
  • 17
    Regimento dos Governadores das Armas, seus Auditores e Assessores, de 1º de junho de 1678. Todas as informações desse parágrafo foram retiradas da apresentação do regimento. COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa publicada no ano de 1928 . Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa, 1936. Disponível em: IusLusitanae. Fontes Históricas de Direito Português: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=102&id_obra=63&pagina=146>. Acesso em: 28 jul. 2014.
  • 18
    Ibidem, parágrafo I.
  • 19
    Ibidem, parágrafos II e III.
  • 20
    Ibidem, parágrafos V e XXIV.
  • 21
    Ibidem, parágrafo XXV.
  • 22
    Ibidem, parágrafos XLII e LX.
  • 23
    Ibidem, parágrafos XXVI e XXX.
  • 24
    Ibidem, parágrafo V.
  • 25
    Ibidem, parágrafo XLV.
  • 26
    HESPANHA, António Manuel. Política e Litigiosidade: história e prospectiva. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993. Capítulo: "Daiustia à disciplina - texto, poder e política penal no Antigo Regime". Silvia Lara também chama atenção para a ampliação do poder de intervenção da Coroa em finais do século XVIII, mas em espaços coloniais. A autora destaca o investimento da Coroa na organização de meios de "controle militar dos moradores". LARA, Silvia Hunold. Campos de violência. Escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1888. Ver especialmente o capítulo I.
  • 27
    Ibidem, p.321.
  • 28
    COSTA, Fernando Dores. Insubmissão. Op. Cit. Ver especialmente capítulo 7.
  • 29
    A referência ao contexto de guerra e à necessidade de equiparar o Exército real ao das "grandes potências européias" em termos de instrução e disciplina é constante nos alvarás, decretos e regulamentos relativos à justiça militar entre finais do século XVIII e início do XIX. Daí a importância que o argumento ganhou na estruturação desse artigo e o interesse pela construção - ainda que breve - desses contextos de guerra.
  • 30
    HESPANHA, António Manuel. Política e Litigiosidade. Op. Cit. Capítulo: "justiça e administração entre o Antigo Regime e a Revolução".
  • 31
    Alvará de 15 de julho de 1763. Apresentação. COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa..., Op.Cit. IusLusitanae.Fontes Históricas de Direito Português. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_obra=74&pagina=369>. Acesso em: 28 jul 2014.
  • 32
    COSTA, Fernando Dores. Insubmissão. Op. Cit., p.286.
  • 33
    COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa..., Op.Cit. Alvará de 20 de outubro de 1763. IusLusitanae. Fontes Históricas de Direito Português. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_obra=74&pagina=378>. Acesso em: 28 jul 2014.
  • 34
    Ibidem. Alvará de 18 de fevereiro de 1764. IusLusitanae.Fontes Históricas de Direito Português. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_obra=74&pagina =394>. Acesso em: 28 jul 2014.
  • 35
    Ibidem. Alvará de 21 de outubro de 1763. Fontes Históricas de Direito Português. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_obra=74&pagina=380>. Acesso em: 28 jul 2014.
  • 36
    Ibidem. Ver especialmente os parágrafos 1, 2 e 3.
  • 37
    Ibidem, parágrafo 3 e 4. Neste último parágrafo, define-se apenas que, no caso de réus que tenham um dos hábitos das ordens militares, o conselho de guerra deverá incorporar em sua composição um número de cavaleiros das referidas ordens igual ao número de oficiais de patente que o compõem. Observando-se ainda que o juiz cavaleiro não pode pertencer à mesma ordem militar do réu.
  • 38
    Ibidem, parágrafo 5.
  • 39
    LARA, Silvia Hunold. Campos de violência . Op. Cit., p.31.
  • 40
    COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Alvará de 21 de outubro de 1763. Sobre a Intendência de Polícia, parágrafo 8. Já o tema dos conflitos de jurisdições permeia todo o alvará, aparecendo de forma mais concentrada, no entanto, a partir do parágrafo 6.
  • 41
    Ibidem, parágrafo 6.
  • 42
    HESPANHA, António Manuel. Política e litigiosidade. Op. Cit., p.401-404.
  • 43
    COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Alvará de 21 de outubro de 1763. Parágrafo 6. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_obra=74&pagina=380>. Acesso em: 28 de jul. de 2014.
  • 44
    Ibidem, parágrafo 8.
  • 45
    bidem, parágrafo12.
  • 46
    Ibidem, parágrafo 13.
  • 47
    Ibidem, parágrafo 14.
  • 48
    Ibidem. Alvará de 17 de fevereiro de 1764.
  • 49
    Ibidem. Alvará de 18 de fevereiro de 1764. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=115&id_ obra=74 &pagina=394>. Acesso em: 28 de jul. de 2014.
  • 50
    Maiores detalhes sobre a intensificação da campanha de mobilização, ver: SELVAGEM, Calos. Portugal Militar. Compêndio de história militar e naval de Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 2006. p.482.
  • 51
    COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Decreto de 20 de agosto de 1777. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=109&id_obra=73&pagina=237>. Acesso em: 28 de jul. de 2014.
  • 52
    COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa . Loc. Cit.
  • 53
    COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa. Loc.Cit.
  • 54
    OLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op. Cit. Decreto de 13 de agosto de 1790. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=109&id_obra=73&pagina=909>. Acesso em: 28 jul 2014.
  • 55
    Ibidem. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=109&id_obra=73&pagina=237>. Acesso em: 28 jul 2014.
  • 56
    D. Maria I fora considerada incapaz de gerir o Reino em 1792, mas d. João só assume oficialmente a regência em 1799. Nesse ínterim, cuidava dos assuntos do Império, assinando em nome de sua mãe.
  • 57
    Alvará de 1º de abril de 1808. Uma análise mais detalhada da influência desse debate sobre d. João VI pode ser encontrada em: SOUZA, Adriana Barreto de. Conselho Supremo Militar e de Justiça. Op. Cit.
  • 58
    COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Ver o alvará de 15 de novembro de 1783 e o parágrafo VII do Título Terceiro do Regimento do Conselho do Almirantado, publicado pelo alvará de 26 de outubro de 1796. Para a criação do Conselho do Almirantado, ver: alvará de 25 de abril de 1795. IusLusitanae. Fontes Históricas de Direito Português. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/index.php>. Realizar a busca por data.
  • 59
    Para a criação dos Artigos de Guerra da Marinha, decreto de 25 de setembro de 1799. Esses artigos podem ser encontrados em: ROQUE, Nuno. A Justiça Penal Militar em Portugal. Linhó: Atena, 2000.
  • 60
    OLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Ver o Alvará de 25 de abril de 1795. As sessões do Conselho do Almirantado destinadas aos assuntos administrativos substituiriam a gestão até então partilhada pelo Capitão General da Armada Real e pelo Inspetor Geral da Marinha. Vale destacar, no entanto, que não caberia a essas sessões do Conselho do Almirantado os assuntos que seriam destinados, a partir da publicação desse mesmo alvará, à Real Junta da Fazenda da Marinha. Essa junta foi criada, logo em seguida, pela lei de 26 de outubro de 1796, que dava forma ao Conselho do Almirantado. Sobre essa Junta, ver o parágrafo 3 do Título I da lei. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/index.php>. Acesso em: 28 jul 2014. Realizar a busca por data.
  • 61
    Ibidem. Parágrafos VII e VIII do Título Terceiro do Regimento do Conselho do Almirantado, publicado pelo alvará de 26 de outubro de 1796. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=110&id_obra=73&pagina=522>. Acesso em: 28 jul. 2014.
  • 62
    Andrée Mansuy-Diniz identifica um projeto de reforma da Marinha: SILVA, Andrée Mansuy-Diniz. Portrait d'unhomme d'État: d. Rodrigo de Souza Coutinho, Comte de Linhares (1755-1812). Paris: Centre Culturel Calouste Gulbenkian, 2006. Capítulo: La réporganisation du Départament de la Marine.
  • 63
    COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Apresentação da lei de 26 de outubro de 1796, que dá forma ao Conselho do Almirantado, cria uma Junta de Fazenda da Marinha e um novo Corpo de Engenheiros Construtores. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=110&id_obra=73&pagina=505>. Acesso em: 28 jul. 2014.
  • 64
    Sobre esse quadro das relações políticas internacionais e as discussões que resultaram na transferência da Corte, ver: SILVA, Ana Rosa Cloclet da.Inventando a nação. Intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do Antigo Regime português (1750-1822). São Paulo: Hucitec, 2006.
  • 65
    FOULCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1977. p.16.
  • 66
    Sobre a lógica punitiva de Antigo Regime e seu funcionamento, ver: HESPANHA, António Manuel. Política e Litigiosidade.Op.Cit; LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas. Livro V . São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
  • 67
    HESPANHA, António Manuel. Política e Litigiosidade. Op. Cit. Ver especialmente o item intitulado "O direito penal na monarquia corporativa".
  • 68
    Ibidem, p.311.
  • 69
    Ibidem, p.292.
  • 70
    Ibidem, p.299.
  • 71
    Artigos de Guerra da Marinha, decreto de 25 de setembro de 1799. Esses artigos foram reproduzidos em: ROQUE, Nuno. Op. Cit., p.64.
  • 72
    ROQUE, Nuno. Loc. Cit.
  • 73
    Para uma análise detalhada sobre a hierarquia militar no oitocentos, ver: SOUZA, Adriana Barreto de. O Exército na consolidação do Império:um estudo histórico sobre a política militar conservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.
  • 74
    O decreto de criação da junta menciona que segue em anexo uma relação de seus integrantes. Porém, as cópias localizadas por esta pesquisa não traziam o referido anexo. Os nomes aqui citados foram extraídos de documento assinado pelo príncipe regente, em data não identificada, e intitulado "Plano para a junta do Código Penal Militar e Melhoramento das Caudelarias do Reino a fim de se regular em conformidade". Arquivo Histórico Militar de Lisboa. Lisboa, Brasil. Cota: PT- AHM-DIV-1-13-09-10.
  • 75
    O alvará é o de 23 de fevereiro de 1804. Os dados aqui fornecidos foram extraídos, porém, de SOARES, Joaquim Pedro Celestino. Quadros Navaes ou Collecção dos Folhetins Marítimos do Patriota seguidos de uma Epopéia Naval Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1863. Tomo III.
  • 76
    COLEÇÃO oficial da legislação portuguesa... Op.Cit. Decreto de 17 de julho de 1778. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=87&id_obra=65&pagina=365>. Acesso em: 28 jul. 2014.
  • 77
    Em Portugal, essa nova "política do direito", que tende a afirmar a supremacia da lei sobre todas as outras fontes de direito (o costume, o direito e a doutrina), teve início com a "lei da Boa Razão", de 19 de agosto de 1769. Sobre o debate no Brasil, ver: GRINBERG, Keila. O fiador dos brasileiros. Cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
  • 78
    Após cinco anos de funcionamento da Junta de Ministros, sem que esta apresentasse qualquer material, a Coroa encarregou Pascoal de Melo Freire de escrever o livro segundo do Novo Código, sobre direito público, e, depois, o livro quinto, sobre direito criminal. Esses livros foram submetidos a Junta de Cesura e Revisão, criada por decreto de 3 de fevereiro de 1789 e da qual participava Antônio Ribeiro dos Santos. As críticas deste ao projeto de código de direito público e a resposta de Melo Freire foram editadas em Coimbra, em 1844. O projeto de direito criminal não chegou a ser discutido.
  • 79
    HESPANHA, Antonio Manuel. O Constitucionalismo monárquico português: breve síntese. Historia Constitucional , Lisboa, n.13, p.477-526, 2012. Disponível em: <http://www.historiaconstitucional.com>. Acesso em: 28 de jul. de 2014.
  • 80
    A Ordenança de 9 de abril de 1805, elaborada pela Junta do Código penal Militar, foi reproduzida na íntegra por: SAMPAIO, Antônio Manoel da Silveira. Instruções para o uso dos oficiais do Exército Nacional e Imperial nos processos de conselho de guerra . Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1824. Já a informação sobre Antônio Ribeiro dos Santos ter ingressado na Junta pode ser encontrada na "Carta ao Leitor" escrita por Cândido Mendes de Almeida para a 14ª edição das Ordenações Filipinas, publicada no Rio de Janeiro, pela Typographia do Instituto Philomathico, em 1870.
  • 81
    Pesquisa importante foi realizada pelo jurista brasileiro Mário Tiburcio Gomes Carneiro. Os resultados desse esforço foram parcialmente publicados naRevista Arquivo do Direito Militar , editada na década de 1940 pela Imprensa Nacional. Para esse tema em particular, ver os volumes I e III da revista.
  • 82
    Para esses dados sobre as forças militares portuguesas, ver: SELVAGEM, Carlos. Op. Cit., p.532-537; RAMOS, Rui. História de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009. p.446-453.
  • 83
    RAMOS, Rui. Op.Cit., p.453.
  • 84
    A Junta era integrada pelos tenente-generais conde de Sampaio e Mathias José Dias Azedo, como vogais, pelo Desembargador do Paço e juiz relator de Conselho de Justiça, Alexandre José Teixeira Castello, e o Desembargador do Paço Auditor Geral do Exército José Antônio de Oliveira Leite de Barros. Coube ainda à Junta nomear seu secretário. Decreto de 28 de maio de 1816. Apud. CARNEIRO, Mário Tiburcio Gomes. O código penal militar de 1820.Revista Arquivo do Direito Militar , Rio de Janeiro, vol.3, p.228, janeiro a abril de 1943.
  • 85
    Apud. RAMOS, Rui. Op.Cit., p.452.
  • 86
    Uma referência ao episódio é feita pelo senador José Inácio Borges na sessão de 2 de setembro de 1826. Anais do Senado Brasileiro . Disponível em: http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/asp/IP_Anais Imperio.asp. Acesso em: 28 de jul. de 2014.
  • 87
    Carta do marquês de Campo Maior ao ministro da guerra datada de 7 de junho de 1820. Apud. Arquivo de Direito Militar , Rio de Janeiro, vol.3, janeiro a abril de 1943.
  • 88
    Decreto de 7 de agosto de 1820. Disponível em
  • 89
    <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/alvara/anterioresa1824/alvara-39026-7-agosto-1820-568465-publicacaooriginal-91786-pl.html>. Acesso em: 28 jul. 2014.
  • 90
    Sobre o conceito de campo, ver: BOURDIEU, Pierre. A gênese dos conceitos de habitus e de campo. In: _______. O Poder Simbólico . Lisboa: Difel, 1989.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2014
  • Aceito
    06 Fev 2015
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