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Das mãos aos cofres: reflexões sobre transformações materiais e transferência de propriedade de livros devocionais do tardo-medievo

From hands to vaults: reflections on material transformations and ownership transference of devotional books in the late middle ages

RESUMO

Códices iluminados medievais de coleções públicas são apresentados na perspectiva do colecionismo próprio à era moderna a partir de uma abordagem material baseada na análise de catálogos descritivos de diversas bibliotecas nacionais, em especial o catálogo elaborado pelo bibliotecário Frei João de Santa Ana entre 1809 e 1821 para o acervo da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, em Portugal.

O interesse do artigo é refletir sobre a transferência de propriedade dos livros de devoção privada, de uso reservado e individualizado, e sua presença em bibliotecas reais e as consequentes transformações na forma material e nas apropriações simbólicas e funcionais dadas a esses objetos.

Para tanto, é apresentado um breve exame sobre as práticas de produção, uso, circulação, colecionismo e preservação de livros iluminados em geral, por meio do estudo de casos emblemáticos sobre circulação e transformação material. Quanto à produção, fórmulas de representação pictórica propagadas pelos ateliers da região da península itálica, dos Andes, de Flandres e da França são, por um lado, classificadas comparativamente e identificadas em códices específicos. Por outro lado, as a alterações impostas aos códices para atender ao gosto dos novos proprietários são usadas como indícios materiais que revelam práticas de colecionismo e preservação.

Palavras-chave:
Colecionismo; Preservação; Bibliotecas reais; Códices iluminados; Cultura escrita

ABSTRACT

Medieval illuminated codices belonging to public collections are presented under the perspective of the modern era’s habit of collecting. The material approach is based in the analysis of descriptions from several national libraries, especially the catalogue rendered by the librarian Frei João de Santa Ana, between 1809 and 1821 for the Mafra’s National Palace Library collection.

This work aims to reflect on the ownership transference of private devotion codices - of reserved and personal use -, their presence in royal libraries and the significant shifts in their physical shape and symbolical-functional assignments.

To do so, a brief study on the practices of production, use, circulation, collecting and preservation of illuminated manuscripts, in general, is presented, through the study of emblematic case studies of circulation and material transformations. Regarding their production, formulas of pictorial representation disseminated by studios on the Italian Peninsula, Andes, Flanders and France are comparatively classified and identified in specific codices. Also, the alterations inflicted to the codices to meet the preferences of the new owners are used as material signs that reveal practices of preservation and the habit of collecting.

KEYWORDS:
Collecting; Preservation; Royal libraries; Illuminated códices; Written culture

APRESENTAÇÃO

Moram na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, em Portugal, dez exemplares manuscritos de livros iluminados tardo-medievais.2 2 Além destes, há mais três exemplares de livros de orações ilustrados, impressos em velino entre fins do século XV e início do XVI: Heures a l’usage de Langres e Orationes, et vario officio, Psalmi, ambos impressos em Paris por Simon Vostre em c.1502; Heures de Notre Dame a l’usage de Rome tont au long sans rien requérir, impresso em Paris por Antoine Chappiel para o livreiro Gillet Hardouin, c. 1505. São todos Livros de Horas, sendo oito de origem francesa, um italiano e outro flamengo. Segundo informações orais,3 3 Carvalho (2017, p. 4, nota v). os códices chegaram à biblioteca na segunda metade do século XVIII, por mãos de um colecionador. Todos os dez livros foram produzidos no século XV, sendo que alguns apresentam acréscimos provavelmente realizados nos séculos XVI e XVII.4 4 Cf. Lemos (2011). Ao entrar em Mafra, os códices tiveram suas encadernações substituídas, ganhando as características materiais dos demais livros do acervo, integrando-se assim a toda a biblioteca, tendo sido alocados na casa seis da estante LXXI na Galeria, setor norte. Atualmente encontram-se armazenados em um cofre, junto com outros códices e manuscritos.

Na publicação Os livros de Horas Iluminados do Palácio Nacional de Mafra,5 5 Ibid. de autoria de Ana Lemos, encontramos um estudo detalhado dos oito livros de origem francesa e uma descrição sucinta dos outros dois exemplares. O trabalho é parte da sua pesquisa de doutoramento e inclui a compreensão desses exemplares no contexto histórico da produção de livros iluminados franceses no século XV, contendo a análise sobre as características textuais, iconográficas e codicológicas dos Livros de Horas em geral. A autora se debruça sobre as particularidades do conjunto dos oito códices de origem francesa, com análise crítica dos textos e descrição minuciosa das iluminuras. A obra ainda apresenta os resultados das análises dos materiais empregados nas pinturas, desenvolvidas nos Laboratórios do Departamento de Conservação e Restauro da Universidade Nova de Lisboa. É um livro de consulta técnica imprescindível para quem deseja penetrar com profundidade nos livros iluminados da coleção de Mafra.

Nele não encontraremos, porém, respostas a algumas perguntas: o que fazem livros de devoção privada, de uso íntimo e individualizado, em uma biblioteca real instalada em um convento? Por que os demais livros iluminados adquiridos por encomenda de D. João V não foram destinados a esse acervo? Como esses códices foram incorporados à biblioteca?6 6 Essa questão foi apresentada em Casanova et al. (2019), que atestam não terem sido encontradas informações sobre a proveniência dos códices, não sendo possível, até o momento, responder como os códices chegaram à Biblioteca de Mafra. E, finalmente, como são “apropriados” atualmente?

Para refletir sobre essas proposições, é necessário compreender a dinâmica do longo ciclo de vida dos objetos, as motivações para a sua produção e as formas de utilização e fruição ao longo do tempo.7 7 Carvalho (2011, p. 448). Em vista disso, as considerações terão início pelo entendimento dos usos e sentidos dos livros iluminados na Baixa Idade Média em transição para a Época Moderna, seguindo para o estudo sobre o processo de incorporação de obras de luxo nas bibliotecas modernas em geral e em Mafra em particular, finalizando com algumas ponderações sobre as opções de preservação e uso no mundo contemporâneo.

LIVROS ILUMINADOS MEDIEVAIS

A iluminação consiste na arte8 8 Arte, no contexto utilizado, refere-se à execução de um trabalho liberal ou mecânico segundo normas consolidadas e propagadas. de adornar manuscritos por meio de pinturas de imagens figurativas, letras decoradas ou desenhos geométricos, com o uso de ouro e cores diversas. Já era praticada entre os romanos, mas desenvolveu-se plenamente no período medieval, época na qual a beleza exigia três condições estéticas fundamentais: integridade (perfeição), proporção (harmonia) e claridade. O brilho luminoso da pintura feita com ouro, prata e tintas reluzentes concretizava a expressão pura de prazer estético, traduzida em “plenitude divina ou em alegria de viver”.9 9 Huizinga (2013, p. 468). Nos conceitos estéticos da Idade Média, Deus é beleza e beleza é luz, fazendo com que os fundamentos da ornamentação do objeto estivessem apoiados em sua expressão divina.10 10 Eco (2015, p. 102-104; 2010, p. 87-102).

A produção leiga de livros iluminados teve seu ápice nos séculos XIV e XV e teria sobrevivido na Europa por cem anos após a propagação da imprensa tipográfica.11 11 Em grande parte essa afirmação foi propagada a partir dos historiadores da arte do início do século XX Cf. Panofsky (1953). Estudos recentes atestam que a prática e a técnica de adornar manuscritos permaneceram na era moderna, desenvolvendo, no entanto, diferentes padrões visuais e significados para as ornamentações. Cf. Almada (2012). Conquanto tenha sido aplicada especialmente em obras devocionais, havia uma grande variedade de tipologias textuais que se adequavam à presença de pinturas e ornamentações, propiciando a criação de códices luxuosos feitos sob encomenda de colecionadores. Eram obras de estudo, como história, narrativas científicas de viagens, medicina, astronomia ou livros de plantas e animais - os conhecidos bestiários. Também fizeram grande sucesso, durante séculos, obras literárias em edições iluminadas como poesia, romances, livros de cavalaria e narrativas fantásticas de viagens.

É o caso dos relatos da jornada de Marco Polo ao Oriente, especialmente na China de Kublai Khan (segunda metade do século XIII). O texto compreende uma variedade de narrativas sobre a realidade baseadas na observação, assim como descrições fantásticas, que Polo ditou a escrivães após seu retorno a Gênova. Redigido no início do século XIV, ainda encontrava sucesso em meados do século seguinte, tendo estimulado vários viajantes. Há diversas edições iluminadas do século XV, entre elas uma versão francesa intitulada Le Livre des merveilles12 12 Walter (2001, p. 275). Para visualizar dua edições iluminadas desta obra, Cf. <https://bit.ly/346jf1D> e <https://bit.ly/2RaaG0i>. Acesso em: 3 abr. 2020. (c. 1410-1412), que reúne seis diferentes textos de viajantes, encomenda feita por João sem Medo, duque da Borgonha, para presentear seu tio, o duque Jean de Berry (Figura 1). Este, por sua vez, encomendou do atelier de Mestre de Bedford, por volta de 1410, um exemplar iluminado de outro romance cujo sucesso entre os nobres durou séculos: Roman de Tristan (ou Tristão e Isolda). Trata-se de um romance anônimo francês escrito entre 1215 e 1235, baseado em uma lenda céltica do século XII, que conta a estória de um cavaleiro que se apaixona por uma princesa irlandesa. Inicialmente, o texto foi propagado oralmente; ao passar para a narrativa escrita, atualizou-se e incorporou as fábulas do rei Arthur e a busca do santo graal. Não podem ser esquecidas neste rol de títulos exemplares de obras como o Roman de la Rose,13 13 Para visualizar um exemplar iluminado, Cf. https: <//bit.ly/39H8ow2>. Acesso em: 3 abr. 2020. poema alegórico composto no século XIII e considerado um clássico nacional francês no século XVI, e a Divina Comédia, escrita por Dante no início do século XIV, livro obrigatório em bibliotecas eclesiásticas e laicas.

Figura 1
Marco PoloMARCO POLO. Livre des merveilles. Bibliothèque Nationale de France. Département des Manuscrits. Français 2810. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/346jf1D >. Acesso em: 2 jun. 2020.
https://bit.ly/346jf1D...
, Livre des merveilles. Bibliothèque Nationale de France. Département des Manuscrits. Français 2810. Domínio público.

A rigor, não é possível fazer uma distinção rígida entre livros medievais de caráter secular e religioso, pois “tudo na vida comum era elevado à esfera do divino [...] e o sagrado estava ligado ao mundano numa indissolúvel mistura com a vida cotidiana”.14 14 Huizinga (2013, p. 255-256). Textos históricos encontravam-se mesclados a passagens religiosas, enquanto temas pictóricos profanos adornavam livros de caráter sagrado. As obras religiosas poderiam ter uso litúrgico ou particular e, dentre todas, a Bíblia ocupava lugar de destaque. Para a prática clerical, citam-se os sacramentários, com as rezas e textos lidos pelo celebrante durante a missa; os missais, com o serviço anual completo da liturgia; e os breviários, com a relação de cantochões e hinos. Aos leigos, eram destinados o Velho e o Novo Testamento e seus comentários, a Bíblia Moralizante, os saltérios, os martirológios e os Livros de Horas, contendo as orações das oito horas canônicas do Ofício da Virgem Maria,15 15 As oito horas canônicas do ofício da Virgem são: matinas, laudes, primas, tércias, sextas, noas, vésperas e completas. encomendados por aqueles que podiam arcar com os altíssimos custos de execução de um códice iluminado.

Os Livros de Horas foram uma das inovações mais características do século XIV. Nasceram a partir dos saltérios e difundiram-se entre a alta nobreza, tornando-se um símbolo de riqueza e posição social. Embora não existissem dois exemplares exatamente iguais,16 16 Panofsky (1953, p. 35). em geral, seguiam uma mesma organização de conteúdo textual, compreendendo o “Calendário”, “Lições do Evangelho”, “Orações para Virgem”, “Horas da Virgem”, “Horas da Cruz e Horas do Espírito Santo”, “Salmos Penitenciais e Litania dos Santos”, “Ofício dos Mortos” e “Sufrágios”. O conteúdo visual compreendia as iluminuras de página inteira ou meia página, as capitulares decoradas ou historiadas e as ornamentações marginais. Os temas comuns das pinturas eram anunciação, natividade, visita dos pastores, epifania, crucificação e Pentecostes. Texto e imagem constituíam um códice no qual a encadernação e a capa completavam a riqueza do objeto.

A característica principal dos Livros de Horas é o seu uso doméstico, atestando uma mudança nas formas de relação do indivíduo com a religiosidade.17 17 Lemos (2011, p. 27). O Livro de Horas de Maria de Borgonha (1457-1482),18 18 Esta obra pertence atualmente ao acervo da Österreichische Nationalbibliothek, Viena (Áustria), Codex Vindobonensis 1857. filha do Duque de Borgonha, contém uma iluminura no fólio 14 que é representativa deste tipo de devoção privada (Figura 2). Na pintura flamenga de concepções renascentistas e viés naturalista, uma dama vestida em trajes de luxo medita diante de um livro de orações, sentada à janela de seus aposentos. Ela pode ser a representação da própria Maria da Borgonha ou de sua madrasta, Margarida de York (que teria sido quem encomendou o livro). O ambiente da pintura apresenta elementos do cotidiano que também podem estar imbuídos de características simbólicas, como as flores, as pérolas e o cão. A figura feminina está diante de uma imagem emoldurada, que é disposta de forma a dar a impressão de uma janela - uma passagem para o mundo espiritual, a representação do seu encontro com a Virgem Maria e o menino Jesus no espaço místico de uma catedral, expressão da intimidade com a qual homens e mulheres do período lidavam com o sagrado.19 19 Huizinga (2013, p. 255). Nessa imagem, a dama está diante da própria santidade, não de uma representação escultórica, como aparece em outras iluminuras. Sua meditação é viabilizada por um códice de pequeno formato que está disposto sobre a mesa, é folheado com delicadeza e protegido por um pano, o mesmo que provavelmente era o seu invólucro de proteção, tal como era costume nessa época.20 20 Araújo et al. (2015, p. 131). A proteção do livro sagrado com um tecido de luxo não surpreende e foi praticada em várias religiões; um livro que tem como conteúdo a palavra sacra deve ser resguardado, em primeiro lugar, pela capa, sendo ela própria um objeto que emana luz e riqueza divina, e todo o conjunto é digno de ser salvaguardado por outros elementos externos ao códice, como o tecido.21 21 Watteau (2013) relata que em muitas bibliotecas do baixo medievo havia cortinas de tecido que cobriam as prateleiras e também estantes fechadas com vidro e cortina para proteção dos livros.

Figura 2
Mulher rezando diante do livroMULHER REZANDO DIANTE DO LIVRO. Livro de Horas de Maria da Borgonha, fólio 14 recto. Acervo da Österreichische Nationalbibliothek, Viena (Áustria), Codex Vindobonensis 1857. Reprodução.. Livro de Horas de Maria da Borgonha, fólio 14 recto. Acervo da Österreichische Nationalbibliothek, Viena (Áustria), Codex Vindobonensis 1857.

Na Baixa Idade Média, o poderio nobiliárquico estava mais vinculado à exibição material da riqueza do que à acumulação de capital. O poder e o status de homens e mulheres transpareciam em seus bens e objetos de uso pessoal, roupas e joias e livros. Os códices manuscritos, iluminados e com suntuosas encadernações, faziam parte desse acervo de riqueza que deveria ser ostentado, e os Livros de Horas não fugiam dessa prática, embora fossem destinados ao uso privado; eram, portanto, um objeto precioso, tanto do ponto de vista espiritual quanto material. Dessa maneira, uma pessoa de posses poderia investir em diversos exemplares, de diferentes formatos. A rainha Ana da Bretanha (1477-1514) possuía ao menos quatro Livros de Horas, sendo dois em pequeno formato (6,6 x 4,6 cm), usados em viagens e nas orações diárias em ambiente privado, um de médio formato (17 x 12 cm) e um pesado códice de grandes dimensões (30 x 19,5 cm), produzido entre 1505 e 1510, provavelmente destinado ao uso em uma capela, sobre a mesa, como sucedia com os livros in folio. Ana da Bretanha teve dois reis da França como esposos: inicialmente Carlos VIII e, após ter ficado viúva, contraiu novas núpcias com Luís XII. Além da sua devoção, o seu gosto pelo luxo está atestado pelos livros que possuiu. Na iluminura de página inteira do fólio 3 recto do seu Grande livro de Horas (Figura 3), Ana da Bretanha encontra-se em um ambiente externo, ajoelhada sobre um altar onde está disposto um livro iluminado (talvez um de seus próprios livros), de mãos postas em oração, acompanhada por três santas. Ao fundo da imagem pode ser observada uma parte de seu domínio territorial. Embora a cena se passe em ambiente externo, a relação com o livro é de interiorização subjetiva, o que é reforçado pela representação das santas que apoiam a sua oração. O códice ainda contém pinturas de 337 diferentes espécies de plantas nas bordaduras dos fólios, denominadas em latim e em francês e representadas em seus mínimos detalhes, com raízes e bulbos aparentes, como uma espécie de herbário.22 22 Walter; Wolf (2001, p. 410). Naquelas páginas, as realidades física e espiritual se misturam, sem filtros, na pintura de transição entre o Gótico e o Renascimento.

Figura 3
Mulher rezando diante de um livro de horasMULHER REZANDO DIANTE DE UM LIVRO DE HORAS. Horae ad usum Romanum , dites Grandes Heures d’Anne de Bretagne (1505-1510). Acervo da Biblioteca Nacional de França. Reprodução.. Horae ad usum Romanum , dites Grandes Heures d’Anne de Bretagne (1505-1510). Acervo da Biblioteca Nacional de França.

O TRABALHO E A ENCOMENDA

O Grande Livro de Horas da Rainha Ana da Bretanha possui duas páginas de heráldica, um díptico com retrato, 12 miniaturas no calendário, 47 iluminuras de página inteira, uma letra historiada e diversos ornamentos e bordaduras florais e vegetalistas. É considerado um dos códices mais luxuosos do fim da Idade Média, já na passagem para a época moderna. Como os Livros de Horas foram muito difundidos entre a aristocracia europeia, existem inúmeros outros exemplares, mais ou menos suntuosos, feitos por encomendas de nobres para uso pessoal ou para presentar familiares e aliados, especialmente nas cerimônias de casamento. Nesta perspectiva, eram objetos de troca luxuosos, usados para reiterar relações diplomáticas entre os membros da nobreza e também da burguesia, como banqueiros e o patriciado urbano que, naquele período, também passaram a ser consumidores de manuscritos iluminados.

Com o aumento da demanda por leigos, já no final do século XIII, artistas liberais tornam-se proprietários de ateliers de produção, profissionalizando o serviço e passando a competir mais fortemente com a produção monasterial, que até então dominava as cópias e ornamentação de livros. Os profissionais liberais possuíam grande mobilidade e facilmente incorporavam novos estilos de lugares distantes. No século XIV, Paris e Bruges tornaram-se os maiores centros de produção de iluminuras. O trabalho passou a ser organizado de forma comercial, com grande número de aprendizes sendo integrados à produção de livros com ou sem pinturas. Iluminadores e copistas também poderiam ser mercadores, e muitos desses profissionais - homens e mulheres - eram pessoas de posses, com imóveis, comércio e ateliers próprios. O iluminador, mesmo sendo de qualidade reconhecida, desenvolvia outras atividades artísticas, como a pintura de esculturas, escudos e bandeiras e a criação de trajes para cerimônias. Em Paris e em Bolonha, registrou-se forte presença de ingleses e irlandeses exercendo tais atividades. Essa “mundialização” esteve perceptível na arte da iluminura e os estilos regionais passaram a se mesclar intensamente.23 23 Alexander (1992, p. 23-26). Neste período, tornou-se comum a pintura de iluminuras em folhas individuais que posteriormente poderiam ser incluídas em algum manuscrito, especialmente os Livros de Horas, já que este tipo de obra seguia uma ordem de texto e de imagem mais ou menos previsível. Essa prática favorecia as atividades comerciais com a redução do custo através da produção em série de pinturas, economizando esforços na preparação das tintas e das superfícies do pergaminho, separando os suportes próprios à pintura ou à escrita.24 24 Ibid., p. 36.

Com o desenvolvimento do comércio de objetos de luxo, no século XV a criação dos livros iluminados passou a ser feita principalmente por pintores e calígrafos que trabalhavam em oficinas privadas estabelecidas nas principais cidades europeias. A produção “em série” dos livros iluminados se acentuou nesse período, procurando atender à crescente demanda do mercado, sendo possível que um pintor elaborasse várias páginas concomitantemente, reproduzindo padrões decorativos e iconográficos próprios ao atelier ou à região de origem. Como um mestre poderia receber diversas encomendas ao mesmo tempo, também não era incomum que um livro fosse composto com páginas trabalhadas em diferentes locais. Outro mecanismo de facilitação do trabalho era a autoemulação, ou seja, o uso do mesmo desenho preparatório para fazer figurações diferentes. Podemos perceber esse tipo de prática em duas iluminuras de um dos Livros de Horas franceses pertencentes à Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, o Officium defunctorum (Galeria, LXXI-6-12, atualmente cofre n. 32). Trata-se da figura de Nossa Senhora pintada nas cenas da anunciação (fólio 13 recto) e da natividade (fólio 31 recto)25 25 Lemos (2011, p. 81, 84). Nos dois casos, a Virgem está ajoelhada, de mãos postas e com a cabeça levemente inclinada à frente. Na cena da anunciação, ela está diante do anjo Gabriel e, na da natividade, diante de São José, com o menino Jesus posto entre as duas figuras. As formas da cabeça, das mãos, da indumentária e da auréola são exatamente as mesmas, assim como o fundo em vermelho e dourado com decoração em esgrafito,26 26 A técnica do esgrafito consiste em remover, com um instrumento de ponta fina, a tinta que está sobre uma camada de folha metálica (ouro ou prata), fazendo com que esta apareça em finas linhas. com sutis diferenças na localização dos elementos decorativos, que se repetem nas duas figuras. As dobraduras do manto da Virgem são igualmente trabalhadas na mesma técnica, dando a sensação de movimento. Há apenas uma pequena diferença na localização da borda do manto, que em uma imagem está voltada para frente e na outra para trás. Com certeza o pintor fez uso de um mesmo modelo para o desenho da figura e, provavelmente, realizou a pintura sequencialmente nos dois fólios.

Os pintores adotavam um rol de motivos decorativos comuns, como os acantos, folhas trilobadas, guirlandas, flores e grotescos; todavia, eles eram trabalhados de forma particular nas diversas regiões europeias. Observando as pinturas de cercaduras e detalhes de letras historiadas em obras realizadas em alguns centros de produção da Europa continental, podemos discernir algumas particularidades. Os profissionais italianos do século XV, concentrados em Roma, Veneza, Milão, Bolonha, Florença, Fabriano e Siena, inseriam nas bordaduras dos livros uma profusão de elementos decorativos que cobriam todo o suporte. Mesmo em fólios com algum espaço livre de pintura, grandes massas de ornamentos eram envolvidas por trabalhos minuciosos a pena, cujos enroscamentos e espirais conferiam a ilusão de preenchimento. Além de medalhões, brasões de armas, pássaros, animais, flores e joias, pintavam cenas complexas, inserindo a perspectiva em cenas de profundidade e o escorço em figuras humanas. Um bom exemplo é a Bíblia de Borso d’Este, duque de Modena e Reggio (Figura 4).27 27 Veja a obra completa em <https://bit.ly/2ywOyXI>. Acesso em: 3 abr. 2020. São 604 fólios distribuídos em dois volumes que ocuparam seis anos de trabalho (entre 1455 e 1461) de pelo menos cinco iluminadores diferentes, entre eles o mestre Taddeo Crivelli, que atendia principalmente à família Este. Estilisticamente, o mestre iluminador conciliava o Gótico internacional com a Renascença florentina.28 28 Walter; Wolf (2001, p. 332). A tendência italiana a incorporar a perspectiva e o escorço chegou ao extremo no século XVI, sendo, segundo alguns autores, um dos motivos do fim da arte da iluminura nos padrões medievais.29 29 Panofsky (1953, p. 36). Bom exemplo da arte nesse período é o códice Ore di Nostra Donna, ou “Horas de FarneseHORAS DE FARNESE. Officio di Giulio Clovio dedicate all'Eccelentissimo Cardinale Farnese 1546. The Morgan Library & Museum, MS M.69, Disponível em: >Disponível em: >https://bit.ly/2R5GVhq >. Acesso em: 2 jun. 2020.
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”, encomendado pelo Cardeal Alessandro Farnese. Foi produzido em Roma entre 1537 e 1546 pelo iluminador Giulio Clovio e é um dos grandes representantes da Renascença italiana tardia, embora mantenha a sequência de imagens próprias do medievo. A cercadura apresenta pinturas arquitetônicas ilusionistas e escorços de figuras humanas desnudas, ao modo de Miguelângelo (Figura 5).30 30 Walter; Wolf (2001, p. 432). Veja a obra em <https://bit.ly/2R5GVhq>. Acesso em: 3 abr. 2020.

Figura 4
Bibbia di Borso d’EsteBIBBIA DI BORSO D’ESTE. Código: Lat. 422-423. Biblioteca Estense, Modena. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2ywOyXI >. Acesso em: 2 jun. 2020.
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. Código: Lat. 422-423. Biblioteca Estense, Modena. Domínio público.

Figura 5
Horas de FarneseHORAS DE FARNESE. Officio di Giulio Clovio dedicate all'Eccelentissimo Cardinale Farnese 1546. The Morgan Library & Museum, MS M.69, Disponível em: >Disponível em: >https://bit.ly/2R5GVhq >. Acesso em: 2 jun. 2020.
https://bit.ly/2R5GVhq...
. Officio di Giulio Clovio dedicate all'Eccelentissimo Cardinale Farnese 1546. The Morgan Library & MuseumTHE MORGAN & LIBRARY MUSEUM. <https://www.themorgan.org/>. Acesso em: 2 jun. 2020.
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, MS M.69, Domínio público.

A influência italiana atingiu os centros ao norte dos Alpes em fins do século XV e início do XVI. Antes disso, durante o século XIV, nota-se a ascendência francesa na pintura dos países baixos meridionais, principalmente pelo estímulo dos duques Filipe o Audaz (duque da Borgonha que herdou os condados de Flandres e do Artois) e João sem Medo, que adquiriam obras de livreiros parisienses e faziam encomendas a artistas estabelecidos em Paris, então o principal centro produtor de livros iluminados.31 31 Panofsky (1953, p. 36). No entanto, uma particularidade do gosto flamengo foram as drôleries, divertidas decorações marginais preenchidas por monstros, antropomórficos e híbridos,32 32 Veja como exemplo as imagens em <https://bit.ly/2R8AYQR>. Acesso em: 3 abr. 2020. que tinham como objetivo o prazer e diversão. Entre 1420 e 1450, os artistas, concentrados em Haya, Gent, Bruxelas, mas principalmente em Bruges, desenvolveram a decoração de rinceaux d’or com flores, vasos, animais e outras pequenas figuras. Após Van Eyck, aplicaram seu talento e criatividade plástica nas miniaturas, que tinham como particularidades a atenção aos detalhes, o realismo das figuras e gestos, a presença de paisagens urbanas como fundo da representação e os efeitos de perspectiva atmosférica. No século XV, durante o domínio de Filipe, o Bom, Bruges se firmou como grande centro artístico, com um sistema bem desenvolvido de produção e distribuição de livros, que tinham como característica decorativa a organização de página mais arejada, em comparação com as italianas, porém com ilustração abundante. Os acantos eram pintados com exuberância, em cores contrastantes como o vermelho, o azul e o amarelo. Os elementos decorativos eram postos em evidência, pintados em escala grande e, às vezes, rodeados por pequenos rinceaux d’or com acantos, flores, frutos e animais que se misturavam às folhas trilobadas das heras.33 33 Veja como exemplo a pintura de Jean Froissart em <https://bit.ly/2UY1oFT>. Acesso em: 3 abr. 2020. O gosto pelo grisaille, representação em tons de cinza, à moda dos manuscritos de luxo parisienses realizados entre 1350 e 1380, reapareceu em Flandres na pintura e nos manuscritos suntuosos produzidos para a corte borgonhesa de 1460.34 34 Veja como exemplo as imagens em <https://bit.ly/2Jy7c3J>. Acesso em: 3 abr. 2020.

Na França, os principais centros produtores foram Angers, Tours, Bourges, Borgonha e, sobretudo, Paris. A pintura francesa do século XIV se caracteriza por um design de página com bordaduras leves preenchidas com delicados ramos de folhas trilobadas, mantendo grandes áreas livres de pintura.35 35 Veja como exemplo a pintura de Pequenas Horas do Duque de Berry em <https://bit.ly/344XYp2>. Acesso em: 3 abr. 2020. As vinhetas de fim de página apresentam cenas nas quais os personagens são mais importantes do que o cenário arquitetônico ou natural. No início do Quatrocentos já se percebe um gosto maior pela abundância de elementos decorativos nas cercaduras, chegando à metade do século com a incorporação de motivos mais exuberantes e de maior porte, como os acantos coloridos e as pinturas de vasos e flores, em uma evidente incorporação do gosto flamengo. Mas há duas características constantes na pintura feita na França ou para clientes franceses: o fundo da iluminura construída em mosaicos de figuras geométricas coloridas em azul, dourado e vermelho e a presença das flores de lis como elemento decorativo.36 36 Veja como exemplo a pintura de Pierre Salmon, em Dialogues, fol. 4. Disponível em <https://bit.ly/3bQCdM6>. Acesso em: 3 abr. 2020. Embora seja possível perceber características regionais na escolha dos motivos ornamentais, o trânsito dos profissionais em busca de trabalho promovia a circulação dos estilos e a internacionalização dos padrões. A iluminura flamenga antes da casa de Borgonha havia adotado um gosto francês, fazendo uso do mosaico ao fundo das pinturas, entre outros componentes característicos daquela arte. Por outro lado, o gosto flamengo foi incorporado à iluminura francesa, com a inclusão de elementos como os acantos exuberantes, especialmente na segunda metade do século XV. Ademais, muitos artistas franceses se estabeleceram nos Países Baixos meridionais durante o período de desenvolvimento flamengo da corte de Borgonha e contribuíram ainda mais para o trânsito dos estilos regionais.

Os oito Livros de Horas de Mafra estudados por Ana Lemos possuem características decorativas comuns aos livros franceses produzidos neste período, mas também registram o acesso a padrões recorrentes em Flandres e a prática da partilha de trabalho entre mais de um atelier. A interlocução de estilos, formalizada nas cercaduras com profusão de acantos, frutos vermelhos, morangos, cachos e uvas e flores azuis e vermelhas, pode ser observada sobretudo nos códices realizados na segunda metade do século XV.37 37 Segundo a datação de Lemos, são as obras Heures Devotes (Galeria, LXXI-6-5, atual cofre n. 25), de c.1480, o Psalmi de c. 1470 (Galeria, LXXI-6-10, atual cofre n.30) e o Officum Defunctorum (Galeria, LXXI-6-12, atual cofre n 32), realizado entre 1480-1490, além dos fólios 39 e 112, acrescentados em c. 1470 ao códice Heures Devotes (Galeria, LXXI-6-4, atual cofre n .24). As obras da primeira metade do século XV38 38 Refiro-me aos dois Heures Chretiennes (Galeria, LXXI-6-2 e 3, atuais cofre n.22 e 23), o corpo principal do Heures Devotes (Galeria, LXXI-6-4, atual cofre n.24) e o Officium parvum B. Maria Virginis (Galeria, LXXI-6-11, atual cofre n.31). apresentam cercaduras cujo elemento principal é a folha trilobada, nas quais já se notam a introdução de outros elementos decorativos que deixam as bordas plenas de pintura.

O que se pode perceber na pintura do baixo medievo é que, devido à circulação de pintores e à encomenda internacional, é muito difícil encontrarmos estilos regionais específicos. Da mesma forma, é inócua a busca pela forma “original”, pois, segundo Inês Correia, o códice medieval “nunca será, materialmente, um objeto definitivo”.39 39 Correia (2015, p. 8). Com o decorrer do tempo, os livros foram se transformando simbólica e materialmente para se adequarem aos padrões de seus novos proprietários, entre eles as bibliotecas dos reis modernos.

LIVROS MEDIEVAIS EM BIBLIOTECAS REAIS NA MODERNIDADE

Existem inúmeros casos de transferência de posse que está associada à modificação dos sentidos simbólicos do livro medieval. Adiante apresentam-se os casos de alguns livros citados anteriormente. O Livre des Merveilles (c. 1410-1412) que o Duque de Berry ganhou de presente de João sem Medo, por exemplo, foi propriedade dos duques de Nemours e de Bourbon antes de chegar às mãos de Luís XI em 1477, permanecendo em usufruto da casa real até 1791. Atualmente faz parte do acervo da Biblioteca Nacional de França e apresenta uma encadernação da época moderna. O exemplar do Roman de Tristan que o Duque de Berry encomendou por volta de 1410 já não constava de seu inventário em 1413, pois provavelmente o havia ofertado a outro nobre. No início do século XVIII, estava em posse do duque Eugène de Savóia, cuja biblioteca foi inteiramente comprada pelo Imperador Carlos VI da Áustria, após a morte do nobre, e hoje integra o acervo da Biblioteca Nacional de Viena.40 40 Roman de la Table Ronde et du quˆte du saint Graal' soluta oratione. Österreichische Nationalbibliotek, manuscrito 2537. Cf. Walter; Wolf (2001, p. 276). O códice Horas de FarneseHORAS DE FARNESE. Officio di Giulio Clovio dedicate all'Eccelentissimo Cardinale Farnese 1546. The Morgan Library & Museum, MS M.69, Disponível em: >Disponível em: >https://bit.ly/2R5GVhq >. Acesso em: 2 jun. 2020.
https://bit.ly/2R5GVhq...
permaneceu nas residências da família até o início do século XVIII, quando passou para a Biblioteca Bourbônica de Nápoles. Foi integrado à coleção particular do rei Ferdinando II durante a revolução de 1848 e posteriormente retornou ao Palazzo Farnezze em Roma, onde permaneceu até o fim do século. Dali foi transferido para a casa do arqueduque Rainer da Áustria, em Viena, e posteriormente vendido por Afonso de Bourbon a John Pierpont Morgan Júnior em 1903.41 41 Ibid., p. 432.

O Grande Livro de Horas de Ana da Bretanha teve um périplo mais extenso: foi herdado por sua filha e depois passado para Francisco I de França; esteve no gabinete de curiosidades do Palácio de Versalhes com Luís XIV, Luís XV e Luís XVI, tendo chegado à Biblioteca Nacional da França em 1795, passado 20 anos no Museu do Louvre e retornado àquela biblioteca em 1872, lugar em que se encontra atualmente. O códice mantém a encadernação de 1684, época em que foi preparado para entrar no gabinete de curiosidades do rei. Trata-se de um revestimento negro de pele de arraia e bordas cinzeladas, que manteve o fecho de prata dourada com armas de Ana da Bretanha. As quatro guardas volantes são de papel produzido na França entre 1484 e 1508 e, portanto, devem ser do tempo de execução da obra; já as duas contraguardas ornamentadas com guirlandas de folhas, flores e frutos são de papel de origem holandesa ou alemã e contemporâneas da encadernação de 1684.42 42 Cf. Informations détaillés in <https://bit.ly/2X7nqso>. Acesso em: 2 abr. 2020. Outros dois livros de horas da Biblioteca Nacional de França contêm o mesmo tipo de encadernação, que é diferente daquela padronizada para a biblioteca real, cujo revestimento era de marroquim vermelho decorado a ferro e com as armas reais gravadas em ouro.

Durante a Época Moderna, os códices iluminados medievais foram investidos de um novo significado, valorizados por sua raridade, singularidade e riqueza de seus materiais. Os “livros de aparato”, como são designados por Inês Correia por serem objetos com alto grau de sacralidade e dignidade, escaparam da destruição material pela reutilização de suas matérias-primas. Fizeram o trânsito dos acervos de mosteiros e conventos e das mãos de proprietários privados para gabinetes de curiosidades e bibliotecas reais. Durante o Antigo Regime, foi costume disseminado a manutenção e produção de acervos notáveis, compostos por manuscritos especiais e outras obras de valor artístico, pois “uma monarquia moderna não podia existir sem uma corte de letrados, além de diversos conjuntos de obras impressas e copiadas, assim como as principais casas nobres dos reinos europeus não podiam prescindir do status de possuir livrarias”.43 43 Megiani (2009, p. 179).

As bibliotecas modernas que tinham caráter enciclopédico pretendiam recolher o que já havia sido escrito por grandes autores, tornando-se um lugar de custódia dos livros, expostos ordenadamente e concatenando temas a partir de identidades mais ou menos visíveis. Segundo Fernando Bouza Álvarez, serviam mais para apresentar o que existia à época do que para informar. Mostravam o conhecimento, mas também o poder e a riqueza de quem as tinha fundado e as mantinha.44 44 Bouza, (2011, p. 174, 176). Agregando valor às bibliotecas dos reis modernos, mas sem superar o valor enciclopédico do conjunto, os livros manuscritos “originais” da Antiguidade e do Medievo eram incorporados pelo seu estatuto de raridade e tesouro, que só poderiam ser conservados por personagens muito ricos ou por príncipes e reis. Na biblioteca Laurentiana de Felipe II, no Escorial, havia uma coleção desses manuscritos que, na visão de Benito Arias Montano, o erudito gestor da biblioteca, deveria ser separada do restante dos livros, em uma área isolada por um muro, constituindo assim uma “reserva preciosa”. Os manuscritos “originais” do período clássico serviram para a elaboração de novas edições, apoiadas com o mecenato real; esses, e as demais obras preciosas, desempenhariam o papel de “exemplares perpétuos e as pedras de toque da verdade”, nas palavras de Montano.45 45 Ibid., p. 178-179. A manutenção de semelhante acervo contribuía para aumentar a reputação e o poder do rei, não só pela exibição de sua riqueza e erudição, mas também pela possibilidade de facilitar novas edições sob seu mecenato, garantindo, nas dedicatórias e nos frontispícios gravados, a perpetuação da imagem do rei ao longo do tempo e do espaço.46 46 Ibid., p. 179-181. Este foi, sem dúvida, um atributo das técnicas mecânicas de reprodução; mas também cumpriu o mesmo papel a escrita à mão e a pintura, pois, desde o baixo medievo, a representação do mecenas, do proprietário e de suas posses, nas imagens e no texto escrito, foi estratégia para perpetuação das suas presenças no mundo.

Portugal não escapou à tendência de constituição de bibliotecas reais. Ainda em fins da Idade Média, D. João I começou uma coleção de códices com a finalidade de educar os infantes de Avis. A coleção de D. Duarte enfocou a História do Reino de Portugal e D. Afonso V, além de abrir a biblioteca ao uso dos eruditos, concedeu condições especiais de funcionamento a livreiros e manteve calígrafos e iluminadores a seu serviço. É conhecida a empreitada de D. Manuel na produção de livros iluminados, dando novo impulso ao trabalho que já dava sinais de decadência nas demais nações europeias.47 47 Cf. A luz do Mundo (1996). Este monarca, seguindo o gosto pelo luxo dos livros, não deixou de lado as encadernações das obras da livraria real, promovendo a sua unidade visual. D. João III continuou protegendo a biblioteca, que foi relativamente defasada com a transferência de obras para a Espanha durante o período da União Ibérica.

A D. João IV coube o esforço de refazer o acervo livresco da Coroa48 48 Schwarcz (2002, p. 69-70). e a D. João V, o grande mecenato, iniciando a reorganização de bibliotecas e criação de outras novas, sendo as principais delas as livrarias do Paço da Ribeira, a da Congregação do Oratório, a do Palácio de Mafra e a da Universidade de Coimbra, em um processo que apresenta indícios de ser um projeto comum, que foi sustentado, sem tanto empenho, por D. José I, e mais efetivamente por D. Maria I.49 49 Esta é a tese defendida por Tiago C.P. dos Reis Miranda na palestra proferida no Colóquio A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra: um testemunho do tempo das Luzes, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 23 de maio de 2017. Para esta empreitada, o “rei magnânimo” manteve uma rede de colaboradores espalhados em diversas nações europeias, atentos às oportunidades de aquisições (e cópias) de livros ou de acervos inteiros. Um dos seus assessores foi o diplomata D. Luís da Cunha, cujo interesse também estava voltado para os livros e documentos manuscritos ornamentados e bem encadernados, pois acreditava que “uma Biblioteca Real deveria conter não só as obras fundamentais à renovação do saber, mas ostentar raridades e obras luxuosas e belas, dignas dos príncipes”.50 50 Furtado (2012, p. 223).

Na Livraria Real permaneciam livros de maior valor, como um exemplar da Bíblia impressa em Mogúncia em 1462, obra referencial dentre todos os incunábulos, e Livros de Horas iluminados, como aquele que havia pertencido a Francisco I da França. Cerca de seis mil das obras mais raras, as relíquias da Casa de Bragança e os manuscritos, ficavam depositadas em uma sala especial.51 51 Schwarcz (2002, p. 72-73). A exemplo de seus antecessores e de outros monarcas europeus, D. João V manteve duas oficinas operantes junto à livraria: a tipográfica e a de encadernação. A primeira serviu como um dos mecanismos do mecenato régio à produção livresca, com a publicação de edições nacionais, sendo os membros da Academia de História aqueles que mais se favoreceram desse serviço. A outra oficina garantiu a unidade material e visual das lombadas e capas, tão cara a grandes colecionadores, fazendo que as obras fossem imediatamente relacionadas a seu proprietário, através das armas de Portugal gravadas com ouro nos cantos das capas em marroquim vermelho.52 52 Ibid., p.78.

Em Mafra, a biblioteca foi instalada entre o Palácio e o Convento, inicialmente ocupado pelos religiosos de Santa Maria de Arrábida, depois pelos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho da Congregação de Santa Cruz de Coimbra e, após 1792, novamente pelos arrábidas. Tratava-se, pois, de uma biblioteca palaciana ou conventual?53 53 A indefinição da posse da biblioteca manteve-se por um longo período. Em 1837, a Comissão Administrativa do Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos determinou que a Livraria de Mafra era conventual e não de propriedade real, pois havia sido constituída por D. João V, mas doada ao Convento. Esta querela terminou em 1840, quando o Ministério do Reino declarou a propriedade régia da biblioteca, evitando o seu desmantelamento e redistribuição para outras livrarias. Cf. Monumento de Mafra Virtual. Cronobiblioteca. Disponível em: <https://bit.ly/2x3A2WX>. Acesso em: 8 ago. 2017. Os temas dos livros ali encontrados são comuns às bibliotecas da era moderna: Direito Civil, Eclesiástico e Canônico; História Civil e Clerical; Geografia e viagens; Gramática, Retórica, Oratória; Literatura e Poesia; Medicina; Filosofia; Matemática; Astronomia; História Natural; Artes Liberais e Mecânicas; livros proibidos. A temática religiosa era vasta, incluindo Teologia, liturgia, sermões, concílios, ordens religiosas, escritura sagrada e seus intérpretes, entre outras. A coleção foi formada durante o reinado de D. João V, prioritariamente por obras impressas, antes mesmo que houvesse um lugar de guarda definitivo e adequado, pois somente em 1794 foram transferidas para as estantes atuais, apesar de ainda estarem inacabadas no douramento e nos retratos dos painéis.54 54 Catálogo da Real... (1819, Tomo I, p. viii).

A partir de 1809, Frei João de Santa Ana, o novo responsável pela biblioteca, iniciou a elaboração de novo catálogo e a reorganização física dos livros, tendo finalizado a tarefa em 1821. No novo ordenamento, o bibliotecário dispôs as obras de tal forma que os assuntos fossem do geral para o específico, “precedendo a todos os que tratão das introducçoens, e preparativos necessários p.a as mesmas Sciencias ou Artes”.55 55 Ibid., Tomo I, p. x. Em todas as citações foi utilizada a grafia original. A distribuição dos livros na biblioteca deve ter sido uma tarefa muito complexa, e Frei Santa Ana encontrou algumas dificuldades, que foram superadas de forma engenhosa. Por exemplo, para preencher espaços vagos, sobretudo das estantes superiores, o bibliotecário selecionou alguns títulos, designados por ele como “livros volantes”, sem numeração fixa, que poderiam ser usados para completar qualquer prateleira que estivesse desocupada. Já a precaução contra furtos fez com que o religioso alocasse em área de difícil acesso (estante XLI da Galeria) os títulos de Artes Liberais e Mecânicas, muito atrativos por conter “coisas curiosas”, deslocando-os da estante localizada próxima à porta de entrada (XXI do Salão Nobre), onde deveriam estar para seguir a lógica de organização. Naquela área mais acessível, armazenou os títulos de Teologia Moral, no seu entender menos atrativos para os usurpadores. Empenhando-se em proteger ainda mais as obras “curiosas”, Frei de Santa Ana aventou a possibilidade de não inscrever a identificação do tema sobre a estante, como fazia usualmente; mas, como uma biblioteca real visava a exibição de seu conteúdo, uma ausência como aquela não seria adequada; desta forma, resolveu assinalar um “título lembrado de que os ignorantes em tal não reparão e que he facil dar a razão deste defeito aos sábios, que nelle advertirem”.56 56 Ibid., Tomo I, p. xii.

Ainda com foco na organização visual do espaço, o formato dos livros foi outro critério utilizado pelo bibliotecário para a disposição dos exemplares nas estantes pois, nas suas palavras, “não pede a ordem que a hum livro de folio se ajunte hum de 8º ou 12. Julguei pois mais acertado dispollos de tal modo, que os livros de 8º ou 12 nas casas que lhes são proprias [na Galeria] vão seguindo a ordem sobredita, e assim tambem os de 4º e fol. nas casas onde estão”.57 57 Ibid., Tomo I, p. x. Consequentemente, na acomodação dos livros nas estantes, o agrupamento dos formatos teve prevalência sobre a divisão interna dos assuntos, permanecendo os in folio no Salão Nobre e os demais na Galeria.

Após o impulso inicial de D. João V, a coleção foi sendo complementada com aquisições esporádicas, remanejamento de obras em duplicata de outras livrarias e doações. Não se sabe se através de compra ou doação, os Livros de Horas iluminados chegaram à Biblioteca de Mafra por mãos de um colecionador na segunda metade do século XVIII ou início do século XIX.58 58 Segundo informação oral, referendada institucionalmente a vários pesquisadores. Como não foram encontrados documentos relativos à compra ou doação desses livros, esta datação pode estar baseada no fato de que os códices não constam do primeiro catálogo feito por Frei Antônio de Cristo entre 1755 e 1758, porém estão relacionados no documento de Frei João de Santa Ana, finalizado em 1821. Foram registrados treze livros de oração executados em pergaminho entre os séculos XV e XVI, manuscritos com iluminuras ou impressos com gravuras coloridas.59 59 São três impressos e dez manuscritos, mas não há referência sobre a tecnologia de fabricação no Catálogo da Real... (1819). A correspondência entre a numeração dada por Frei João de Santa Anna aos códices manuscritos e a atualmente usada é visível na notação a lápis no Catálogo provavelmente feita durante a transferência das estantes para o cofre da biblioteca.

Embora houvesse uma sala na biblioteca destinada aos manuscritos, os códices tardo-medievais foram alocados na casa 6 da estante LXXI da Galeria, dedicada à “Liturgia em geral e em particular”, tendo sido dispostos ao lado de outros livros de oração impressos em épocas posteriores, porém mantidos como conjunto e ordenados alfabeticamente, pelos seus títulos atribuídos, recebendo numeração de 1 a 13. Dá-se a entender que a escolha da Galeria como local de armazenamento dos códices medievais foi devido ao seu formato (in 4º e in 8º, com medidas entre 16,6 cm e 20,5 cm na altura) e à temática geral da estante, não sendo considerada a sua raridade e antiguidade. No entanto, não é possível averiguar por que outros dois Livros de Horas da Biblioteca, impressos no século XVIII e em formato in 8º, foram dispostos em locais diferentes - um na casa 2 da mesma estante e outro na estante XV da Galeria, do outro lado do salão, destinada à “Varia Miscelanea Mística, Novenários, etc.”60 60 São as seguintes obras: Heures dedeis a la Reine. Lyon chez Louis Servant, 1728, in 8º (LXXI-2-18) e Heures nouvelles al’usage des serviteurs de la S. Vierge marie honoré a N. Donne de Belem a Lisbone ... par um serviteur de Marie. Lyon chez la Veuve de la Roche, et fils, 1746, in 8º (XV-8-30).

Apenas cinco dos 13 livros tardo-medievais foram identificados por Frei João de Santa Ana como Livros de Horas, recebendo os títulos Heures a l’usage de Langres..., Heures Chretienes (dois volumes), Heures devotes e Heures de Notre Dame a l’usage de Rome.61 61 Catálogo da Real... (1819, Tomo IV, p. 112). Correspondem aos códices com numeração atual Cofre n. 21 a 26. Agradeço a Tiago C. P. dos Reis Miranda pela localização dos títulos no Catálogo... Outros dois foram designados como Officium, um dedicado à Virgem e outro aos Defuntos,62 62 Ibid., Tomo VI, p. 2. Correspondem aos códices com numeração atual Cofre n. 31 e 32. três Psalmi63 63 Ibid., Tomo VI, p. 442. Correspondem aos códices com numeração atual Cofre n.28 a 30. e dois Orationes, et vario officio.64 64 Ibid., Tomo VI, página 66. Correspondem aos códices com numeração atual Cofre n. 27 e 33. Para nomear os códices, Frei João de Santa Ana ora colheu informações no corpo do livro, ora usou as que estavam dispostas no dorso da encadernação. Foi bastante detalhado na descrição dos títulos do Tomo IV de seu inventário, justamente aqueles que ele identificou como Livros de Horas, fornecendo algumas informações extras. Sobre a obra impressa LXXI-6-1 (atualmente cofre n. 21), por exemplo, está anotado o título encontrado no frontispício da obra, que é diferente do que está no dorso da encadernação,65 65 Título no frontispício: “Heures a l’usage de Langres toutes au long sans rien requerir: avec les figures et signes de lapocalipse: les miracles nostre Dame les accidens del homme: et plusieurs autres hystoires de nouveauu”; inscrição na lombada: “Evangel.” Catálogo da Real... (1819, Tomo IV, p. 112). assim como a indicação do local de fabricação e o autor - “Paris pour Symon Vostre”; segundo Frei de Santa Ana, continha “evangelhos, officios menores, e varias oraçoens”. Sobre o códice LXXI-6-2 (atualmente cofre n. 22), informou que o título Heures Chretienes que estava marcado na lombada do livro era o mesmo que se encontrava em uma inscrição manuscrita e que, no último fólio (provavelmente o fl. 124, no qual Ana Lemos identificou um “texto de escrita mais tardia”), estava registrada a informação sobre um dos proprietários e uma data: “Louize de Fontenay espouze de François René de Barat ... decedee...16. Novembre...1660”. O outro Heures Chretienes - códice LXXI-6-3 (atualmente cofre n. 23) - foi nomeado a partir da inscrição na lombada, embora tivesse outra designação na primeira folha do pergaminho, registrada por Frei de Santa Ana: “livre de bonne grace nouvellement compilé pour li proufict des Almes Chrestiennes par Religieux... del ordre Monseigneur Saint Benoist”;66 66 Ou “Saint Benoit” (São Benedito). no entanto, omitiu a informação do executor (Audouville, Audedonville ou Auonville),67 67 Lemos (2011, p. 71 e nota 97). Atualmente o códice é conhecido por Livro de Horas de Boufflers, por ter pertencido a Pierre de Boufflers, nobre francês contemporâneo de Luis XI. Araújo (2012, p. 5). uma indicação de local (Abadia de Auxy)68 68 Abadia de Auxy-les-Mains, fundada em 715 e reconstruída nos séculos XI e XIII. e data (1450), informações destacadas por Ana Lemos e por um revisor do Catálogo..., que a inscreveu a lápis azul na margem esquerda da folha, com um indicativo de dúvida.69 69 Catálogo da Real... (1819, Tomo IV, p. 112). No códice LXXI-6-4 (atual cofre n. 24), o HEURES DE VOTES do dorso virou Heures Devotes no inventário. No Tomo VI, onde registrou a presença dos demais livros, Frei João de Santa Ana apresentou dados sintéticos e acompanhou os títulos inscritos na lombada da encadernação. Em todas as descrições, indicou que os livros, em pergaminho, possuíam várias “estampas”, tarjas e letras iniciais iluminadas, com “folhas cheias de figuras”, comentando que eram de grande “estimação e valor”. Mesmo com estas qualidades, foram colocados nas estantes da Galeria, junto a outras obras menos antigas e raras.

Da forma como Frei João de Santa Ana identificou vários códices a partir das informações das lombadas, é de se supor que no momento da execução do inventário os livros já estivessem reencadernados, ganhando a forma material e visual própria da Biblioteca de Mafra.70 70 O tema das encadernações foi exaustivamente tratado por Araújo (2018). Estudos materiais dos códices realizados pelas equipes de conservação-restauração da Universidade Nova de Lisboa confirmam que as características técnicas da encadernação, que se mantêm até hoje, são próprias de fins do século XVIII e início do XIX. O códice Officum Parvum B. Maria Virginis (cofre n. 31, antigo LXXI-6-11 da Galeria), possui uma encadernação com cobertura inteira de pele castanha, lombada com cinco painéis separados pelos quatro nervos, decorados com florões, tendo a inscrição MAFRA no painel inferior e, na segunda seção, o rótulo com a inscrição OFFICIVM PARV. B.V., de onde Frei de Santa Ana retirou a informação para o inventário. A costura é de tipo francesa, as pastas são de papelão e as guardas de papel de fibra de linho ou cânhamo de fabrico manual, com marca-d’água com monograma composto pelas letras G A. As características materiais de encadernação se enquadram na prática das oficinas portuguesas à época.71 71 Para maiores detalhes do tipo de encadernação, Carvalho (2015, p. 7) e Araújo (2012, p. 20). O códice Heures devotes (cofre n. 24, antigo LXXI-6-4 da Galeria), possui a mesma tipologia de encadernação e revestimento, com guardas fixas e volantes de papéis de fabrico manual, identificados como sendo de origem genovesa e portuguesa, dorso com decoração de florões no mesmo padrão visual, porém realizadas com ferros diferentes, com inscrição HEVRES DE VOTES.72 72 Cf. Araújo (2018). Neste códice não são perceptíveis vestígios da inscrição MAFRA no quinto painel, devido à perda do couro nessa área, mas, segundo Ana Rita Araújo, todo o conjunto possuiria esse registro no mesmo local.73 73 Araújo et al. (2015, p. 131).

Há indícios de que trabalho de encadernação destas e de outras obras tenha sido realizado na própria biblioteca, pois, tal como a Livraria do Paço da Ribeira, Mafra possuía uma oficina destinada a este trabalho. Em 1771, a Relação do que se acha na Casa do Livreiro descrevia os equipamentos e materiais de uma oficina de encadernação: duas prensas de aparar com seus “engenhos e ferros”, 78 ferros de dourar, dois abecedários, prensas, serrotes, alicates, viradores de ferro e de fios, entre outros instrumentos, que eram utilizados por três profissionais (“um mestre livreiro, um obreiro e um aprendiz”). Em 1792 já não havia mais na Casa do Livreiro duas prensas de aparar e 28 ferros de dourar, tendo sido acrescidas duas pedras de moer tintas, que não existiam antes. Em 1834, na época do inventário posterior à supressão dos conventos, havia apenas 2 prensas e 1 ferro de aparar.74 74 Cf. Monumento de Mafra Virtual. Tendo em vista a redução do acervo técnico da oficina de encadernação registrada nos inventários, é de se supor que sua maior atividade tenha se dado em época próxima ou anterior à década de 1770, período no qual o acervo da biblioteca estava se constituindo pelo mecenato de D. João V e de D. José. O trabalho realizado pela oficina surtiu resultados visíveis, garantindo a unidade visual e material própria a uma grande biblioteca real, integrando, nas estantes, manuscritos medievais e impressos modernos.

DAS MÃOS AOS COFRES

Durante o período medieval, os livros de devoção privada eram embalados em tecidos de luxo e permaneciam nos locais próprios à oração: os cômodos privados e as capelas dos castelos e palácios. Em coleções institucionais, os códices manuscritos poderiam ser expostos em locais públicos, como os salões de igrejas e de palácios, para reforçar sua “importância legal e devocional ou para comemorar” em épocas de eventos, e sua exibição estava associada à saúde, devoção e erudição.75 75 Watteeuw (2013, p. 24). Algumas vezes trocaram de mãos através de herança, doação ou venda e chegaram, na era moderna, às prateleiras de bibliotecas de reis e colecionadores ricos ou às vitrines de gabinetes de curiosidades. No período contemporâneo, visando à sua preservação material e proteção contra furtos, estão conservados em locais de segurança máxima, com acesso restrito e reservados do olhar e do toque.

A trajetória dos Livros de Horas de Mafra não foi muito diferente. Tendo sido criados para clientes específicos, trocaram de proprietários, tiveram folhas suprimidas, ganharam alguns acréscimos nos séculos XVI e XVII e finalmente chegaram à Biblioteca de Mafra “por mãos de um colecionador” provavelmente na segunda metade do século XVIII; lá receberam a marca do novo dono em suas capas, foram inventariados e dispostos como conjunto em uma estante destinada à “Liturgia em Geral e em particular”, ao lado de outros livros impressos. Atualmente os códices medievais de Mafra encontram-se armazenados em um cofre. Como no restante da história da circulação desses objetos, não foram encontradas muitas informações concretas sobre a época dessa última transferência; uma hipótese é a de que ela teria ocorrido na década de 1950, à época da realização de um novo inventário da biblioteca comandado pelo então Conservador do Palácio Nacional de Mafra, Ayres de Carvalho.76 76 Em inventário realizado em 1990, a bibliotecária Maria Isabel Braga Abecasis estabeleceu uma comparação com o número de exemplares descritos no inventário de 1952 e não notou nenhuma diferença na estante LXXI da Galeria, registrando que os volumes de 1 a 13 já se encontravam no cofre. Abecasis (1990, Notas ao inventário/Galeria, p. 4). Naquele momento receberam uma nova numeração que, de certa forma, respeitou a cota estabelecida por Frei João de Santa Ana ao se manter o número indicativo do lugar ocupado na casa 6 da estante LXXI da Galeria; os novos números e local de guarda foram registrados a grafite, em caligrafia moderna, nos tomos do inventário de Frei Santa Ana.

O olhar de professor, pintor e historiador da arte do novo Conservador do Palácio Nacional de Mafra pode ter guiado outra configuração simbólica para aqueles códices tardo-medievais, removendo a sua função moderna de ensinamento ao valorizar o aspecto cultural fundado nas características artísticas e históricas.77 77 Cf. Carvalho (1992). Foi sob este olhar que os Livros de Horas foram apropriados no século XXI, em estudos que fizeram uso de todas as tecnologias disponíveis para desvendar as técnicas e materiais da pintura. Reconhecendo o valor antropológico, os conteúdos foram analisados e vinculados às práticas de devoção e colecionismo do baixo medievo, enquanto os vestígios materiais da trajetória histórica foram preservados durante a restauração de dois códices, optando-se pela manutenção da encadernação dos séculos XVIII-XIX como registro de sua passagem pelas estantes.

No longo ciclo de vida dos códices medievais, é inevitável refletir acerca do impacto que as mudanças na vinculação sujeito-objeto-espaço promoveram sobre as possibilidades de fruição e uso.78 78 Esta relação é destacada por Chistoffer Tiller, Daniel Miller e Vânia Carneiro como fundamental na compreensão da biografia dos objetos. Carvalho (2011, p. 448). Para isso, foi necessário identificar as práticas comuns dos usos dos códices iluminados nos períodos medieval, moderno e contemporâneo e perceber que, chegando às bibliotecas reais e/ou nacionais, os livros iluminados já estavam destituídos de seu caráter privado-devocional e imbuídos do seu valor de instrução, mesmo que tenham sido considerados de “estimado valor” por suas configurações materiais. Estas características físicas e estéticas, que antes os pouparam da destruição, fizeram com que hoje, em função da sua preservação, estejam armazenados em cofres, resguardados do contato físico e de experiências táteis. Continuam a salvo porque não estiveram imunes às transformações materiais, funcionais e simbólicas decorrentes das necessárias atualizações de sentido promovidas a cada época.

FONTES ICONOGRÁFICAS

  • BIBBIA DI BORSO D’ESTE. Código: Lat. 422-423. Biblioteca Estense, Modena. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2ywOyXI >. Acesso em: 2 jun. 2020.
    » https://bit.ly/2ywOyXI
  • HORAS DE FARNESE. Officio di Giulio Clovio dedicate all'Eccelentissimo Cardinale Farnese 1546. The Morgan Library & Museum, MS M.69, Disponível em: >Disponível em: >https://bit.ly/2R5GVhq >. Acesso em: 2 jun. 2020.
    » https://bit.ly/2R5GVhq
  • MARCO POLO. Livre des merveilles Bibliothèque Nationale de France. Département des Manuscrits. Français 2810. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/346jf1D >. Acesso em: 2 jun. 2020.
    » https://bit.ly/346jf1D
  • MULHER REZANDO DIANTE DO LIVRO. Livro de Horas de Maria da Borgonha, fólio 14 recto. Acervo da Österreichische Nationalbibliothek, Viena (Áustria), Codex Vindobonensis 1857. Reprodução.
  • MULHER REZANDO DIANTE DE UM LIVRO DE HORAS. Horae ad usum Romanum , dites Grandes Heures d’Anne de Bretagne (1505-1510). Acervo da Biblioteca Nacional de França. Reprodução.

FONTES MANUSCRITAS

  • ABECASIS, Maria Isabel Braga. Inventário. Biblioteca do palácio Nacional de Mafra. Manuscrito, 1990.
  • CATÁLOGO DA REAL LIVRARIA DE MAFRA, disposto por ordem alfabética, e escrito por Frei João de Santa Anna, Primeiro Bibliotecário da mesma Livraria, ex-leitor, Padre da Provincia d’Arrábidas, e Pregador Régio. Anno 1819. Manuscrito, 8 volumes.

LIVROS, ARTIGOS E TESES

  • A LUZ DO MUNDO. Iluminura portuguesa quinhentista. Oceanos, n. 26, abr./jun. 1996.
  • ALEXANDER, Jonathan J. G. Medieval illuminators and their methods of work New Haven; Londres: Yale University Press, 1992
  • ALMADA, Márcia. Das artes da pena e do pincel Caligrafia e pintura em manuscritos no século XVIII. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.
  • ARAÚJO, Ana Rita da Silva de. Os livros de horas séc. XV) na colecção do Palácio Nacional de Mafra: estudo e conservação. 87p. Dissertação (Mestrado em Conservação e Restauro) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2012.
  • ARAÚJO, Ana Rita da Silva de. Os Livros de Horas do século XV nas colecções portuguesas: matéria, forma e significado 542p. Tese (Doutorado em Ciência da Conservação) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2018. Disponível em: <Disponível em: https://clck.ru/Nmw2R >. Acesso em: 2 jun. 2020.
    » https://clck.ru/Nmw2R
  • ARAÚJO, Rita; CASANOVA, Conceição; MELO, Maria João; LEMOS, Ana. “Ethical and technical concerns during the conservation process of a religious book”. European Journal of Science and Theology, 11 (2015), 2, 129-140. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/39HhpFG >. Acesso em: 21 maio 2017.
    » https://bit.ly/39HhpFG
  • BOUZA, Fernando. Imagen y propaganda Capítulos de historia cultural del reinado de Felipe II. Madri: Akal, 2011.
  • CARVALHO, Armindo Ayres de. Obra Mafrense Mafra: Câmara Municipal de Mafra, 1992.
  • CARVALHO, Isamara Lara de. Processos de degradação em manuscritos iluminados: estudo, conservação e restauro de um livro de horas do século XV do Palácio Nacional de Mafra. 2015. 94 f. Dissertação (Mestrado em Conservação e Restauro) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://run.unl.pt/handle/10362/17113 >. Acesso em: 18 jul. 2017.
    » https://run.unl.pt/handle/10362/17113
  • CARVALHO, Vânia Carneiro. Cultura material, espaço doméstico e musealização. Varia História, vol.27, n. 46, jul/dez. 2011, p. 443-470.
  • CASANOVA, Conceição et ali Tracing the historic meaning of two books of hours: the interdisciplinary research underlying conservation decisions. Artefacta Disponível em: <Disponível em: https://clck.ru/Nmcdf >. Acesso em: 2 jun. 2020.
    » https://clck.ru/Nmcdf
  • CORREIA, Inês Isabel Simões de Abreu dos Santos. Estudo arqueológico dos Códices Iluminados do Fundo Laurbanense As intervenções de Conservação num Corpus medieval. 2015. 370f. Tese (Doutorado em História da Arte Medieval). Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://hdl.handle.net/10362/14781 >. Acesso em: 27 jul. 2017.
    » http://hdl.handle.net/10362/14781
  • ECO, Umberto (org.). História da beleza Rio de Janeiro: Record, 2015.
  • ECO, Umberto. Arte e beleza na estética medieval Rio de Janeiro: Record , 2010.
  • FURTADO, Júnia Ferreira. Oráculos da geografia iluminista Dom Luís da Cunha e Jean-Baptiste Bourguignon D’Anville na construção da cartografia do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2012.
  • HUIZINGA, Johan. O outono da Idade Média São Paulo: Cosac Naify, 2013.
  • LEMOS, Ana. Os livros de horas iluminados do Palácio Nacional de Mafra Mafra: Palácio Nacional de Mafra, 2011.
  • MEGIANI, Ana Paula. Memória e conhecimento do mundo: coleções de objetos, impressos e manuscritos nas livrarias de Portugal e Espanha - séculos XV-XVII. In: ALGRANTI, Leila; MEGIANI, Ana Paula (Org.). O Império por escrito Formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico. Séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2009, p.165-186.
  • PANOFSKY, Erwin. Los primitivos flamengos Madri: Cátedra, 1953.
  • SCHWARCZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca dos reis Do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
  • WALTER, Ingo; Wolf, Norbert. Codices illustres the world’s most famous illuminated manuscripts. 400 to 1600. Londres: Taschen, 2001.
  • WATTEEUW, Lieve. Books in Exhibitions: history and adventures in display. In Extended Abstracts Paper Conservation: Decisions & Compromises. ICCOM-CC Graphic Document Working Group - Interim Meeting. Viena, Austrian National Library, 17-19 april 2013, p. 24-28. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2UWoMU4 >. Acesso em: 2 jun. 2020.
    » https://bit.ly/2UWoMU4

SITES

  • 2
    Além destes, há mais três exemplares de livros de orações ilustrados, impressos em velino entre fins do século XV e início do XVI: Heures a l’usage de Langres e Orationes, et vario officio, Psalmi, ambos impressos em Paris por Simon Vostre em c.1502; Heures de Notre Dame a l’usage de Rome tont au long sans rien requérir, impresso em Paris por Antoine Chappiel para o livreiro Gillet Hardouin, c. 1505.
  • 3
    Carvalho (2017, p. 4, nota v).
  • 4
    Cf. Lemos (2011LEMOS, Ana. Os livros de horas iluminados do Palácio Nacional de Mafra. Mafra: Palácio Nacional de Mafra, 2011.).
  • 5
    Ibid.
  • 6
    Essa questão foi apresentada em Casanova et al. (2019CASANOVA, Conceição et ali. Tracing the historic meaning of two books of hours: the interdisciplinary research underlying conservation decisions. Artefacta. Disponível em: <Disponível em: https://clck.ru/Nmcdf >. Acesso em: 2 jun. 2020.
    https://clck.ru/Nmcdf...
    ), que atestam não terem sido encontradas informações sobre a proveniência dos códices, não sendo possível, até o momento, responder como os códices chegaram à Biblioteca de Mafra.
  • 7
    Carvalho (2011CARVALHO, Vânia Carneiro. Cultura material, espaço doméstico e musealização. Varia História, vol.27, n. 46, jul/dez. 2011, p. 443-470., p. 448).
  • 8
    Arte, no contexto utilizado, refere-se à execução de um trabalho liberal ou mecânico segundo normas consolidadas e propagadas.
  • 9
    Huizinga (2013HUIZINGA, Johan. O outono da Idade Média. São Paulo: Cosac Naify, 2013., p. 468).
  • 10
    Eco (2015ECO, Umberto (org.). História da beleza. Rio de Janeiro: Record, 2015., p. 102-104; 2010ECO, Umberto. Arte e beleza na estética medieval. Rio de Janeiro: Record , 2010., p. 87-102).
  • 11
    Em grande parte essa afirmação foi propagada a partir dos historiadores da arte do início do século XX Cf. Panofsky (1953PANOFSKY, Erwin. Los primitivos flamengos. Madri: Cátedra, 1953.). Estudos recentes atestam que a prática e a técnica de adornar manuscritos permaneceram na era moderna, desenvolvendo, no entanto, diferentes padrões visuais e significados para as ornamentações. Cf. Almada (2012ALMADA, Márcia. Das artes da pena e do pincel. Caligrafia e pintura em manuscritos no século XVIII. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.).
  • 12
    Walter (2001WALTER, Ingo; Wolf, Norbert. Codices illustres the world’s most famous illuminated manuscripts. 400 to 1600. Londres: Taschen, 2001., p. 275). Para visualizar dua edições iluminadas desta obra, Cf. <https://bit.ly/346jf1D> e <https://bit.ly/2RaaG0i>. Acesso em: 3 abr. 2020.
  • 13
    Para visualizar um exemplar iluminado, Cf. https: <//bit.ly/39H8ow2>. Acesso em: 3 abr. 2020.
  • 14
    Huizinga (2013HUIZINGA, Johan. O outono da Idade Média. São Paulo: Cosac Naify, 2013., p. 255-256).
  • 15
    As oito horas canônicas do ofício da Virgem são: matinas, laudes, primas, tércias, sextas, noas, vésperas e completas.
  • 16
    Panofsky (1953PANOFSKY, Erwin. Los primitivos flamengos. Madri: Cátedra, 1953., p. 35).
  • 17
    Lemos (2011LEMOS, Ana. Os livros de horas iluminados do Palácio Nacional de Mafra. Mafra: Palácio Nacional de Mafra, 2011., p. 27).
  • 18
    Esta obra pertence atualmente ao acervo da Österreichische Nationalbibliothek, Viena (Áustria), Codex Vindobonensis 1857.
  • 19
    Huizinga (2013HUIZINGA, Johan. O outono da Idade Média. São Paulo: Cosac Naify, 2013., p. 255).
  • 20
    Araújo et al. (2015ARAÚJO, Rita; CASANOVA, Conceição; MELO, Maria João; LEMOS, Ana. “Ethical and technical concerns during the conservation process of a religious book”. European Journal of Science and Theology, 11 (2015), 2, 129-140. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/39HhpFG >. Acesso em: 21 maio 2017.
    https://bit.ly/39HhpFG...
    , p. 131).
  • 21
    Watteau (2013) relata que em muitas bibliotecas do baixo medievo havia cortinas de tecido que cobriam as prateleiras e também estantes fechadas com vidro e cortina para proteção dos livros.
  • 22
    Walter; Wolf (2001WALTER, Ingo; Wolf, Norbert. Codices illustres the world’s most famous illuminated manuscripts. 400 to 1600. Londres: Taschen, 2001., p. 410).
  • 23
    Alexander (1992ALEXANDER, Jonathan J. G. Medieval illuminators and their methods of work. New Haven; Londres: Yale University Press, 1992, p. 23-26).
  • 24
    Ibid., p. 36.
  • 25
    Lemos (2011LEMOS, Ana. Os livros de horas iluminados do Palácio Nacional de Mafra. Mafra: Palácio Nacional de Mafra, 2011., p. 81, 84).
  • 26
    A técnica do esgrafito consiste em remover, com um instrumento de ponta fina, a tinta que está sobre uma camada de folha metálica (ouro ou prata), fazendo com que esta apareça em finas linhas.
  • 27
    Veja a obra completa em <https://bit.ly/2ywOyXI>. Acesso em: 3 abr. 2020.
  • 28
    Walter; Wolf (2001WALTER, Ingo; Wolf, Norbert. Codices illustres the world’s most famous illuminated manuscripts. 400 to 1600. Londres: Taschen, 2001., p. 332).
  • 29
    Panofsky (1953PANOFSKY, Erwin. Los primitivos flamengos. Madri: Cátedra, 1953., p. 36).
  • 30
    Walter; Wolf (2001WALTER, Ingo; Wolf, Norbert. Codices illustres the world’s most famous illuminated manuscripts. 400 to 1600. Londres: Taschen, 2001., p. 432). Veja a obra em <https://bit.ly/2R5GVhq>. Acesso em: 3 abr. 2020.
  • 31
    Panofsky (1953PANOFSKY, Erwin. Los primitivos flamengos. Madri: Cátedra, 1953., p. 36).
  • 32
    Veja como exemplo as imagens em <https://bit.ly/2R8AYQR>. Acesso em: 3 abr. 2020.
  • 33
    Veja como exemplo a pintura de Jean Froissart em <https://bit.ly/2UY1oFT>. Acesso em: 3 abr. 2020.
  • 34
    Veja como exemplo as imagens em <https://bit.ly/2Jy7c3J>. Acesso em: 3 abr. 2020.
  • 35
    Veja como exemplo a pintura de Pequenas Horas do Duque de Berry em <https://bit.ly/344XYp2>. Acesso em: 3 abr. 2020.
  • 36
    Veja como exemplo a pintura de Pierre Salmon, em Dialogues, fol. 4. Disponível em <https://bit.ly/3bQCdM6>. Acesso em: 3 abr. 2020.
  • 37
    Segundo a datação de Lemos, são as obras Heures Devotes (Galeria, LXXI-6-5, atual cofre n. 25), de c.1480, o Psalmi de c. 1470 (Galeria, LXXI-6-10, atual cofre n.30) e o Officum Defunctorum (Galeria, LXXI-6-12, atual cofre n 32), realizado entre 1480-1490, além dos fólios 39 e 112, acrescentados em c. 1470 ao códice Heures Devotes (Galeria, LXXI-6-4, atual cofre n .24).
  • 38
    Refiro-me aos dois Heures Chretiennes (Galeria, LXXI-6-2 e 3, atuais cofre n.22 e 23), o corpo principal do Heures Devotes (Galeria, LXXI-6-4, atual cofre n.24) e o Officium parvum B. Maria Virginis (Galeria, LXXI-6-11, atual cofre n.31).
  • 39
    Correia (2015CORREIA, Inês Isabel Simões de Abreu dos Santos. Estudo arqueológico dos Códices Iluminados do Fundo Laurbanense. As intervenções de Conservação num Corpus medieval. 2015. 370f. Tese (Doutorado em História da Arte Medieval). Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://hdl.handle.net/10362/14781 >. Acesso em: 27 jul. 2017.
    http://hdl.handle.net/10362/14781...
    , p. 8).
  • 40
    Roman de la Table Ronde et du quˆte du saint Graal' soluta oratione. Österreichische Nationalbibliotek, manuscrito 2537. Cf. Walter; Wolf (2001WALTER, Ingo; Wolf, Norbert. Codices illustres the world’s most famous illuminated manuscripts. 400 to 1600. Londres: Taschen, 2001., p. 276).
  • 41
    Ibid., p. 432.
  • 42
    Cf. Informations détaillés in <https://bit.ly/2X7nqso>. Acesso em: 2 abr. 2020.
  • 43
    Megiani (2009MEGIANI, Ana Paula. Memória e conhecimento do mundo: coleções de objetos, impressos e manuscritos nas livrarias de Portugal e Espanha - séculos XV-XVII. In: ALGRANTI, Leila; MEGIANI, Ana Paula (Org.). O Império por escrito. Formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico. Séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2009, p.165-186., p. 179).
  • 44
    Bouza, (2011BOUZA, Fernando. Imagen y propaganda. Capítulos de historia cultural del reinado de Felipe II. Madri: Akal, 2011., p. 174, 176).
  • 45
    Ibid., p. 178-179.
  • 46
    Ibid., p. 179-181.
  • 47
    Cf. A luz do Mundo (1996A LUZ DO MUNDO. Iluminura portuguesa quinhentista. Oceanos, n. 26, abr./jun. 1996.).
  • 48
    Schwarcz (2002SCHWARCZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca dos reis. Do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002., p. 69-70).
  • 49
    Esta é a tese defendida por Tiago C.P. dos Reis Miranda na palestra proferida no Colóquio A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra: um testemunho do tempo das Luzes, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 23 de maio de 2017.
  • 50
    Furtado (2012FURTADO, Júnia Ferreira. Oráculos da geografia iluminista. Dom Luís da Cunha e Jean-Baptiste Bourguignon D’Anville na construção da cartografia do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2012., p. 223).
  • 51
    Schwarcz (2002SCHWARCZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca dos reis. Do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002., p. 72-73).
  • 52
    Ibid., p.78.
  • 53
    A indefinição da posse da biblioteca manteve-se por um longo período. Em 1837, a Comissão Administrativa do Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos determinou que a Livraria de Mafra era conventual e não de propriedade real, pois havia sido constituída por D. João V, mas doada ao Convento. Esta querela terminou em 1840, quando o Ministério do Reino declarou a propriedade régia da biblioteca, evitando o seu desmantelamento e redistribuição para outras livrarias. Cf. Monumento de Mafra VirtualMONUMENTO DE MAFRA VIRTUAL. CronoBiblioteca. <https://bit.ly/32nkrPr>. Acesso em: 2 jun. 2020.
    https://bit.ly/32nkrPr...
    . Cronobiblioteca. Disponível em: <https://bit.ly/2x3A2WX>. Acesso em: 8 ago. 2017.
  • 54
    Catálogo da Real... (1819CATÁLOGO DA REAL LIVRARIA DE MAFRA, disposto por ordem alfabética, e escrito por Frei João de Santa Anna, Primeiro Bibliotecário da mesma Livraria, ex-leitor, Padre da Provincia d’Arrábidas, e Pregador Régio. Anno 1819. Manuscrito, 8 volumes., Tomo I, p. viii).
  • 55
    Ibid., Tomo I, p. x. Em todas as citações foi utilizada a grafia original.
  • 56
    Ibid., Tomo I, p. xii.
  • 57
    Ibid., Tomo I, p. x.
  • 58
    Segundo informação oral, referendada institucionalmente a vários pesquisadores.
  • 59
    São três impressos e dez manuscritos, mas não há referência sobre a tecnologia de fabricação no Catálogo da Real... (1819). A correspondência entre a numeração dada por Frei João de Santa Anna aos códices manuscritos e a atualmente usada é visível na notação a lápis no Catálogo provavelmente feita durante a transferência das estantes para o cofre da biblioteca.
  • 60
    São as seguintes obras: Heures dedeis a la Reine. Lyon chez Louis Servant, 1728, in 8º (LXXI-2-18) e Heures nouvelles al’usage des serviteurs de la S. Vierge marie honoré a N. Donne de Belem a Lisbone ... par um serviteur de Marie. Lyon chez la Veuve de la Roche, et fils, 1746, in 8º (XV-8-30).
  • 61
    Catálogo da Real... (1819CATÁLOGO DA REAL LIVRARIA DE MAFRA, disposto por ordem alfabética, e escrito por Frei João de Santa Anna, Primeiro Bibliotecário da mesma Livraria, ex-leitor, Padre da Provincia d’Arrábidas, e Pregador Régio. Anno 1819. Manuscrito, 8 volumes., Tomo IV, p. 112). Correspondem aos códices com numeração atual Cofre n. 21 a 26. Agradeço a Tiago C. P. dos Reis Miranda pela localização dos títulos no Catálogo...
  • 62
    Ibid., Tomo VI, p. 2. Correspondem aos códices com numeração atual Cofre n. 31 e 32.
  • 63
    Ibid., Tomo VI, p. 442. Correspondem aos códices com numeração atual Cofre n.28 a 30.
  • 64
    Ibid., Tomo VI, página 66. Correspondem aos códices com numeração atual Cofre n. 27 e 33.
  • 65
    Título no frontispício: “Heures a l’usage de Langres toutes au long sans rien requerir: avec les figures et signes de lapocalipse: les miracles nostre Dame les accidens del homme: et plusieurs autres hystoires de nouveauu”; inscrição na lombada: “Evangel.” Catálogo da Real... (1819CATÁLOGO DA REAL LIVRARIA DE MAFRA, disposto por ordem alfabética, e escrito por Frei João de Santa Anna, Primeiro Bibliotecário da mesma Livraria, ex-leitor, Padre da Provincia d’Arrábidas, e Pregador Régio. Anno 1819. Manuscrito, 8 volumes., Tomo IV, p. 112).
  • 66
    Ou “Saint Benoit” (São Benedito).
  • 67
    Lemos (2011LEMOS, Ana. Os livros de horas iluminados do Palácio Nacional de Mafra. Mafra: Palácio Nacional de Mafra, 2011., p. 71 e nota 97). Atualmente o códice é conhecido por Livro de Horas de Boufflers, por ter pertencido a Pierre de Boufflers, nobre francês contemporâneo de Luis XI. Araújo (2012ARAÚJO, Ana Rita da Silva de. Os livros de horas séc. XV) na colecção do Palácio Nacional de Mafra: estudo e conservação. 87p. Dissertação (Mestrado em Conservação e Restauro) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2012., p. 5).
  • 68
    Abadia de Auxy-les-Mains, fundada em 715 e reconstruída nos séculos XI e XIII.
  • 69
    Catálogo da Real... (1819CATÁLOGO DA REAL LIVRARIA DE MAFRA, disposto por ordem alfabética, e escrito por Frei João de Santa Anna, Primeiro Bibliotecário da mesma Livraria, ex-leitor, Padre da Provincia d’Arrábidas, e Pregador Régio. Anno 1819. Manuscrito, 8 volumes., Tomo IV, p. 112).
  • 70
    O tema das encadernações foi exaustivamente tratado por Araújo (2018ARAÚJO, Ana Rita da Silva de. Os Livros de Horas do século XV nas colecções portuguesas: matéria, forma e significado. 542p. Tese (Doutorado em Ciência da Conservação) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2018. Disponível em: <Disponível em: https://clck.ru/Nmw2R >. Acesso em: 2 jun. 2020.
    https://clck.ru/Nmw2R...
    ).
  • 71
    Para maiores detalhes do tipo de encadernação, Carvalho (2015CARVALHO, Isamara Lara de. Processos de degradação em manuscritos iluminados: estudo, conservação e restauro de um livro de horas do século XV do Palácio Nacional de Mafra. 2015. 94 f. Dissertação (Mestrado em Conservação e Restauro) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://run.unl.pt/handle/10362/17113 >. Acesso em: 18 jul. 2017.
    https://run.unl.pt/handle/10362/17113...
    , p. 7) e Araújo (2012ARAÚJO, Ana Rita da Silva de. Os livros de horas séc. XV) na colecção do Palácio Nacional de Mafra: estudo e conservação. 87p. Dissertação (Mestrado em Conservação e Restauro) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2012., p. 20).
  • 72
    Cf. Araújo (2018ARAÚJO, Ana Rita da Silva de. Os Livros de Horas do século XV nas colecções portuguesas: matéria, forma e significado. 542p. Tese (Doutorado em Ciência da Conservação) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2018. Disponível em: <Disponível em: https://clck.ru/Nmw2R >. Acesso em: 2 jun. 2020.
    https://clck.ru/Nmw2R...
    ).
  • 73
    Araújo et al. (2015ARAÚJO, Rita; CASANOVA, Conceição; MELO, Maria João; LEMOS, Ana. “Ethical and technical concerns during the conservation process of a religious book”. European Journal of Science and Theology, 11 (2015), 2, 129-140. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/39HhpFG >. Acesso em: 21 maio 2017.
    https://bit.ly/39HhpFG...
    , p. 131).
  • 74
    Cf. Monumento de Mafra VirtualMONUMENTO DE MAFRA VIRTUAL. CronoBiblioteca. <https://bit.ly/32nkrPr>. Acesso em: 2 jun. 2020.
    https://bit.ly/32nkrPr...
    .
  • 75
    Watteeuw (2013WATTEEUW, Lieve. Books in Exhibitions: history and adventures in display. In Extended Abstracts. Paper Conservation: Decisions & Compromises. ICCOM-CC Graphic Document Working Group - Interim Meeting. Viena, Austrian National Library, 17-19 april 2013, p. 24-28. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2UWoMU4 >. Acesso em: 2 jun. 2020.
    https://bit.ly/2UWoMU4...
    , p. 24).
  • 76
    Em inventário realizado em 1990, a bibliotecária Maria Isabel Braga Abecasis estabeleceu uma comparação com o número de exemplares descritos no inventário de 1952 e não notou nenhuma diferença na estante LXXI da Galeria, registrando que os volumes de 1 a 13 já se encontravam no cofre. Abecasis (1990ABECASIS, Maria Isabel Braga. Inventário. Biblioteca do palácio Nacional de Mafra. Manuscrito, 1990., Notas ao inventário/Galeria, p. 4).
  • 77
    Cf. Carvalho (1992CARVALHO, Armindo Ayres de. Obra Mafrense. Mafra: Câmara Municipal de Mafra, 1992.).
  • 78
    Esta relação é destacada por Chistoffer Tiller, Daniel Miller e Vânia Carneiro como fundamental na compreensão da biografia dos objetos. Carvalho (2011CARVALHO, Vânia Carneiro. Cultura material, espaço doméstico e musealização. Varia História, vol.27, n. 46, jul/dez. 2011, p. 443-470., p. 448).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2020
  • Aceito
    11 Jun 2020
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