Acessibilidade / Reportar erro

Síncope no idoso: utilidade diagnóstica da massagem do seio carotídeo na posição ortostática durante o "tilt test"

Syncope in the elderly: diagnostic utility of carotid sinus massage in the head-up tilt test

Resumos

Um senhor aposentado veio à consulta com história de desmaios há vários meses e uma série de exames cardiológicos e de neuroimagem inconclusivos. Medicado com carbamazepina, os desmaios persistiram, ocasionando ferimentos na face e nos braços. Durante o "tilt test" não sensibilizado farmacologicamente, a massagem do seio carotídeo na posição ortostática (mesa inclinada a 60°) produziu assistolia, perda da consciência e queda drástica da pressão arterial por 5 segundos. A mesma manobra na posição supina não provocou sintomas ou alterações hemodinâmicas. Implantado marca-passo de dupla câmara e suspensa a carbamazepina, os desmaios não se repetiram ao longo dos 18 meses de acompanhamento, confirmando o diagnóstico de hipersensibilidade do seio carotídeo com resposta cárdio-inibitória. Este caso ilustra e reafirma a utilidade do "tilt test" e da inclusão da massagem dos seios carotídeos na posição ortostática no protocolo de investigação de todo paciente com síncope de causa inaparente.

síncope; desmaios; hipersensibilidade do seio carotídeo; tilt test


A 71-year-old man presented with a 6-month history of fainting. Consciousness was quickly regained without clouding or confusion. Ancillary investigations were inconclusive and he was treated with carbamazepine. The fainting spells did not cease and he was referred for a tilt-table test exam. In the head-up position (table tilted at 60°), massage of the carotid sinus was immediately followed by asystole, unconsciousness, and a sharp drop in arterial pressure for 5 seconds. The same procedure in the lying position did not elicit clinical symptoms or hæmodynamic imbalance. A diagnosis of carotid sinus hypersensitivity with a cardio-inhibitory response pattern was made. Carbamazepine was withdrawn and a double-chamber pacemaker was implanted in his right ventricle. He remained symptom-free for the ensuing 18 months. This case supports the diagnostic utility of carotid sinus massage during the head-up tilt test in patients with unexplained non-convulsive loss of consciousness.

syncope; faintness; carotid sinus hypersensitivity; tilt test


Síncope no idoso

Utilidade diagnóstica da massagem do seio carotídeo na posição ortostática durante o "Tilt Test"

Syncope in the elderly:

Diagnostic utility of carotid sinus massage in the head-up Tilt Test

Marcos BenchimolI; Ricardo de Oliveira-SouzaII

Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro RJ, Brasil

ICardiologista

IINeurologista

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Marcos Benchimol Clínica Benchimol Rua Senador Dantas 7/601 20031-200, Rio de Janeiro RJ, Brasil E-mail: benchimol@openlink.com.br

RESUMO

Um senhor aposentado veio à consulta com história de desmaios há vários meses e uma série de exames cardiológicos e de neuroimagem inconclusivos. Medicado com carbamazepina, os desmaios persistiram, ocasionando ferimentos na face e nos braços. Durante o "tilt test" não sensibilizado farmacologicamente, a massagem do seio carotídeo na posição ortostática (mesa inclinada a 60°) produziu assistolia, perda da consciência e queda drástica da pressão arterial por 5 segundos. A mesma manobra na posição supina não provocou sintomas ou alterações hemodinâmicas. Implantado marca-passo de dupla câmara e suspensa a carbamazepina, os desmaios não se repetiram ao longo dos 18 meses de acompanhamento, confirmando o diagnóstico de hipersensibilidade do seio carotídeo com resposta cárdio-inibitória. Este caso ilustra e reafirma a utilidade do "tilt test" e da inclusão da massagem dos seios carotídeos na posição ortostática no protocolo de investigação de todo paciente com síncope de causa inaparente.

Palavras-chave: síncope, desmaios, hipersensibilidade do seio carotídeo, tilt test.

ABSTRACT

A 71-year-old man presented with a 6-month history of fainting. Consciousness was quickly regained without clouding or confusion. Ancillary investigations were inconclusive and he was treated with carbamazepine. The fainting spells did not cease and he was referred for a tilt-table test exam. In the head-up position (table tilted at 60°), massage of the carotid sinus was immediately followed by asystole, unconsciousness, and a sharp drop in arterial pressure for 5 seconds. The same procedure in the lying position did not elicit clinical symptoms or hæmodynamic imbalance. A diagnosis of carotid sinus hypersensitivity with a cardio-inhibitory response pattern was made. Carbamazepine was withdrawn and a double-chamber pacemaker was implanted in his right ventricle. He remained symptom-free for the ensuing 18 months. This case supports the diagnostic utility of carotid sinus massage during the head-up tilt test in patients with unexplained non-convulsive loss of consciousness.

Keywords: syncope, faintness, carotid sinus hypersensitivity, tilt test.

O termo "síncope" (gr. synkope, pausa) se refere à perda súbita da consciência e do tônus postural seguida de recuperação imediata e espontânea. Benditt1 classificou a síncope em cinco grandes grupos: a) cardiogênica: aórtica, miocardiopatia hipertrófica; b) Arritimias: taqui ou bradiarritimias; c) Neurocardiogênicas: vaso-vagal; d) Posturais: disautonomias pressórica e secundária (medicamentos); e) Miscelânea: hipóxia, crises convulsivas.

A síncope é a expressão sintomática de mecanismos fisiopatológicos que levam à diminuição ou suspensão do fluxo sanguíneo cerebral global por períodos curtos de tempo, da ordem de segundos2. Face à sua natureza intermitente, o diagnóstico etiológico encontra sérias dificuldades em alguns pacientes. Não obstante, a definição da causa da síncope é essencial para o planejamento terapêutico e o prognóstico. O prognóstico da síncope resultante de arritimias ou causas cardíacas estruturais é reservado; a mortalidade oscila em torno de 30% em um ano3. Entretanto, na investigação do paciente com síncope sem cardiopatias estruturais ou alterações posturais, a causa mais frequente é a vaso-vagal, habitualmente benigna.

O exame mais adequado para o diagnóstico da síndrome vaso-vagal responsável pelas síncopes neurocardiogênicas é o "tilt test" (TT). A metodologia do TT ainda não está padronizada4. Alguns protocolos são "passivos" (sem drogas); outros, farmacologicamente sensibilizados com isoproterenol ou nitrato. A inclinação da mesa, a duração do exame e a sensibilização farmacológica aumentam a sensibilidade do TT, reduzindo sua especificidade. Na ausência de sensibilização farmacológica, a especificidade do TT é de 90%5. A resposta normal à inclinação de 60-80° por 10 minutos consiste na queda transitória de 5-15 mmHg da pressão arterial (PA) sistólica, e elevação de 5-10 mmHg da PA diastólica e da frequência cardíaca em 10-15 batimentos por minuto. Existem dois tipos gerais de resposta anormal ao TT, que podem culminar em desmaio: (1) hipotensão no início do teste, indicando comprometimento do tônus simpático e da função baroceptora e (2) hipotensão tardia (minutos depois da inclinação), que sugere a ação de mecanismos neurocardiogênicos ou idiopáticos. A avaliação de hipersensibilidade do seio carotídio (HSC) compreende parte específica do TT. Após verificação da inexistência de placas potencialmente emboligênicas6, comprime-se a carótida direita por 5 segundos, seguida da compressão da caródida esquerda pelo mesmo período. A resposta normal consiste na redução da frequência cardíaca e/ou no prolongamento da condução AV. A HSC se associa a três tipos de respostas: vasoplégica, cárdio-inibitória (bradicardia e/ou assistolia) e mista. O implante de marca-passo ventricular pode estar indicado para pacientes com respostas cárdio-inibitórias intensas e assistolia por mais de 3 segundos. Ante o risco de bloqueio de condução AV, não se deve implantar marca-passo exclusivamente atrial nesta síndrome. O TT oferece importante contribuição para o esclarecimento dos casos de síncope de etiologia obscura. Antes de sua introdução, aproximadamente 30% a 45% desses pacientes ficavam sem diagnóstico7. Hoje, essas cifras giram em torno de 15%8.

Apresentamos o caso de um paciente com desmaios não provocados, medicado com carbamazepina após vários meses de investigações inconclusivas. A elucidação do diagnóstico etiológico dependeu da aplicação de técnica propedêutica específica, de fácil inclusão na rotina do exame.

CASO

Senhor aposentado de 71 anos de idade, hipertenso leve, veio à consulta em fevereiro de 2001 devido a episódios de tonteira seguidos de desmaios acompanhados de abalos convulsivos discretos, sem liberação de esfincteres ou mordedura da língua. Os episódios não eram precedidos ou acompanhados de angina. Recuperava-se rápida e espontaneamente, sem turvação sensorial ou sinais neurológicos focais. Os desmaios haviam começado 6 meses antes e, desde então, submetera-se a diversos exames para propedêutica diagnóstica que, embora ocasionalmente alterados, não esclareceram a razão das perdas de consciência. Esses exames incluíam ecocardiograma com doppler (normal), teste ergométrico máximo (negativo para doença coronariana), duplex scan de carótidas e vertebrais (placas calcificadas em cada bulbo carotídeo com obstrução de 30% e ausência de fluxo na artéria vertebral direita) e Holter de 24 horas (ausência de arritimias clinicamente significativas). A ressonância magnética cerebral revelou os achados próprios da faixa etária e a angiorressonância cerebral replicou os achados do doppler. O eletroencefalograma convencional encontrava-se igualmente normal. Iniciado tratamento com carbamazepina, continuou a apresentar síncope, com traumatismos ocasionais dos braços e da face. Foi-nos referido em fevereiro de 2001, tendo sido indicado o TT. Ao exame, encontrava-se acordado e orientado (Mini-Exame do Estado Mental em 27/309, nervos cranianos, força e coordenação normais, sinal de Romberg ausente. Pressão arterial 120/80 mmHg, frequência cardíaca 72 bpm, RCR3TB4, pulmões limpos, abdomen e membros inferiores sem alterações. Eletrocardiograma normal.

O TT foi realizado em mesa própria (Carci, São Paulo, Brasil), equipada com monitorização eletrocardiográfica contínua, com sistema da TEB e medida intermitente da pressão arterial através de aparelho aneróide convencional e monitor oscilométrico. A alimentação foi suspensa 12 horas antes, com manutenção da medicação em uso (amlodipina, 10 mg/dia e carbamazepina, 400 mg/dia). A compressão sequencial dos seios carotídeos (direito e esquerdo) na posição supina não produziu sintomas, quedas da PA ou da frequência cardíaca. Com a mesa a 60° (posição ortostática), por outro lado, a compressão do seio carotídeo direito seguiu-se de imediata e intensa reação cárdio-inibitória, com assistolia de 5 segundos, queda da PA, perda da consciência e movimentos convulsivos da face (Figura). Reclinado, ventilado sob máscara e medicado com atropina e soro fisiológico, retornou prontamente à consciência com restauração do equilíbrio hemodinâmico.


Suspensa a carbamazepina, o paciente foi submetido a implante de marca-passo de dupla câmara e acompanhado por 18 meses; não ocorreram outros episódios sincopais.

DISCUSSÃO

O achado mais relevante deste caso foi o contraste entre o desencadeamento de síncope por massagem do seio carotídeo na posição ortostática e a ausência de manifestações clínicas e hemodinâmicas pela aplicação da mesma manobra em decúbito. A pesquisa de HSC somente em decúbito seria negativa e o diagnóstico etiológico dos desmaios talvez fosse definitivamente perdido. Esta verificação reforça a necessidade de se incluir a massagem dos seios carotídeos na posição ortostática na pesquisa de HSC em pacientes com síncope inexplicada10. Tal observação vai ao encontro dos resultados de Morillo e col.11, que definiram o diagnóstico em 48 pacientes, de um total de 55 com síncope por HSC, pela massagem do seio carotídeo durante o TT na posição ortostática. Apenas em 7 pacientes o procedimento foi diagnóstico na posição supina. A utilidade da manobra foi reafirmada em nosso paciente pela imediata provocação dos sintomas, que cessaram após implante do marca-passo.

A HSC responde por 1% das causas de síncope e representa a forma mais benigna das síncopes de origem carotídea12. Das condições que levam à síncope por envolvimento da artéria carótida, as mais importantes a se diferenciar da HSC incluem a fibrose pós-irradiação e as lesões expansivas localizadas no pescoço ou na base do crânio, pelas quais respondem, na maioria das vezes, linfonodos aumentados e tumores13-15. Além disso, em pacientes com desmaios precipitados pela massagem de um dos seios carotídeos, deve-se distinguir a síncope neurocardiogênica propriamente dita da interrupção mecânica do fluxo sanguíneo cerebral, quando existe oclusão do sistema vértebro-basilar e da carótida contralateral à compressão manual. Nesta situação, a circulação do encéfalo se torna criticamente dependente da patência de uma das carótidas16. No nosso paciente, esses fatores foram afastados com boa margem de segurança através de exames cardiológicos e de imagem, que não mostraram massas expansivas cervicais e atestaram a suficiência hemodinâmica dos sistemas carotídio e vértebro-basilar.

Em resumo, o presente relato ilustra uma condição comum e de morbidade elevada, mas de fácil diagnóstico, desde que efetuados alguns procedimentos complementares amplamente disponíveis: (1) o emprego do TT no diagnóstico diferencial da síncope no idoso; (2) a estimulação manual dos seios carotídeos durante o TT na posição ortostática, isto é, com a mesa a 60°. A simples inclusão desta manobra no protocolo de exame pode economizar tempo e gastos com exames de menor utilidade, evitando, sobretudo, fatalidades previsíveis17.

Agradecimentos - Ao Professor Omar da Rosa Santos pelas críticas ao manuscrito.

Recebido 5 Junho 2002, recebido na forma final 15 Agosto 2002.

Aceito 4 Setembro 2002.

  • 1. Benditt DG. Syncope. In: Topol EJ (ed.) Textbook of cardiovascular medicine. New York: Lippincot-Raven 1998:1807-1832.
  • 2. Kapoor WN. Syncope. N Eng J Med 2001;343:1856-1862.
  • 3. Calkins H, Zipes DP. Hypotension and syncope. In E Heart disease: a textbook of cardiovascular medicine, 6.Ed. Braunwald E, Zipes DP, Libby P (ed.). New York: Harcourt 2001:932-940.
  • 4. Kapoor WN. Using a tilt table to evaluate syncope. Am J Med Sci 1999;317:110-116.
  • 5. Benditt DG, Ferguson DW, Grubb BP, Kapoor WN, Kugler J, Lerman BB, Maloney JD, Raviele A, Ross B, Sutton R, Wolk MJ, Wood DL. Tilt table testing for assessing syncope. J Am Coll Cardiol 1996;28:263-275.
  • 6. Davies AJ, Kenny RA. Frequency of neurological complications following carotid sinus massage. Am J Cardiol 1998;16:1434-1435.
  • 7. Martin GJ, Adams SL, Martin HG, Mathews J, Zull D, Scanlon PJ. Prospective evaluation of syncope. Ann Emerg Med 1984;13:499-504.
  • 8. Kapoor WN, Smith MA, Miller NL. Upright tilt testing in evaluating syncope: a comprehensive literature review. Am J Med 1994;97:78-88.
  • 9. Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR. "Mini-Mental State": a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiat Res 1975;12:189-198.
  • 10. Parry SW, Richardson DA, O'Shea D, Sen B, Kenny RA. Diagnosis of carotid sinus hypersensitivity in older adults: carotid sinus massage in the upright position is essential. Heart 2000;83:22-23.
  • 11. Morillo CA, Camacho ME, Wood MA, Gilligan DM, Ellenbogen KA. Diagnostic utility of mechanical, pharmacological and orthostatic stimulation of the carotid sinus in patients with unexplained syncope. J Am Coll Cardiol 1999;34:1587-1594.
  • 12. Linzer M, Yang EH, Estes NA III, Wang P, Vorperian VR, Kapoor WN. Diagnosing syncope: 1. Value of history, physical examination, and electrocardiography: Clinical Efficacy Assessment Project of the American College of Physicians. Ann Intern Med 1997;126:989-996.
  • 13. Frank JL, Ropper AH, Zuniga G. Vasodepressor carotid sinus syncope associated with a neck mass. Neurology 1992;42:1194-1197.
  • 14. Turner M, Wilkins D, Marshall AJ. Chronic bilateral carotid body tumours causing carotid sinus hypersensitivity: abolition of symptoms by permanent cardiac pacing. Heart 2000;84:196.
  • 15. Blanc JJ, L'Heveder G, Mansourati J, Tea SH, Guillo P, Mabin D. Assessment of a newly recognized association: carotid sinus hypersensitivity and denervation of sternocleidomastoid muscles. Circulation 1997;95:2548-2551.
  • 16. Victor M, Ropper AH. Faintness and syncope. In Victor M, Ropper AH (ed ): Adams and Victor's principles of neurology, 7.Ed. New York: McGraw-Hill, 2001:390-403.
  • 17. Connolly SJ, Sheldon R, Roberts RS, Gent M. The North American Vasovagal Pacemaker Study (VPS): a randomized trial of permanent cardiac pacing for the prevention of vasovagal syncope. J Am Coll Cardiol 1999;33:16-20.
  • Endereço para correspondência
    Dr. Marcos Benchimol
    Clínica Benchimol
    Rua Senador Dantas 7/601
    20031-200, Rio de Janeiro RJ, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2003

    Histórico

    • Recebido
      05 Jun 2002
    • Aceito
      04 Set 2002
    Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.arquivos@abneuro.org