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A possibilidade de uma leitura antepredicativa do pensamento noético de Plotino

The possibility of reading the Plotinian noetic thought as non-predicative

Resumo:

A caracterização do pensamento como a reflexão de um sujeito sobre um dado objeto se expressa através de um enunciado de ordem predicativa. A introdução da possibilidade de um tipo de pensamento que não se constitua a partir desse pressuposto traz dificuldades, motivo pelo qual Lloyd (1970) tratou esse tema, a saber, o pensamento não discursivo, como um enigma da filosofia grega. Plotino parece estabelecer uma distinção entre pensamento racional e intelectual tendo como ponto de partida a definição sui generis de um pensamento que pensa o próprio pensamento. A natureza intrigante dessa descrição, isto é, do autopensamento como não discursivo, tem pautado estudos cujos objetivos são, em primeiro lugar, compreender e, depois, esclarecer o que significa adotar tal abordagem. Esse trabalho pretende analisar essa problemática à luz da antepredicatividade de Santos (2018). A hipótese é de que tal conceito pode contribuir para acrescer esclarecimento sobre a distinção entre razão e Intelecto no contexto do tratado V.3 [49] das Enéadas de Plotino. A natureza do pensamento intelectual seria antepredicativa e a do racional predicativa.

Palavras-Chave:
Plotino; Enéadas ; Intelecto; antepredicatividade

Abstract:

The characterization of thought as a subject reflection about a given object is expressed by an enunciation of predicative order. The introduction of the possibility of a type of thought that it is not constituted in virtue of this presupposition brings a lot of difficulties, which is responsible for why Lloyd (1970) treats this theme as an enigma of Greek philosophy, i.e, non-discursive thinking. Plotinus seems to make a distinction between rational and intellectual thought, taking as a starting point the sui generis definition of a thinking that thinks itself. The intriguing nature of this description, i.e, the self-thinking as non-discursive thought, has raised studies with the primary aim to understand how it works this type of thinking. Then to clarify what does it mean to adopt the non-discursive approach. This paper intends to analyze the cited problem in the light of the “non-predicative” of Santos (2018). The hypothesis is that by applying this concept to the discussion it will contribute to increase clarification on the distinction between reason and Intellect. That exercise will be conducted in majority through the reading of V.3 [49] of Plotinus Enneads. The nature of the intellectual thought would be non-predicative and the rational would be predicative.

Keywords:
Plotinus; Enneads ; Intellect; non-predicative

Introdução ao tema e definição da abordagem

A empresa desse trabalho consiste em propor a possibilidade de aplicação da “antepredicatividade” (cf. Santos, 2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206.) como recurso interpretativo para melhor captar a natureza do pensamento noético de Plotino. Tendo em vista que o neoplatônico parece distinguir dois tipos de pensamento - intelectual e racional -, é preciso compreender quais são as particularidades desses gêneros de pensamento. A hipótese é que dentre esses aspectos distintivos há um que se sobressai, a saber: o caráter não-proposicional e não-discursivo do pensamento do Intelecto, o qual, por sua vez, diferencia-se do pensamento racional. Na esteira desse raciocínio, o presente texto intenta argumentar que: a) é possível abordar esses conceitos a partir de uma leitura antepredicativa; b) se a opção pela antepredicatividade é aceita, há ganho interpretativo.

Para atingir os desideratos ora introduzidos, é preciso primeiro discernir o que significa realizar uma leitura antepredicativa de um determinado conceito filosófico, partindo da perspectiva do intérprete que tem investigado a sua utilização na compreensão de textos da filosofia clássica - particularmente em Parmênides (cf. Santos, 2013SANTOS, J. T. (2013). For a non-predicative Reading of esti in Parmenides, the Sophists and Plato. Méthexis 24, p. 39-50.; 2015SANTOS, J. T. (2015). Parménides e a antepredicatividade. Filosofia 32, p. 9-33.) e em Platão (cf. Santos, 2013SANTOS, J. T. (2013). For a non-predicative Reading of esti in Parmenides, the Sophists and Plato. Méthexis 24, p. 39-50.; 2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206.). Posteriormente, deve-se recorrer ao tratado V.3 [49] de Plotino, a fim de demarcar a distinção entre os pensamentos do Intelecto e da razão, bem como assinalar o papel fundamental das noções de não proposicionalidade e de não discursividade consoantes a essa diferenciação.1 1 Modos distintos de referir o mesmo conceito, conforme são intercambiados por Lloyd (1970) e Reuter (1994). Explicitada a natureza singular do pensamento noético de Plotino, espera-se ser viável realizar um paralelo entre essas ideias e a possibilidade de articula-las à luz de uma leitura antepredicativa. Destarte, se os argumentos forem bem sucedidos, o trabalho deve acenar para o horizonte interpretativo no qual a antepredicatividade se constitui como recurso enriquecedor da difícil assimilação do pensamento noético de Plotino.

Conceituação da leitura antepredicativa

Em relação à leitura antepredicativa,2 2 Os termos “antepredicatividade” e “não-predicatividade” são intercambiáveis na presente exposição. conforme ela é abordada pelo intérprete em estudo (cf. Santos, 2013SANTOS, J. T. (2013). For a non-predicative Reading of esti in Parmenides, the Sophists and Plato. Méthexis 24, p. 39-50.; 2015SANTOS, J. T. (2015). Parménides e a antepredicatividade. Filosofia 32, p. 9-33.; 2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206.), pode-se dizer que em geral - como a própria formação da palavra sugere - ela se caracteriza por ser uma reflexão filosófica que se situa em uma dimensão que se antepõe ao domínio da predicatividade. Do ponto de vista filosófico, isso significa que ela é uma modalidade de pensamento que não se submete aos mesmos princípios constitutivos da modalidade predicativa. Por um lado, os conteúdos que são emitidos predicativamente se estruturam sintaticamente pela relação entre sujeito e predicado, ligados por uma cópula. Por outro lado, filosoficamente essa estrutura implica a atribuição ao sujeito de algo diferente dele. Nesse sentido, é razoável inferir que a antepredicatividade pode contribuir para fornecer contextos em que os argumentos filosóficos possam ser construídos sem se restringirem às regras impostas pela predicatividade conforme foram acima pontuadas.

Nessa perspectiva de análise, o objetivo do presente texto, doravante, é o de argumentar que é muito difícil compreender aspectos importantes da filosofia de Plotino a partir de uma leitura predicativa dos enunciados. Mais especificamente, defendo que é fundamental para o neoplatônico distinguir os pensamentos racional e intelectual em função de este último não se submeter aos princípios da discursividade, da proposicionalidade ou, como se está a chamar, da predicatividade.3 3 Abbagnano, 2007, p. 787: “concepção predicativa da proposição - segundo a qual a proposição consiste na atribuição de um P a um sujeito”. Esse entendimento, por sua vez, pode ser formulado nos termos da antepredicatividade em razão de esta última acomodar melhor a relação entre “ser” e “pensar” (cf. Parmênides, fr. B3), a qual Plotino pressupõe (cf. V.3 [49] 6, 9-10) e amiúde se refere em outros textos (cf. V.1 [10] 8, 16-17 e V.9 [5] 5, 29-30) como parte essencial de seu projeto noético.4 4 Fronterotta, 2007, p. 4: “Plotinus cites or makes reference to this line in many passages of the Enneads. The two principal ones are Enneads V,1,8,16-17 and V,9,5,29-30”.

Pela ordem inversa da história da filosofia, antes de passar a interpretação de Parmênides, é importante dar atenção para a aplicação da antepredicatividade em Platão. O respectivo estudo, ao propor uma análise de três correntes distintas sobre o uso do logos realizado pelo filósofo da academia, agrupa-as por traços comuns, dos quais a não-predicatividade é o cerne da explicação. Esta característica, por seu turno, implica a infalibilidade e a não referencialidade do que é compreendido como não-predicativo.5 5 Santos, 2018, p. 202: “Apesar de nenhuma destas se aproximar do complexo teórico pelo qual, segundo Platão, Protágoras implicitamente assimila logos a qualquer ‘opinião’ proferida por alguém, pensamos ser possível encontrar traços comuns às três concepções de logos. Como apontamos atrás, todas elas são não-predicativas, infalibilistas [...] e não-referencialistas”. O intérprete explica o que entende por não-predicatividade após ter se debruçado sobre determinadas concepções de logos,6 6 Santos, 2018, p. 187: “Não deverá então espantar a insistência de Platão na denúncia crítica, repetida e sistemática, das utilizações do logos associadas à impossibilidade da contradição. Envolvido nela, Protágoras é mencionado por sustentar uma cadeia de teses alegadamente anatrépticas (170e-171a), segundo a qual, sendo verdadeiras todas as opiniões (Teeteto 170c-171c; ver 167a-b, d), são impossíveis a falsidade e a contradição (Crátilo 429d; Eutidemo 286b-c; Teeteto 167a). A acusação é reforçada no Sofista, pela abrangente referência à obra de Protágoras (ta Prôtagoreia: 232d9), dando lugar à denúncia da técnica argumentativa, subsequentemente atribuída pelo Hóspede de Eleia ao ‘imitador do sábio’ 268b-c; ver 233b-234c) [...] É contra ele, que o filósofo desenvolve a pesquisa anunciada no início da seção central do diálogo e apontada ao logos. O seu objetivo programático é tentar perceber: “como se pode falando dizer ou opinar que coisas falsas na realidade são, e, tendo-as pronunciado, não se enlear em contradição (236e-237a)”. que foram cuidadosamente apreendidas nos contextos distintos e específicos dos diálogos Eutidemo, Crátilo e Teeteto. 7 7 Santos, 2018, p. 188: “Vamos nos debruçar sobre três textos paradigmáticos - do Eutidemo, do Teeteto e do Crátilo -, com o objetivo de extrair deles dados que, a partir de uma concepção não-estruturada do discurso, permitam esboçar os contornos de uma teoria minimamente consistente”.

São “não-predicativas” por dois motivos: primeiro, por serem constituídas por unidades funcionalmente indiferenciadas, cujas partes - onoma e rhêma - não podem ser traduzidas por ‘nome’ e ‘verbo’; segundo, por remeterem para um contexto não-predicativo, em que logos não consiste na afirmação ou negação da relação entre um ‘sujeito’ e um ‘objeto’. São “infalibilistas” simplesmente por não admitirem a possibilidade de haver falsidade nos logoi, inviabilizando a manifestação da contradição. Finalmente, são “não-referencialistas” pelo fato de as suas deficiências estruturais não consentirem que o logos possa objetivamente se referir a algo definido no mundo exterior (Santos, 2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206., p. 202).

A leitura antepredicativa se apresenta como uma alternativa discursiva à instanciação de sujeito e objeto enquanto elementos inerentes à enunciação predicativa.8 8 Embora tenha utilizado tais termos (Silva, 2019) juntamente com vários estudiosos de Plotino que publicam em língua inglesa (cf. Menn, 2001; Emilsson, 1995; Crystal, 1998; Oosthout, 1991), é preciso diferenciar o sentido clássico ontológico para o qual o intérprete aponta (cf. Santos, 2013) daquele que é considerado com o sentido cognitivo (cf. VI.7 [38] 40, 5-6). Assim, há plena concordância quanto à consideração de que o domínio não-discursivo ou não-predicativo exclui a referência a sujeitos e objetos. Bem como possibilita pensar a importante relação entre verdade e falsidade de modo não contraditório, infalível e não referencial, pois a verdade seria o que se diz do enunciado e não das coisas predicadas. Assim, a verdade, entendida como um logos, e em razão de sua não submissão à estrutura predicativa, se detém apenas em si mesma se identificando com o que é, conforme desenvolve Santos a partir do Eutidemo:

[...] a verdade é um pressuposto de qualquer coisa dita; a qual, entendida como um logos, dispensa qualquer forma de compromisso seja com o pensamento do falante, seja com o conteúdo do que é dito. Por essa razão, este logos, além dele próprio, não precisa afirmar, nem negar nada [...], liminarmente se identificando com “o que é”. Nem poderia deixar de ser assim, na ausência da estrutura predicativa suportada pela relação de um sujeito nominal com um objeto, estabelecida por meio da cópula “é”, ou de um outro verbo (Santos, 2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206., 189-190).

Anunciado o teor formal dessa perspectiva de análise e o seu uso a partir de Platão, recomenda-se ainda exemplificar através de outros textos filosóficos como essa plataforma de leitura pode ser útil. Em Parmênides, essa maneira de apreender os conceitos é orientada por uma concepção distinta do entendimento tradicional sobre a filosofia do eleata, o qual parte do pressuposto de uma ontologia em sentido forte e excludente do que “não-é”.9 9 Vide Silva, 2014, p. 110: “Com efeito, segundo a interpretação tradicional, o pensamento de Parmênides é herdeiro, mas crítico da primeira cosmologia grega. O filósofo de Eléia teria concordado com a ideia de uma realidade única (a physis originária) proposta pelos naturalistas, mas rejeitado que a mudança e a multiplicidade fossem compatíveis com tal concepção de realidade, mediante um inusitado rigor lógico demonstrando que, na verdade, o Ser é eterno, imóvel e uno, e que toda mudança e multiplicidade não seriam reais”. A proposta dos dois caminhos “é” e “não é” (B2.3-5), contudo, não parece autorizar a atribuição de um sujeito a “é/não é”:

A ausência de sujeitos e objetos gramaticais em ambas as formulações permite ao intérprete não ler as formas verbais empregadas como cópulas. Admitindo esta possibilidade, uma vez que não há nada a ser conectado, ambas as expressões deveriam ser lidas como nomes, respectivamente: “é” (B2.3) e “não é” (B2.5). Essa leitura “não-predicativa” afeta a interpretação do argumento de Parmênides. Embora o argumento se refira à cognição, este pensamento/conhecimento não pode ser entendido como uma atividade exercida por um sujeito subentendido sobre um não expresso objeto. Intencionados como “caminhos para o conhecimento” (B2.2), “é/ não-é” não têm nenhum sujeito implícito, nem mesmo eles deveriam ser completados por nenhum predicado omitido (Santos, 2013SANTOS, J. T. (2013). For a non-predicative Reading of esti in Parmenides, the Sophists and Plato. Méthexis 24, p. 39-50., p. 40, tradução nossa).

Na continuação do argumento deve ser destacado que a leitura de “é/não é” como proposições predicativas ou existenciais do “é” e do “não-é” introduz dificuldades, haja vista as diferentes interpretações de B3: “o mesmo é pensar e ser”. Para tudo aquilo que é, via de regra, há o que não-é como seu contrário. Negar completamente o que “não-é”, como se ele fosse contraditório com o que “é”, é problemático, pois rejeitaria o fato de que é possível pensar o “não-é” como diferença (cf. Sph. 263b-d). Embora esse raciocínio não seja desenvolvido por Parmênides, levar o “não-é” para uma seara estritamente ontológico-existencial coloca a fórmula “o mesmo é pensar e ser” em dificuldades. A respeito da correlação entre a antepredicatividade e a supracitada fórmula “ser e pensar”:

B3 deverá então expressar a condição determinante do conhecimento, de, enquanto tal, fiel à matriz antepredicativa, conhecimento e conhecer serem o mesmo que o conhecido. Não haverá, pois, um processo cognitivo, uma descoberta de algo, nem se poderá conceber um conhecimento equivocado ou falso. Como B8.17-18 estabelece, a tese de B3 assenta sobre a dualidade da estrutura de oposição: conhecimento ou não conhecimento, conhecimento «que não é» (nunca conhecimento de «o que não é»), se, em B3, to auto sustenta que «pensar e ser» são um e o mesmo. Se «pensar» e «ser» são «o mesmo», «pensar é ser» e «ser é pensar», englobando pensamento e pensado na mesmidade de «pensar e ser» (B3) e «pensar e aquilo por causa de que há pensamento» (B8.34). A tese não distingue quem conhece do conhecimento da coisa conhecida, analisando a cognição na relação de um sujeito com um objecto. Pelo contrário, incide sobre a natureza da entidade designada pelo pensamento/conhecimento, que em si inclui conhecer e conhecido (Santos, 2015SANTOS, J. T. (2015). Parménides e a antepredicatividade. Filosofia 32, p. 9-33., p. 21).

A necessidade de articular essa premissa filosoficamente - que entrelaça “é/não-é” - foi o que ensejou a introdução do sumo gênero da diferença ou alteridade no Sofista de Platão.10 10 Cf. Sph. 241d-e. Entretanto, se Parmênides é lido antepredicativamente, é possível assimilar a contraposição de “é” e “não-é” como as duas únicas possibilidades de pensar, representantes de dois caminhos que podem, entretanto, ser nomeados sem que haja contradição.11 11 Vide obra apócrifa atribuída a Aristóteles sobre Melisso, Xenófanes e Górgias (MXG 979a25-26): “Se o não-ser é não ser (Εἰ μὲν γὰρ τό μὲ εἶναι ἐστι μὲν εἶναι), o que não é não seria (existiria) menos que o que é (οὐδέν ἄν ἧττον τό μὲ ὄν τοῦ ὄντος εἴη)”. Para consultar o texto no grego e uma tradução: Cassin, 2015, p. 196-197. O desdobramento dessa discussão a partir da antepredicatividade é complementado a seguir:

Se os dois caminhos fossem lidos predicativamente, como se expressassem as duas únicas relações possíveis entre o que conhece e o objeto conhecido, as formulações verbais utilizadas em B2 exigiriam uma leitura existencial. Qualquer conhecimento seria de "existentes". Por outro lado, uma vez que a possibilidade de conhecer "o que não é" é negada, a tese apresentada em B2.6-8 rejeitaria a possibilidade de conhecer "não-existentes": tanto entidades negativas quanto predicados negativos. Ao contrário, em um contexto não-predicativo, se não houver sujeito nem objeto das rotas, o argumento está apontando para o conhecimento em si. Seu principal objetivo é a denúncia da impossibilidade de conceber um "não-conhecimento" - um conhecimento que não conhece -, portanto um conhecimento que não poderá jamais ser o mesmo que o conhecido (como B3, B8.34 exigem), porque não há nada a ser conhecido) (Santos, 2013SANTOS, J. T. (2013). For a non-predicative Reading of esti in Parmenides, the Sophists and Plato. Méthexis 24, p. 39-50., p. 41-42, tradução nossa).

Do ponto de vista filosófico-semântico, a dimensão conceitual da antepredicatividade suprime a necessidade de se utilizar os recursos linguísticos expressos pela associação entre sujeito e objeto. Como assevera o excerto: “em um contexto não-predicativo, se não houver sujeito nem objeto dos caminhos, o argumento está apontando para o conhecimento em si” (Santos, 2013SANTOS, J. T. (2013). For a non-predicative Reading of esti in Parmenides, the Sophists and Plato. Méthexis 24, p. 39-50., p. 42). Pretendo discorrer, portanto, a respeito da possibilidade de ler a descrição do pensamento do Nous de Plotino a partir da antepredicatividade e assinalar, na esteira desse raciocínio, que essa dimensão reflexiva contribui para uma descrição mais rigorosa da maneira peculiar como o neoplatônico discerne o seu conceito.

A natureza singular do pensamento noético: diferenças entre Intelecto e Razão

Os excertos das Enéadas de Plotino propiciam ao leitor verificar a existência de dois tipos diferentes de pensamento, quais sejam: racional e intelectual. Enquanto o primeiro se caracteriza por ser discursivo e proposicional,12 12 Armstrong (1980, p. 250), ao se referir à alma, chega a atribuir a ela como sua principal característica o pensamento discursivo: “Its proper and most characteristic activity is discursive thinking, reasoning from premises to conclusions”. o segundo se define justamente por ser uma modalidade negativa desses caminhos. O pensamento racional está relacionado à principal atividade (ενέργεια) da psychē enquanto o intelectual se constitui como a ενέργεια do Nous. Para que essa distinção seja textualmente apreendida, torna-se oportuno dirigir a atenção para o parágrafo inaugural do “Sobre a Hipóstase Cognitiva” em que se colocará a questão do conhecimento de si como o fio condutor de análise:

Tem-se, então, que supor que algo simples pensa a si mesmo, e investigar tanto quanto possível, como faz isso, ou então abandonar a opinião de que algo realmente pense a si mesmo. Porém, abandonar essa opinião não é possível sem que muitos absurdos se sigam, pois mesmo que não atribuamos auto-intelecção à alma porque isto seria absurdo, ainda assim seria absolutamente absurdo não atribui-lo à natureza do Intelecto, e supor que ele tenha conhecimento de tudo o mais, mas não esteja num estado de conhecimento e compreensão de si mesmo? (V.3 [49] 1, 10-19).13 13 Todas as citações do V.3 [49] escritas em português no corpo do texto são de Gollnick, 2005.

A condição axiomática do autoconhecimento do Intelecto (nous) pode ser apreendida da consideração de Plotino de que “seria absolutamente absurdo não atribuí-lo à natureza do Intelecto”. O absurdo lógico a que Plotino apela em sua argumentação envolve a ruptura entre ser e pensamento. Na medida em que no plano inteligível tudo o que é pensável e conhecível é “o que é” e, inversamente, tudo o que é “pensável” é. Do referido amálgama que existe no Intelecto, mas que não existirá, por exemplo, na razão, pode-se dizer que está apoiado em uma extensa conceituação observada ao longo das Enéadas; a respeito dele, conquanto herde ideias de inúmeros filósofos da tradição, ressalta-se aqui o aproveitamento de Parmênides.14 14 Stamatellos (2007, p. 71) realiza uma profunda análise textual sobre a relação entre Parmênides e Plotino, explicando que há inúmeras referências diretas e indiretas - a maioria na quinta Enéada justamente pela investigação concernente à natureza do pensamento do Intelecto a que se dedicam esses tratados. O V.3 [49], ao lidar com primazia sobre esse tema, certamente retoma a fórmula que é citada por Plotino no V.1, conforme se lê: “Plotinus attributes to Parmenides the idea of ‘bringing together’, ‘thinking’, and ‘being’ (14-18) [...] Plotinus uses in this passage an exact reference to Parmenides’ fr. 3 at lines 17-18 ‘for the same is for thinking and for being’ (Τò γαρ αυτό νοείν εστίν τε και είναι)”.

A recepção do eleata15 15 Pode-se destacar a tradução de Stamatellos (2007, p. 71), no contexto da aplicação da fórmula que relaciona ser e pensar, da passagem em que Plotino cita Parmênides, na parte final dela se observa qual implicação assume a herança parmenediana na explicação de Plotino: “since thinking is not outside Being, but in itself”. nas Enéadas será importante para firmar o que Emilsson chama de doutrina16 16 Emilsson, 1995, p. 23-24: “[…] what is distinctive about Plotinus’ internality doctrine is his use of it to deal with epistemological and ontological issues, whereby he in fact attempts to unify epistemology and ontology”. ou de tese “da internalidade das ideias”,17 17 Emilsson, 2007, p. 107: “So the internality of the objects of thought is surely an aspect of Plotinus’ notion of self-thinking: it thinks itself because what it thinks of is internal to itself”. que basicamente expressa a união entre Intelecto e Inteligíveis, de modo que ser e pensar são noções recíprocas que jamais se exteriorizam no âmbito do Nous. Inclusive, pode-se associar o teor não-predicativo da leitura que Santos (2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206.) faz de Parmênides do uso plotiniano do pré-socrático no contexto de um pensamento que é plenamente conjugado ao ser. O que não seria possível predicativamente, tendo em vista a articulação não-discursiva do pensamento do Intelecto conforme se pretende explicar na próxima seção.

Ao propor o autoconhecimento como axiomático - o que irá se mostrar estar fundamentado na internalidade das Ideias - Plotino desde a introdução consente não ser viável atribuir tal característica a Alma, embora ainda suponha estar no horizonte desse conceito o autoconhecimento: “mesmo que não atribuamos auto-intelecção à alma” (V.3 [49] 1). Essa suspeita se confirmará exatamente pelo fato de que a faculdade de raciocinar - própria da Alma - terá sua reflexão voltada para o exterior, ao passo que a do Intelecto se concentra em si mesma.

O emprego do termo alemão Gegenstand, na medida em que é traduzido por “objeto”, é elucidativo do que capta a razão como seu conteúdo cognitivo. Esse vocábulo remete à ideia do que “está diante de” ou “defronte de”, ou seja, algo que se coloca diante do sujeito. Inclusive, Perl fez uma análise deste conceito no contexto do pensamento de Platão, o que pode, por analogia, ser observado em Plotino também.18 18 Perl, 2014, p. 139-140, grifo nosso: “The forms, as intelligible looks, are given to and are thus in intellect as its content, and indeed Plato occasionally refers to them not only as νοητά and γνωστά, intelligible and knowable, but as νοούμενα and γιγνωσκόμενα (e.g., Republic 580c1, e2). The common translation of these terms as ‘objects of thought’ and ‘objects of knowledge’ is misleading. The term object, like its German equivalent Gegenstand, implies something that stands over against and is thus extrinsic to thinking or knowing. The Greek participles, on the other hand, mean rather that which is thought and that which is known, or, still more briefly and precisely, the thought, the known, and thus imply rather the content of thinking and knowing.” A faculdade da razão é conceituada por Plotino justamente pela operação sobre o que é exterior a ela. O que vem da sensibilidade é combinado e dividido, de modo a ser assimilado pelo conhecimento racional. O fato de que essa faculdade trabalha com impressões ou imagens (ειδολα) externas - com o que está diante dela - e não com as coisas em si mesmas (τὸ ὄν, ουσία), demonstra que o autoconhecimento perseguido pelo neoplatônico não poderá ser articulado nesse nível cognitivo, conforme se depreende do excerto:

[...] a faculdade da razão na alma faz seu julgamento, derivado das imagens mentais apresentadas a ela, que vêm da sensibilidade, combinando-as e dividindo-as; e, quanto às coisas que vêm a ela do Intelecto, ela observa o que se pode chamar de impressões, e tem, com respeito a elas, a mesma capacidade; e ela continua adquirindo compreensão ao reconhecer novas e recém chegadas impressões, unindo-as àquelas que estavam havia muito nela: esse processo é o que deveríamos chamar as reminiscências da alma (V.3 [49] 2, 5-15).

O fulcro da necessidade de um autoconhecimento em nível hipostático está relacionado ao fato de que o conhecimento exterior - na medida em que é imagem e aparência - não expressa a verdade do ser. A utilidade dos sensíveis e daquilo que possui caráter imagético são reconhecidas abundantemente por Plotino (cf. II.9 [33]), mas, se não houver garantias ontoepistemológicas de que eles cumpram fielmente seus estatutos teóricos de serem reflexos de paradigmas intelectivos, toda a empresa cognoscitiva fica à margem de uma dúvida ad infinitum e ad aeternum sobre nossas competências cognitivas. Por isso, o conhecimento real, por assim dizer, é aquele que é de si mesmo ou interno a si mesmo. Portanto, o autoconhecimento ou autopensamento é o critério fundamental para a conjugação de ser e pensar.

[...] enquanto avançamos em nosso argumento e devemos considerar o que é “o si mesmo conhecer a si mesmo”. Se o concedermos também aqui, no intelecto da alma, devemos investigar qual é a diferença no autopensamento (entre o intelecto da alma e o intelecto superior), pois, se não houver nenhuma, essa parte da alma já será puro Intelecto. Então, essa parte racional da alma, ela também se volta sobre si mesma? Não, ela tem compreensão das impressões que recebe de ambos os lados (V.3 [49] 2, 15-25).

O estatuto especial que Plotino confere ao Intelecto tem a ver com ele ser a primeira instância metafísica após o Uno e possuir prioridade no que concerne ao plano ontoepistemológico. E esse primeiro conhecimento - aquele que assim se define por excelência - é exatamente o conhecimento de si mesmo. A fonte hipostática do Nous, semelhante a um Sol,19 19 À luz da interpretação de Plotino do passo 508e-509a da República, que pode ser espelhada também nessa passagem, infere-se que da analogia do Sol o neoplatônico retira o princípio de sua filosofia (Uno/Bem), que está para lá da essência (ἐπέκεινα τῆς οὐσίας, υπερούσια), mas que ao mesmo tempo constitui a essência (ουσία), na qual se assemelham ao Bem o saber e a verdade. Em termos plotinianos, a essência se refere ao Intelecto (νοῦς), e a capacidade de autoconhecimento é síntese entre saber e verdade que o Intelecto pressupõe de sua definição. Assim, pode-se destacar que a dissolução entre sujeito e objeto no pensamento do Nous se torna possível por que o Intelecto não apenas “é”, mas é “o que ele próprio é” instituindo uma autopredicação em distinção à relação convencional entre sujeito e predicado. É pelo Nous ser uma essência (ουσία) e simultaneamente ser sua essência uma atividade (ενέργεια) que a autointelecção se viabiliza como coroamento do pensamento. que torna possível a irradiação da luz de seu pensamento, garante a sua primazia no campo do “ser” e do “conhecer”, conforme se depreende:

Para usar uma analogia, podemos dizer que o ato [...] é, por assim dizer, um ato que se derrama como de um sol. Podemos dizer que toda a natureza inteligível é também uma luz [...] vê e conhece a si mesmo e é o primeiro conhecedor. Porém, o Uno, assim como está, além do Intelecto, está além do conhecimento, e, como de nenhum modo necessita de algo, também não necessita conhecer. O conhecer tem seu lugar na segunda natureza. Pois o conhecer é algo uno, mas aquele é uno sem ser algo; se fosse algo uno não seria o Uno em si, pois o “em si” é anterior ao “algo” (V.3 [49] 12, 38-45).

No capítulo seis se exaure a hipótese de qualquer vinculação do autoconhecimento à alma. Portanto, a conclusão de Plotino é que há dois tipos de pensamento: 1) o do Intelecto (νοῦς), que é aquele que responde aos pré-requisitos para a definição das condições que estruturam o edifício ontoepistemológico; 2) o da razão (διάνοια), que é um pensamento de segunda ordem, dependente do autopensamento intelectual para a sua emergência lógica:

Pensar (noeîn) é diferente quando está na alma, mas é mais propriamente pensar no Intelecto (noûs). Pois a alma pensa a si mesma como derivada de outro, mas o Intelecto pensa a si mesmo como aquilo que é e tal qual é, a partir de sua própria natureza, ao voltar-se sobre si mesmo. Pois ao ver os entes, vê a si mesmo, e ao ver está em ato, e este ato é ele mesmo. Pois, Intelecto e intelecção são apenas um e ele se pensa como um todo com o todo de si, não pensa uma parte de si com outra (V.3 [49] 6, 1-10).

Paralelo entre não-discursividade e antepredicatividade

Após ter sido textualmente fundamentada a diferença entre pensamentos racional e intelectual, bem como estabelecido que o autoconhecimento é a baliza do procedimento que leva a percepção dessa articulação teórica, resta ainda uma dúvida central: qual a natureza desse pensamento que se pensa a si mesmo? De igual modo, como devem ser entendidos os recursos da discursividade e não-discursividade? Ontologicamente o pensamento do Nous não pode ser expressão de um sujeito que pensa um objeto, mas cognitivamente é necessário a mesmidade de aquele que pensa com e o que é pensado. No que concerne à investigação da natureza complexa desse pensamento é que a antepredicatividade será relevante, pois servirá de instrumento de análise para compreender como o pensamento do Intelecto se estabelece não-discursivamente.

A importância desse instrumento de análise para avaliar o pensamento noético de Plotino se dá em consonância com o caráter de prioridade e de sustentabilidade dele (νοῦς) em relação à razão (διάνοια). O que se alinha ao modo como a antepredicatividade é concebida por Santos (2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206., p. 183-184), que a percebeu como antecedente à predicatividade, isto é, o intérprete notou que, nos diálogos, Platão expõe a teoria do logos predicativo como crítica à sofística. Em Plotino, a anterioridade lógica do pensamento intelectual sobre o racional pode ser explicada como não proposicional ou não-discursiva. O neoplatônico, em uma passagem bastante sintética,20 20 Pode parecer textualmente pequena a passagem que serve de suporte para a referida distinção no contexto do tratado V.3 [49], mas a maneira condensada com que Plotino postula sua filosofia é um traço comum em sua obra como se reflete em Ninci, 2016, p. 158: “Plotinus’ thought is marked by an unusual capacity for concentration: Plotinus is capable of encapsulating even in the shortest of texts all the coordinates necessary to express the foundational ideas in his philosophy - in other words, his thought as a whole”. já na parte final do tratado Sobre a Hipóstase cognitiva, define as linhas de conceituação da discursividade e não-discursividade. Após acompanhar essa passagem, será perceptível a compatibilidade entre os instrumentos de análise da não-discursividade e da antepredicatividade:

[...] o pensamento discursivo, a fim de expressar algo, tem de considerar uma coisa e outra. É assim que faz seu percurso. Mas, no que é absolutamente simples, que percurso é possível? Não, é suficiente apenas um toque do Intelecto, mas quando ele o toca, enquanto dura o contato, é absolutamente impossível falar e nem há tempo para tal. É somente depois que se consegue raciocinar (V.3 [49] 17, 25-30).

Ao interpor pensamento discursivo como processual e o não-discursivo como imediato, Plotino está conferindo ao Intelecto o autoconhecimento pleno - aquele no qual ser e pensar são o mesmo. Nada há a ser conhecido que já não seja internamente conhecido pelo Intelecto. Logo, ele não necessita de etapas e nem admite aquisição de conhecimento, por isso mesmo não se constitui pela mediação entre sujeito e objeto. A i-mediação é a essência do pensamento não-discursivo. Levando em consideração essas particularidades do estatuto teórico do pensamento do Nous plotiniano, cujo aproveitamento de Parmênides (B3) conduz o contexto argumentativo para uma articulação de mesmidade entre ser e pensar,21 21 Fronterotta (2007, p. 10-11), em sua brilhante análise da relação textual entre Plotino e Parmênides (τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίν τε καὶ εἴναι, fr.3), aponta a singular interpretação de Plotino, que é, portanto, distinta da que Platão e Aristóteles pressupuseram, a qual, por sua vez, implica também em uma opção por traduzir o texto grego de modo a tornar coerente a assimilação da relação parmenídica entre ser e pensar como de caráter identitativo, o que ele distingue de uma acepção por correspondência: “if we defended the traditional (Plotinian) translation, as do Leszl and Kahn, we would beforced to concede the thesis that thinking (or knowing) is identical with being. This was held by Plotinus, but not, in my view, by Parmenides (nor by Plato nor by Aristotle). To me it seems necessary to distinguish between the identity of thinking and being and the correspondence between thinking and being. The latter was the thesis of Parmenides (and also of Plato and Aristotle), the former the thesis of Plotinus only”. entende-se que a predicatividade não é a maneira adequada de expressar esse entendimento, pois atribui ao sujeito à referência a algo que dele é distinto, enquanto na fórmula citada se está a tratar de uma identificação entre ser e conhecer.

Como fora estabelecido, dentre as características atribuídas à modalidade não-predicativa se inserem respectivamente: a) infalibilidade; b) não referencialidade (cf. Santos, 2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206., p. 202). Não é sem nexo que Plotino chegue a essa mesma asserção ao qualificar o pensamento do Intelecto como infalível. Como fora exposta (cf. Santos, 2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206., p. 189-190), a verdade, sendo um logos que se detém sobre si mesmo e não sobre as coisas, não está suscetível à falsidade, identificando-se com o que é. O que é muito bem aproveitado por Plotino para estabelecer o autoconhecimento infalível. Na medida em que o pensamento do Nous contempla a totalidade do que é, ele se identifica consigo, eliminando a falibilidade. Essa descrição se ampara não apenas em V.3 [49], mas também no V.5 [32], tratado que segue a mesma linha argumentativa sobre o Nous, cujo título elucida sua tese central “Que os inteligíveis não estão fora do Intelecto”. Em outras palavras, o conhecimento de si está ancorado na necessidade de que seja postulada a infalibilidade como profilaxia contra a dúvida radical, tal como anota o tradutor da obra:

Plotino, como Sexto Empírico, acredita que a infalibilidade é uma propriedade do conhecimento. Mais precisamente, ele acredita que é uma propriedade da mais elevada forma de cognição, a noēsis do intelecto. Uma vez que ele tenha estabelecido que o conhecimento é infalível, que é possível e que realmente existe, Plotino prosseguirá argumentando em outros tratados que, para várias formas de cognição de natureza corpórea, a existência de conhecimento infalível permanece como um baluarte contra a afirmação cética arrebatadora de que, sem tal conhecimento, a suspensão total da crença é o único curso racional de ação. No presente tratado, admitir que os inteligíveis sejam externos ao Intelecto implica que nada lhe é autoevidente e que, portanto, ele não tem conhecimento. Se o Intelecto é desprovido de conhecimento, então não apenas o conhecimento é impossível para os seres humanos, como a razão e a filosofia em si mesmas são tornadas impotentes (Gerson, 2013GERSON, L. (2013). Ennead V.5: That the Intelligibles are not External to the Intellect, and on the Good. Translation, Introduction and Commentary. Chicago, Parmenides Publishing., p. 66-67, tradução e grifo nosso).

A infalibilidade que o comentador citado associa a uma propriedade do conhecimento no cenário do tratado V.5 pode ser depreendida também no V.3: “Intelecto e intelecção são apenas um e ele se pensa como um todo com o todo de si, não pensa uma parte de si com outra” (V.3 [49] 6, 9-10). Conhecer o conhecimento - o conhecimento do todo de maneira imediata - é a chave para entender a infalibilidade, pois o Intelecto não pode errar sobre nada que diga respeito ao ser e ao pensar. Nesse sentido, em Plotino, a internalidade das Ideias e a infalibilidade se confundem, o que termina por corroborar a viabilidade de se explicar o pensamento noético através de uma leitura antepredicativa.

A discursividade impõe a introdução da proposicionalidade, o que, por seu turno, implica a dependência de um conhecimento que transicione de um estado ausente de conhecimento para outro após a aquisição de conhecimento. A estrutura proposicional é marca de um predicado ligado por uma cópula que visa atribuir qualidades ao sujeito. A razão tem a fonte de seu conhecimento no exterior, por isso nesse âmbito cognitivo há o processo de deslocamento do sujeito ao objeto. Inclusive, o raciocínio que estamos habituados a fazer se apoia na discursividade, vide conceituação proposta:

Sobre a caracterização dos dois tipos de pensamento, aquele que mais se aproxima do que consideramos pensamento [leia-se, o sentido comum que atribuímos à palavra] é uma atividade ou parte da alma (dianoia ou logismos), que envolve pensamento proposicional e discursivo. A discursividade é tanto temporal quanto lógica. Nós seguimos ideias logicamente das premissas à conclusão. Seguimos uma narrativa do começo ao fim (Reuter, 1994REUTER, M. (1994). Plotinus on the role of Nous in Self-Knowledge. Thesis submitted for the degree of Doctor of Philosophy. Toronto, University of Toronto., p. 31, tradução nossa).

A natureza do Intelecto pressupõe que fora dele não haja ser nem cognição, o que é o cerne da necessidade da infalibilidade, como fora explanado. A não-discursividade abre espaço para a hipótese de uma diferenciação epistêmica que saía da ordem processual para a ordem intuitiva ou imediata. Ou seja, possibilita pensar a respeito de uma atividade cujo caráter seja puramente intelectual. A não-proposicionalidade é o que garante ao Nous o exercício de sua atividade contemplativa em oposição à atividade processual da razão. Esse é o entendimento do intérprete que se dedicou à análise do autoconhecimento do Intelecto:

Mas, o que é então a atividade do Nous? É a ideia de um pensamento eterno coerente com a noção de Intelecto? A vida de um pensamento não discursivo é tida como um conceito que beira a contradição. Vamos começar pelo enigma levantado por Llyod. Ele inicia distinguindo dois tipos de pensamento não-discursivo. Um ele chama de pensamento imediato, como oposto à inferência e à demonstração - os problemas em torno dessa noção são os problemas do conhecimento intuitivo. Por exemplo, o cogito cartesiano ou o reconhecimento das premissas de um silogismo. O outro, que é mais radical, é o não-proposicional. Está associado à intuição e à contemplação. (Reuter, 1994REUTER, M. (1994). Plotinus on the role of Nous in Self-Knowledge. Thesis submitted for the degree of Doctor of Philosophy. Toronto, University of Toronto., p. 31-32, tradução nossa).

Entretanto, essa compreensão, partícipe que é do elenco das grandes questões filosóficas, não poderia - em virtude dessa filiação - estar isenta de divergências. Um exemplo célebre de dissenso sobre a natureza não-proposicional do pensamento intelectual, o qual está sendo abordado aqui como não-predicativo, é o de Sorabji (1982). Ele contestou a ideia então defendida de que o pensamento não-discursivo, associado ao Nous plotiniano, seja de caráter não-proposicional. Conforme se percebe a partir de sua exposição:

É comumente aceito que o pensamento não-discursivo não envolve proposições. Ou seja, ele não envolve o pensamento de "que" algo é o caso. Em vez disso, os conceitos são contemplados isoladamente uns dos outros e não vinculados juntos como são quando encadeados em cláusulas de "que'. É suposto até que Platão e Aristóteles anteciparam Plotino ao postularem esse pensamento não-proposicional. Tenho três objetivos neste capítulo, o principal é negar que pensamento não-proposicional possa ser encontrado em qualquer um desses três pensadores (Sorabji, 1982SORABJI, R. (1992). Myths about Non-Propositional Thought. In: SCHOFIELD, M.; NUSSBAUM, M. (eds.). Language and Logos: Studies in Ancient Greek Philosophy. Cambridge, Cambridge University Press, p. 295-314., p. 295, tradução nossa).

O intérprete admite que na filosofia de Plotino haja uma dimensão teórica na qual não é possível fazer uso da estrutura proposicional que associa um predicado a um sujeito por meio de uma cópula. No entanto, ele limita a não-proposicionalidade à experiência mística, de modo que a estrutura proposicional não seria dispensável ao pensamento, seja ele racional ou intelectual.22 22 O que também não é livre de controvérsias, pois há bons argumentos para defender que há tanto uma mística do Uno quanto do Intelecto, vide Brandão, 2007, p. 151: “[...] no pensamento plotiniano, o ápice da vida filosófica é a contemplação mística: não pensamento irracional, mas uma forma supra-racional de consciência que é alcançada pela prática ascética e pelo procedimento dialético. [...] não existe apenas um, mas dois tipos de contemplação mística supra-racional: a experiência da alma humana unida ao Intelecto divino e a experiência da alma humana unida ao Um, o princípio supremo da realidade de acordo com a filosofia plotiniana”. Leia-se a distinção apresentada por ele:

Ele [Plotino] certamente acreditava que existe um estado em que temos contato com algo muito mais simples do que qualquer proposição. Mas devo afirmar que ele considera esta experiência mística como acima do nível do pensamento, enquanto que o pensamento na sua forma mais elevada ele o trata como proposicional (Sorabji, 1982SORABJI, R. (1992). Myths about Non-Propositional Thought. In: SCHOFIELD, M.; NUSSBAUM, M. (eds.). Language and Logos: Studies in Ancient Greek Philosophy. Cambridge, Cambridge University Press, p. 295-314., p. 295, tradução nossa).

O cerne da análise de Sorabji está em enfatizar uma distinção que haveria na obra de Aristóteles concernente ao estatuto das definições. Sem entrar no mérito de julgar a precisão dessa interpretação no contexto aristotélico, entendo, com Alfino (1988ALFINO, M. (1988). Plotinus and the Possibility of Non-Propositional Thought. Ancient Philosophy 8, p. 273-284.), que essa premissa não é transmitida a Plotino de maneira acrítica, se é que ela pode ser considerada verdadeira em Aristóteles, uma vez que para o neoplatônico a atividade intelectual do Nous não pode se limitar a qualquer acepção de “definições”, antes, ela compreende a simultaneidade do pensar e do ser em si mesmos, o que está para além da capacidade expressiva proposicional. A busca por definir “aquilo que é” é uma tarefa da razão, que é logicamente posterior à “essência”, conforme se pode ler nas linhas de Plotino: “É somente depois que se consegue raciocinar (V.3 [49] 17, 30).” Há outros aspectos que podem ser levados em consideração no tocante à apreciação da crítica feita por Sorabji:

Para sustentar seu argumento, Sorabji recorre ao De Anima, Livro III, seção 6, no qual Aristóteles escreve: “Asserção é o dizer algo a respeito de algo [...] nem sempre isso é o caso com o pensamento: o pensamento da definição, no sentido de explicitar o ser do que é, nunca está em erro nem é uma asserção de algo a respeito de algo (430b26-29)”. A afirmação de Sorabji é que a contemplação de essências é simplesmente uma questão de pensar definições. Se ele estiver certo, então o pensamento não-discursivo é proposicional, uma vez que as definições envolvem um sujeito, uma cópula e um predicado. Mas a contemplação das essências não envolve nenhuma asserção - de acordo com Aristóteles - e as definições parecem ser asserções. Sorabji interpreta definições como não-asserções argumentando que são declarações de identidade e, portanto, não dizem "algo de algo", mas a mesma coisa duas vezes. Este é um argumento inteligente e faz sentido para a passagem do De Anima, porém entendo que a passagem pode ser compreendida sem a conclusão de Sorabji e, o mais importante, não acho que possamos dar razoabilidade à noção de definição de Sorabji. Uma consideração completa dos argumentos de Sorabji nos afastaria de Plotino (Alfino, 1988ALFINO, M. (1988). Plotinus and the Possibility of Non-Propositional Thought. Ancient Philosophy 8, p. 273-284., p. 274, tradução nossa).

O estudo clássico de Lloyd (1970LLOYD, A. C. (1970). Non-Discursive Thought: An Enigma of Greek Philosophy. Proceedings of the Aristotelian Society 70 (new series), p. 261-274.) sobre o tema da não-discursividade, mencionado por Reuter, expressa a mesma orientação quanto à natureza não mediada do supracitado pensamento não-discursivo. De maneira sintética, Lloyd enumera os aspectos seminais do enigmático pensamento não-discursivo cujo fundamento precípuo é a autossuficiência, isto é, a não necessidade de referenciar o pensamento a nenhum objeto exterior com vistas a legitimar o conhecimento:

1) Esse tipo de pensamento não envolve nenhuma transição de um conceito para outro 2) Esse tipo de pensamento não envolve nenhuma distinção entre o lado de quem pensa e o lado do que é pensado 3) Esse tipo de pensamento envolve pensar tudo de uma vez (Lloyd, 1970LLOYD, A. C. (1970). Non-Discursive Thought: An Enigma of Greek Philosophy. Proceedings of the Aristotelian Society 70 (new series), p. 261-274., p. 263;267, tradução nossa).

Por não envolver a transição entre sujeito e objeto, deduz-se a não referencialidade como resultado da concepção intuitiva e imediata do autoconhecimento do Nous, o que está associado aos critérios definidos pela compreensão antepredicativa (Cf. Santos, 2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206., p. 202). Rappe adota posicionamento similar ao atestar a radicalidade do pensamento não-discursivo como não referenciado a nada, senão para a pura reflexão intelectual:

O pensamento não discursivo não envolve pensar a respeito de nada, seja por meio de proposições ou por meio de teoremas, e assim por diante. Em vez disso, o pensamento não discursivo envolve, talvez paradoxalmente, um tipo de conhecimento sem objeto, uma atividade auto-dirigida, mas que se abstém de quaisquer definições ou objetivações de si. Essa forma de atividade autodirigida envolve [...] voltar à atenção para o puro ato de consciência enquanto tal. (Rappe, 2008RAPPE, S. (2008). Reading Neoplatonism: Non-Discursive Thinking in the Texts of Plotinus, Proclus, and Damascius. Cambridge, Cambridge University Press., p. 20-21, tradução nossa)

Para consolidar a íntima conexão entre essas abordagens e aquela expressa pela antepredicatividade é opotuno o destaque de uma afirmação que fora explicitada no contexto da defesa da leitura antepredicativa: “Não haverá, pois, um processo cognitivo, uma descoberta de algo, nem se poderá conceber um conhecimento equivocado ou falso” (Santos, 2015SANTOS, J. T. (2015). Parménides e a antepredicatividade. Filosofia 32, p. 9-33., p. 21). Destarte, infere-se que a antepredicatividade está em harmonia com a caracterização do pensamento intelectual como não-discursivo e infalível. Enquanto a razão opera sobre a discursividade e a falibilidade.23 23 Crystal, 1998, p. 268: “[…] he [Plotinus] limits fallibility to the discursive intellect.”

A leitura antepredicativa como recurso para a interpretação do Nous de Plotino

A antepredicatividade, aplicada ao pensamento noético de Plotino, funciona como um recurso interpretativo de articulação entre pensar e ser pensado - isto é, entre os operadores teóricos do autoconhecimento - sem que essas noções impliquem a transição de um estado carente de conhecimento para outro no qual se decorreria a sua aquisição. Assim, estabelece-se o pensamento do Intelecto como não referencialista e infalível, a servir de sustentáculo para o pensamento racional. Nesse sentido, ela enriquece a distinção entre Intelecto e razão por exercer, consecutivamente a essa asserção, papel didático.

A não-proposicionalidade ou não-discursividade indica que o pensamento noético possui natureza distinta daquela do pensamento racional, porém, com isso - do ponto de vista terminológico -, ainda oculta a questão sobre de que maneira é possível falar em pensamento se ele não é suscetível à correlação entre sujeito e objeto característicos da enunciação predicativa. A antepredicatividade, por outro lado, traz em si mesma o horizonte compreensivo de acordo com o qual o pensamento do Intelecto é antecedente e condição de possibilidade para a introdução da predicação e do próprio pensamento racional. A anterioridade do Nous funciona como a instituição do domínio do estabelecimento de regras lógicas que servem como parâmetro para a referenciação dos objetos por parte da razão. Essa interpretação apriorística do Intelecto sobre a razão pode ser apreendida do texto das Enéadas de Plotino:

Porém, não sabe, realmente, a parte que raciocina discursivamente que ela é a parte racional, e que obtém conhecimento das coisas externas a ela, e que julga o que julga, e que o faz por regras suas que ela tem do Intelecto [...] (V.3 [49] 4, 15-18).

Nesse sentido, o conceito da antepredicatividade acrescenta clareza sobre como se deve interpretar o autopensamento em Plotino. O estatuto teórico do Nous é mais adequadamente percebido como o que dirime mal entendidos em relação à confusão entre o nosso raciocínio comum (διάνοια) - que é limitado e carente de conhecimento - e um tipo especial de conhecimento que é pleno e garantidor do discurso ontoepistemológico (νόησῐς). Por conseguinte a esses pressupostos, é válido destacar que a aplicação da antepredicatividade a Plotino se diferencia daquela que é feita a Parmênides, pois no contexto do eleata se estabelece uma leitura não estritamente ontológica do excerto de seu poema, enquanto em Plotino a antepredicatividade do Intelecto serve justamente a afirmação do constructo ontoepistemológico em que “ser” e “pensar” são articulados de modo não predicativo.

Não há descoberta ou aquisição de conhecimento por parte de um suposto sujeito ao refletir sobre determinados objetos cognitivos no âmbito do Nous, conforme se entende da exposição plotiniana (cf. V.3 [49] 17, 25-30). Assim, a antepredicatividade explicita o autopensamento como aquele contexto teórico responsável por disciplinar um conhecimento infalível e anterior a todo conhecimento suscetível de se mostrar falso, pois o primeiro se situa na capacidade de pensar (a atividade ou essência do Nous) e o outro se desenvolve a partir da sua capacidade de exercitar o pensamento (a operação racional). Por isso, diz-se que do arquétipo inteligível provêm as normas lógicas para a operação racional (cf. V.3 [49] 4, 15-18). Destarte, a antepredicatividade auxilia a determinação de uma etapa preparatória e fundante do pensamento - expressa pelo Intelecto - que serve de apoio ao raciocínio humano.

Considerações Finais

A delimitação da diferença conceitual entre pensamentos racional e intelectual nas passagens pertinentes das Enéadas de Plotino se mostrou estar apoiada no axioma do autoconhecimento, o qual possui natureza intrigante, a saber: exige a compreensão de um pensamento que se pensa a si mesmo. O pilar filosófico que se buscou assentar através do autopensamento é o da infalibilidade - mecanismo pelo qual se garante a edificação de um projeto ontoepistemológico. Entretanto, permaneceria sendo difícil entender o estatuto teórico dessa espécie de pensamento, o que motivou a investigação sobre o caráter não-proposicional e não-discursivo inserido na descrição argumentativa de Plotino. Ao fim e ao cabo, a introdução do conceito de antepredicatividade se revelou útil para explicar a dimensão transcendental pela qual se postula o pensamento noético como condição de possibilidade para o pensamento racional. Estabelecidos os nexos argumentativos pelos quais se tentou sustentar ser possível ler Plotino pela via da antepredicatividade, espera-se que o modesto empreendimento aqui desenvolvido tenha sido exitoso.24 24 Este trabalho foi realizado com apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).

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  • 1
    Modos distintos de referir o mesmo conceito, conforme são intercambiados por Lloyd (1970LLOYD, A. C. (1970). Non-Discursive Thought: An Enigma of Greek Philosophy. Proceedings of the Aristotelian Society 70 (new series), p. 261-274.) e Reuter (1994REUTER, M. (1994). Plotinus on the role of Nous in Self-Knowledge. Thesis submitted for the degree of Doctor of Philosophy. Toronto, University of Toronto.).
  • 2
    Os termos “antepredicatividade” e “não-predicatividade” são intercambiáveis na presente exposição.
  • 3
    Abbagnano, 2007ABBAGNANO, N. (2007). Dicionário de Filosofia. Trad. Ivone Castilho. São Paulo, Martins Fontes., p. 787: “concepção predicativa da proposição - segundo a qual a proposição consiste na atribuição de um P a um sujeito”.
  • 4
    Fronterotta, 2007FRONTEROTTA, F. (2007). Some Remarks on Noein in Parmenides. In: STERN-GILLET, S.; CORRIGAN, K. (eds.). Reading Ancient Texts. Vol. 1: Presocratics and Plato. Essays in Honour of Denis O’Brien. Boston, Brill, p. 3-19., p. 4: “Plotinus cites or makes reference to this line in many passages of the Enneads. The two principal ones are Enneads V,1,8,16-17 and V,9,5,29-30”.
  • 5
    Santos, 2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206., p. 202: “Apesar de nenhuma destas se aproximar do complexo teórico pelo qual, segundo Platão, Protágoras implicitamente assimila logos a qualquer ‘opinião’ proferida por alguém, pensamos ser possível encontrar traços comuns às três concepções de logos. Como apontamos atrás, todas elas são não-predicativas, infalibilistas [...] e não-referencialistas”.
  • 6
    Santos, 2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206., p. 187: “Não deverá então espantar a insistência de Platão na denúncia crítica, repetida e sistemática, das utilizações do logos associadas à impossibilidade da contradição. Envolvido nela, Protágoras é mencionado por sustentar uma cadeia de teses alegadamente anatrépticas (170e-171a), segundo a qual, sendo verdadeiras todas as opiniões (Teeteto 170c-171c; ver 167a-b, d), são impossíveis a falsidade e a contradição (Crátilo 429d; Eutidemo 286b-c; Teeteto 167a). A acusação é reforçada no Sofista, pela abrangente referência à obra de Protágoras (ta Prôtagoreia: 232d9), dando lugar à denúncia da técnica argumentativa, subsequentemente atribuída pelo Hóspede de Eleia ao ‘imitador do sábio’ 268b-c; ver 233b-234c) [...] É contra ele, que o filósofo desenvolve a pesquisa anunciada no início da seção central do diálogo e apontada ao logos. O seu objetivo programático é tentar perceber: “como se pode falando dizer ou opinar que coisas falsas na realidade são, e, tendo-as pronunciado, não se enlear em contradição (236e-237a)”.
  • 7
    Santos, 2018SANTOS, J. T. (2018). Metamorphoses of logos: from non-predicative to predicative. Archai 24, p. 179-206., p. 188: “Vamos nos debruçar sobre três textos paradigmáticos - do Eutidemo, do Teeteto e do Crátilo -, com o objetivo de extrair deles dados que, a partir de uma concepção não-estruturada do discurso, permitam esboçar os contornos de uma teoria minimamente consistente”.
  • 8
    Embora tenha utilizado tais termos (Silva, 2019SILVA, R. (2019). Por uma distinção entre pensamentos racional e intelectual no tratado V.3 [49] das Enéadas de Plotino. Guairacá 35, p. 75-86.) juntamente com vários estudiosos de Plotino que publicam em língua inglesa (cf. Menn, 2001MENN, S. (2001). Plotinus on the Identity of Knowledge with its Object. Apeiron 34, n. 3, p. 233-246.; Emilsson, 1995EMILSSON, E. K. (1995). Plotinus on the Objects of Thought. Archiv für Geschichte der Philosophie 77, p. 21-41.; Crystal, 1998CRYSTAL, I. (1998). Plotinus and the Structure of Self-Intellection. Phronesis 43, p. 264-286.; Oosthout, 1991OOSTHOUT, H. (1991). Modes of Knowledge and the Transcendental. An Introduction to Plotinus Ennead 5.3 with a Commentary and Translation. Amsterdan, B. R. Gruner.), é preciso diferenciar o sentido clássico ontológico para o qual o intérprete aponta (cf. Santos, 2013SANTOS, J. T. (2013). For a non-predicative Reading of esti in Parmenides, the Sophists and Plato. Méthexis 24, p. 39-50.) daquele que é considerado com o sentido cognitivo (cf. VI.7 [38] 40, 5-6). Assim, há plena concordância quanto à consideração de que o domínio não-discursivo ou não-predicativo exclui a referência a sujeitos e objetos.
  • 9
    Vide Silva, 2014SILVA, J. L. (2014). Sobre alguns problemas de interpretação difícil no Poema de Parmênides. Hypnos 32, p. 108-129., p. 110: “Com efeito, segundo a interpretação tradicional, o pensamento de Parmênides é herdeiro, mas crítico da primeira cosmologia grega. O filósofo de Eléia teria concordado com a ideia de uma realidade única (a physis originária) proposta pelos naturalistas, mas rejeitado que a mudança e a multiplicidade fossem compatíveis com tal concepção de realidade, mediante um inusitado rigor lógico demonstrando que, na verdade, o Ser é eterno, imóvel e uno, e que toda mudança e multiplicidade não seriam reais”.
  • 10
    Cf. Sph. 241d-e.
  • 11
    Vide obra apócrifa atribuída a Aristóteles sobre Melisso, Xenófanes e Górgias (MXG 979a25-26): “Se o não-ser é não ser (Εἰ μὲν γὰρ τό μὲ εἶναι ἐστι μὲν εἶναι), o que não é não seria (existiria) menos que o que é (οὐδέν ἄν ἧττον τό μὲ ὄν τοῦ ὄντος εἴη)”. Para consultar o texto no grego e uma tradução: Cassin, 2015CASSIN, B. (2015). Se Parmênides. O tratado anônimo de Melisso Xenophane Gorgia. Trad. Cláudio Oliveira. Belo Horizonte, Autêntica., p. 196-197.
  • 12
    Armstrong (1980ARMSTRONG, A. H. (1980). From Intellect to matter: The return to the One. In: The Cambridge History of Later Greek and Early Medieval Philosophy. Cambridge, Cambridge University Press, p 250-259., p. 250), ao se referir à alma, chega a atribuir a ela como sua principal característica o pensamento discursivo: “Its proper and most characteristic activity is discursive thinking, reasoning from premises to conclusions”.
  • 13
    Todas as citações do V.3 [49] escritas em português no corpo do texto são de Gollnick, 2005GOLLNICK, S. (2005). Ontologia e conhecimento no V.3 (49) de Plotino. Dissertação de Mestrado em Filosofia. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina..
  • 14
    Stamatellos (2007STAMATELLOS, G. (2007). Plotinus and the presocratics: a philosophical study influences in Plotinus Enneads. Albany, State University of New York., p. 71) realiza uma profunda análise textual sobre a relação entre Parmênides e Plotino, explicando que há inúmeras referências diretas e indiretas - a maioria na quinta Enéada justamente pela investigação concernente à natureza do pensamento do Intelecto a que se dedicam esses tratados. O V.3 [49], ao lidar com primazia sobre esse tema, certamente retoma a fórmula que é citada por Plotino no V.1, conforme se lê: “Plotinus attributes to Parmenides the idea of ‘bringing together’, ‘thinking’, and ‘being’ (14-18) [...] Plotinus uses in this passage an exact reference to Parmenides’ fr. 3 at lines 17-18 ‘for the same is for thinking and for being’ (Τò γαρ αυτό νοείν εστίν τε και είναι)”.
  • 15
    Pode-se destacar a tradução de Stamatellos (2007STAMATELLOS, G. (2007). Plotinus and the presocratics: a philosophical study influences in Plotinus Enneads. Albany, State University of New York., p. 71), no contexto da aplicação da fórmula que relaciona ser e pensar, da passagem em que Plotino cita Parmênides, na parte final dela se observa qual implicação assume a herança parmenediana na explicação de Plotino: “since thinking is not outside Being, but in itself”.
  • 16
    Emilsson, 1995EMILSSON, E. K. (1995). Plotinus on the Objects of Thought. Archiv für Geschichte der Philosophie 77, p. 21-41., p. 23-24: “[…] what is distinctive about Plotinus’ internality doctrine is his use of it to deal with epistemological and ontological issues, whereby he in fact attempts to unify epistemology and ontology”.
  • 17
    Emilsson, 2007EMILSSON, E. K. (2007). Plotinus on Intellect. Oxford, Oxford University Press., p. 107: “So the internality of the objects of thought is surely an aspect of Plotinus’ notion of self-thinking: it thinks itself because what it thinks of is internal to itself”.
  • 18
    Perl, 2014PERL, E. (2014). The Motion of Intellect On the Neoplatonic Reading of Sophist 248e-249d. International Journal of the Platonic Tradition 8, p. 135-160., p. 139-140, grifo nosso: “The forms, as intelligible looks, are given to and are thus in intellect as its content, and indeed Plato occasionally refers to them not only as νοητά and γνωστά, intelligible and knowable, but as νοούμενα and γιγνωσκόμενα (e.g., Republic 580c1, e2). The common translation of these terms as ‘objects of thought’ and ‘objects of knowledge’ is misleading. The term object, like its German equivalent Gegenstand, implies something that stands over against and is thus extrinsic to thinking or knowing. The Greek participles, on the other hand, mean rather that which is thought and that which is known, or, still more briefly and precisely, the thought, the known, and thus imply rather the content of thinking and knowing.”
  • 19
    À luz da interpretação de Plotino do passo 508e-509a da República, que pode ser espelhada também nessa passagem, infere-se que da analogia do Sol o neoplatônico retira o princípio de sua filosofia (Uno/Bem), que está para lá da essência (ἐπέκεινα τῆς οὐσίας, υπερούσια), mas que ao mesmo tempo constitui a essência (ουσία), na qual se assemelham ao Bem o saber e a verdade. Em termos plotinianos, a essência se refere ao Intelecto (νοῦς), e a capacidade de autoconhecimento é síntese entre saber e verdade que o Intelecto pressupõe de sua definição. Assim, pode-se destacar que a dissolução entre sujeito e objeto no pensamento do Nous se torna possível por que o Intelecto não apenas “é”, mas é “o que ele próprio é” instituindo uma autopredicação em distinção à relação convencional entre sujeito e predicado. É pelo Nous ser uma essência (ουσία) e simultaneamente ser sua essência uma atividade (ενέργεια) que a autointelecção se viabiliza como coroamento do pensamento.
  • 20
    Pode parecer textualmente pequena a passagem que serve de suporte para a referida distinção no contexto do tratado V.3 [49], mas a maneira condensada com que Plotino postula sua filosofia é um traço comum em sua obra como se reflete em Ninci, 2016NINCI, M. (2016). Corporeal matter, indefiniteness and multiplicity: Plotinus’ critique of Epicurean atomism. In: LONGO, A.; TAORMINA, D. P. (eds.). Plotinus and Epicurus matter, perception, pleasure. New York, Cambridge University Press, p. 133-159., p. 158: “Plotinus’ thought is marked by an unusual capacity for concentration: Plotinus is capable of encapsulating even in the shortest of texts all the coordinates necessary to express the foundational ideas in his philosophy - in other words, his thought as a whole”.
  • 21
    Fronterotta (2007FRONTEROTTA, F. (2007). Some Remarks on Noein in Parmenides. In: STERN-GILLET, S.; CORRIGAN, K. (eds.). Reading Ancient Texts. Vol. 1: Presocratics and Plato. Essays in Honour of Denis O’Brien. Boston, Brill, p. 3-19., p. 10-11), em sua brilhante análise da relação textual entre Plotino e Parmênides (τὸ γὰρ αὐτὸ νοεῖν ἐστίν τε καὶ εἴναι, fr.3), aponta a singular interpretação de Plotino, que é, portanto, distinta da que Platão e Aristóteles pressupuseram, a qual, por sua vez, implica também em uma opção por traduzir o texto grego de modo a tornar coerente a assimilação da relação parmenídica entre ser e pensar como de caráter identitativo, o que ele distingue de uma acepção por correspondência: “if we defended the traditional (Plotinian) translation, as do Leszl and Kahn, we would beforced to concede the thesis that thinking (or knowing) is identical with being. This was held by Plotinus, but not, in my view, by Parmenides (nor by Plato nor by Aristotle). To me it seems necessary to distinguish between the identity of thinking and being and the correspondence between thinking and being. The latter was the thesis of Parmenides (and also of Plato and Aristotle), the former the thesis of Plotinus only”.
  • 22
    O que também não é livre de controvérsias, pois há bons argumentos para defender que há tanto uma mística do Uno quanto do Intelecto, vide Brandão, 2007BRANDÃO, B. (2007). Só em direção ao só: considerações sobre a mística de Plotino. Horizonte 6, n. 11, p.151-158., p. 151: “[...] no pensamento plotiniano, o ápice da vida filosófica é a contemplação mística: não pensamento irracional, mas uma forma supra-racional de consciência que é alcançada pela prática ascética e pelo procedimento dialético. [...] não existe apenas um, mas dois tipos de contemplação mística supra-racional: a experiência da alma humana unida ao Intelecto divino e a experiência da alma humana unida ao Um, o princípio supremo da realidade de acordo com a filosofia plotiniana”.
  • 23
    Crystal, 1998CRYSTAL, I. (1998). Plotinus and the Structure of Self-Intellection. Phronesis 43, p. 264-286., p. 268: “[…] he [Plotinus] limits fallibility to the discursive intellect.”
  • 24
    Este trabalho foi realizado com apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2020
  • Aceito
    11 Nov 2020
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