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Decrescimento em dez perguntas: perspectivas para o debate social, econômico e ambiental

RESENHAS

Decrescimento em dez perguntas: perspectivas para o debate social, econômico e ambiental

Alan Ainer Boccato-Franco

Especialista em Programas de Reforma Agrária e Assentamentos pela Universidade Federal de Lavras - UFLA (2007). Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (2003). É Analista Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. Atualmente é aluno do Mestrado em Desenvolvimento Sustentável no Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS da Universidade de Brasília - UnB, onde desenvolve dissertação a respeito do decrescimento e economia solidária. E-mail: alanboccato@gmail.com

BAYON, D.; FLIPO F.; SCHNEIDER, F. Decrecimiento: 10 preguntas para comprenderlo y debatirlo. Mataró: Ediciones de intervención cultural/El Viejo Topo, 2011. 236 p. Traduzido do original em francês: La décroissance, 10 questions pour comprendre et en débattre. Paris: Éditions La Découverte, 2010. Tradução: Julia Calzadilla. Notas, bibliografia, gráficos. ISBN: 978-84-15216-11-7.

O livro Decrecimiento: 10 perguntas para comprenderlo y debatirlo foi originalmente publicado na França em 2010, sob o título La décroissance, 10 questions pour comprendre et en débattre. É um texto cujo objetivo é esclarecer o que é e o que não é o decrescimento, demonstrando de modo consistente e didático que algumas acusações e suspeitas levantadas contra o decrescimento são feitas ou por má-fé ou por incompreensão. É uma ótima obra para aqueles que desejam se iniciar no tema do decrescimento, pois apresenta os seus fundamentos gerais e a sua diferenciação com relação a outras "correntes" de pensamento.

Ao ler esta obra, o leitor terá noção clara de que o decrescimento enquanto tal ainda é uma ideia recente e, portanto, em processo inicial de construção. Mas, as suas correntes ou raízes teóricas são mais antigas que o próprio termo.

O livro é dividido em dez capítulos, sendo que cada um responde, respectivamente, uma das seguintes perguntas: 1) o que significa decrescimento? 2) é uma ideia nova ou uma velha ideia reacionária? 3) por que o decrescimento e não o desenvolvimento sustentável? 4) o decrescimento é o final do progresso científico e técnico? 5) o decrescimento é malthusiano? 6) privação ou alegria de viver? 7) o decrescimento significa recessão, desemprego, o fim da economia de mercado? 8) o decrescimento se refere aos países do Sul? 9) implica numa visão dirigista ou autoritária da política? 10) o que significaria concretamente uma política de decrescimento?

De modo a dar credibilidade à obra, os autores não ocultam que são parte do movimento social favorável ao decrescimento. Mas, assumem que respondem às perguntas com o maior rigor intelectual possível, optando por se concentrar nas ideias, priorizando os autores e os teóricos, em detrimento dos acontecimentos da agenda militante. Para tanto, lançam mão de uma rica bibliografia, abrangendo diversas áreas do conhecimento, como filosofia, sociologia, ciências políticas, ecologia e economia. Essa bibliografia não só fornece as bases teóricas do decrescimento, como demonstra o que não é o decrescimento. Assim, os autores tratam de outras "correntes" de pensamento, como, por exemplo, marxismo produtivista, neoliberalismo, ecologia política, os partidos ecologistas, crescimento verde, movimento "Nova Direita" etc. Isto constitui uma das riquezas da obra, pois define com mais clareza o que o decrescimento traz de novo dentro do universo de "correntes" de pensamento que tratam de desenvolvimento ou da crise socioambiental. Além disso, apresenta algumas insuficiências dessas outras "correntes" e até mesmo as suas contribuições para o agravamento da crise socioambiental.

Esta resenha ficaria demasiado longa se eu comentasse as respostas dadas às dez perguntas. De modo que optei por me concentrar naquelas que exprimem as ideias centrais do decrescimento, respondem algumas críticas e mal entendidos a respeito deste e trazem elementos pouco presentes no debate socioambiental no Brasil (Benasayag e Rey, 2012; Schwartzman, 2012).

O termo decrescimento, longe de ter um significado único, é portador de uma riqueza de significados. A partir de enfoques que passam pela crítica ecológica à crítica do sistema de necessidades, da entropia à crítica da economia política, da crítica democrática à crítica culturalista, e pelas crises de sentidos por que passam as sociedades pós-industriais, os autores apresentam a pluralidade de correntes de pensamentos do decrescimento.

Essa pluralidade não está solta no espaço nem carece de um sentido unificador. Tudo isso é organizado no texto de modo a evidenciar que a formulação geral do decrescimento - "consumir menos para viver melhor" - não é uma aparente banalidade, mas, ao contrário, "é o próprio coração do modo de vida mercantil-industrial que está sendo tocado e que chama para uma revolução em um sentido muito diferente àquele do projeto socialista do século XX" (p. 60).

O decrescimento é exposto como uma ideia radicalmente nova. As suas novidades consistem em assumir que o crescimento suplementar das economias já desenvolvidas só agravará as desigualdades globais - em termos sociais e ecológicos - e que todas as teorias de desenvolvimento, sejam quais forem, tratam de como provocar o crescimento econômico. Deste modo, o decrescimento abre perspectivas radicalmente novas. Outra novidade é que o decrescimento "permite especialmente retomar o debate sobre a autonomia da sociedade com relação ao Estado, sobre a influência da razão contábil e instrumental mobilizada pelas grandes burocracias públicas (pesquisadores científicos e gestores) ou privadas (grupos econômicos e financeiros)" (p. 78).

Com relação ao desenvolvimento sustentável, é considerado um conceito esvaziado em sua essência. Além de não diferenciar as responsabilidades existentes entre milionários e pobres sobre a crise socioambiental, possibilita um dilúvio de greenwashing. Retomando a origem da ideia de desenvolvimento e de alguns de seus fundamentos teóricos, os autores mostram que o desenvolvimento sustentável se mantém ligado ao mesmo conjunto de receitas administrativas e de gestão que conduziram a humanidade à crise socioambiental. Concluem que os critérios políticos e filosóficos que organizam o desenvolvimento sustentável não são de todo favoráveis aos objetivos por ele fixados, muito pelo contrário podem agravar a insustentabilidade socioambiental.

Com base nas correntes culturalistas e democráticas e em estudos pós-coloniais, o ideário do decrescimento faz uma crítica global à economia mercantil, à industrialização, à modernização e à mundialização. É nesse contexto crítico que o significado do decrescimento para os países do Sul é colocado como o rompimento "com a dependência econômica e cultural com relação ao Norte. Retomar o fio de uma história interrompida pela colonização, o desenvolvimento e a mundialização. Reencontrar e reapropriar-se de uma identidade cultural própria" (p. 195). Nenhum partidário do decrescimento tem se manifestado por um decrescimento homogêneo em todos os cantos do mundo. Os que são favoráveis ao conceito assumem que os recursos naturais que os ricos podem obter hoje não estarão disponíveis no futuro para os pobres, devido aos limites ambientais. Consideram ainda que o crescimento e o enriquecimento de uns é causado pelo empobrecimento de outros. Por isso tudo, uma questão central para os partidários do decrescimento é a redução massiva das desigualdades.

Ao assumir a existência de limites para o uso de diversos recursos naturais e duvidar da chegada de uma tecnologia salvadora que possibilitará que os níveis de consumo dos ricos sejam universalizados, a ideia do decrescimento fica exposta, de imediato, à acusação de que é malthusiana. O decrescimento de fato fala de população e assume que nenhuma sociedade humana se deixa levar a um aumento desregulado de sua população. Mas que "essa regulação seja igualitária e democrática em lugar de violenta e desumana mediante a doença e a fome como queria Malthus" (p.119). Rejeita-se a limitação do número de filhos, e assume-se a transição demográfica por meio da emancipação das mulheres, da alfabetização, da democracia, dentre outros fatores. Deste modo, a questão da população é importante, mas não a causa única dos problemas. Centralizar na população é reacionário e evita olhar para a questão da distribuição. Portanto, a crítica do decrescimento não se concentra no tamanho da população, mas sobre o consumo dos recursos naturais. Para os partidários do decrescimento, "não são os seres humanos demasiado numerosos, mas sim os automóveis" (p. 118). Por isso, a necessidade não é de se reduzir a população, mas de reduzir e distribuir o consumo de recursos naturais.

A essência do debate em torno da palavra decrescimento reside em "pensar e por em prática uma transformação escolhida, livre e equitativa para uma sociedade mais sóbria e solidária" (p. 207). Os autores sintetizam a centralidade e o sentido que os partidários do decrescimento dão à democracia: soberania popular, igualdade de condições e decisões participativas. Assim, refutam a acusação de um autoritarismo inerente ao decrescimento, sobretudo quando se trata da definição do que é necessário produzir e consumir. Mais do que isso, "uma das razões mais importantes que se faz necessário o decrescimento é a ameaça que as instituições do crescimento econômico lançam sobre a democracia" (p. 209). Assim, mais do que "provar" que o decrescimento não é autoritário, os autores invertem a acusação e lançam dúvidas se efetivamente vivemos numa democracia, se a economia do crescimento "é a democracia" e se as instituições que viabilizam o crescimento econômico são realmente democráticas.

Os leitores interessados em se aprofundar no tema deverão buscar os autores originais dos fundamentos teóricos do decrescimento e que foram devidamente citados nesta obra. Outras fontes para se embrenhar na literatura do decrescimento são os conteúdos das quatro conferências internacionais sobre o decrescimento realizadas (Paris - 2008, Madri - 2010, Montreal - 2012 e Veneza - 2012), e também as dezenas de artigos publicados nas edições e seções especiais das revistas Ecological Economics (Kallis; Kerschner; Martinez-Alier, 2012), Futures (Cattaneo et al., 2012), Journal of Cleaner Production (Kallis; Schneider; Martinez-Alier, 2010; Sekulova et al., 2013) e Capitalism Nature Socialism (Degrowth, 2012).

Outras opções para uma boa introdução ao tema do decrescimento e que respondem em parte algumas destas dez perguntas são duas publicações disponíveis no Brasil. Uma delas é uma tradução de um livro francês o "Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno", de Latouche (2009) um autor já clássico na literatura do decrescimento. A outra opção consiste no único livro produzido no Brasil que trata do decrescimento e que conta com a participação de autores brasileiros e estrangeiros, cujo título é "Enfrentando os Limites do Crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade" (Léna e Nascimento, 2012).

Submetido em: 26/02/2013

Aceito em: 24/06/2013

  • BENASAYAG, M.; REY, A. del. O decrescimento e os países do Sul. In: LÉNA, P.; NASCIMENTO, E. P. do (Eds.). Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p. 289-302.
  • CATTANEO, C. et al. (Eds.). Politics, Democracy and Degrowth. Futures, v. 44, n. 6, p. 515-654, ago. 2012. Disponível em:<http://www.sciencedirect.com/science/journal/00163287/44/6>. Acesso em: 11 jan. 2013.
  • DEGROWTH Symposium. Capitalism Nature Socialism, v. 23, n. 1, p. 26-125, fev. 2012. Disponível em:<http://www.tandfonline.com/toc/rcns20/23/1#.UcJch-uE4p8>. Acesso em: 11 jan. 2013.
  • FLIPO, F. Introdução à história do conceito de decrescimento na França. In: LÉNA, P.; NASCIMENTO, E. P. do (Orgs.). Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p. 253-268.
  • FLIPO, F.; SCHNEIDER, F. (Eds.). Proceedings of the First Economic Degrowth for Ecological Sustainability and Social Equity Paris: Research & Degrowth, Telecom Sud-Paris, 2008. Disponível em: <http://degrowth.org/wp-content/uploads/2011/07/Degrowth-Conference-Proceedings.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2013.
  • KALLIS, G.; KERSCHNER, C.; MARTINEZ-ALIER, J. The economics of degrowth. Ecological Economics, v. 84, p. 1-270, dez. 2012. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0921800912003333>. Acesso em: 11 jan. 2013.
  • LATOUCHE, S. Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno Tradução: Claudia Berliner. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
  • LÉNA, P.; NASCIMENTO, E. P. do (Orgs). Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade Rio de Janeiro: Garamond, 2012.
  • SCHNEIDER, F.; KALLIS, G.; MARTINEZ-ALIER, J. Crisis or opportunity? Economic degrowth for social equity and ecological sustainability. Introduction to this special issue. Journal of Cleaner Production Journal of Cleaner Production, v. 18, n. 6, p. 511-518, 2010. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0959652610000259>. Acesso em: 11 jan. 2013.
  • SCHWARTZMAN, D. A Critique of Degrowth and its Politics. Capitalism, Nature, Socialism, v. 23, n. 1, p. 119-125, 2012. Disponível em: <http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10455752.2011.648848#.UcJdDeuE4p8>. Acesso em: 11 jan. 2013.
  • SEKULOVA, F. et al. (Eds.). Degrowth: From Theory to Practice. Journal of Cleaner Production Journal of Cleaner Production, v. 38, p. 1-98, jan. 2013. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com/science/journal/09596526/38/supp/C>. Acesso em: 11 jan. 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013
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