RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar e avaliar um conjunto de textos aqui denominados textos-moldura (paratextos ou textos de esclarecimento) presentes nas obras de Bakhtin e do Círculo traduzidas no Brasil desde 1979, com vistas a traçar um panorama nacional crítico do contexto de recepção da obra bakhtiniana e evidenciar algumas de suas especificidades, indiciadas nos diálogos que empreendem com os aspectos sociais, históricos e culturais. Pretende-se, ainda, contribuir para o aprofundamento dos estudos dialógicos e sua incontestável dimensão interdisciplinar. Além da perspectiva dialógica, as reflexões apoiam-se, também, em teorias da tradução, caso específico da que discute a “relação entre um texto de partida e um contexto de chegada”, ou ainda “um modo de ler um texto em dado contexto”. Parte de uma pesquisa maior, os resultados aqui apresentados dizem respeito unicamente a uma das obras do Círculo: Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na Ciência da linguagem e suas duas traduções brasileiras (1979 e 2017).
PALAVRAS-CHAVE:
Marxismo e filosofia da linguagem; Círculo de Bakhtin; Contexto brasileiro de recepção; (Re)traduções; Textos-moldura
ABSTRACT
This article aims to analyze and evaluate a number of texts called frame-texts (paratexts or texts for clarification) found in the works of Bakhtin and the Circle, which have been translated in Brazil since 1979. Our objective is to offer a critical overview of the context of the reception of their work nationwide and highlight some of its specific features, apprehended in the dialogues established with social, historical and cultural aspects. We also intend to contribute to deepening the dialogical studies and its undeniable interdisciplinary dimension. In addition to the dialogic perspective, these reflections rely on theories of translation, especially those that discuss the “relationship between a text and its context of reception” or “a certain way of reading a text in a given context.” This discussion is part of a larger research study, and the results presented herein are related to one of the works of the Circle, namely, Marxism and the Philosophy of Language and its two translations into Brazilian Portuguese (1979 and 2017).
KEYWORDS:
Marxism and the Philosophy of Language; The Bakhtin Circle; Brazilian context of the reception; Translations; Frame-texts
Considerações iniciais
Este artigo, que é resultado de uma das vertentes do projeto de pesquisa/CNPq Fundamentos e desdobramentos da perspectiva dialógica para a análise de discursos verbais e verbo visuais (2015-2018)1 1 Projeto CNPq/Proc. 303643/2014-5: Beth Brait/coordenadora; Maria Helena Cruz Pistori/participante. , com continuação no projeto/CNPq Discursos de resistência: tradição e ruptura (2019-2024)2 2 Projeto CNPq/Proc. 307028/2018-6: Beth Brait/coordenadora; Maria Helena Cruz Pistori/ participante. , tem como objetivo esclarecer algumas particularidades assumidas pelo pensamento bakhtiniano, considerando o conjunto de textos-moldura (paratextos ou textos de esclarecimento), presentes nas obras de Bakhtin e do Círculo traduzidas no Brasil3 3 Em evento científico conjunto, Encontro Anual Nacional GT/ANPOLL/Estudos Bakhtinianos e XI Jornada do Grupo de Pesquisa/PUC-SP/CNPq Linguagem, Identidade e Memória, realizado de 29/06 a 01/07 de 2016 na UNICAMP, apresentamos uma comunicação oral intitulada Recepção de Bakhtin e o Círculo: modos de ler, iniciando a discussão a respeito dos textos-moldura no grupo de trabalho e no grupo de pesquisa. . Esses textos-moldura serão considerados como elementos que, ao compor o todo, inserem-se na tradição de um momento científico acadêmico internacional ou se revelam como resistência que expõe as especificidades da ciência brasileira da linguagem na atualidade.
Em uma primeira abordagem teórica, os paratextos foram caracterizados como textos-moldura, ou seja, como parte constituinte de um enunciado concreto, no sentido bakhtiniano, o que implica, para a produção de sentidos, tanto o texto principal quanto o conjunto de textos que o apresentam, que o cercam verbal e/ou visualmente. Eles promovem um “diálogo de tipo especial”, nos dizeres de Bakhtin (2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016. , p.76), mostrando “a complexa inter-relação do texto (objeto de estudo e reflexão) e do contexto emoldurador a ser criado (que interroga, faz objeções, etc.), no qual se realiza o pensamento cognoscente e valorativo do cientista” (2016, p.76; grifos nossos).
Eles podem, assim, ser pensados como constitutivos da produção de sentido em relação ao texto-apresentado e não simplesmente como texto/s que acompanha/m o texto principal e que poderá/rão ser descartado/s. Ao apresentar o texto ao leitor, o texto-moldura o faz na condição de argumento de autoridade e, muitas vezes, de argumento autoritário, sinalizando, circunscrevendo antecipadamente a leitura. No caso das traduções da obra do Círculo no Brasil, eles desempenham papel fundamental para a compreensão das motivações das (re)traduções, revelando como foram feitas, aí incluída a fonte do original, ou seja, indiciando a relação entre o texto e seu contexto de recepção. Os textos-moldura das (re)traduções, aí compreendidas as assinaturas, apontam para elementos internos e externos à tradução, os quais, em diálogo, delineiam aspectos fundamentais da recepção de Bakhtin e o Círculo no Brasil.
Ainda que muito já se tenha dito sobre a recepção da obra bakhtiniana, consideramos que a presença desses textos-moldura, ou mesmo a ausência quase que completa deles, como acontece em A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, com apenas orelha sem assinatura e uma frase de Boris Schnaiderman na última capa, tanto esclarecem como enriquecem a compreensão do contexto de recepção das obras e as necessidades cronotópicas da tradução e/ou da retradução. Como ponto de partida, a pesquisa estabeleceu alguns critérios teórico-metodológicos para seu desenvolvimento, visando balizar pontos de enfrentamento desses conjuntos, observados inicialmente em cada (re)tradução e, depois, enquanto totalidade.
Nesse sentido, uma vertente das teorias sobre a tradução foi escolhida como norte inicial para a análise do corpus, na medida em que ela interage com a perspectiva dialógica do discurso (ADD), tomada aqui como fundamentação teórica e metodológica de base. A relação entre elas se dá de maneira especial no que se refere a enunciado concreto, texto, discurso, esferas de circulação e recepção. Trata-se da linha de estudos que compreende a tradução como a “relação entre um texto de partida e um contexto de chegada”, ou ainda como “um modo de ler um texto em dado contexto”. Assim, é possível assumir, por exemplo, que a
retradução é toda reescritura de um texto-fonte, que coexiste e se relaciona com outras reescrituras desse mesmo texto-fonte, estabelecendo com elas uma rede de modos plurais de (re)lê-lo e (re)escrevê-lo, gesto que é, finalmente, uma crítica. [...] a (re)tradução [...] procura evidenciar que uma (re)tradução é um gesto de acréscimo: acréscimo de novos modos de ler e escrever aquele texto no espaço da (re)tradução (MATOS; FALEIROS, 2014, p.54).
Essas reflexões, voltadas mais diretamente ao estudo das (re)traduções literárias, podem servir, mutatis mutandis, de referência para uma análise da recepção de Bakhtin e do Círculo no Brasil via textos-moldura.
Para o trabalho de compreensão de textos-moldura enquanto participante do enunciado concreto - compreendido como o conjunto da obra traduzida e demais textos que compõem a edição -, a fundamentação teórica apoiada na teoria dialógica refere-se, especialmente, à ideia de que “[o] diálogo das linguagens não é apenas um diálogo entre grupos sociais na estática de sua coexistência, mas também um diálogo de épocas, de tempos e dias, daquilo que morre, vive e gera [...]” (BAKHTIN, 2015BAKHTIN, M. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da edição russa: S. Botcharov e V. Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015., p.163-164; grifos nossos). Isso significa, como pretendemos mostrar neste artigo, que as traduções e retraduções não se excluem, mas ao contrário, vistas no grande tempo, implicam redes formadas por elas e pelas necessidades que as motivam.
O corpus em análise reúne todas as (re)traduções existentes até o momento. O conjunto implica quase uma centena de textos-moldura e a certeza de que há importantes aspectos a serem considerados em cada um deles e no conjunto de uma tradução ou retradução, desde que considerados como parte do enunciado concreto representado pela obra da qual fazem parte e do contexto de produção e recepção que os abriga e motiva.
O objetivo geral da pesquisa é delinear um panorama crítico da recepção das traduções de Bakhtin e o Círculo no Brasil, considerando sua incontestável contribuição para os estudos dialógicos, a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Tendo em vista o projeto como um todo, o primeiro passo de nossa análise será sempre a compreensão do contexto que provocou/promoveu/motivou a (re)tradução de uma determinada obra do Círculo, visto que a escolha da obra está diretamente ligada ao momento em que surgiu. Nesse sentido, as circunstâncias que constituem o contexto poderão ser pensadas sob ao menos quatro dimensões complementares: o contexto social, histórico, político; o contexto acadêmico científico; o mercado editorial; os leitores presumidos. As quatro dimensões importam na medida em que traçam o desenho avaliativo do contexto de recepção, composto pelo texto-fonte e as razões de sua escolha; pelo papel do autor e do tradutor no cenário do conhecimento; pelos possíveis leitores situados em determinadas esferas. Outros aspectos da obra como um todo (nela compreendidos os textos-moldura), como as características do tradutor e/ou da equipe de tradução, dos consultores, prefaciadores, apresentadores, da editora, entre outros, certamente serão considerados, em virtude da possibilidade de aduzirem elementos para a compreensão do contexto de recepção da obra.
Neste artigo, essas questões têm como objeto unicamente as duas traduções de Marxismo e filosofia da linguagem, distanciadas 38 anos uma da outra. A primeira, publicada em 1979, feita a partir da edição francesa (com consultas às edições americana e russa) - BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, que teve inúmeras reedições e que, sem dúvida, alimentou por quase quatro décadas a mobilização e o estabelecimento da perspectiva dialógica nos estudos da linguagem, não apenas nas áreas de Letras e Linguística, mas nas Ciências Humanas de modo geral. A segunda, publicada em 2017, feita diretamente do russo - VOLOCHÍNOV, Valentin (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. São Paulo: Editora 34. Daqui em diante, ambas referidas como MFL.
1 O enunciado concreto representado pelos textos-moldura de MFL (1979)
1.1 O Brasil no final dos anos 1970: dentro e fora da academia
Que Brasil era esse, no final da década de 1970 do século XX, pensado do ponto de vista geral e do ponto de vista acadêmico-científico, que traduziu pela primeira vez Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem, a partir do francês e não do russo ou do inglês?
De um ponto de vista político, aqui radicalmente simplificado, em 1979 o Brasil era governado por João Figueiredo, 30º. presidente do Brasil e último da era militar. Sua marca foi a continuidade da abertura política “lenta, gradual e segura” do governo anterior, evidenciada em alguns acontecimentos: fundação da Associação Nacional de Jornais, com o objetivo de defender a liberdade de imprensa; sanção da lei da anistia geral e irrestrita para todos os que cometeram crimes políticos e tiveram seus direitos políticos cassados durante a ditadura; volta de exilados políticos; forte crise política e econômica.
Nesse contexto amplo, é necessário localizar a maneira como os nomes de Bakhtin e Volochínov já circulavam academicamente, observando o papel das universidades nesse panorama. Tanto o primeiro contato de pesquisadores da Unicamp, em 1976, com a obra El signo ideológico y la filosofia del lenguaje (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. El signo ideológico y la filosofía del lenguaje. Tradução do inglês Rosa Maria Rússonovich. Buenos Aires/Argentina: Ediciones Nueva Visión, 1976.), assinado Valentin N. Voloshinov e com tradução na Argentina (Cf. Brait, 2012BRAIT, B. A chegada de Voloshinov/Bakhtin ao Brasil na década de 1970. In: ZANDWAISS, A. (Org.). História das ideias. Diálogos entre linguagem, cultura e história. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2012. p.216-243. , p.216-243), como a dissertação de mestrado e alguns artigos de Ornellas (1998ORNELLAS, C. A. A presença de Mikhail Bakhtin em dissertações de mestrado e teses de doutorado, em Letras, da USP e PUC/SP. 1998. 151f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade de São Paulo. ; 2010), por exemplo, trazem importantes elementos para o conhecimento da esfera acadêmica e científica que circunscreve a primeira tradução de MFL, pensada a partir de três grandes universidades brasileiras: USP, UNICAMP e PUC-SP4 4 É importante lembrar o expressivo aumento de instituições de ensino superior no período entre as duas traduções de MFL: em 1980, havia 882 instituições federais, estaduais, municipais e privadas; em 2015, havia 2.364. Cf. http://download.inep.gov.br/download/censo/1998/superior/evolucao_1980-1998.pdf ; https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/181204/101_00125.pdf?sequence=1&isAllowed=y .
No que se refere ao primeiro contato com uma obra do Círculo (VOLOSHINOV, 1976VOLOSHINOV, V. N. El signo ideológico y la filosofía del lenguaje. Tradução do inglês Rosa Maria Rússonovich. Buenos Aires/Argentina: Ediciones Nueva Visión, 1976.), entre os leitores estavam os atualmente reconhecidos pesquisadores Sírio Possenti, João Wanderley Geraldi, Carlos Alberto Faraco e Carlos Vogt, todos da UNICAMP. Uns já professores, outros alunos de pós-graduação. Naquele momento, na Editora HUCITEC, o diretor da coleção Linguagem e cultura, na qual aparece a tradução de MFL, era o linguista e poeta Carlos Vogt que, entre seus títulos acadêmicos, ostenta um mestrado na Université de Besançon e duas especializações, uma em Besançon e outra na École des Hautes Études en Sciences Sociales/EHESS, títulos obtidos na França em 1971. A ligação das esferas acadêmica e editorial com a França, naquele momento, é um importante fator para se pensar a primeira tradução, tendo como fonte a versão francesa de MFL. Os estudos de Ornellas, pós-graduada pela USP, evidenciam dois aspectos importantes: as menções a Bakhtin - unicamente a ele -, nas disciplinas ministradas na USP, à época, aconteciam na literatura, literatura comparada e na teoria literária, o que pode indiciar a gênese de certo imaginário de que Bakhtin só tratou da literatura, aspecto que, em certa medida, permanece até hoje em alguns meios. Quanto às disciplinas da PUC-SP, as referências a Bakhtin e Volochínov aparecem especialmente na bibliografia de disciplinas da área de Comunicação e Semiótica, ampliando o escopo de interesse pela obra do Círculo no momento da primeira tradução.
1.2 A tradução e suas especificidades
A equipe de tradução (tradutores e consultores) é composta por professores/pesquisadores da UNICAMP: Michel Lahud (1949-1992), autor de uma obra sobre a dêixis (LAHUD, 1979LAHUD, M. A propósito da noção de dêixis. São Paulo: Ática, 1979.) e especialista em Pier Paolo Pasolini; Yara Frateschi Vieira, especialista em literatura que, em 1987, traduz A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais (BAKHTIN,1987BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Tradução Iara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 1987.); Lúcia Teixeira Wisnik, com formação em Letras/USP e tradutora de várias outras obras na área; Carlos Henrique D. Chagas Cruz, mestre em Ciências Sociais pelo IFCH/UNICAMP; Luci Seki, especialista em línguas indígenas, mestre (1969) e doutora (1973) em Filologia pela Universidade Patrice Lumumba (Moscou). Com exceção dos dois últimos, os demais estão reunidos no primeiro número da revista Remate de males (1980), do Departamento de Teoria Literária do IEL/UNICAMP5 5 Ver: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/remate/issue/view/388 Acesso em 10 de julho de 2019. .
Na primeira edição brasileira (Fig.01), a ilustração da capa de MFL é atribuída a Olimpio Pinheiro, sem qualquer outra referência. Essa informação desaparece das demais edições. A menção à autoria da capa acontece no alto da página VI, ao final do trecho: “© 1977 da Agência de Direitos de Autor da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (VAAP). Direitos de publicação reservados pela Editora de Humanismo, Ciência e Tecnologia “Hucitec” Ltda.”, seguido do endereço da editora. Como nos mostra a imagem, a ilustração é uma mão aberta, branca, que se destaca na capa também branca pela presença dos cinco dedos bem separados sobre um círculo verde, que é interrompido espacialmente nas pontas de cada dedo e do punho; uma fina linha vermelha faz o contorno da mão e dá acabamento a cada fragmento do círculo. Desse modo, esse círculo não se completa, deixando aberturas para a mão estar sobre o fundo e os dedos ultrapassarem o círculo. Nas edições seguintes, a imagem vai se deformando/mutilando (Fig.03), naquilo que parece um descuido editorial. Esse mesmo “descuido” se repete na menção aos autores. Em sua primeira tradução, a obra traz como autor/es MIKHAIL BAKHTIN e, entre parênteses, VOLOSHINOV: MIKHAIL BAKHTIN (VOLOSHINOV), em maiúsculas. A página de rosto (Fig.02) apresenta uma pequena variação: MIKHAIL BAKHTIN (V. N. Volochinov)6 6 As grafias Volochinov/Voloshinov, com e sem acento vão acompanhar as várias edições. .
Esse aspecto, que parece um simples descuido editorial, revela dois importantes elementos, que se reduzem a um só no que concerne às controvérsias existentes em torno da autoria de MFL. De um lado, a fonte francesa (1977) da tradução brasileira7 7 A versão para o inglês (VOLOŠINOV, 1973) é diferente. Na capa está o nome do autor: V. N. VOLOŠINOV. Além da folha de rosto que repete a autoria, a ficha catalográfica traz o título da obra em russo e Voloshinov como autor. traz na capa, mikhail bakhtine (v. n. volochinov) e na folha de rosto mikhail bakhtine (v. n. volochinov), em minúsculas sem negrito. Observe-se que a diferença reside no fato de que o negrito, do ponto de vista visual, ressalta/marca a autoria dominante. Essa característica francesa, que é reiterada na tradução brasileira pela diferença entre maiúsculas e minúsculas na folha de rosto, produz um efeito de autoria que dissemina a crença que acompanha até hoje referências a essa obra, como se ela fosse indiscutivelmente de Mikhail Bakhtin. Volochínov é o segundo, aprisionado entre parênteses ou diferenciado pela ausência de negrito, o que leva o leitor menos especializado a ignorá-lo e omiti-lo das referências.
Como textos-moldura, há a orelha, a nota dos tradutores, o prefácio de Roman Jakobson, a apresentação de Marina Yaguello e um texto na última capa. Como esses textos-molduras tratam, dentre outros aspectos, da questão autoral desenhada na capa? Confirmam e/ou acrescentam elementos esclarecedores para essa e outras questões ligadas ao contexto de produção dessa tradução brasileira?
A orelha, dividida e incrustrada como dobra na primeira e na última capa, intitula-se Marxismo e filosofia da linguagem, não está assinada, traz informações sobre o autor e a obra original e é bastante significativa do ponto de vista do contexto de recepção da tradução brasileira. Já no primeiro período, há dois importantes esclarecimentos: o primeiro sobre o ano da publicação de MFL na Rússia (1929) e o segundo a respeito da autoria, V. N. Volochínov, com a menção de que essa obra, posteriormente, seria atribuída a Bakhtin. Se essa primeira informação abre a perspectiva para a compreensão da questão da autoria nas obras disputadas, o segundo período fecha a questão, conferindo a Bakhtin a decisão de “escolher o nome de um de seus amigos e discípulos para subscrever a autoria do livro”, reforçando a afirmação com a referência a “pontos comuns” com outras obras cuja assinatura nunca foi posta em dúvida.
Na sequência, um segundo parágrafo traz informações sobre Volochínov, salientando que ele e Medviédev eram intelectuais que “participavam das indagações e pesquisas sobre o chamado método sociológico” e que foram vítimas dos expurgos estalinistas no começo da década de 1930 (sic). O final do parágrafo mistura Volochínov e Bakhtin, como se fossem a mesma pessoa: “Desapareceu desde então, ficando o livro, por muitos anos, relegado ao esquecimento oficial [...]”. Os demais parágrafos são dedicados ao momento em que se dá a publicação de MFL, sublinhando “o esforço do autor para desenvolver uma filosofia da linguagem de fundamento marxista”, resumindo aspectos teóricos específicos, comparados a outras correntes dos estudos da linguagem e concluindo que o livro de Bakhtin (Volochínov) [nos anos 1920] tratava de maneira original os problemas das relações entre linguagem e ideologia.
Pelo pouco que se conhecia no final da década de 1970 das particularidades biobibliográficas dos pensadores do hoje denominado Círculo, é compreensível que essa orelha apresente várias imprecisões. O que ela acrescenta em relação à capa e à folha de rosto é a indiferenciação entre Volochínov e Bakhtin, contribuindo para que, até hoje, MFL seja, em muitos trabalhos, referido como sendo de Bakhtin, tendo Volochínov como um dos pseudônimos do autor de Problemas da poética de Dostoiévski.
A Nota dos tradutores, bastante enxuta, explica a fonte principal (tradução francesa, 1977) e a consulta à tradução americana (1973) para resolver algumas questões, assim como ao original russo, por meio de Lucy Seki (UNICAMP), e no que se refere às passagens em alemão, a Modesto Carone Netto (UNICAMP). Não existe qualquer menção à autoria, quer no russo ou na tradução americana.
O Prefácio, assinado por Roman Jakobson (1896-1982)8
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Ver MACHADO, I. Comunicação e estudos enunciativos: a contribuição de Roman Jakobson. In: BRAIT, B. (Org.). Estudos enunciativos no Brasil. Histórias e perspectivas. Campinas: Pontes/FAPESP, 2001 e, ainda, da mesma autora, o excelente O filme que Saussure não viu: o pensamento semiótico de Roman Jakobson (MACHADO, 2007).
, é uma tradução do Préface (BAKHTINE/VOLOCHINOV,1977) da fonte francesa e teve forte repercussão no que se refere à autoria das obras do Círculo no Brasil. Por essa razão, esse texto-moldura não deve ser visto como transposição automática da edição francesa para a brasileira, embora provavelmente tenha sido essa a contingência naquele momento. É preciso reconhecer que esse prefácio funcionou como um atestado da qualidade da obra que estava sendo traduzida e publicada, graças à assinatura do reconhecido “poeta da linguística” Roman Jakobson. No Brasil de 1979, Jakobson já era bastante conhecido entre os linguistas e os teóricos da literatura: duas de suas obras estavam publicadas em português - Linguística e comunicação (1969) e Linguística. Poética. Cinema (1970) -, sendo largamente utilizadas no ensino de linguística e de poética na esfera acadêmica. Suas obras, de modo geral, mesmo as que ainda não estavam traduzidas, circulavam entre os brasileiros, tanto linguistas (ALTMAN, 2004ALTMAN, C. A conexão americana: Mattoso Câmara e o círculo linguístico de Nova Iorque. DELTA, São Paulo , v. 20, n. spe, p.129-158, 2004. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502004000300010. Acesso em 24 janeiro de 2019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) quanto teóricos da literatura (SIMON, 1974).
Contemporâneo de Mikhail Bakhtin e dos demais membros do Círculo, na época das primeiras publicações (1919) Jakobson já está a caminho de Praga (1920), onde, em 1926, em companhia de V. Mathesius, N. Trubetzkoi, René Wellek, Jan Mukarovsky, funda o Círculo Linguístico de Praga. Mattoso Câmara Junior, cujo trabalho traz a marca do pensamento de Jakobson, teve um amplo relacionamento com ele entre 1943-1944, em New York. Sua relação com o Brasil, como atestam vários documentos, deve-se ainda à influência do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, que aqui esteve entre 1935 e 1939. Além disso, Jakobson esteve no Brasil em 1968, a convite da Universidade de São Paulo/USP, conforme detalha Izidoro Blikstein (ORLANDI, 2000), com programação organizada por Augusto de Campos e Haroldo de Campos, em contato com Boris Schnaiderman, Ataliba de Castilho, entre outros importantes intelectuais ligados à Universidade (Cf. Machado, 2001MACHADO, I. Comunicação e estudos enunciativos: a contribuição de Roman Jakobson. In: BRAIT, B. (Org.). Estudos enunciativos no Brasil. Histórias e perspectivas. Campinas: Pontes/FAPESP, 2001. p.87-106., p.87-106).
Embora Jakobson nunca tenha encontrado Bakhtin, de acordo com sua mulher, Krystina Pomorska, os estudos de ambos convergiam na defesa do sentido:
[...] a luta por uma abordagem funcional da língua resume-se, em última análise, na defesa do sentido, o que por sua vez, leva à defesa do elemento de valor. A esse respeito, o único dos seus contemporâneos russos a partilhar a sua posição naquela época era o falecido Mikhail Mikhailovitch Bakhthin (JAKOBSON; POMORSKA, 1985JAKOBSON, R.; POMORSKA, K. Diálogos. Tradução Elisa A. Kossovitch. São Paulo: Cultrix, 1985., p.56).
Considerando-se o que Jakobson significava para os estudos da linguagem em 1979, o início do prefácio é bastante importante para os leitores da primeira tradução:
No livro publicado com a assinatura de V. N. Volochínov em Leningrado, 1929-1930, em duas edições sucessivas sob o título de Marksizm i filossófia iaziká (Marxismo e filosofia da linguagem), tudo, desde a página de título, só pode surpreender.
De imediato, ele destaca a assinatura da obra, indicando a data e o local da publicação, afirmando que “tudo, desde a página de título, só pode surpreender” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1979BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. Prefácio Roman Jakobson. Apresentação Marina Yaguello. São Paulo: Hucitec, 1979. , p.IX-X)9 9 Em outras edições, o Prefácio ocupa as páginas 9-10. . A novidade, encontrada na autoria e nas “surpreendentes” descobertas que Jakobson vai explicar nos demais parágrafos, começa com afirmações sobre a autoria: “Acabou-se descobrindo que o livro em questão e várias outras obras [...] com o nome de Volochínov [...] foram, na verdade, escritos por Bakhtin” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1979BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. Prefácio Roman Jakobson. Apresentação Marina Yaguello. São Paulo: Hucitec, 1979. , p.IX; itálicos nossos). A indeterminação é marcante. O leitor não toma conhecimento de quem fez as descobertas acerca da autoria, mas é levado a surpreender-se com o fato de que o livro - “e várias outras obras publicadas no final dos anos vinte e começo dos anos trinta” - aparece inicialmente com o nome de Volochínov que, conforme Jakobson, era um dos “adeptos e discípulos do pesquisador” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1979, p.IX).
Jakobson, depois de fazer referência a “[...] um volume sobre a doutrina do freudismo (1927), alguns ensaios sobre linguagem na vida e na poesia, assim como sobre a estrutura do enunciado” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1979BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. Prefácio Roman Jakobson. Apresentação Marina Yaguello. São Paulo: Hucitec, 1979. , p.IX), afirma que “Bakhtin (1895-1975) [é] autor de obras determinantes sobre a poética de Dostoiévski e de Rabelais” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1979, p.IX). Assim o leitor fica sabendo que Jakobson tivera contato com essas outras obras de Bakhtin, sendo, portanto, um conhecedor e, como consequência, recebe como indiscutível a afirmação de que Volochínov era um “[...] pseudônimo escrupulosamente observado” (itálicos nossos). Essa informação do especialista, da autoridade, liga-se ao contexto de produção da obra do Círculo, descrito no parágrafo seguinte, o qual sublinha a necessidade dos “retoques obrigatórios” ao livro e o “compromisso” dos discípulos na preservação do “grande trabalho” num período de obscurantismo histórico que levou ao “completo desaparecimento do próprio nome desse eminente pesquisador de toda a imprensa russa durante quase um quarto de século (até 1963)” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1979, p.IX).
Essas importantes afirmações de Jakobson revelam o estado da arte do conhecimento dos escritos do Círculo naquele momento e estão perfeitamente adequadas ao contexto em que a tradução se deu, ao modo de ler Bakhtin e o Círculo naqueles anos 1970. Conforme o brilhante autor do prefácio, o valor da obra deve ser visto independentemente das circunstâncias de produção e circulação que a cercam, mas por seu conteúdo, que antecede as pesquisas contemporâneas (referência aos anos 1970) sobre a linguagem:
Apesar de toda a singularidade da biografia do livro e de seu autor, é pela novidade e originalidade de seu conteúdo que a obra mais surpreende todo leitor de espírito aberto. Esse volume [...] antecipa as atuais explorações realizadas no campo da sociolinguística e, principalmente, consegue preceder as pesquisas semióticas de hoje e fixar-lhes novas tarefas de grande envergadura (p.X; destaque nosso).
Esse modo de ler, coerente com o cronotopo da tradução, persiste e ressoa nos trabalhos de brasileiros, de comentadores ou utilizadores de obras do Círculo até hoje. Pelo viés da leitura do prefácio, no que diz respeito à autoria, alguns leitores continuam reduzindo Volochínov a um pseudônimo, invisível como se pode constatar em algumas referências bibliográficas brasileiras atuais, aí incluídos documentos oficiais, teses, dissertações e artigos científicos. Não necessariamente por culpa de Roman Jakobson, que conhecia o contexto de produção da obra, sua história e outros escritos de Bakhtin, mas pela força da crença em um Bakhtin capaz de escrever todos os trabalhos produzidos pelo Círculo. Hoje, sem que a questão da autoria tenha sido plenamente explicada, conhece-se a biografia de Volochínov, incluindo sua atuação acadêmica10 10 A esse respeito, consultar a tradução de MFL diretamente do russo (GRILLO; AMÉRICO, 2017), tratada adiante. , o que impede tratá-lo como simples pseudônimo11 11 Para conhecer um amplo conjunto de escritos de Valentin Volóchinov, consultar tradução recente, feita diretamente do russo (GRILLO; AMÉRICO, 2019). .
A Introdução, de Marina Yaguello, reitera a questão da autoria presente no prefácio de Jakobson e, por consequência, o contexto de recepção francesa e brasileira da obra. A autora, nascida em Paris, renomada linguista e professora da Universidade de Paris VII, fez a tradução da edição francesa, diretamente do russo (BAKHTINE/VOLOCHINOV, 1977). Naquele momento, ela ainda era conhecida por sua primeira obra Les mots et les femmes, publicada pela Payot em 1978, estudo inovador, mostrando que a relação com a língua passa necessariamente pela sociedade e funciona como um espelho cultural. Um de seus trabalhos mais conhecidos é um manual competente e criativo, mas que seria publicado na França somente em 1981, Alice au pays du langage: Pour comprendre la linguistique, cuja tradução para a língua portuguesa aconteceria em Portugal bem mais tarde (YAGUELLO, 1997YAGUELLO, M. Alice no país da linguagem: Para compreender a linguística. Tradução Maria José Figueiredo. Lisboa: Editorial Estampa, 1997.). Diferentemente de Jakobson, sua fama, a não ser entre especialistas, não antecede a introdução12 12 Isso se comprova, inclusive, no Sumário, em que aparece o nome de Jakobson como autor do Prefácio, mas não o nome de quem assina a Introdução. . Mas são suas afirmações que levam o leitor a “se preparar para a leitura” e para a “autoria”.
O texto se divide em duas partes. A primeira, intitulada Bakhtin, o homem e seu duplo, traz um resumo da biografia de M. M. Bakhtin, com base nas informações de V. V. Ivanov, apresentando, com mais detalhes, o que o leitor já havia lido em Jakobson, incluindo a informação sobre o pequeno círculo que abrigava também Volochínov e Medviédev e a ideia de que ambos ofereceram seus nomes a fim de tornar possível a publicação das primeiras obras de Bakhtin. E uma frase taxativa se perpetua na recepção: “Não há dúvidas quanto à paternidade de suas obras” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1979BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. Prefácio Roman Jakobson. Apresentação Marina Yaguello. São Paulo: Hucitec, 1979. , p.2). Os demais detalhes dizem respeito ao desaparecimento de Volochínov e Medviédev e aos caminhos percorridos por Bakhtin até sua morte, em 1975.
Na segunda parte, intitulada Marxismo e a filosofia da linguagem, o início declara, ainda com apoio explícito em Ivanov, a dificuldade de se afirmar que partes do texto podem ser atribuídas a Volochínov. Assim, a descrição muito bem feita da obra confere a paternidade a Bakhtin. Na mesma linha de Jakobson, as qualidades do livro e sua concepção inovadora de linguagem são destacadas e demonstradas por meio de um percurso minucioso em que as três partes de MFL são apresentadas em seus principais aspectos, incluindo o trabalho com a natureza social do signo, da enunciação, a relação com a consciência, com a atividade mental, com a ideologia. Yaguello considera como uma das contribuições mais originais do autor o fato de que “Não há fronteira clara entre gramática e estilística [...] A análise estilística, parte integrante da linguística, aparece como a preocupação essencial de Bakhtin” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1979BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. Prefácio Roman Jakobson. Apresentação Marina Yaguello. São Paulo: Hucitec, 1979. , p.8).
É curioso que dessa detalhada introdução, a afirmação que mais se impregnou nos leitores brasileiros foi a relativa à “indiscutível” autoria. As importantes observações finais passaram despercebidas, caso do destaque para a relação entre gramática e estilística, afirmada como “[...] preocupação essencial de Bakhtin”. De fato, esse é um aspecto fundamental em MFL, que também se encontra em obras de Bakhtin e Medviédev, e que até hoje apresenta certa dificuldade para os leitores menos afeitos às especificidades da concepção de linguagem tecida entre os trabalhos do Círculo.
A última capa completa o conjunto de textos-moldura, reiterando a questão da autoria, sublinhada como sendo de Bakhtin. O texto de dois parágrafos traz um resumo da biografia de Bakhtin, inclui sua participação em um “pequeno círculo de intelectuais frequentado, entre outros, por Marc Chagall, P. N. Medvedev e V. N. Voloshinov”, destaca o fato de que os dois últimos “assinarão suas primeiras obras”, desaparecerão “nos anos trinta, por obra dos expurgos estalinistas”, enquanto Bakhtin vai viver “na fronteira da Sibéria com o Casaquistão, onde atua como professor e começa a escrever o texto sobre Rabelais, publicado em Moscou em 1965”.
Em termos bakhtinianos, o conjunto dos textos-moldura da primeira tradução de MFL, enquanto enunciado concreto, indicia o diálogo que se estabelece entre o texto fonte e o contexto de recepção, revelando um modo singular de ler e (re)ler um texto, um autor, um pensamento, da mesma forma que a tradução ou a retradução. No caso dessa tradução, além da orelha, das capas e da nota dos tradutores, especialmente o Prefácio de Roman Jakobson e a Introdução de Marina Yaguello desenham a imagem de um Volochínov fantasma, mera assinatura provisória e circunstancial de Bakhtin. Antecedendo o texto principal e o envolvendo, os textos-moldura preparam o leitor para a leitura da obra a que se acoplam, induzindo o apagamento de uma das assinaturas. Os textos explicativos, mesmo o da última capa, localizam-se num momento anterior à leitura da obra, no qual o leitor está bastante aberto e até mesmo vulnerável às explicações, aos elogios, aos apelos, às justificativas para a existência de um trabalho até então desconhecido em língua portuguesa. Num certo sentido, esse leitor está disponível para ser direcionado à leitura proposta, quer queira ou não, cuidadosamente costurada pelos enunciadores da moldura textual. A função desses textos é antecipar (apresentar, introduzir, argumentar) resumidamente o que o leitor terá pela frente e, de forma clara, apontar-lhe um caminho de leitura, um modo de ler.
2 O enunciado concreto representado pelos textos-moldura de MFL (2017)
2.1 O Brasil de 2017: dentro e fora da academia
São muitas as diferenças entre o Brasil de 1979, ano da primeira edição de MFL, e o de 2017, ano da primeira edição de MFL em tradução direta do russo. Retomando o contexto social e político, novamente aqui radicalmente simplificado, desde 1985 a redemocratização, iniciada em seguida ao governo de João Figueiredo, se concretiza, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Desde então, sete presidentes exerceram o cargo; a liberdade de imprensa se consolidou, ampliando-se intensamente a liberdade de expressão, que ganha agora o espaço virtual da web como um lugar significativo de interação; o desenvolvimento tecnológico e, por extensão, das redes sociais, torna-se uma realidade incontornável; a conscientização política geral se amplia, ainda que críticas em relação à polarização político-ideológica sejam justificadas; a questão social é enfrentada mais aguerridamente.
Crises políticas e econômicas se sucederam ao longo desses anos, sem que se possa asseverar que foram (minimamente) solucionadas. Em especial, nos últimos 20 anos, a educação torna-se foco de investimentos, com destaque para o fato de que o país reduziu significativamente o analfabetismo13 13 O Brasil ainda tem 11,3 milhões de analfabetos entre a população de 15 anos ou mais - o número corresponde a 6,8% dessa população. O dado diz respeito ao cenário identificado em 2018 e apresentou queda de 0,1 ponto percentual em relação a 2017 - o que significa 121 mil analfabetos a menos - quando o país tinha 6,9% das pessoas nessa situação. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e fazem parte do suplemento de educação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/brasil-ainda-tem-113-milhoes-de-analfabetos-23745356 Acesso em 25 de outubro de 2019. e houve criação de novas universidades federais.
A esfera acadêmica é outra: a pesquisa cresce; as referências bibliográficas se ampliam e há o chamado à internacionalização e à visibilidade da pesquisa nacional; requer-se mais rigor nas publicações científicas. Em termos dos estudos da linguagem, a teoria dialógica do discurso passa a ser amplamente (re)conhecida, divulgada e respeitada nas Ciências Humanas, de modo geral, mas nas Letras e na Educação (também em documentos oficiais), de modo particular. Um exemplo é o periódico acadêmico - Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, cujo objetivo é promover e divulgar pesquisas no campo dos estudos do discurso, com destaque aos estudos dialógicos.
Nesses 38 anos que separam as duas traduções de MFL, os trabalhos do Círculo foram publicados no Brasil por diferentes editoras, caso da Hucitec, por vezes em conjunto com outras editoras, Martins Fontes, Forense, Perspectiva, Pedro & João. No momento, a Editora 34 (São Paulo) especializa-se em traduções da rica literatura russa, vertidas diretamente do original, com significativos tradutores, caso de Boris Schnaiderman e Paulo Bezerra. Ao mesmo tempo, vem publicando (re)traduções14 14 Ver Bakhtin (2015, 2016, 2017, 2018); Volóchinov (2019). de obras do Círculo, umas conhecidas, outras não15 15 Ver Bakhtin (2013). , sempre cuidadosamente organizadas e pautadas em edições russas. Esse é o caso da tradução de MFL publicada em 2017, realizada a partir da edição original russa, de 1929, com correções e pequenos acréscimos presentes na segunda edição, de 1930.
2.3 A tradução e suas especificidades
As tradutoras. A nova tradução de MFL, feita diretamente do original russo, traz as assinaturas de Sheila Vieira de Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. A primeira é professora, pesquisadora, tradutora e orientadora no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo - USP, tendo sido pesquisadora, dentre outras instituições internacionais, do Instituto Górki da Literatura Mundial, em Moscou. Líder do grupo de pesquisa Diálogo (USP/CNPq), participa também de outros grupos que têm Bakhtin e o Círculo como fundamento de pesquisas (GP Linguagem, Identidade e Memória/PUC-SP/CNPq; GT Estudos Bakhtinianos/ANPOLL). Em parceria com Ekaterina V. Américo, traduziu duas outras obras do Círculo: O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica, de P. N. Medviédev (2012) e Questões de estilística no ensino da língua, de M. Bakhtin (2013). Também com a mesma parceira, organizou e traduziu A palavra na vida e a palavra na poesia, conjunto de escritos de Volóchinov (2019). Trata-se de uma bakhtiniana de fôlego e trânsito internacional. Ekaterina Vólkova Américo, professora de Língua e Literatura Russa da Universidade Federal Fluminense - UFF, tem formação (graduação e mestrado) na Universidade Estatal das Humanidades, Moscou, Rússia (2001), e mestrado e doutorado em Literatura e Cultura Russa pela USP, integrando os grupos de pesquisa Diálogo (USP) e Estudos Contemporâneos da Tradução (UFF).
A capa (Fig.03). De fundo branco, traz na metade superior, em grande destaque e em azul, o nome do autor Valentin Volóchinov16 16 Nessa edição, com acento no segundo o: Volóchinov. ; abaixo, em tipos menores, a informação Círculo de Bakhtin, em preto e entre parênteses. Na metade inferior, uma tarja do mesmo azul do nome do autor traz o título da obra, Marxismo e filosofia da linguagem, seu subtítulo logo abaixo, em fonte menor, Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem, e, ainda, Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. Fecha a tarja azul o nome da editora.
Na medida em que a tarja azul não se completa, deixando uma margem lateral à direita para o fundo branco, o efeito visual desta primeira capa é o de destaque para o nome do autor e sua condição de pertencente ao Círculo de Bakhtin, informação estrategicamente colocada entre parênteses. Essa referência ao Círculo, sem os parênteses e apresentada na folha de rosto já estava na tradução brasileira da obra O método formal nos estudos literários: Introdução crítica a uma poética sociológica (BAKHTIN, 2012BAKHTIN, M. O método formal nos estudos literários: Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e Nota das tradutoras de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Apresentação Beth Brait. Posfácio Sheila Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012.), feita pelas mesmas tradutoras, atribuindo a Medviédev o pertencimento ao Círculo de Bakhtin.
Junta-se a esses elementos a quarta capa (Fig.04) por meio da tarja azul, que tem continuidade (ou vem de?), literalmente envolvendo a obra: ela traz apenas o nome da editora. Na metade superior branca, entretanto, que espelha o espaço atribuído ao autor na primeira capa, há um texto resumindo as características da retradução, feita diretamente do russo e destacada como “uma das obras fundamentais da linguística moderna”. O segundo período esclarece o contexto do original: “Redigido no âmbito do Círculo de Bakhtin por Valentin N. Volóchinov (1895-1936), foi por vezes atribuído ao próprio Bakhtin”. Na sequência do mesmo parágrafo, há um resumo muito bem feito do conteúdo da obra, incluindo a proposta do autor de um método sociológico e do destaque para os gêneros do cotidiano. O segundo parágrafo explicita o fato de a tradução ser fruto de extensa pesquisa e lista alguns dos paratextos que a acompanham. Mesmo sem uma assinatura, é possível reconhecer, no texto dessa quarta capa, um contexto de tradução em que o conhecimento sobre Bakhtin e o Círculo está fundamentado em pesquisas e na especialização das tradutoras. Não são somente estudiosas da linguagem, mas pesquisadoras brasileiras das formas de produção, circulação e recepção da perspectiva dialógica.
Os efeitos de autoria dessas capas são completamente diversos daqueles das capas da primeira tradução. Isso permite afirmar, antes mesmo da análise dos demais paratextos, que essa nova tradução acrescenta novos modos de ler e (re)escrever o texto fonte e “que o espaço da (re)tradução é um espaço de coexistência de traduções, e não de substituições; [...] que formam e conformam um complexo de relações de aliança, divergência, ressonância, intertexto, complementaridade etc.” (MATOS; FALEIROS, 2014MATOS, T.; FALEIROS, A. A noção de retradução nos estudos da tradução: um percurso teórico. Revista Letras Raras, vol.3, n.2, p.35-57, fev. 2015. http://revistas.ufcg.edu.br/ch/index.php/RLR/article/view/307/241. Acesso em 18 de maio de 2016.
http://revistas.ufcg.edu.br/ch/index.php...
, p.54); simultaneamente, novos modos de ler e escrever o mesmo texto são também uma crítica.
Se o leitor já foi alertado sobre a autoria desde a primeira capa, com nome, sobrenome e a circunstância de o autor pertencer ao Círculo de Bakhtin, os textos-moldura, ao contrário da tradução de 1979BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. Prefácio Roman Jakobson. Apresentação Marina Yaguello. São Paulo: Hucitec, 1979. , trazem, exclusivamente, assinaturas do contexto acadêmico brasileiro: Orelha/Beth Brait / PUC-SP/USP/CNPq; Ensaio introdutório/Sheila Grillo/USP/CNPq; Notas das tradutoras; Anexo (Plano de trabalho de Volóchinov), com Nota Introdutória das tradutoras; Glossário/Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo/UFF; Sobre o autor e Sobre as tradutoras, assim como a última capa, não trazem assinatura.
A Orelha. Beth Brait assina a orelha desta “primorosa e importante edição”. Inicia lembrando a oportunidade da nova tradução para os que se interessam pela “perspectiva dialógica”, por MFL se constituir, sem dúvida, em “um dos mais conhecidos e citados trabalhos advindos do Círculo de Bakhtin”. Destaca, a seguir, a importância das novas traduções em termos do próprio dialogismo:
No estágio atual dos estudos bakhtinianos, as (re)traduções, no Brasil e no exterior, devem-se à consciência de que o pensamento dialógico exige o conhecimento dos contextos de produção e de recepção, para melhor situar os trabalhos, sua originalidade, seu diálogo polêmico ou não com outras vertentes do conhecimento.
A seguir, ressalta não apenas o fato de que esta nova tradução foi produzida a partir de pesquisas junto aos textos originais russos, em documentos, arquivos e bibliotecas, como também a circunstância - nada desprezível - de que as (re)tradutoras de hoje são “especialistas que se debruçam sobre as fontes primárias não apenas para divulgar obras e autores” - a obra já é conhecida, respeitada e divulgada, “mas para esclarecer a gênese e o alcance do pensamento”. O texto da orelha sublinha ainda sua “pertinência e necessidade”, retomando aspectos que os textos-moldura podem acrescentar àquele primeiro “modo de ler”: esclarecimentos sobre a mudança na atribuição da autoria da obra, a presença de um “alentado ensaio” assinado por Sheila Grillo e mais duas “intervenções” das tradutoras - um plano de trabalho de Volóchinov, e um “precioso glossário” com termos em português e em russo utilizados na obra.
O Ensaio introdutório. O primeiro destaque em relação ao ensaio de Sheila Grillo que introduz a nova tradução de MFL - Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do séc. XIX e início do século XX -, é a clara definição do destinatário: é o leitor brasileiro, apresentado a uma tradução de MFL feita diretamente da língua original, o russo. Isso é mais um fator a configurar um novo modo de ler o texto, desta feita no contexto contemporâneo nacional, um espaço-tempo acadêmico bastante familiarizado com a obra de Volóchinov, que já debateu amplamente suas ideias, reconheceu sua importância inegável, e, de forma geral, se sobrepôs ao debate inacabado acerca da autoria da obra - um dos pontos centrais do Prefácio de Jakobson e da Introdução de Marina Yaguello em 1979. Se o ensaio nos mostra que a obra é uma “resposta à ciência da linguagem do séc. XIX e início do século XX”, ele também responde ao novo contexto de recepção, na medida em que muitas leituras e reflexões sobre a obra foram realizadas nesses 38 anos que separam as duas.
Dirigindo-se a um público que tem pouco acesso à língua russa, o ensaio de Grillo faz a exposição da ciência da linguagem do séc. XIX e início do séc. XX, tal como se apresentava no contexto intelectual russo, a partir do pensamento de Tylkovski (2012) de que “a reconstrução do ‘macrocontexto’ ou do contexto intelectual geral da época do autor desempenha um papel primordial na interpretação de sua obra” (2017, p.8). Essa perspectiva se torna o princípio norteador do ensaio. A autora reconstrói a “biblioteca virtual” de Volóchinov, por meio dos textos citados por ele, com o objetivo de dar ao leitor brasileiro “acesso a novas camadas de sentido” (2017, p.8). Na continuidade, informa que não vai se deter em questões ligadas à sociologia marxista (Bukhárin e Plekhánov), por já terem sido consideradas em outros textos e também por estarem acessíveis ao público brasileiro desde a década de 1970; nem à disputa de assinaturas, tema que abordou no Prefácio da obra de Medviédev, O método formal nos estudos literários (GRILLO, 2012GRILLO, S. V. C. A obra em contexto: tradução, história e autoria. In: MEDVIEDEV, P. O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e Nota das tradutoras de Sheila Grillo eEkaterina Vólkova Américo . Apresentação Beth Brait. Prefácio Sheila Vieira de Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012. p.19-38. p.19-38., p.19-38). Justifica a seleção dos autores dessa biblioteca virtual, cujas obras pesquisou em fontes primárias, encontradas na Biblioteca Estatal Russa em Moscou, com base em dois critérios:
[...] primeiramente, autores centrais para a compreensão do método sociológico desenvolvido em MFL, tanto pela influência quanto pela interlocução polêmica; e, em segundo lugar, autores e escolas ligados à linguística e à filosofia da linguagem, nossa área de atuação (p.8; p.10).
São autores cujas obras não se encontram traduzidas para o português: “salvo exceções”, que
[...] representam os primórdios da linguística russa do final do século XIX à primeira metade do século XX e importantes interlocutores de Bakhtin, Medviédev e Volóchinov tanto no terreno da filosofia da linguagem quanto no da gramática, da linguística, da teoria da literatura e da estilística (2017, p.10).
Complementando a “biblioteca virtual” dos membros do Círculo, Grillo também acrescenta dados conceituais provenientes de autores alemães: W. Humboldt, E. Cassirer e Karl Vossler. Para compreender a posição teórica que ocuparam naquele tempo-espaço da linguística russa, a autora envereda por dois caminhos: (1) a leitura de manuais de linguística e de história da linguística contemporâneos russos (como os linguistas russos interpretam o período); (2) a observação do diálogo entre tais autores, os textos citados em MFL e a posição de Volóchinov.
É então que o ensaio desenvolve questões que enriquecem a compreensão de MFL: de início, esclarecimentos acerca da própria expressão “filosofia da linguagem”, sua pouca “ressonância” entre nós e sua importância e significado para os membros do Círculo que, naquele momento, buscavam fundamentação para seus posicionamentos em abordagens da filosofia da linguagem e das artes em contraposição ao formalismo russo. Grillo coloca o leitor em diálogo com autores como Cassirer e Humboldt, sinalizando a maneira como discutem a origem da linguagem verbal e as relações entre pensamento e linguagem, temas em sintonia com a linguística do séc. XX.
No item seguinte, Grillo mostra por que o pensamento humboldtiano é tão influente para a linguística russa daquele momento: na história da linguística russa, ele é apontado como o “fundador da linguística teórica, criador de um sistema da filosofia da linguagem do século XIX e precursor de quase todas as posições do Curso de linguística geral, de Ferdinand de Saussure” (2017, p.18). Wilhelm Humboldt gozava de um prestígio muito diferente daquele encontrado por aqui. Informações como essa garantem ao leitor novas possibilidades de diálogo com MFL, principalmente porque Grillo vai, aos poucos, chegando a conclusões acerca de elementos comuns à teorização que ambos elaboram sobre a linguagem17 17 É preciso destacar aqui as importantes reflexões do grande estudioso brasileiro do Círculo, Carlos Aberto Faraco, que em sua obra Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin, publicada em 2003 e republicada em 2009, especifica as relações entre Volóchinov e Humboldt. Ver especialmente, no Capítulo III, A filosofia da linguagem, Voloshinov e Humboldt. . À exposição do pensamento de Humboldt, segue-se a do filólogo russo-ucraniano A. A. Potebniá, seu “representante mais próximo em terras russas” (2017, p.23), sendo os dois “os mais importantes representantes da análise especulativa da linguagem” (2017, p.28) naquele cenário.
Na sequência, no item em que apresenta a semiótica e a filosofia da linguagem em G. G. Chpiet, Grillo observa que, na medida em que tanto Volóchinov como Chpiet buscaram responder à teoria da linguagem de Humboldt e à fenomenologia de Husserl, o modo como o último responde aos problemas que coloca permite “compreender muitas das formulações de MFL” (2017, p.35), em termos de aproximações e distanciamentos.
A filosofia da linguagem de Karl Vossler é o tema seguinte. E, à medida que o ensaio se desenvolve, percebemos que Grillo vai se posicionando mais criticamente: “a nosso ver...”; “essa posição não nos pareceu fiel ao pensamento de Vossler”; “O pensamento de Vossler nos pareceu muito mais equilibrado e multifacetado do que é apresentado no manual russo de história da linguística”; “Vemos aqui uma das origens do conceito de diálogo em MFL...” (2017, p.40); “[...] as leituras russas desse autor [Vossler], aí incluída a presente em MFL, são um tanto parciais, pois acentuam apenas o polo da criatividade artística e individual” (2017, p.40). A autora segue apresentando os autores que se ocuparam da questão do diálogo - Iakubínski e Vinográdov, o primeiro com textos já traduzidos em português, e os representantes do objetivismo abstrato - Baudouin de Courtenay e Nikolai Kruchiévski, para então passar a considerações sobre as influências que exerceram sobre a filosofia da linguagem desenvolvida em MFL.
No item O método sociológico de MFL em diálogo com o contexto intelectual, Grillo propõe o que considera os principais tópicos do diálogo entre MFL e seu contexto intelectual: “[...] a síntese dialética entre idealismo neokantiano e sociologia marxista; a questão do diálogo como forma essencial da linguagem; a relação entre língua, sentido e sujeito; o contraponto entre sistema linguístico e tradição filológica” (2017, p.52). Retoma e analisa o modo como MFL dialoga com os autores antes apresentados, por vezes apresentando um diálogo crítico com outras traduções, justificando (ou mesmo criticando) escolhas, buscando mostrar que Volóchinov “[...] operou uma leitura crítica das tradições, uma vez que o estudo sociológico do enunciado concreto se constituiu em diálogo estreito com a tradição” (2017, p.71).
A autoridade do ensaio vem do conhecimento que tem a autora tanto de seu público leitor - cujas referências sobre a linguística diferem bastante daquelas do auditório russo no momento de produção e recepção de MFL -, quanto, especialmente, da pesquisa realizada, cujos frutos constituem o texto. O leitor brasileiro, que agora entra em contato com um contexto distante no espaço e no tempo, pode aceder a camadas de sentido de MFL até então apenas pressentidas. O modo de ler proposto no ensaio responde ao contexto acadêmico contemporâneo, os conceitos do Círculo ganham dimensão e especificidades que recordam mais claramente suas origens e novos diálogos se iniciam.
O anexo, intitulado Plano de trabalho de Volóchinov, publicado no Brasil anteriormente (VOLOCHÍNOV, 2013VOLOCHÍNOV, N.V. (Do Círculo de Bakhtin). A construção da enunciação e outros ensaios. Organização, tradução e notas João Wanderley Geraldi. Edição e supervisão da tradução Valdemir Miotello. São Carlos: Pedro e João, 2013., p.269-263), agora vem acompanhado de uma nota em que as tradutoras esclarecem que o documento consta do arquivo pessoal de Valentin Nikoláievitch Volóchinov e encontra-se no Arquivo Estatal da Federação Russa, em Moscou. Acrescentam que é o terceiro dos relatórios produzidos pelo autor entre 1925 e 1933, e refere-se à sua atuação no Instituto da História Comparada das Literaturas e Línguas do Ocidente e do Oriente (ILIAZV), permitindo ao leitor o “[...] conhecimento do processo de produção da obra e a observação de diferenças significativas entre o projeto e a obra final publicada” (2017, p.326).
Em seguida, o glossário, também realizado pelas duas tradutoras, é composto por 44 entradas, em russo e em português. Nele as autoras esclarecem o sentido de noções constantes da obra, colocando-as em diálogo com os autores citados por Volóchinov e apresentados ao leitor no Ensaio introdutório. Por fim, o leitor pode conhecer melhor a vida do autor da obra e também das tradutoras nas páginas finais do livro em Sobre o autor e Sobre as tradutoras.
Como podemos verificar, também no caso desta tradução de MFL (2017), os textos-moldura preparam o leitor para a obra. Primeiramente, há uma polêmica velada (BAKHTIN, 2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. Tradução direta do russo, notas e prefácio Paulo Bezerra. 4. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2008. , p.224) com a tradução anterior, relativa à questão da autoria, agora explicitada como Valentin Volóchinov (Círculo de Bakhtin). Além disso, há o diálogo com o contexto em que surge a publicação. Nesse sentido, ainda que possam se dirigir a um destinatário que esteja entrando em contato com a obra pela primeira vez, os textos-moldura claramente miram os estudiosos que já conhecem a obra e seu grande valor para os estudos da linguagem.
O conjunto que emoldura o texto principal aprofunda e expõe um modo de ler e de interpretar a obra (re)traduzida, mobilizando princípios metodológicos exigidos para a análise de um enunciado, de acordo com a perspectiva dialógica. O foco desse novo modo de ler são “as formas e tipos de interação discursiva em sua relação com as condições concretas em que se realizam”, como ensina Volóchinov (2017, p.220VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, Notas e Glossário Sheila Grillo ; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.). Isso implica a compreensão do contexto em que foi produzida a obra e os modos como têm sido cronotopicamente recebida: no espaço-tempo de origem, no Brasil e no mundo. Assim considerados, os textos explicativos inserem tradução e retradução no grande tempo, estabelecendo um diálogo de épocas - as (re)traduções não anulam nada, mas, ao contrário, acrescentam novos sentidos uma a outra, oferecendo, nestes dois casos, significativas contribuições aos estudos dialógicos, em particular, e aos estudos da linguagem em geral.
Considerações finais: das resistências dialógicas
As duas traduções brasileiras de Marxismo e filosofia da linguagem (1979 e 2017) têm papel histórico fundamental para os estudos da linguagem no Brasil. Se a primeira dá início à perspectiva dialógica da linguagem e à maneira inovadora de conceber os estudos linguísticos e seu salto para os estudos discursivos, a segunda, quase quatro décadas depois, demonstra a consolidação das pesquisas dialógicas na esfera acadêmica, na linguística, nas análises de discurso, com alcance nas ciências humanas e sociais de maneira geral. Os dois conjuntos de textos-moldura focalizados neste artigo demonstram esse acontecimento de linguagem, sua historicidade e sua produtividade.
Entendidos como uma segunda voz, cuja função principal é assumir o discurso do elogio, necessário e justificável do ponto de vista editorial, os textos-moldura constituem um convite acadêmico e científico à leitura, trazendo o leitor presumido para perto da obra por meio da explicação, da argumentação e do status de autoridade sustentado por suas assinaturas. O enunciador explícito desses textos coloca-se num lugar discursivo diferente do autor, pois tem, além do conhecimento, a obrigação de assumir um discurso esclarecedor e convincente, que pode justificar, por exemplo, uma tradução ou a retradução, conduzindo um modo de ler que indicia o contexto de produção, de circulação e de recepção.
Ao emoldurar a (re)tradução, o conjunto formado pelos textos explicativos assume um lugar dialógico constitutivo, incluindo a tradução ou retradução como participante ativa de uma rede discursiva dialógica que envolve o texto-fonte e suas (re)leituras. Nos casos das traduções dos textos do Círculo no Brasil e, neste artigo, das duas traduções de MFL, é o momento da recepção/tradução da obra e do conhecimento de seu/s autor/autores que define a escolha das assinaturas dos textos-moldura, os quais assumem a autoridade reconhecida pelos (re)tradutores e, consequentemente, pelos leitores presumidos.
Na leitura de 1979, os pesquisadores que escolheram a obra a ser traduzida, assim como os que a traduziram, estavam em contato com o texto-fonte via França, em primeiro lugar, e com o conhecimento de outras traduções existentes e passíveis de consulta. Estavam envolvidos, portanto, com a circulação e recepção de uma obra que, apesar de ter sido publicada no final dos anos 1920, era considerada singular e essencial para novos caminhos dos estudos da linguagem. Essa circunstância explica, entre outras coisas, o conjunto dos textos-moldura e a reiteração para o público brasileiro de dois nomes de projeção como os de Roman Jakobson e Marina Yaguello. Mas ninguém, de fato, naquele momento, tinha acesso às formas de produção de MFL, tateando, por essa razão, entre as poucas informações existentes.
Na (re)leitura de 2017, os sujeitos da escolha e da tradução foram formados pela edição de 1979, o que envolve quase quarenta anos de extensa produção de conhecimentos, no Brasil e no exterior, em torno de MFL, concretizados a partir de diversos gêneros acadêmicos, caso de artigos científicos, dissertações, teses, livros, novas traduções, circulação de pesquisadores interinstitucionalmente, etc. Além disso, nesse significativo período, muitas outras traduções de trabalhos do Círculo foram realizadas, assim como eventos científicos e grupos de pesquisa e de trabalho criados, tendo como tema o “pensamento bakhtiniano”.
Se todos esses elementos solidificaram a importância indiscutível de MFL para os estudos da linguagem em geral e de sua tradução para a perspectiva dialógica instalar-se e proliferar no Brasil, o diferencial a ser acrescentado à (re)leitura de 2017 é que, dentre as condições de produção que a (re)tradução envolve, está a que diz respeito à especialização das tradutoras, uma brasileira e outra russa, na língua russa e nos trabalhos do Círculo. Via pesquisa em arquivos e bibliotecas russas, lidando diretamente com a fonte primária - MFL em russo - a (re)tradução concretiza um novo contexto da recepção brasileira. Nesse contexto, a análise dialógica do discurso (ADD), com contornos singulares, é uma realidade na esfera acadêmica e científica. E esse é, com certeza, o fator que leva os textos-moldura a trazer unicamente assinaturas (femininas!) nacionais. A voz de autoridade que encaminha o leitor a um novo modo de ler MFL vem da tradição acadêmica em torno do Círculo construída no Brasil a partir da década de 1970. Embora haja importantes vozes internacionais, as nacionais resistem a elas e mostram o conhecimento aqui produzido e não simplesmente reproduzido. Uma forma de resistência dialógica, sem dúvida.
Em termos bakhtinianos, portanto, os textos-moldura de MFL (1979 e 2017), enquanto parte constitutiva do enunciado concreto representado pela singularidade de cada uma das traduções, indiciam o diálogo que se estabelece entre o texto fonte e o/s contexto/s de recepção, revelando modos singulares de (re)ler um texto, um teórico, um pensamento.
Para finalizar, observamos que, ao longo dos quarenta anos que nos separam da primeira tradução brasileira de MFL, em conformidade com a ampla pesquisa que tem se desenvolvido em torno do Círculo, seus membros e sua obra, as edições brasileiras, com raras exceções, têm sido mais cuidadosas no que se refere aos textos-moldura, resultado, certamente, da atual “necessidade maior do rigor linguístico, teórico, epistemológico e até mesmo ideológico diante do complexo conjunto denominado ‘pensamento bakhtiniano’” (BRAIT, 2012BRAIT, B. A chegada de Voloshinov/Bakhtin ao Brasil na década de 1970. In: ZANDWAISS, A. (Org.). História das ideias. Diálogos entre linguagem, cultura e história. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2012. p.216-243. , p.217) e de seus estudos em franco desenvolvimento. Eles se configuram, afinal, como enunciados de resistência, no sentido de não dependerem da recepção internacional, mas, ao contrário, revelarem uma identidade brasileira no que diz respeito à perspectiva dialógica, derivada da pesquisa direta das fontes e de novos contextos de pesquisa.
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Declaração de autoria e responsabilidade pelo conteúdo publicado Declaramos que as autoras tiveram acesso ao corpus de pesquisa, participaram ativamente da discussão dos resultados e revisaram e aprovaram o processo de preparação da versão final do artigo.
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Projeto CNPq/Proc. 303643/2014-5: Beth Brait/coordenadora; Maria Helena Cruz Pistori/participante.
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Projeto CNPq/Proc. 307028/2018-6: Beth Brait/coordenadora; Maria Helena Cruz Pistori/ participante.
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Em evento científico conjunto, Encontro Anual Nacional GT/ANPOLL/Estudos Bakhtinianos e XI Jornada do Grupo de Pesquisa/PUC-SP/CNPq Linguagem, Identidade e Memória, realizado de 29/06 a 01/07 de 2016 na UNICAMP, apresentamos uma comunicação oral intitulada Recepção de Bakhtin e o Círculo: modos de ler, iniciando a discussão a respeito dos textos-moldura no grupo de trabalho e no grupo de pesquisa.
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É importante lembrar o expressivo aumento de instituições de ensino superior no período entre as duas traduções de MFL: em 1980, havia 882 instituições federais, estaduais, municipais e privadas; em 2015, havia 2.364. Cf. http://download.inep.gov.br/download/censo/1998/superior/evolucao_1980-1998.pdf ; https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/181204/101_00125.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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Ver: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/remate/issue/view/388 Acesso em 10 de julho de 2019.
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As grafias Volochinov/Voloshinov, com e sem acento vão acompanhar as várias edições.
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A versão para o inglês (VOLOŠINOV, 1973VOLOSHINOV, V. N. El signo ideológico y la filosofía del lenguaje. Tradução do inglês Rosa Maria Rússonovich. Buenos Aires/Argentina: Ediciones Nueva Visión, 1976.) é diferente. Na capa está o nome do autor: V. N. VOLOŠINOV. Além da folha de rosto que repete a autoria, a ficha catalográfica traz o título da obra em russo e Voloshinov como autor.
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Ver MACHADO, I. Comunicação e estudos enunciativos: a contribuição de Roman Jakobson. In: BRAIT, B. (Org.). Estudos enunciativos no Brasil. Histórias e perspectivas. Campinas: Pontes/FAPESP, 2001 e, ainda, da mesma autora, o excelente O filme que Saussure não viu: o pensamento semiótico de Roman Jakobson (MACHADO, 2007MACHADO, I. O filme que Saussure não viu: o pensamento semiótico de Roman Jakobson. São Paulo: Editora Horizonte, 2008.).
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Em outras edições, o Prefácio ocupa as páginas 9-10.
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A esse respeito, consultar a tradução de MFL diretamente do russo (GRILLO; AMÉRICO, 2017GRILLO, S. V. C.; AMÉRICO, E. V. Valentín Nikoláievitch Volóchinov: detalhes da vida e da obra encontrados em arquivos. ALFA, São Paulo, v.61, n.2, p.255-281, 2017. https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/8962/6735. Acesso em 20 de março de 2019.
https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/a... ), tratada adiante. -
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Para conhecer um amplo conjunto de escritos de Valentin Volóchinov, consultar tradução recente, feita diretamente do russo (GRILLO; AMÉRICO, 2019GRILLO, S. V. C. A obra em contexto: tradução, história e autoria. In: MEDVIEDEV, P. O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e Nota das tradutoras de Sheila Grillo eEkaterina Vólkova Américo . Apresentação Beth Brait. Prefácio Sheila Vieira de Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012. p.19-38. p.19-38.).
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Isso se comprova, inclusive, no Sumário, em que aparece o nome de Jakobson como autor do Prefácio, mas não o nome de quem assina a Introdução.
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O Brasil ainda tem 11,3 milhões de analfabetos entre a população de 15 anos ou mais - o número corresponde a 6,8% dessa população. O dado diz respeito ao cenário identificado em 2018 e apresentou queda de 0,1 ponto percentual em relação a 2017 - o que significa 121 mil analfabetos a menos - quando o país tinha 6,9% das pessoas nessa situação. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e fazem parte do suplemento de educação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/brasil-ainda-tem-113-milhoes-de-analfabetos-23745356 Acesso em 25 de outubro de 2019.
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Ver Bakhtin (2015BAKHTIN, M. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da edição russa: S. Botcharov e V. Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015., 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016. , 2017BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2017. , 2018)BAKHTIN, M. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov.São Paulo: Editora 34, 2018. ; Volóchinov (2019)VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia. Ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019. .
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Ver Bakhtin (2013)BAKHTIN, M. O método formal nos estudos literários: Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e Nota das tradutoras de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Apresentação Beth Brait. Posfácio Sheila Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012..
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Nessa edição, com acento no segundo o: Volóchinov.
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É preciso destacar aqui as importantes reflexões do grande estudioso brasileiro do Círculo, Carlos Aberto Faraco, que em sua obra Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin, publicada em 2003 e republicada em 2009, especifica as relações entre Volóchinov e Humboldt. Ver especialmente, no Capítulo III, A filosofia da linguagem, Voloshinov e Humboldt.
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» http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502004000300010 - BAKHTIN, M. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov.São Paulo: Editora 34, 2018.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Abr 2020 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2020
Histórico
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Recebido
22 Ago 2019 -
Aceito
29 Nov 2019