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“Metamorfoses decoloniais”: o inconsciente animista e transmutações como cosmovisão nas Literaturas Africanas

RESUMO

“Metamorfose” é um termo inerente à realidade colonial, em que os paradigmas e concepções ontológicas e identitárias descortinam uma questão recorrente na literatura africana: Quem sou eu? A partir disso, este artigo objetiva analisar o fenômeno da metamorfose/transmutação como uma das características do texto real-animista, consequência estética advinda da concepção animista de ver o mundo. Para tanto, discutiremos como a presença do imaginário da religiosidade tradicional africana se traduz em recorrentes episódios insólitos - como a transmutação -, através da obra de escritores africanos, como o nigeriano Amós Tutuola, o angolano Décio Bettencourt e o moçambicano Mia Couto. Por fim, veremos que a presença deste fenômeno traduz não só um imaginário mítico, mas os devires homem e nação em sociedades fragmentadas identitariamente pelo colonialismo.

PALAVRAS-CHAVE:
Realismo animista; Metamorfose; Transmutação; Literatura Africana

ABSTRACT

Metamorphosis is a term inherent to colonial reality in which ontological and identity paradigms and conceptions reveal a recurring question in African literature: Who am I? Based on this, this article aims to analyze the phenomenon of metamorphosis/transmutation as a characteristic of real-animist texts, which is an aesthetic consequence arising from the animistic conception of perceiving the world. We will discuss how the presence of the imaginary of traditional African religiosity translates into recurrent unusual episodes, such as transmutations, through the works of African writers such as Nigerian Amos Tutuola, Angolan Décio Bettencourt, and Mozambican Mia Couto. Finally, we will observe that the presence of this phenomenon translates not only into a mythical imaginary but also into becoming-individual and becoming-nation in societies fragmented identity-wise by colonialism.

KEYWORDS:
Animist realism; Metamorphosis; Transmutation; African literature

Considerações iniciais

É fato que o processo de análise das literaturas africanas perpassa um modelo pós-colonial de leitura (Hamilton, 1999HAMILTON, Russel G. A literatura nos PALOP e a teoria pós-colonial. Revista Via Atlântica - Publicação da Área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, São Paulo, n. 3, p. 15, 1999.), já que um dos elos temáticos destes projetos literários, em âmbito continental, é o colonialismo e suas consequências - geopolíticas e mentais (Fanon, 1961FANON, Frantz. The Wretched of the Earth. London: Penguin Books, 1961.). Não se desconsidera, porém, que esse processo colonial invadiu, se desenvolveu e resultou em subprocessos diferentes para cada nação africana, mas que, de certa forma, modelou um pensamento: o “pós-colonial”, epistemologicamente em um ambivalente modelo filosófico, que “teria de se imbuir do colonial, incorporá-lo e dialogar com ele para o descrever e prescrever” (Mata, 2008MATA, Inocencia. A crítica literária africana e a teoria pós-colonial: um modismo ou uma exigência? O MARRARE - Revista da Pós-Graduação em Literatura Portuguesa da UERJ, n. 8, 2008. Disponível em www.omarrare.uerj.br/numero8/inocencia.htm. Acesso em: 10 jan. 2023.
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, p. 30).

Contudo, os estudos pós-coloniais falharam ao distanciar a temática religiosa do protagonismo sob temas inerentes à sua base epistemológica. Tal temática, renegada a ser um substrato da “cultura” e “identidade”, além de seu caráter subjetivo e ambíguo - em uma perspectiva marxista, muito presente no arcabouço teórico da crítica pós-colonial - no qual Michael Löwy, em “Marxismo e religião: ópio do povo?” (2006LÖWY, Michael. Marxismo e religião: ópio do povo? Tradução de Rodrigo Rodrigues. In: BORÓN, A. et. al. (comp.) A teoria marxista hoje. Buenos Aires: CLACSO, 2006. p. 298-315. Disponível em https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/formacion-virtual/20100715080929/cap11.pdf. Acesso em 20/set/2023.
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, p. 298-315), já discutia. Mário Lugarinho (2019)LUGARINHO, Mário César. Prefácio. In: PARADISO, S. R. Religião e religiosidade nas literaturas africanas: um olhar em Achebe e Mia Couto. Mogi-Guaçu: Becalete, 2019. aponta que a crítica literária pós-era das colonizações teceu um “divórcio” entre os aspectos religiosos e o conhecimento em si, citando uma passagem de Mitologies (2006)1 1 Mitologias, publicado em português pela Bertrand Brasil, 2001, com tradução de Rita Buongermino e Pedro de Souza. , de Barthes. Nesse texto, Barthes cita que etnólogos como Mauss, Lévi-Strauss ou Leroi-Gourhan tentaram romper tal divórcio, ainda que fundamentados em concepções raciais e ambíguas. Lugarinho (2019)LUGARINHO, Mário César. Prefácio. In: PARADISO, S. R. Religião e religiosidade nas literaturas africanas: um olhar em Achebe e Mia Couto. Mogi-Guaçu: Becalete, 2019. continua reforçando a necessidade de se romper esse divórcio sem, contudo, reforçar aspectos positivistas e cartesianos acerca da religiosidade, já que

o divórcio referido por Barthes servia às formas de dominação coloniais, às formas de subjugação culturais, e à manutenção das estruturas que mantinham a oposição entre a dita civilização e a dita barbárie. Superar esse divórcio faz parte da agenda dos estudos pós-coloniais (p. 16).

Desta forma, este artigo visa discorrer sobre a presença da religiosidade na literatura africana, de forma específica às religiões tradicionais africanas. Ademais, articular-se-á que a presença deste imaginário, aqui chamado de “inconsciente animista”, desdobrou-se em discussões estéticas sobre o insólito nestas literaturas, bem como a forma específica que tais fenômenos precisam ser observados numa cosmovisão local. Adiante, pontuar-se-á características recorrentes em textos real-animistas, como a metamorfose - fenômeno de transmutação de formas - que, ao mesmo tempo, revela um pensamento animista, bem como as tensões identitárias de um mundo pós-colonial.

1 As literaturas africanas e a religiosidade

A ausência dos saberes sobre a religiosidade nos estudos pós-coloniais até a década de 80 retardou uma fenomenologia pós-colonial da religião, em que se analisa o fenômeno religioso em perspectiva pós-colonial que, nas palavras de Loiola (2011)LOIOLA, José Roberto Alves. Pós-colonialismo e religião: possibilidades metodológicas. Revista Caminhos, Goiânia, v. 9, n. 1, p. 159-174, jan./jun. 2011., valida as relações teóricas e teológicas que reforcem a alteridade nas tradições escritas (ou não), no contexto colonial e além dele. Mesmo que o nigeriano Chinua Achebe, ao lançar Things Fall Apart [O mundo se despedaça2 2 Publicado em português pela Companhia das Letras, 2009, com tradução de Vera Queiroz da Costa e Silva. ] em 1958 - um marco na literatura africana e no pós-colonialismo -, dispusesse aos leitores e críticos que os aspectos religiosos eram tão importantes na crítica colonial quanto o próprio colonialismo, foi somente em meados da década de 90, com o artigo “Dialogical Theology in the Novels of Chinua Achebe” [Teologia dialógica nos romances de Chinua Achebe], de Ashton Nichols (1996)NICHOLS, Ashton. Dialogical Theology in the Novels of Chinua Achebe. And the Birds Began to Sing. Religion en Literature in Post-Colonial Cultures, v. 22, 1996., que a questão religiosa no texto de Achebe foi analisada numa perspectiva pós-colonial, e não meramente antropológica ou de substrato cultural. Achebe vai ser fundamental para que os olhares retomem os também nigerianos Daniel O. Fagunwa, com seu Ògbójú Ọdẹ nínú Igbó Irúnmọlẹ̀ [O Velho caçador na floresta dos Irunmole] (1938); e Amós Tutuola, com The Palm-Wine Drinkard3 3 O bebedor de vinho de palmeira, publicado em português pelo Círculo do Livro, 1980, com tradução de Eliane Fontenelle. (1952) ambos textos protagonizados pela mitologia religiosa dos iorubás. Do ponto de vista teórico, Wole Soyinka, com seu ensaio “The Fourth Stage” [A quarta etapa] (1973), inicia uma discussão sobre a necessidade de um olhar específico acerca das literaturas africanas, a partir, principalmente, de seu imaginário religioso. Então, em 1991, o romance do nigeriano Ben Okri, The Famished Road [A estrada faminta], dará o pontapé inicial (estudos pós-coloniais anglófonos) para estudos específicos da religiosidade africana no contexto da crítica literária pós-colonial, em especial com o trabalho de Brenda Cooper (1998)COOPER, Brenda. Magical Realism in West African Fiction: Seeing with a Third Eye. London/New York: Routledge, 1998., cujo estudo debruça-se em Syl Cheney-Coker, de Serra Leoa, no próprio Ben Okri, da Nigéria, e em Kojo Laing, do Gana. Como se vê, as literaturas africanas em língua inglesa foram essenciais nesse processo, mas não únicas.

Enquanto o tema começa a ter visibilidade a partir de Achebe e seu romance supracitado - que escancarou a importância do pensamento religioso tanto do colonizado quanto do colonizador -, no enredo colonial voltado aos países africanos de língua portuguesa, o angolano Pepetela, com A revolta da casa dos ídolos (1980PEPETELA. A revolta da casa dos ídolos. Lisboa: Edições 70, 1980.), apresenta as relações entre religiosidade (tradicionais africanas e cristianismo) e o contexto de colonização do século XVI. Inclusive, será Pepetela que irá questionar uma estética literária africana própria a partir do inconsciente psico-religioso tradicional: o realismo animista. Assim, na década de 80, em Angola e Moçambique, vários textos começam a valorizar a religiosidade local, até mesmo como parte de uma estética própria, como assinala Trigo (1981)TRIGO, Salvato. Luandino Vieira: o logoteta. V.4 de Colecção Literaturas Africanas. Brasília Editora, 1981. - Lueji (1989), de Pepetela; A morte do velho Kipacaça (1987), de Boaventura Cardoso; e Vozes anoitecidas (1986COUTO, Mia. Vozes anoitecidas. Lisboa: Editorial Caminho, 1986.), de Mia Couto, são exemplos disso.

O mea culpa dos estudos pós-coloniais, em desconsiderar a temática religiosa, só vem em 2007, na segunda versão do aclamado The post colonial studies: key concepts [Os estudos pós-coloniais: conceitos-chave] em que Bill Aschcroft, Gareth Griffiths e Helen Tiffin, alguns dos primeiros pesquisadores a condensarem a teoria pós-colonial, em The Empire Writes Back: Theory and Practice in Post-colonial Literatures [O Império escreve de volta: teoria e prática em literaturas pós-coloniais] (1989ASCHCROFT, Bill et al. The Empire Writes Back: Theory and Practice in Post-colonial Literatures. London: Routledge,1989.). Eles defendem a necessidade urgente de se atrelar os estudos pós-coloniais com os estudos da religião.

Como se vê, as Literaturas Africanas foram essenciais no processo de convergência entre estudos religiosos e estudos pós-coloniais, o que possibilita o entendimento do impacto do imperialismo nas religiões (do colonizador e do colonizado), suas consequências no imaginário religioso de ambos os grupos e sobre como a produção literária responde a tudo isso (Goulet, 2011GOULET, Nicole. Postcolonialism and the Study of Religion: Dissecting Orientalism, Nationalism, and Gender Using Postcolonial Theory. Religion Compass, v. 5, n. 10, p. 631-637, 2011.). No caso específico das literaturas africanas, em especial da África subsaariana, compreender a religiosidade de seus inúmeros povos é entender sua estética (Cooper, 1998COOPER, Brenda. Magical Realism in West African Fiction: Seeing with a Third Eye. London/New York: Routledge, 1998.).

2 As religiões tradicionais africanas e o inconsciente animista

Se hoje os estudos pós-coloniais convergem os estudos sobre religiões e religiosidades em seus propósitos, ainda há muito a se fazer, pois a gama de universos religiosos nos contextos coloniais é grande. No caso dos estudos pós-coloniais em língua inglesa, o islamismo, o cristianismo e o hinduísmo (Said, 1979SAID, Edward. Orientalism. New York: Vintage Books. 1979.; Roy, 1998ROY, Parama. Indian Traffic: Identities in Question in Colonial and Postcolonial India. Berkeley: University of California Press, 1998.; Spivak, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, C.; GROSSBERG, L. (eds.). Marxism and the Interpretation of Culture, Basingstoke: MacMillan. 1988. p. 271-313.; Van Der Veer, 2002VAN DER VEER, Peter. Religion in South Asia. Annual Review of Anthropology, n. 31, p. 173-187, 2002.) já possuem farto material. No caso das religiões tradicionais africanas, há um longo e necessário percurso, especialmente devido a sua presença em contos, peças e romances africanos pós-anos 80. A importância do pensamento religioso tradicional africano é fundamental para o entendimento da cultura africana e de suas literaturas, como revelam vários escritores. Mia Couto (2002, s.p), por exemplo, diz: “(...) eu não posso compreender a África se não compreender uma coisa que nem tem nome, que é a religião africana, que chamam às vezes de animista”. Tal assertiva também é respaldada pelos angolanos Pepetela (apud Chaves; Macedo, 2009, p. 39): “de um modo geral o povo angolano é religioso (...) [Assim], é forçoso que a literatura angolana toque muito no aspecto da religiosidade”; e Henrique Abranches (2011ABRANCHES, Henrique. Da mitologia tradicional ao universalismo literário. Luanda: União dos Escritores Angolanos. Entrevista. Disponível em: http://www.ueaangola.org/mostra_entrevistas.cfm?ID=440. Acesso em: 12 jan. 2023.
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, p. 5), que revela: “O que eu faço muitas vezes são estórias à roda de um realismo animista, que é um realismo que anima a natureza. Que, na realidade tradicional, são qualidades animistas”.

O estudo sobre a presença do imaginário religioso tradicional africano, que Wole Soynka (1976) entenderia como “cosmovisão africana”, pressupõe que certos conceitos e termos tomem seus devidos lugares que, a priori, são lúbricos e precisam de ponderações. Em primeiro lugar, o próprio termo “religiões tradicionais africanas”.

Inicialmente, falar de “religião” no contexto africano é um desafio, principalmente quando se refere a uma religiosidade autóctone, pois, se África é um continente com 54 países, distribuídos em cinco regiões (África Setentrional, África Meridional, África Central, África Ocidental e África Oriental) com aproximadamente 500 grupos étnicos, que utilizam ao menos 40 línguas diferentes, somente a pluralização do termo “religião” não será suficiente para resolver a problemática. Antes de tudo, deve-se compreender que a diversidade continental africana não esbarra homogeneização de termos, mas sim em uma ideia flexível para o conjunto de experiências e práticas religiosas anteriores à chegada dos colonizadores (e que permanecem até hoje). Ainda que o termo admita o uso do conceito de “religião”, a ideia manifesta no conceito “religiões tradicionais africanas” se refere ao sentimento, à prática da fé, sem muitas predeterminações (Holdcroft, 2006HOLDCROFT, Barbara. What is Religiosity? Catholic Education: A Journal of Inquiry and Practice. v. 10, n. 1, p. 89-103, 2006.). Segundo Altuna (1985ALTUNA, Raul Luiz. Cultura tradicional banto. Luanda: CEAST, 1985., p. 380), “a essência da religião africana consiste em vivência prática e não em explicação teológica”. Assim, tais “religiões” não são institucionais, mas um conjunto de práticas psicossociais, amparadas numa cosmovisão. E é essa cosmovisão que mobiliza o uso do termo em seu sentido genérico, pois é nela a recorrência de características comuns em centenas de crenças e práticas culturais que constituem a religiosidade e vida da África Subsaariana, conhecida também como “África Negra” (Souza, 2012; Altuna ,1985ALTUNA, Raul Luiz. Cultura tradicional banto. Luanda: CEAST, 1985., Ribas, 1958RIBAS, Óscar. Ilundo: divindades e ritos angolanos. Luanda: Ed. do Museu de Angola, 1958.).

O termo “religião tradicional africana” foi oficializado em eventos como o “Colóquio de Abidjam” e o “Encontro Internacional de Bouaké”, realizados na Costa do Marfim, que abordavam questões africanas. Após uma análise antropológica e etnológica, decidiu-se utilizar esse termo para descrever o conjunto de práticas religiosas em todo o continente africano. Isso ocorreu porque, no contexto antropológico, o termo “religião” foi adotado seguindo os moldes ocidentais, ou seja, como uma crença, uma vez que as tradições religiosas são, acima de tudo, uma organização em torno de práticas relacionadas ao mundo espiritual. Anteriormente, essas crenças eram chamadas de animistas, mas percebeu-se que o animismo corresponde à cosmovisão, e não necessariamente à prática em si. Esses encontros foram importantes para desconstruir estereótipos e abordagens etnocêntricas em relação às religiosidades de diversos povos na África. De acordo com Rehbein (1985)REHBEIN, Franziska Carolina. Candomblé e salvação. São Paulo: Loyola. 1985., especialistas em antropologia, sociologia e história presentes nos eventos concordaram que existia uma estrutura básica comum nas religiões tradicionais africanas, especialmente na costa ocidental e centro-sul da África. Portanto, o termo “religiões tradicionais africanas” é utilizado, mas levando em consideração que a palavra “religião” possui uma interpretação etimológica diferente daquela baseada em pensamentos cristãos, e “africanas”, enquanto um termo genérico aceito, considerando as recorrentes estruturas de crença fundamentadas em uma mesma “cosmovisão” (Baudoin, 1965BADOUIN, Robert. Rencontres internationales de Bouaké, janvier 1962, Tradition et modernisme en Afrique noire. Tiers-Monde, tome 6, n. 23, p. 814-815, 1965. Disponível em: www.persee.fr/doc/tiers_0040-7356_1965_num_6_23_2147_t1_0814_0000_2. Acesso em: 06 set 2022.
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), que se baseia na concepção animista de compreensão do ser humano e do mundo.

Esse pensamento animista tem elementos recorrentes, conforme Souza (2012), Ribas (1958)RIBAS, Óscar. Ilundo: divindades e ritos angolanos. Luanda: Ed. do Museu de Angola, 1958. e Altuna (1985)ALTUNA, Raul Luiz. Cultura tradicional banto. Luanda: CEAST, 1985., como: crença numa existência, ordem e manifestação dos mundos visível e invisível. No mundo invisível: a divindade suprema, os arquipatriarcas, os espíritos da natureza, os ancestrais e os antepassados. No mundo visível: os reis, os chefes de reino, tribo, clã ou família, os especialistas da magia (curandeiros e feiticeiros), os anciãos, a comunidade, o ser humano, os animais, os vegetais, os minerais, os fenômenos naturais e os astros. Estes dois mundos podem ser passíveis não só de crença, mas de culto. Há ainda a crença no pós-morte, culto aos antepassados, a existência de possessão espiritual, a crença em magia e na possibilidade de sua manipulação, o uso de objetos sacralizados, como totens, máscaras, amuletos, vestes, objetos litúrgicos etc., entre outras características.

Apesar de o termo “religião tradicional africana” ter seus críticos, há intelectuais africanos, como o congolês Vicent Mulago, diretor do Centro de Estudos das Religiões Africanas de Kinshasa, na República Democrática do Congo, e o ruandês Alexis Kagame, que sugerem e ratificam o uso do termo “religiões tradicionais africanas” para denominar o conjunto de crenças e práticas tradicionais religiosas africanas (Martinez, 2009MARTINEZ, Francisco Lerma. Religiões africanas hoje: introdução ao estudo das religiões em Moçambique. Maputo: Paulinas Editora, 2009.; Altuna, 2014). Grupos panafricanistas contemporâneos, como o “Missão Afrikana”, atualmente adotam o termo “religião tradicional africana” para representá-la como uma religião panafricana moderna. É importante destacar que, mesmo com todos esses pormenores, complexidades, adendos e críticas, o termo mais amplamente utilizado no contexto da Antropologia e das Ciências das Religiões ainda é “religiões tradicionais africanas”, evidentemente compreendido em seu significado global, limites e complexidades terminológicas.

Assim, a ideia focal aqui é que o termo “religião tradicional africana” não resume uma heterogenia de práticas, mas um weltanschauung em comum, o que justifica o termo, sintetizado na expressão de um “inconsciente animista”.

O inconsciente animista, segundo o poeta e professor nigeriano Harry Garuba (2012)GARUBA, Harry. Explorações no realismo animista: notas sobre a leitura e a escrita da literatura, cultura e sociedade africana. Tradução de Elisângela da Silva Tarouco. Nonada. Letras em Revista, Porto Alegre, ano 15, n. 19, p. 235-256, 2012., não diz respeito a uma religião, tampouco a uma relação à antiga ideia de “animismo” proposta pelos antropólogos do século XIX. Para ele, esse inconsciente é um “o modo animista de pensamento [que] é incorporado ao âmbito dos processos de atividades materiais e econômicas e, em seguida, se reproduz na esfera da cultura e da vida social” (Garuba, 2012GARUBA, Harry. Explorações no realismo animista: notas sobre a leitura e a escrita da literatura, cultura e sociedade africana. Tradução de Elisângela da Silva Tarouco. Nonada. Letras em Revista, Porto Alegre, ano 15, n. 19, p. 235-256, 2012., p. 241). Tal conceito vai ao encontro de uma ideia junguiana de “inconsciente coletivo”, construída por informações, ideias pré-concebidas e impressões herdadas pela sociedade, família e o próprio indivíduo, que devolvemos de forma indireta. É como se a forma de ver, interpretar e conceber o mundo fosse naturalizada a ponto de se manifestar em várias práticas, concepções e discursos. Essa forma, segundo Garuba (2012)GARUBA, Harry. Explorações no realismo animista: notas sobre a leitura e a escrita da literatura, cultura e sociedade africana. Tradução de Elisângela da Silva Tarouco. Nonada. Letras em Revista, Porto Alegre, ano 15, n. 19, p. 235-256, 2012., tem como base um tipo de pensamento pautado na espiritualização do mundo material que, para ele, converge no termo “animista” em sua forma mais pura, etimologicamente falando, “crença no anima [alma]” (Goldwag, 2007GOLWAG, Arthur. Isms and Ologies: 453 Difficult Doctrines You've Always Pretended to Understand. Penguin Group, 2007.).

Os estudos de Garuba partem da observação da figura da divindade iorubá Xangô (Ṣàngó) na cultura nigeriana contemporânea e de como um pensamento religioso comum perpassa o tempo, fronteiras e instituições, muito além da esfera religiosa:

Garuba afirma que em vez de “erigir imagens esculpidas para simbolizar o ser espiritual, A importante conclusão acerca do realismo animista está na influência que ele exerce através de um “inconsciente animista” nas formas culturais materiais das sociedades contemporâneas. Desse modo, não é adequado restringir o animismo à esfera do religioso. O pensamento animista reorganizaria os discursos científico e moderno, afetando o comportamento social, a produção econômica e a criação artística (Silveira, 2019SILVEIRA, Regina. Realismo animista. In: Dicionário Digital do Insólito Ficcional. UERJ, 2019. Disponível em: https://www.insolitoficcional.uerj.br/realismo-animista/. Acesso em: 22 jul. 2022.
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, s.p.; grifo nosso).

Em relação aos críticos do termo “animista”, presos na reprodução do pensamento antropológico do médico alemão Georg Ernst Stahl (1660-1734) e do antropólogo inglês Edward B. Tylor (1832-1917) - já superados -, Garuba (2012GARUBA, Harry. Explorações no realismo animista: notas sobre a leitura e a escrita da literatura, cultura e sociedade africana. Tradução de Elisângela da Silva Tarouco. Nonada. Letras em Revista, Porto Alegre, ano 15, n. 19, p. 235-256, 2012., p. 239) reforça que a palavra não reduz as religiões tradicionais africanas no conceito, pois animismo não é religião, mas uma “consciência religiosa”, cuja retificação, inicialmente, teria anseios religiosos, mas distanciou-se como parte de uma significação social. Kabwasa (1982KABWASA, Nsang O’khan. O eterno retorno. O Correio da UNESCO, Brasil, ano 10, n. 12, p. 12-15, 1982., p. 14), quando cita “visão africana animista do universo”, também se refere ao termo como um aspecto presente nas crenças, e não a crença em si. A questão é compreender que as religiões tradicionais - e cada qual, por vezes, com uma nomenclatura própria, como Ìṣẹ̀ṣe dos iorubás, Odiani dos ibos, Vodou dos povos do Gana, Togo e Benin, Badimo dos bechuanos etc. - não são resumidas a serem animistas, mas possuírem nelas, em graus diferentes, um pensamento animista. Até porque o animismo é um modo de pensamento presente em várias culturas, e não só na africana. Portanto, ao referirmos o termo “animista” a estas religiões, estamos metonimicamente relacionando-as ao modus vivendi recorrente dessas religiões. Hellen Tiffin, uma figura importante nos estudos pós-coloniais, reforça tal ideia: “It is timely that animism be radically reconsidered, especially in relation to Western poetry and politics”4 4 “É oportuno que o animismo seja radicalmente reconsiderado, especialmente em relação à poética e política ocidentais” (Tradução minha). (Tiffin, 2000 [contracapa]).

Compreender isso é se afastar do uso inicial da palavra “animismo”, ressignificando-a (bem como suas variações: animista, anímico etc.), como bem se vê nos trabalhos do próprio Garuba, de Philippe Descola (2015)DESCOLA, Philippe. Além de natureza e cultura. Tessituras: Revista de Antropologia e Arqueologia, Pelotas, v. 3, n. 1, p. 7-40, 2015., Graham Harvey (2006)GRAHAM, Harvey. Animism: Respecting the Living World. New York: Columbia University Press, 2006., Eduardo Viveiros de Castro (2002) e, mais fortemente, nas pesquisas da zimbabuense Caroline Rooney (1957), professora de literatura pós-colonial na Universidade de Kent, que propõe, em African Literature, Animism and Politics (2000), a manutenção do termo como uma forma de contrapor o discurso etnocêntrico de outrora.

Desta forma, esse inconsciente animista converge em um modo de conceber a realia que, por sua vez, manifesta-se através de um realismo animista que, para Garuba (2012)GARUBA, Harry. Explorações no realismo animista: notas sobre a leitura e a escrita da literatura, cultura e sociedade africana. Tradução de Elisângela da Silva Tarouco. Nonada. Letras em Revista, Porto Alegre, ano 15, n. 19, p. 235-256, 2012., é a expressão que define a produção literária que advém deste inconsciente.

3 O realismo animista

O realismo animista, enquanto conceito, começou a ser teorizado por Garuba no texto “Ben Okri: Animist Realism and the Famished Genre” [Bem Okri: animismo realista e o gênero faminto] (1993GARUBA, Harry. Ben Okri: Animist Realism and the Famished Genre. The Guardian, Lagos, 13 de março de 1993.) e depois em Explorations in Animist Materialism: Notes on Reading/Writing African Literature, Culture, and Society5 5 Explorações no realismo animista: notas sobre a leitura e a escrita da literatura, cultura e sociedade africana, publicado em português em Nonada: Letras em Revista, vol. 2, núm. 19, outubro de 2012, p.235-256, Porto Alegre, Brasil, com tradução de Elisângela da Silva Tarouco. Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/5124/512451673021.pdf. Acesso em 18/out./2023. (2003). Contudo, em 1989, Pepetela já citava o termo em seu romance Lueji (1989):

- Eu queria é fustigar os dogmas (...)

- Eu sei, Jaime. Por isso te inscreves na corrente do realismo animista...

- É. O azar é que não crio nada para exemplificar. E ainda não apareceu nenhum cérebro para teorizar a corrente. Só existe o nome e a realidade da coisa. Mas este bailado todo é realismo animista, duma ponta à outra. Esperemos que os críticos o reconheçam (...).

- O Jaime diz a única estética que nos serve é a do realismo animista, explicou Lu. Como houve o realismo e o neo, o realismo socialista e o fantástico, e outros realismos por aí.

(...) isto que andamos a fazer é sem dúvida alguma. Se triunfamos é graças ao amuleto que a Lu tem no pescoço. Ela não quer contar a estória, mas que é um amuleto ela não pode negar (Pepetela, 2015PARADISO, Sílvio Ruiz. Religiosidade na literatura africana: a estética do realismo animista. Estação Literária, Londrina, v. 13, p. 268-281, 2015. Disponível em http://www.uel.br/pos/letras/EL/vagao/EL13-Art18.pdf. Acesso em 18/out/2023.
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[1989], p. 451-456).

O que Garuba e Pepetela estão a descrever refere-se a uma tentativa de compreender como essa cosmovisão, a partir do imaginário religioso tradicional, reproduz um modelo estético de representação da realidade. Inicialmente, a discussão parte da ideia de categorizar o insólito africano, já que a presença de um imaginário religioso estaria diretamente relacionada às concepções de realidade, bem como a subversão dela, através de fenômenos incomuns e não habituais (dentro do olhar ocidental).

A obra do nigeriano Ben Okri foi essencial para essa discussão, já que a presença de um insólito ficcional traria à tona a pertinência ou não de classificá-la como realismo mágico. Entretanto, além de Garuba, outros intelectuais e pesquisadores africanos, como o nigeriano Ogunsanwo (1995) e os ganeses Appiah (1992) e Quayson (1997), criticam o deslocamento de termos como “mágico” e “maravilhoso”, próprios de um contexto latino-americano, para uma realidade de produção textual africana, que leva em conta a cosmovisão animista:

Quayson demonstra a maneira pela qual a base de recursos tradicionais (...) foi colocada a serviço de textos literários (...) estratégias e técnicas narrativas que são feitos comprovadamente superestruturais de uma concepção animista de realidade e do mundo (Garuba, 2012GARUBA, Harry. Explorações no realismo animista: notas sobre a leitura e a escrita da literatura, cultura e sociedade africana. Tradução de Elisângela da Silva Tarouco. Nonada. Letras em Revista, Porto Alegre, ano 15, n. 19, p. 235-256, 2012., p. 242).

Desta forma, a partir da década de 90, inicia-se uma discussão da crítica literária sobre a representação do insólito africano que, ao mesmo tempo, refuta as classificações já consolidadas da América Latina e leva em consideração o weltanschauung africano.

Garuba será, portanto, o precursor, tanto de uma teoria estética que parte do inconsciente animista, como de um avivamento dos estudos sobre religiões tradicionais africanas no contexto pós-colonial, pois, segundo ele: “uma compreensão animista do mundo aplicada à prática da vida cotidiana, muitas vezes forneceu caminhos de agência para os despossuídos na África colonial e pós-colonial” (Garuba, 2012GARUBA, Harry. Explorações no realismo animista: notas sobre a leitura e a escrita da literatura, cultura e sociedade africana. Tradução de Elisângela da Silva Tarouco. Nonada. Letras em Revista, Porto Alegre, ano 15, n. 19, p. 235-256, 2012., p. 255).

O realismo animista é o resultado estético a partir da concepção animista de ver o mundo e, nesse ponto, é fundamental entender a diferença da modalidade literária (realismo animista/real-animista) para a fonte inspiradora (inconsciente animista/pensamento animista), já que nem sempre um texto apresentando o pensamento animista é um texto real-animista:

A presença das Religiões ou Religiosidades Tradicionais Africanas no texto literário africano pode se apresentar de várias formas, sendo basicamente através de fenômenos, atividades e/ou experiências cognitivas, palpáveis, tangíveis e comportamentais, direta ou indiretamente, que envolvam o conjunto de crenças autóctones. Por exemplo, quando o texto apresenta ritos sociais (lobolo, circuncisão, ritos de passagem etc.), rituais (curandeirismo, manipulação de magia etc.), práticas sobrenaturais (possessão, egunguns, vaticínios etc.), ou até mesmo através de forma indireta, em que a “crença” é evidenciada (uso de amuletos, crença nos espíritos, sonhos etc.), estas formas em que a religiosidade aparece estão dentro de uma categoria, que chamo de “pensamento real animista” ou “inconsciente animista” (fonte inspiradora) (...). Nesta categoria estão manifestações da religião e religiosidade mais próximas da dimensão humana, material, sociológica e antropológica. Quando nas narrativas estes fenômenos, atividades e/ou experiências se encontram numa perspectiva do insólito (além do “real” Ocidental), como animais falantes, mortos se comunicando, transmutação [metamorfoses] (animais em humanos e vice-versa), a presença de seres místicos extraordinários, por exemplo, soma-se a categoria anterior, a estética do Real-Animismo, a modalidade literária (Paradiso, 2020PARADISO, Sílvio Ruiz. O realismo animista e as literaturas africanas: gênese e percursos. Revista Interletras, v. 11 n. 2, 2020. Disponível em https://revistas.unicentro.br/index.php/revista_interfaces/article/view/6187. Acesso em 18/out/2023.
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).

Dentre as características de um texto real-animista, algumas são recorrentemente visíveis:

1) a presença de um pensamento animista que, como já situado, é a presença de um pensamento pautado no imaginário das religiões tradicionais africanas;

2) a presença de seres não humanos ou devires animais. No texto africano, a presença de seres mitológicos (divindades, monstros, híbridos, metamorfos, espíritos, almas e/ou fantasmas em formas espectrais, corporais ou possuindo corpos humanos em transe) e de animais com consciência humana (falantes, por exemplo) são exemplos de um imaginário de mitos, lendas e tradições orais que reforçam uma visão de mundo específica destes povos;

3) a presença de um “ancestralirismo”. O termo ancestralirismo vem do amálgama dos termos “ancestral” e “lirismo”. O primeiro diz respeito a “de quem se descende, predecessor, antecessor (do latim: “o que veio antes”); já o lirismo é empregado a partir do seu significado de “expressão da subjetividade”. O termo ancestralirismo englobaria a presença do imaginário ancestral, somado a uma estética da oralidade, que se manifesta no texto a partir da expressão da memória ancestral coletiva, na recorrência de imagem dos mais velhos (idosos, anciãos, griot etc.) e de como o discurso de tais personagens são fundamentais no enredo ou no percurso narrativo. Sem dúvida, a ancestralidade é um dos temas mais importantes nas literaturas africanas;

4) a presença de uma interseccionalidade entre tempos e espaços. Essa característica engloba uma não linearidade temporal e/ou espacial, em que passado, presente, futuro e várias dimensionalidades (como o mundo dos vivos, mortos e não-nascidos, por exemplo) podem dialogar na narrativa, expondo de forma textual uma cosmovisão das religiões tradicionais africanas - cíclica e interseccional (Mathuray, 2009MATHURAY, Mark. Sacred Realism: Ben Okri’s The Famished Road. In: On the Sacred in African Literature: Old Gods and New Worlds. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2009.);

Por fim, 5) a presença da transmutação - Metamorfose/Psicomorfose. Essa característica, além de recorrente, no sentido de revelar o imaginário animista, metaforiza as traduções intersemióticas da fragmentação identitária, advinda do encontro colonial e do devir-nação, tema caro às literaturas africanas. E é sobre esta característica o detalhamento a seguir.

5 Transmutações animistas - metamorfoses e psicomorfoses

Metamorfose é a mudança de forma, enquanto psicomorfose é a mudança da psiquê (alma). Neste ponto, diferenciam-se aqui essas duas entidades: corpo e mente e, por conseguinte, a noção de termos específicos para tais campos, preferindo “psicomorfose” a “metamorfose-psíquica”, atribuído por Leite (2012LEITE, Ana Mafalda. Oralidades e escritas pós-coloniais: estudos sobre literaturas africanas. Niterói: EDUERJ, 2012., p. 192) para a “transformação de ordem psicológica”.

Enquanto a metamorfose altera a forma, e não necessariamente a identidade do ser ou a individualidade da coisa, os fenômenos de possessão/transe, também recorrentes nas literaturas africanas, revelam uma transformação não corporal, mas identitária, o que se chamará aqui de psicomorfose. Ainda que ambos os fenômenos sejam recorrentes nas literaturas africanas, os episódios de possessão e transe, ou seja, expressões da psicomorfose, já foram previamente discutidos por nós no artigo “A possessão como ambivalência colonial: identidade e resistência na religiosidade africana em O outro pé da sereia” (Paradiso, 2011PARADISO, Sílvio Ruiz. A possessão como ambivalência colonial: identidade e resistência na religiosidade africana em O outro pé da sereia. Nau Literária, v. 7, n. 2, 2011. Disponível em https://seer.ufrgs.br/index.php/NauLiteraria/article/view/20438. Acesso em 18/out/2023.
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), especificamente no contexto do romance de Mia Couto.

O ponto aqui, todavia, é na recorrência da metamorfose como característica insólita no texto real-animista.

A metamorfose, a partir de sua etimologia (do grego metamórphosis, “transformação”) significa mudança de forma. Trata-se de um fenômeno comum no pensamento animista, já que o fenômeno e suas variações (transformações, transmutação, transmogrificação etc.) aparecem na mitologia de vários povos da África subsaariana (Kaba, 2006KABA, Ousmane. Le bestiaire dans le roman guinéen. Paris: L’Harmattan, 2006.; Leite, 2008).

Ousmane Kaba (2006)KABA, Ousmane. Le bestiaire dans le roman guinéen. Paris: L’Harmattan, 2006. cita vários exemplos a respeito de homens se metamorfoseando em animais e/ou híbridos nas mitologias africanas, como homens-girafa, homens-leão, homens-leopardo, homens-serpente e homens-hiena. Bleek (1875)BLEEK, Wilhelm Heinrich Immanuel W. A Brief Account of Bushman Folklore and Other Texts. Cape Town: Juta, 1875. descreve narrativas orais de etnias sul-africanas em que homens e mulheres se transformam em insetos (louva-a-deus, por exemplo). Já Herbert (1993)HERBERT, Eugenia W. Iron, Gender, and Power: Rituals of Transformation in African Societies. Bloomington: Indiana University Press, 1993. cita a recorrência, em toda África Negra, de mitos envolvendo feiticeiros que se transformam em crocodilos para atacar desafetos. Mas o imaginário metamórfico não se reduz a formas animais, há ainda crenças em transmutações em plantas/árvores (Adogbo, 2000ADOGBO, Michael P. The Spirit World of African Peoples. In: ERIVWO, Samuel U.; ADOGBO, Michael (eds.). Contemporary Essays in the Study of Religions: Volume one. Lagos: Fairs and Exhibitions Nigeria Limited, 2000. p. 104-123.) e em elementos da natureza, como água e rios (Drewal, 2008DREWAL, Henry John. Sacred Waters: Arts for Mami Wata and Other Divinities in Africa and the Diaspora. Bloomington: Indiana University Press, 2008.). Ademais, as transformações corporais também entram nesta categoria, visto o imaginário amplamente complexo sobre o corpo (Leite, 2008)

Apesar de o elemento mais comum nessas narrativas religiosas ser a teriantropia (capacidade de seres-humanos virarem animais), entende-se aqui, enquanto característica do inconsciente animista, a presença de outras várias formas de transformações, sendo elas: objetos, plantas e animais assumirem formas humanas; seres humanos assumirem outras formas, como animais, água, plantas, objetos etc.; seres humanos assumirem formas plásticas (desaparecer, encolher, crescer, dissolver, esticar, derreter etc.); seres não-humanos (divindades, espectros, espíritos, elementais, criaturas) assumirem formas diversas; e seres humanos assumirem formas de seres não-humanos etc. Vale destacar que as formas indiretas de metamorfoses também se aplicam a um imaginário animista, como nesse trecho de Mia Couto (1997COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. Lisboa: Caminho. 1997., p. 209): “Me ilimito a morcego. Já não me pesam as cidades, o telhado deixa de estar suspenso ao inverso em minhas asas”.

Tais fenômenos também reproduzem, esteticamente, relações semânticas e lexicais, com uso de comparação e metáfora, sob uma perspectiva de escrita que visa romper barreiras eurocêntricas entre sujeitos humanos e a Natureza-mundo, revalidando mitologias e imaginários religiosos subalternos, ao mesmo tempo que denunciam a fragmentação psico-identitária de povos violentados pelo colonialismo.

Desta forma, a metamorfose/transmutação no contexto característico do realismo animista pode sugerir a recorrência dos questionamentos ontológicos sobre si em circunstâncias (pós-)coloniais, como sugerido também através de episódios da possessão e do transe (Paradiso, 2011PARADISO, Sílvio Ruiz. A possessão como ambivalência colonial: identidade e resistência na religiosidade africana em O outro pé da sereia. Nau Literária, v. 7, n. 2, 2011. Disponível em https://seer.ufrgs.br/index.php/NauLiteraria/article/view/20438. Acesso em 18/out/2023.
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). A diferença aqui é que, enquanto a metamorfose altera a forma, e não necessariamente a identidade do ser ou individualidade da coisa, os fenômenos de possessão/transe, também recorrentes nas literaturas africanas, revelam uma transformação não corporal, mas identitária, uma psicomorfose.

Entretanto, aqui se enfocou apenas na característica metamorfose/transmutação enquanto mudança de forma, à qual recorro a três escritores africanos: Amós Tutuola, da Nigéria; Décio Bettencourt, de Angola; e Mia Couto, de Moçambique.

Amós Tutuola, nigeriano iorubá, escreveu vários textos abordando o imaginário religioso de sua etnia, tendo como magnum opus o romance The Palm-Wine Drinkard and his Dead Palm-Wine Tapster in the Deads’ Town, traduzido no Brasil como “O bebedor de vinho de palmeira” (1980), escrito em 1946 e publicado pela primeira vez em 1952. A história gira em torno de um ávido bebedor de vinho de palma que, após a morte de seu vinhateiro, vai em busca do empregado na terra dos mortos. Nesta jornada, o protagonista vive várias experiências que traduzem a mitologia e imaginário religioso tradicional dos iorubás. Dentre os vários fenômenos, a metamorfose é recorrente, a partir do uso dos poderes de seus jujus (amuletos): “Usei um dos meus juju e no mesmo instante me transformei num enorme pássaro e voei para o telhado da casa do velho” (Tutuola, 1980TUUTOLA, Amós. O bebedor de vinho de palmeira. Tradução de Eliane Fontenelle. São Paulo: Círculo do Livro, 1980., p. 9); “Usei um dos meus juju e me transformei num lagarto” (Tutuola, 1980TUUTOLA, Amós. O bebedor de vinho de palmeira. Tradução de Eliane Fontenelle. São Paulo: Círculo do Livro, 1980., p. 25). Além de animais, o homem ainda se transformava em pedra e canoa, bem como em fogo e fumaça: “um feitiço que meu pai havia me ensinado antes de morrer. O feitiço era o seguinte: se durante a noite eu encontrasse um espírito ou criatura nociva e eu usasse esse feitiço, eu imediatamente me transformaria num grande fogo e fumaça” (Tutuola, 1980TUUTOLA, Amós. O bebedor de vinho de palmeira. Tradução de Eliane Fontenelle. São Paulo: Círculo do Livro, 1980.. p. 44-45). Além dele, outros personagens também parecem transmutar, como é o caso do “cavalheiro incompleto”, que se reduziria a apenas um crânio, e a própria mulher: “Ordenei a um dos meu juju que transformasse minha mulher e nossa bagagem numa boneca de madeira” (Tutuola, 1980TUUTOLA, Amós. O bebedor de vinho de palmeira. Tradução de Eliane Fontenelle. São Paulo: Círculo do Livro, 1980., p. 124). A narrativa de Amós Tutuola evidencia a presença da metamorfose no pensamento animista dos iorubás, o que também se percebe através dos mitos envolvendo a religião tradicional local (Ìṣẹ̀ṣe) e o culto aos orixás (Òrìṣà) (Olumide, 1948OLUMIDE, J. Lucas. The Religion of the Yorubas, Lagos, C. M. S. Bookshop, 1948.; Prandi, 2001PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Cia das Letras, 2001.). Tutuola, como outros escritores nigerianos, tais como Achebe, Soyinka, Fagunwa e Okri, por exemplo, revela em seus textos o que observa Francisco Soares (2007), teórico da literatura: que o animismo se assume enquanto estratégia mimética, que renega o vulto mágico, ritualístico, folclórico (presentes nos textos coloniais), valorizando-se como artifício artístico (Soares, 2007, p. 129-132).

Na literatura angolana, apesar de A morte do velho Kipacaça (1987), de Boaventura Cardoso, ser um dos maiores exemplos de texto real-animista, que, segundo o próprio autor, advém de uma “atmosfera da visão africana do mundo sob a óptica do animismo, da possessão de forças sobrenaturais encarnadas por pessoas e seres do mundo animal, vegetal, mineral, dos astros, dos fenômenos meteorológicos, etc.” (Cardoso apudPadilha; Ribeiro, 2008PADILHA, Laura Cavalcante e RIBEIRO, Margarida Calafate. Lendo África. Porto: Ed. Afrontamento, 2008., p. 20), ainda há autores como Luandino Vieira e Unhenga Xitu, por exemplo, que exploram o inconsciente animista a partir do resgate do missosso (contos tradicionais populares), em que há presença de seres cuja “metamorfose [é] obtida por magia concedida para o efeito” (Ribas apudMacêdo, 2008MACÊDO, Tânia. Luanda, cidade e literatura. São Paulo: EdUNESP/ Luanda: Nzila, 2008., p. 51).

Todavia, a cargo de exemplificação, recorro ao conto “Kambut’Ambulante”, de Décio Bettencourt Mateus (Kwakele), em que a relação homem-natureza descortina relações sociais homem-homem nas ruas de Luanda, a partir da metamorfose de um ambulante em árvore. Durante uma inspeção policial, um ambulante é violentado, numa tentativa de ser imobilizado ao chão. Contudo, a estranha força física do pequeno rapaz revelava-se na impossibilidade de, em uma só perna, cair ou ao menos balancear. “É feitiço, feitiçoo…” (Kwakele, 2021KWAKELE (Décio Bettencourt Mateus). Kambut’ambulante In: CIESCOSKI, Altair Sofientini; LULA, J. B.; SANTOS, N. O. dos; PARADISO, S. R. (org.). Ngangu: vozes e olhares sobre a Literatura Angolana / Revista África e Africanidades. Rio de Janeiro: Pachamama, 2021. p. 50., p. 50). Por fim, o mistério se descortina:

Da cicatriz da perna do kambúta floresciam rebentos. Da planta achatada do pé do gajo, nasciam raízes resolutas que violavam o chão duro de cimento da marginal, fecundavam as areias subjacentes e alicerçavam-se nas suas profundezas. A sua perna cicatrizada era o tronco robusto de uma árvore; uma mulemba dos reis do antigamente. Braços, mãos, dedos, cabelo, rasta eram ramarias povoadas por folhas verdes frescas. O kambut’ambulante, pessoa-árvore com raízes, tronco, ramos, seiva, folhas e tudo!

Os agressores perceberam. Batiam em vão. O que tentavam derrubar não era mais uma perna arqueada de rua. Batiam no tronco fortaleza de uma mulemba (Kwakele, 2021KWAKELE (Décio Bettencourt Mateus). Kambut’ambulante In: CIESCOSKI, Altair Sofientini; LULA, J. B.; SANTOS, N. O. dos; PARADISO, S. R. (org.). Ngangu: vozes e olhares sobre a Literatura Angolana / Revista África e Africanidades. Rio de Janeiro: Pachamama, 2021. p. 50., p. 51).

O conto de Décio Bettencourt, além de evidenciar o realismo animista como um projeto estético literário, aponta o engajamento histórico e social, que juntos revelam um novo modelo de interpretação da realidade africana.

Entretanto, dentre os autores citados, é em Moçambique, na obra de Mia Couto, que a recorrência desta característica do realismo animista mais se evidencia. Talvez o romance A confissão da leoa (2012) seja o mais representativo:

O meu avô ensinou-me a não temer as trevas. Nelas descobriria a minha alma noturna. Na realidade, foi o escuro que me revelou o que sempre fui: uma leoa. É isso que sou: uma leoa em corpo de pessoa. A minha forma era de gente, mas a minha vida seguia uma lenta metamorfose: a perna convertendo-se em pata, a unha em garra, o cabelo em juba, o queixo em mandíbula (Couto, 2012COUTO, Mia. A confissão da leoa. Lisboa: Caminho, 2012., p. 253).

Também em O outro pé da sereia (2006), além da clássica figura metamórfica da imagem da Virgem Maria, que se transmuta simbolicamente em Kianda, a sereia angolana, a partir do momento que o pé é decepado, há outros exemplos de metamorfoses, que vão desde jovens virarem seres aquáticos como, a protagonista Mwadia:

(...) seria enviada para a lagoa de Mbenga e se converteria numa nzuzu, um espírito das águas. Submergiria para o fundo do lago e ali viveria meses consecutivos sem aflorar à superfície. A declaração de Mwadia estarreceu a sua delicada Tia: - Era isso que, agora, eu mais queria ser: um espírito do rio. Ser água na água (...) (Couto, 2006COUTO, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006., p. 85-86).

Até pessoas transitando de raça, como é o caso de Padre Antunes:

(...) ele era branco, filho e neto de portugueses. No dia 5 de Janeiro, começara a ficar negro. Depois de apagar um pequeno incêndio no seu camarote, contemplou as suas mãos obscurecendo. Mas agora era a pele inteira que lhe escurecia, os seus cabelos se encrespavam. Não lhe restava dúvida: ele se convertia num negro (Couto, 2006COUTO, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006., p. 164).

No romance O Último voo do flamingo (2000), também de Mia Couto, vê-se referências a metamorfoses de pessoas em hienas: “outrossim eram, não hienas, próprias. Mas, hienas inautênticas, bichos mulatos de gente. E para mais: suas cabeças eram as dos chefes da vila” (Couto, 2000, p. 216). O conto “De como se vazou a vida de Ascolino do Perpétuo Socorro”, de Vozes anoitecidas (1987), já antecipava o mito: “O grito que ela deu nunca ninguém ouviu. Não era som de gente, era grito de animal. Voz de hiena, com certeza. Bartolomeu saltou no susto: estou casado com quem, afinal? Uma nóii?” (Couto, 1987, p. 87). A hiena, inclusive, é um dos animais mais citados em mitos africanos, como presente nas mitologias do Sudão, Chad, Mali, Somália, Etiópia e Tanzânia, por exemplo (Woodward, 1979WOODWARD, Ian. The Werewolf Delusion. New York: Paddington Press/Grosset & Dunlap, 1979.; Frembgen, 1998FREMBGEN, Jürgen Wasim. The Magicality of the Hyena: Beliefs and Practices in West and South Asia. Asian Folklore Studies, v. 57, p. 331-344, 1998.).

Ainda que, na obra romanesca coutiniana, o autor explore várias formas de metamorfoses e transmutações, é nos contos que elas se avultam. Na antologia Estórias abensonhadas (1994), dois contos chamam mais a atenção quanto ao fenômeno de metamorfose: No “Rio além da curva”, cujo protagonista Jordão é perseguido por um mpfuvo (hipopótamo), que entre rumores locais “é, afinal, um velho cidadão que perdeu a vida na zona de onde veio o animal” (Couto, 1994, p. 75). Em determinado momento, mata o animal e é repreendido, pois matar bicho-gente era maldição na certa: “Que poderia fazer? Acusavam-no de ter morto não um bicho mas um homem transfigurado. Como podia adivinhar sobre a verdade do hipopótamo (...)?” (Couto, 1994, p. 79). Já no conto “O abraço da serpente”, Acubar é transformado em cobra por sua amante Sulima, que também é uma metamorfa:

Vieram imagens de uma cobra gorda, trajada de humanas vestes. Envergava capulana (...) o bicho se chegou (...) com sua língua bífida. A cobra é bilíngue para mostrar que todo animal esconde sempre outra criatura. (...) Acubar ouviu os olhos dela: eram os de Sulima, sem falta nem acréscimo. (...) (Couto, 1994, p. 83; grifo nosso).

Por fim, Acubar também se transforma, sendo o filhinho testemunha: “Então o miúdo viu o pai transitando de derme para epiderme, lhe aparecendo visíveis umas escamas verdes-esverdeadas. Parecia que outro ser, monstriforme, roubava o desenho do seu velho” (Couto, 1994, p. 84-85).

Em O fio das missangas (1998), no conto “A infinita fiadeira”, vê-se a presença do imaginário ganense e do mito de Anansi através da figura da aranha: “O Deus dos bichos quis saber o que se poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa” (Couto, 1998COUTO, Mia. O fio das missangas. Alfragide: Editorial Caminho, 1998., p. 75). E novamente gente vira bicho no conto “O caçador de ausências”.

Mas é na coletânea Contos do nascer da Terra (1997) que se vê uma abundante exemplificação do fenômeno. Nela, há várias referências, como pessoas que somem por tanto diminuir, como Maria Sombrinha (“O não desaparecimento de Maria Sombrinha”); por tanto emagrecer, como a indiana Modari (“A gorda indiana”), que “desvaneceu como fumo de incenso” (Couto, 1997COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. Lisboa: Caminho. 1997., p. 83), como Jesuzinho Graça (“O viúvo”); ou como o rapaz cujos ossos incham a ponto do seu próprio esqueleto recobrir a carne, como se do avesso fosse (“Ossos”). Há ainda pessoas que se transformam em animais, como pássaros (“A menina, as aves e o sangue”) ou serpente (“Carteira de crocodilho”); partes dos corpos humanos que metamorfoseiam, como a cabeça de um homem que se transmuta em árvore, cujas raízes nascem e se expandem (“Raízes”); ou um coração humano que, como casulo, aflora e dá vida a um bebê (“O coração do menino e o menino do coração”). No conto “O chão, o colchão e a colchoa”, há exemplo de objeto que se transforma em gente, como o colchão em mulher: “Aceitava aquela conversão de bom agrado. A partir de então, o colchão se convertia em mulher” (Couto, 1997COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. Lisboa: Caminho. 1997., p. 218; grifo nosso). No mesmo conto, o protagonista, Xavier Zandamela, amalgama-se num colchão: “De repente, o colchão se revolteou, envolvendo o mineiro. Carnes e esponjas, braços e panos se entreodilharam. O corpo do homem foi perdendo formato, em dissolvição” (1997, p. 219; grifo nosso). Na antologia, há outros exemplos de pessoas que se transformam em objetos, como é o caso do velho que vira barco (“A casa marinha”) e da criança que vira avião (“Cataratas do céu”). Há ainda exemplo de objeto se metamorfoseando em bicho, como no conto “A carteira de crocodilo”:

O monstro de onde surgira? Imagina-se, tinha emergido da carteira, transfigurado, reencarnado, assombrado. Acontecera em instantaneo momento: a malograda ia tirar algo da mala e sentiu que ela se movia, esquivava. Tentou assegurá-la: tarde e de mais. Foi só tempo de avistar a dentição triangulosa, língua amarela no breu da boca” (Couto, 1997COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. Lisboa: Caminho. 1997., p. 102).

A presença da metamorfose e da transmutação na literatura africana de característica animista revela-se também na poética do amálgama, cujas relações humanas com o mundo vegetal, mineral e animal ilustram as perspectivas animistas de unicidade com a Natureza, tão bem expostas nos estudos de Phillipe Descola, em Par-delà nature et culture (2005); e de Viveiros de Castro, em A inconstância da alma selvagem (2002), cuja perspectiva é plural:

A mudança de perspectiva seria, assim, uma metamorfose somática e se ancoraria na ideia de um fundo comum de humanidade, numa potencialidade anímica distribuída horizontalmente no cosmos. Se o perspectivismo é o avesso do antropocentrismo, ele não se separa de certo antropomorfismo, fazendo com que prerrogativas humanas deixem de ser exclusividade da espécie humana, assumindo formas as mais diversas (Sztutman, 2021SZTUTMAN, Renato. A notável atualidade do Animismo Outra Palavras/ Eurocentrismo em Xeque. 2021. Disponível em: https://outraspalavras.net/eurocentrismoemxeque/a-notavel-atualidade-do-animismo. Acesso em: 12 dez. 2022.
https://outraspalavras.net/eurocentrismo...
, s.p).

A recorrência da metamorfose/transmutação em grande parte das literaturas africanas é indício da tradução do imaginário religioso tradicional animista, fenômenos recorrentes na tradição mítica oral, que revela uma fusão quase indivisível do ser humano com outros corpos. Aqui vale um apontamento: a metamorfose enquanto tema recorrente e mitológico tem em seu contexto cosmovisões distintas e, portanto, suas realidades precisam ser circunstanciadas. Por exemplo, enquanto a metamorfose no imaginário mítico greco-romano, do ponto de vista ovidiano, era estratégia dos deuses para punir o homens, transformando-os em animais, minérios e plantas - e assim provar a superioridade frente ao antropos -, no universo mítico africano - e aqui podemos destacar a pluralidade de mitologias do esquadro continental (bantu [bakongo, kimbundo, shona etc.], iorubá, gikuyu, akamba, ginka, somali, tumbuka, lozi, zulu, akan, daomé, dogon, igbo, entre outras) -, a metamorfose não é necessariamente punição, mas estratégia (quando consciente), mostra de força e sublimação/elevação do próprio ser. Neste ponto, a questão da metamorfose no contexto africano converge com os estudos sobre o devir na perspectiva de Deleuze e Guatarri (1996).

O devir é um termo filosófico que, em termos gerais, define-se como “vir a ser”, proveniente do latim devenire. Nesse sentido filosófico, devir é um movimento em sentido a uma possibilidade: “que a existência nunca pertence à essência, que o ser-aí nunca pertence à essência das coisas. Exatamente por isso não se pode, a partir do conceito ‘ser’ - cuja essentia é apenas o ser -, concluir uma existentia do ser” (Nietzsche, 1996NIETZSCHE, Friedrich. Tales de Mileto. In: Pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1996., p. 147). O devir no sentido nietzschiano baseia-se numa realidade inconsistente, atrelada à diferença e à multiplicidade. Tal ideia, na contemporaneidade, passa a ser proposta por Deleuze e Guattari (1996/1997), cuja teoria do devir perpassa a individualidade do ser - sua subjetividade - a partir das linhas “molar” e “fuga”. Molar seria a linha molecular e dura (ruptura); enquanto a fuga, maleável. As figuras molares são então as definições dos padrões sociais, previamente estabelecidos, enquanto forma e consciência do sujeito social, englobando distinções desde o gênero, idade, raça, classe, reinos (animal, vegetal, mineral), religião, política, casta etc. Contudo, nesta perspectiva teórica, as linhas molares/moleculares são maleáveis, passíveis de metamorfoses e processos de desterritorialização (sair de um território figurativo e passar a outro). Por meio disso, desse fluxo molecular, há o rompimento de estruturas rígidas, revelando o maior ato da transformação, o desejo, ou seja, o devir.

Descompletos somos, enterrados terminamos. Vale a pena ser planta, senhor doutor. Mesmo vou aprender a ser árvore. Ou talvez pequena erva porque árvore aqui dentro não dá. Por que os baloii não tentam de ser plantas, verdesossegadas? (Couto, 1987, p. 93).

Neste processo, possíveis novas conexões são geradas, cuja propagação para dentro ou fora da territoriedade prévia geram as linhas de fuga, que permitem a visão da alteridade. De maneira simplificada, pode-se dizer que Deleuze coloca o devir, e não o ser, como o que constitui a realidade, visto que a realização depende do desejo e da transformação:

Sim, todos os devires são moleculares; o animal, a flor ou a pedra que nos tornamos são coletividades moleculares, hecceidades, e não formas, objetos ou sujeitos molares que conhecemos fora de nós, e que reconhecemos à força de experiência, de ciência ou de hábito (Deleuze; Guattari, 1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 4. Tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34, 1997., p. 67).

A filosofia por trás do devir é importante tanto para se pensar a metamorfose, quanto para se pensar o animismo, pois as conexões entre realidades fora do ser, bem como o reconhecimento de si e o desejo de sair deste si, perpassam o imaginário religioso e político de realidades pós-coloniais. As metamorfoses são reflexos do devir-nação e devir-homem; questionamentos inerentes de nações africanas que, por longo período, viveram sob o jugo do colonialismo e, por conseguinte, na fragmentação identitária, tanto a nível individual (sujeito), como coletivo (nação). Dentro dessas sociedades, em que o modelo de ser foi duramente imposto pela violência, o imaginário mítico é muito importante, possibilitando a todos sujeitos - animado dinâmico ou animado inerte - o desejo de ser outro.

Tais fenômenos também se reproduzem esteticamente. Em relações semânticas e lexicais, com uso de comparação e metáfora, de uma perspectiva de escrita que visa romper barreiras eurocêntricas entre sujeito humanos e a natureza-mundo, revalidando mitologias e imaginários religiosos subalternos, ao mesmo tempo que denuncia a fragmentação psico-identitária de povos violentados pelo colonialismo. E é nessa grande metáfora que textos africanos apresentam as várias facetas da “transformação”, usando-a como paradigma de uma linguagem literária própria. A imagem da metamorfose na literatura africana resgata no texto o mito (no seu sentido de narrativa simbólica de um imaginário religioso, neste contexto, animista), atualizando-o. Um dos maiores filósofos sobre o tema, Ernest Cassirer, em Linguagem, mito e religião (1976), entende que

o mito e a linguagem estejam submetidas às mesmas ou análogas leis espirituais de desenvolvimento, só podemos realmente entendê-lo, em última instância adregarmos descobrir uma raiz comum, surgida em ambos. A semelhança dos seus resultados e das formas que produzem dizem-nos que deve haver uma última comunidade na função e nos princípios em que actuam. Para reconhecer esta função em si e representá-la na sua pureza abstracta, devemos percorrer (...) até o ponto onde irradiam as suas linhas divergentes. E este ponto comum de partida parece ser realmente comprovável, pois por mais que se diferenciem entre si os conteúdos do mito e da linguagem, actuam em ambos uma e mesma forma de concepção mental…a forma que, resumidas as contas, pode denominar-se o pensar metafórico (Cassirer, 1976CASSIER, Ernst. Linguagem e mito. Tradução de J. Guinsburg e Mirian Scahnaiderman. São Paulo: Perspectiva,1976., p. 139-140; grifos nossos).

Desta forma, a metamorfose/transmutação/psicomorfose no contexto característico do realismo animista pode sugerir a recorrência dos questionamentos ontológicos sobre si em circunstâncias (pós-)coloniais. Neste sentido, reescrevo Mia Couto (1997COUTO, Mia. Contos do nascer da Terra. Lisboa: Caminho. 1997., p. 143), quando diz: “Na Natureza, ninguém se perde, tudo inventa outra forma”, pois não é em qualquer “natureza”, mas “Na Natureza Pós-colonial Africana”.

Considerações finais

Este texto objetivou enfatizar a importância dos estudos religiosos, em especial das tradições africanas, no contexto literário pós-colonial, a partir da estética do realismo animista.

Inicialmente, verificou-se que, dentro dos estudos pós-coloniais, a questão sobre a religiosidade foi, até certo ponto, negligenciada ou colocada em segundo plano enquanto elemento temático. Tal fato acabou não permitindo os estudos religiosos sob o viés pós-colonial como elemento norteador de uma proposta político-estética, essencial em fenômenos literários que têm em sua base imaginativa as heranças do imaginário mítico-religioso, como as literaturas africanas contemporâneas. Em seguida, compreendeu-se que justamente as literaturas africanas, inicialmente as em língua inglesa e portuguesa, foram seminais nesse processo de convergência entre estudos religiosos e estudos pós-coloniais, permitindo a emersão do conhecimento sobre as religiões tradicionais da África subsaariana, compreendendo e relacionando-as com a proposta estética de alguns autores, especialmente a partir da década de 80, do século XX.

Em seguida, verificou-se que esse imaginário religioso advém das práticas do que chamamos de “Religião Tradicional Africana” que, apesar de não serem práticas homogêneas, refletem um weltanschauung em comum que, nos estudos de Harry Garuba, têm como nomenclatura “inconsciente animista”. Tal inconsciente animista será importante nas abordagens estéticas da concepção real-animista, uma modalidade literária do insólito africano, que contrapõe leituras do insólito pelas vias do “mágico”, “maravilhoso” e “fantástico”. O realismo animista vem a ser um fenômeno estético discutido por vários pensadores africanos que, ainda em desenvolvimento, já demonstra características recorrentes nos textos, como a metamorfose/transmutação. Observou-se que essa característica, advinda do imaginário mítico, é visivelmente recorrente em vários autores e obras, sendo analisados neste texto: Amós Tutuola, da Nigéria; Décio Bettencourt, de Angola; e Mia Couto, de Moçambique.

Por fim, ao analisar a metáfora, em seus vários exemplos, como manifestação do insólito no realismo animista, observou-se a emersão de vários questionamentos sobre o ser, sobre si, sobre o outro, especialmente na realidade (pós-)colonial, em que a transformação permite discussões sobre um devir-homem (colonizado) e devir-nação. Sem dúvida, a importância da metamorfose nas literaturas africanas, não só evidencia a presença do imaginário das religiões tradicionais, mas também, a partir da estética real-animista, promove debates sobre identidades, desejos, fragmentações e realidade psico-identitária em um mundo cindido entre tradição e modernidade.

Os estudos do realismo animista cumprem o papel de superar o divórcio dos estudos pós-coloniais com as religiosidades tradicionais africanas. Estudos, quiçá, em eternas metamorfoses.

  • 1
    Mitologias, publicado em português pela Bertrand Brasil, 2001, com tradução de Rita Buongermino e Pedro de Souza.
  • 2
    Publicado em português pela Companhia das Letras, 2009, com tradução de Vera Queiroz da Costa e Silva.
  • 3
    O bebedor de vinho de palmeira, publicado em português pelo Círculo do Livro, 1980, com tradução de Eliane Fontenelle.
  • 4
    “É oportuno que o animismo seja radicalmente reconsiderado, especialmente em relação à poética e política ocidentais” (Tradução minha).
  • 5
    Explorações no realismo animista: notas sobre a leitura e a escrita da literatura, cultura e sociedade africana, publicado em português em Nonada: Letras em Revista, vol. 2, núm. 19, outubro de 2012, p.235-256, Porto Alegre, Brasil, com tradução de Elisângela da Silva Tarouco. Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/5124/512451673021.pdf. Acesso em 18/out./2023.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

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Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

Trabalho bem escrito, bem articulado e respondendo com bastante objetividade e clareza a temática e aos objetivos propostos. O texto está bem desenvolvido. A bibliografia me parece adequada pois apresenta uma boa reflexão sobre a problemática tratada. Dessa forma, recomendo para publicação. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    14 Ago 2023

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2023
  • Aceito
    18 Out 2023
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