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Custos de Agência e Escassez de Recursos: Influências no Franchising Brasileiro

RESUMO

Este artigo revisita uma tradicional questão na literatura em franchising: o mix contratual, ou seja, a proporção entre franquias e lojas próprias. Analisam-se 270 redes brasileiras para entender melhor o cenário nacional. Ressalta-se a dinâmica dessa proporção ao longo do tempo considerando como possíveis explicações o problema dos custos de monitoramento e da dificuldade das redes em acessar recursos vitais para o sucesso da operação. Considerando o momento da economia brasileira, considera-se pertinente e oportuno investigar o comportamento das redes em tempos de turbulência. Um painel de dados cobrindo o período 2011-2016 foi analisado por meio de ferramentas econométricas. Os resultados corroboram aspectos relacionados a problemas de agência, ou seja: custos de monitoramento em elevação devido à dispersão geográfica induzem uma maior proporção de lojas franqueadas. Além disso, o conceito de dispersão é estendido para capturar aspectos socioeconômicos das diferentes regiões ocupadas pelas cadeias. Efeitos relacionados à restrição a recursos escassos também são notados, mas de maneira menos ambígua.

Palavras-chave:
Franchising; Mix contratual; Teoria da agência; Recursos escassos

ABSTRACT

This paper revisits a traditional issue in literature on franchising: the contractual mix (i.e., the proportion between franchised and company-owned stores). We analyze 270 Brazilian chains to better understand the Brazilian scenario. We stress the dynamics of this proportion over time considering the perspective of monitoring costs and the difficulty of access to resources as possible explanations. Considering the moment of the Brazilian economy, it is pertinent and opportune to investigate the behavior of the chains in times of turbulence. Panel data covering the 2011-2016 period was analyzed through econometric tools. The results corroborate aspects related to monitoring and incentives advocated by the agency theory, that is: costs of monitoring in elevation due to the geographic dispersion induce a greater proportion of franchised stores. In addition, the concept of dispersion is extended to capture socioeconomic aspects of the different regions occupied by the chains. Effects related to restriction to scarce resources are also noted, but in a less unambiguous way.

Keywords:
Franchising; Contractual mix; Agency theory; Resource scarcity

1. INTRODUÇÃO

Estudos baseados na teoria da agência sugerem que elevados custos de monitoramento de unidades geograficamente dispersas são uma explicação para uma proporção maior de lojas franqueadas. Nesse caso, custos de monitoramento em elevação induzem o gestor da rede a adotar mecanismos de incentivos mais fortes como forma de alinhar interesses e o comportamento dos agentes locais. Contratos de franquia materializam tais mecanismos de incentivo uma vez que, ao tornar o agente local um franqueado, o mesmo passa a ser proprietário dos ativos locais e, consequentemente, o reclamante residual de sua unidade (Gillis, Combs, & Ketchen, 2014Gillis, W. E., Combs, J. G., & Ketchen, D. J. (2014). Using resource‐based theory to help explain plural form franchising. Entrepreneurship Theory and Practice, 38(3), 449-472.). Por outro lado, a teoria de recursos escassos sugere que o acordo de franquia é uma solução para superar limitações de recursos, como capital e capacidade gerencial, que as redes devem enfrentar para sobreviver e prosperar. Isso é especialmente verdadeiro em cadeias mais jovens que ainda têm dificuldades em alcançar escala de produção e promoção (Madanoglu & Castrogiovanni, 2017Madanoglu, M., & Castrogiovanni, G. J. (2017). Franchising proportion and network failure. Small Business Economics, 50(4), 697-715.). Em suma, nessa perspectiva, franqueados representam fontes mais atrativas de recursos vitais para o crescimento e consolidação das redes franqueadas.

Embora a literatura em “agency” tenha emergido a partir de críticas de Rubin (1978)Rubin, P. H. (1978). The Theory of the Firm and the Structure of the Franchise Contract. The Journal of Law and Economics, 21(1), 223-233. relacionadas à “explicação do mercado de capitais para o franchising”, as duas propostas têm sido combinadas desde os anos 90. Estudos como os de Carney e Gedajlovic (1991)Carney, M., & Gedajlovic, E. (1991). Vertical integration in franchise systems: Agency theory and resource explanations. Strategic Management Journal, 12(8), 607-629., Combs e Castrogiovanni (1994)Combs, J. G., & Castrogiovanni, G. J. (1994). Franchisor strategy: a proposed model and empirical test of franchise versus company ownership. Journal of Small Business Management, 32(2), 37-48., Combs e Ketchen (1999)Combs, J. G., & Ketchen, D. J. (1999). Can capital scarcity help agency theory explain franchising? Revisiting the capital scarcity hypothesis. Academy of Management Journal, 42(2), 196-207. indicam que não é possível uma compreensão mais ampla do fenômeno - particularmente em relação ao mix contratual: a proporção entre lojas próprias e franqueadas - sem considerar elementos de ambas as teorias tomadas em conjunto. Essa visão se consolidou nos anos 2000, quando foram publicados vários estudos confirmando o maior poder explicativo da composição das duas vertentes (Castrogiovanni, Combs, & Justis, 2006Castrogiovanni, G. J., Combs, J. G., & Justis, R. T. (2006). Resource scarcity and agency theory predictions concerning the continued use of franchising in multi‐outlet networks. Journal of Small Business Management, 44(1), 27-44.; Combs & Ketchen, 2003Combs, J., & Ketchen, D. (2003). Why do firms use franchising as an entrepreneurial strategy? A meta-analysis. Journal of Management, 29, 443-465.).

Considerando mercados emergentes de forma geral, e o Brasil em particular, existem poucos estudos investigando o efeito combinado dos custos de agência e recursos escassos sobre o mix contratual de redes franqueadas. Uma exceção pode ser observada em Bitti, Aquino e Amato (2013)Bitti, E. J. S., Aquino, A. C. B., & Amato, J., Neto (2013). Monitoramento e coordenação em redes de franquia: dispersão geográfica e automação impactando o mix contratual. Revista de Contabilidade E Organizações, 7(18), 3-13., apesar de seu estudo ter abordado apenas problemas de agência na determinação da proporção de lojas próprias e franqueadas. Além disso, Silva e Azevedo (2007)Silva, V. L. S., & Azevedo, P. F. de. (2007). Formas plurais no franchising de alimentos: evidências de estudos de caso na França e no Brasil. Revista de Administração Contemporânea, 11, 129-152. estudaram o uso de formas plurais (a coexistência de estabelecimentos próprios e franqueados na mesma cadeia) em redes franqueadas. No entanto, aplicaram uma perspectiva institucional para comparar cadeias que operam simultaneamente no Brasil e na França. Por fim, Dant, Perrigot e Cliquet (2008)Dant, R. P., Perrigot, R., & Cliquet, G. (2008). A cross-cultural comparison of the plural forms in franchise networks: United States, France, and Brazil. Journal of Small Business Management, 42(6), 286-311. também abordaram a questão das formas plurais, desenvolvendo uma perspectiva cultural para comparar o comportamento do mix contratual entre Brasil, França e EUA.

Uma vez que a literatura sobre franquias quase ignorou o contexto brasileiro, o que constitui uma lacuna nessa literatura, percebe-se ser conveniente verificar a influência de problemas de agências e escassez de recursos no franchising brasileiro. Embora a perspectiva combinada desses dois constructos já tenha propiciado muitas respostas satisfatórias em mercados maduros na Europa e nos EUA, o mesmo não pode ser dito com relação a mercados emergentes em função de diferenças consideráveis, por exemplo, em termos de ambiente institucional. O caso brasileiro é ainda mais interessante, dadas as dimensões continentais do país, as diferenças regionais em termos de renda e padrão de vida e a enorme turbulência econômica que o país vem passando desde 2014.

O problema de pesquisa que abordamos neste trabalho está relacionado ao efeito dos custos de monitoramento e da capacidade de acesso a recursos escassos sobre o mix contratual nas redes franqueadas brasileiras em uma perspectiva longitudinal. Analisamos os efeitos das dificuldades de monitoramento (custos) não apenas em termos de distância geográfica entre as diversas unidades e o franqueador, mas também considerando as diferenças socioeconômicas entre as regiões ocupadas. Essas diferenças, em nossa opinião, criam ainda mais dificuldades em termos de coordenação e controle. Também contribuímos com a literatura trazendo um efeito pouco conhecido sobre o mix contratual: o posicionamento das unidades em shopping centers. Condomínios como shopping centers exercem algum monitoramento sobre as lojas neles estabelecidas, o que gera algumas externalidades benéficas para as cadeias que localizam unidades nesse tipo de “market place”. Além disso, investigamos os efeitos relacionados ao ciclo de vida das redes, tais como o porte das redes, sua maturidade e o capital necessário para se abrir uma nova loja.

Para investigar os efeitos combinados de custos de agência e recursos escassos no mix contratual ao longo do tempo, usamos dados em painel para uma amostra de 270 redes franqueadas cobrindo o período de 2011 a 2016. Nosso procedimento econométrico inclui uma ferramenta nunca antes usada para analisar o mix contratual: um modelo de resposta fracionária (fracreg). Esse método é aplicado em conjunto com modelos mais ortodoxos para testar nossas hipóteses. Os resultados confirmam a influência dos custos de monitoramento na configuração do mix contratual. No entanto, o comportamento de variáveis, como tamanho e maturidade, indica que uma hipótese de recurso de escassez tradicional é verdadeira: o redirecionamento de propriedade (mais saídas de propriedade da empresa associadas ao crescimento e ao envelhecimento).

2. TEORIA E HIPÓTESES

Na visão da teoria da agência, sob as condições de baixos custos de monitoramento, lojas próprias de redes de franquia, apesar de seus mecanismos de incentivos menos potentes, são mais eficientes que unidades franqueadas (Windsperger & Dant, 2006Windsperger, J., & Dant, R. P. (2006). Contractibility and ownership redirection in franchising: A property rights view. Journal of Retailing, 82(3), 259-272.). No entanto, com o aumento da dispersão entre as unidades, tanto a incerteza quanto a oportunidade para comportamentos indesejáveis ​​dos agentes locais também aumentam, tornando a opção de franquia mais atraente para o franqueador. A alternativa do franchising é especialmente interessante nos casos em que o desempenho do agente local é o fator determinante para o sucesso da operação local, seja controlando custos ou gerenciando outros empregados da unidade (Maness, 1996Maness, R. (1996). Incomplete contracts and the choice between vertical integration and franchising. Journal of Economic Behavior and Organization, 31(1), 1001-115.). Isto é, o franchising tende a prevalecer em cadeias com unidades dispersas nas quais as decisões locais são mais difíceis de avaliar (Minkler, 1992Minkler, A. P. (1992). Why firms franchise: a search cost theory. Journal of Institutional and Theoretical Economics, 148(2), 240-259.) e onde a distância torna a observação direta onerosa (Brickley & Dark, 1987Brickley, J. A., & Dark, F. H. (1987). The choice of organizational form the case of franchising. Journal of Financial Economics, 18(2), 401-420.; Combs, Ketchen, & Short, 2011Combs, J. G., Ketchen, D. J., & Short, J. C. (2011). Franchising Research: Major Milestones, New Directions, and Its Future Within Entrepreneurship. Entrepreneurship: Theory and Practice, 35(3), 413-425.). Nessa perspectiva, a capacidade de monitoramento seria um fator limitante para o crescimento da cadeia (Garg, Priem, & Rasheed, 2013Garg, V. K., Priem, R. L., & Rasheed, A. A. (2013). Theoretical Explanation of the Cost Advantages of Multi-unit Franchising. Journal of Marketing Channels, 20(1-2), 52-72.). Por outro lado, o franchising poderia ajudar redes a crescerem mais rapidamente, reduzindo a necessidade de monitoramento ao longo do processo de crescimento (Norton, 1988Norton, S. W. (1988). An empirical look at franchising as an organizational form. Journal of Business, 61(2), 197-218.; Thompson, 1994Thompson, R. S. (1994). The franchise life cycle and the Penrose effect. Journal of Economic Behavior e Organization, 24(2), 207-218.). Ao vincular a remuneração do agente ao desempenho da unidade, um nível mais alto autocoerção (self-enforcement) contratual é viável (Rubin, 1978Rubin, P. H. (1978). The Theory of the Firm and the Structure of the Franchise Contract. The Journal of Law and Economics, 21(1), 223-233.).

Além das questões ex post relativas a garantir que o agente local forneça o nível prometido de esforço - uma questão de risco moral -, o franchising reduz os gastos ex ante com pesquisa e seleção desses agentes (Antia, Zheng, & Frazier, 2013Antia, K. D., Zheng, X., & Frazier, G. L. (2013). Conflict management and outcomes in franchise relationships: The Role of Regulation. Journal of Marketing Research, 50(5), 577-589.). Problemas de seleção adversa podem ser agravados se o processo de seleção de parceiros ocorrer em locais com grande distância física ou cultural do QG da empresa. Candidatos ao posto de gerentes de unidades próprias da rede poderiam representar erroneamente suas reais habilidades e níveis de conhecimento, o que aumentaria o custo do processo de atração, seleção e contratação de novos gerentes. Ao adotar o arranjo de franquia, algumas barreiras são estabelecidas em relação aos indivíduos que são pouco qualificados para a operação. Considerando a necessidade de investimento pelos franqueados (Dnes, 1992Dnes, A. W. (1992). Unfair Contractual Practices and Hostages in Franchise Contracts. Journal of Institutional and Theoretical Economics, 148, 484-504.), bem como outros padrões de pré-qualificação exigidos pela rede, pode-se esperar que os indivíduos que postulam entrar no sistema tenham maior capacidade gerencial (Kashyap, Antia, & Frazier, 2012Kashyap, V., Antia, K. D., & Frazier, G. L. (2012). Contracts, extracontractual incentives, and ex post behavior in franchise channel relationships. Journal of Marketing Research, 49(2), 260-276.).

Em suma, ao franquear um conjunto de unidades, a rede investe em um mecanismo de incentivos para economizar em custos de monitoramento. A dispersão geográfica das unidades faz com que essa nova combinação de monitoramento e incentivos gere um resultado superior à combinação resultante do uso exclusivo de estabelecimentos próprios (Brickley, Dark, & Weisbach, 1991Brickley, J. A., Dark, F. H., & Weisbach, M. S. (1991). The economic effects of franchise termination laws. The Journal of Law and Economics, 34(1), 101-132.; Combs & Ketchen, 1999Combs, J. G., & Ketchen, D. J. (1999). Can capital scarcity help agency theory explain franchising? Revisiting the capital scarcity hypothesis. Academy of Management Journal, 42(2), 196-207.; Lafontaine, 1992Lafontaine, F. (1992). Agency theory and franchising: some empirical results. The RAND Journal of Economics, 23(2), 263-283.). Portanto:

H1: Quanto maior a dispersão geográfica da rede, maior a proporção de unidades franqueadas.

Nosso estudo também busca um novo significado para o conceito de “dispersão” com intuito de captar uma nuance mais qualitativa. O Brasil tem características marcantes de desigualdade entre suas diferentes regiões e estados. Em outras palavras, duas redes podem ter um nível similar de dispersão geográfica em termos de distância, mas ocuparem cidades muito diferentes em termos de indicadores socioeconômicos. A literatura em “agency” inicialmente previa maior intensidade no uso de lojas franqueadas em regiões mais distantes dos grandes centros urbanos (Rubin, 1978Rubin, P. H. (1978). The Theory of the Firm and the Structure of the Franchise Contract. The Journal of Law and Economics, 21(1), 223-233.; Lafontaine & Shaw, 2005Lafontaine, F., & Shaw, K. L. (2005). Targeting managerial control: evidence from franchising. The RAND Journal of Economics, 36(1), 131-150.). Mesmo com relação a problemas relacionados à distância física, argumentos mais recentes têm apontado outras questões relacionadas ao risco de unidades operacionais em mercados que não estão familiarizados com o gerenciamento da cadeia (Castro, Mota, & Marnoto, 2009Castro, L. M. de, Mota, J., & Marnoto, S. (2009). Toward a relational perspective of franchising chains. Service Business, 3(1), 15.). As especificidades desses novos mercados estão representadas nas diferenças socioeconômicas, especialmente considerando as dimensões continentais do Brasil.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um indicador de desenvolvimento socioeconômico medido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O índice é calculado usando três parâmetros: renda, educação e saúde. Para a dimensão de saúde, o cálculo considera a expectativa de vida. Para a educação, a taxa de alfabetização de adultos e os níveis de escolaridade da população são avaliados. Em geral, o PIB per capita é utilizado para a renda, considerando a paridade do poder de compra (PPC), para permitir a comparabilidade entre os países. Os parâmetros são tratados e combinados, assumindo um valor entre 0 e 1 (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], 2018United Nations Development Programme (UNDP). (2018). Recuperado de http://hdr.undp.org/en/content/human-development-index-hdi
http://hdr.undp.org/en/content/human-dev...
). O PNUD calcula o IDH dos municípios brasileiros a cada dez anos (última avaliação em 2010).

Esses dados fornecem informações interessantes sobre o estudo: em média, os municípios com maior crescimento do IDH entre 1990 e 2010 são os mais pobres, provavelmente devido aos programas sociais realizados pelo governo brasileiro desde a estabilização da economia nos anos 90. Isso é verificado nos dados do IDH dos municípios. A correlação entre o IDH de 2010 e a taxa de variação do IDH entre 1990 e 2010 é de 69,74%. Esse fato ilustra o crescimento da classe média e, portanto, o surgimento de mercados alternativos para as grandes cidades do eixo Sul-Sudeste. Supõe-se que a expansão para mercados menos maduros gera maiores riscos operacionais para as cadeias, de modo que um maior uso de franqueados é esperado nesse processo de expansão. Assim sendo:

H2: A maior presença de redes em cidades menos desenvolvidas está associada a uma maior proporção de unidades franqueadas.

No entanto, se a complexidade - e custos - associados ao monitoramento de unidades aumentar de forma proporcional à dispersão espacial, pode-se esperar que esse efeito seja mitigado por algumas características operacionais que tornem o esforço de monitoramento mais eficiente. Uma dessas características é a localização de unidades em shopping centers. No Brasil, o aluguel cobrado pelos shoppings geralmente tem uma porção fixa e outra variável, esta última sendo geralmente um percentual cobrado sobre a receita da loja (Lemos & Rosa, 2003Lemos, M. L. F., & Rosa, S. E. S. (2003). O segmento de shopping centers no Brasil e o BNDES. BNDES Setorial, 17, 171-186.). Devido a essa despesa variável relacionada à receita (como royalties cobrados pelos franqueadores), a administração do shopping mantém algum nível de monitoramento nas lojas estabelecidas (Pashigian & Gould, 1998Pashigian, B. P., & Gould, E. D. (1998). Internalizing externalities: the pricing of space in shopping malls. The Journal of Law and Economics, 41(1), 115-142.). Isso se aplica não só a questões financeiras, mas também a outros aspectos relacionados com o funcionamento da unidade (serviço, limpeza, fachada de loja, etc.).

Além disso, as lojas localizadas em shoppings se beneficiam do efeito de “atração cumulativa” (Teller & Schenedlitz, 2012Teller, C., & Schenedlitz. (2012). Drivers of agglomeration effects in retailing: The shopping mall teenant’s perspective. Journl of Marketing Management, 28(9-10), 1043-1061.). Ou seja, aspectos como praticidade, conforto e comodidade (maximizando o uso de tempo de compra, reduzindo custos de viagens para compras diversificadas) e - no caso do Brasil - segurança criam vantagens para o consumidor que, pela perspectiva do lojista, pode aumentar o volume de vendas e a disposição do cliente em pagar um preço prêmio (Teller & Schenedlitz, 2012Teller, C., & Schenedlitz. (2012). Drivers of agglomeration effects in retailing: The shopping mall teenant’s perspective. Journl of Marketing Management, 28(9-10), 1043-1061.). Paralelamente, Hsu, Kaufmann e Srinnivasan (2017)Hsu, L., Kaufmann, P., & Srinivasan, S. (2017). How Do Franchise Ownnership Structure and Strategic Investment Emphasis Influence Stock Returns and Risks? Journal of Retailing, 93(3), 350-368. sugerem que o franqueador buscará a estratégia de manter a propriedade dos pontos de venda mais lucrativos.

Ou seja, há pelo menos dois fatores de influência que motivam redes com mais lojas em shoppings a manterem uma maior proporção de lojas próprias: (i) monitoramento exercido pela administração de shopping centers e (ii) maior potencial de rentabilidade. De acordo com a Associação Brasileira de Franchising (ABF), cerca de 34,5% de todas as lojas instaladas em shoppings no Brasil pertencem a redes de franquias (Associação Brasileira de Franquias [ABF], 2017Associação Brasileira de Franquias. (2017). No Title. Retrieved from https://www.abf.com.br/numeros-do-franchising/
https://www.abf.com.br/numeros-do-franch...
). Segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE) (2018)Associação Brasileira de Shopping Centers (2018). Números do setor. Retrieved January 18, 2019, from www.portaldoshopping.com.br
www.portaldoshopping.com.br...
, existem 571 shoppings no Brasil, os quais oferecem 102,3 mil pontos comerciais. Todo o setor movimentou quase US$50 bilhões em 2017. Os setores de franchising e shopping centers são muito relacionados e esperamos que as redes que normalmente possuem mais lojas nesse tipo de condomínio comercial tenham uma proporção maior de seus negócios. Lojas próprias. Formalmente:

H3: Quanto maior a proporção de lojas da rede localizadas em shopping centers, menor a proporção de unidades franqueados.

Além do efeito de custos de agência sobre o mix contratual, nosso modelo também considera o efeito da potencial escassez de recursos nas redes de nossa amostra. Esses aspectos são utilizados em conjunto como forma de aumentar o poder explicativo do modelo. Essa abordagem é derivada da visão baseada em recursos (Castro, Mota, & Marnoto, 2009Castro, L. M. de, Mota, J., & Marnoto, S. (2009). Toward a relational perspective of franchising chains. Service Business, 3(1), 15.), a qual é considerada a primeira lente teórica que procurou explicar a adoção do arranjo franqueado (Combs & Ketchen, 1999Combs, J. G., & Ketchen, D. J. (1999). Can capital scarcity help agency theory explain franchising? Revisiting the capital scarcity hypothesis. Academy of Management Journal, 42(2), 196-207.). Obras seminais, como as de Oxenfeldt e Kelly (1968)Oxenfeldt, A. R., & Kelly, A. O. (1968). Will Successful Franchise Systems Ultimately Become Wholly-owned Chains? Journal of Retailing, 44(4), 69-83. e Caves e Murphy (1976)Caves, R. E., & Murphy, W. F. (1976). Franchising: Firms, markets, and intangible assets. Southern Economic Journal, 572-586. desenvolveram argumentos baseados no pressuposto de que a gestão da cadeia preferiria operar apenas com suas próprias lojas, mas escolheram franquias como forma de alavancar o crescimento da rede fornecendo capital e capacidade a um custo muito menor do que outras fontes disponíveis no mercado (Norton, 1995Norton, S. W. (1995). Is franchising a capital structure issue? Journal of Corporate Finance, 2(1), 75-101.).

Combs e Ketchen (1999)Combs, J. G., & Ketchen, D. J. (1999). Can capital scarcity help agency theory explain franchising? Revisiting the capital scarcity hypothesis. Academy of Management Journal, 42(2), 196-207. também listam duas razões pelas quais o franchising poderia ser uma alternativa de capital de baixo custo. Em primeiro lugar, do ponto de vista do franqueado, não há separação entre propriedade e controle em relação ao investimento do franqueado. Como resultado, os custos de agência normalmente enfrentados por investidores passivos são menos impactantes, o que reduz possíveis despesas com mecanismos de governança e proteção de investimentos. Portanto, o retorno exigido pelos franqueados tende a ser menor em comparação com outras fontes de capital. Em segundo lugar - e como já mencionado neste texto - os problemas de seleção adversa tendem a ser reduzidos nas relações de franquia, dado todo o dinheiro que o franqueado deve investir no relacionamento. Isso significa que a recuperação do capital investido está fortemente condicionada ao desempenho do franqueado, o que atrairia indivíduos conscientes e mais capacitados em relação à transação. Por sua vez, investidores passivos enfrentariam um nível mais alto de assimetria informacional, levando-os a exigir um retorno maior sobre seus investimentos.

Pesquisas anteriores baseadas na teoria da escassez de recursos enfatizam a questão do redirecionamento de propriedade quando as restrições de crescimento são atenuadas (Windsperger & Dant, 2006Windsperger, J., & Dant, R. P. (2006). Contractibility and ownership redirection in franchising: A property rights view. Journal of Retailing, 82(3), 259-272.). Ou seja, sob o pressuposto de que as redes preferem possuir as lojas tanto quanto possível, recursos fundamentais como capital e conhecimento local seriam as principais razões para optar pelo franchising. Portanto, à medida que essas restrições são atenuadas, as redes franqueadas deixam de vender novas franquias ou começam a comprar as existentes. Essa lógica leva à inferência que sustenta uma das principais críticas à visão da escassez de recursos: se os franqueados seriam apenas um provedor de recursos de menor custo para cadeias jovens e pequenas, o franchising seria um fenômeno temporário (Martin, 1988Martin, R. E. (1988). Franchising and risk management. The American Economic Review, 954-968.).

À medida em que uma rede se torna maior, sua capacidade de aumentar recursos a um custo menor aumentaria, elevando o custo de oportunidade relacionado a franquear suas unidades. Como resultado, a proporção de lojas próprias aumentaria ao longo do tempo até que, no limite, a cadeia se tornaria verticalmente integrada. Tal resultado não é verificado nas práticas do setor de franquias, nem é apoiado pela literatura empírica, mas alguns estudos conseguiram captar aumentos na proporção de lojas próprias devido ao alívio de restrições de recursos (Dant, Perrigot, & Cliquet, 2008Dant, R. P., Perrigot, R., & Cliquet, G. (2008). A cross-cultural comparison of the plural forms in franchise networks: United States, France, and Brazil. Journal of Small Business Management, 42(6), 286-311.). Pode-se esperar que tal alívio de restrições venha de ganhos em tamanho e maturidade.

As grandes cadeias tenderiam a reduzir a proporção de franquias em grande parte devido a dois problemas. Primeiro, quanto maior a cadeia, maior o problema da seleção adversa e maior o risco do efeito free-riding (Gomez, González, & Vazquez, 2010Gomez, R. S., González, I. S., & Vazquez, L. (2010). Multi-unit versus single-unit franchising: assessing why franchisors use different ownership strategies. The Service Industries Journal, 30(3), 463-476.). A relação positiva entre o tamanho da cadeia e o risco do free-riding é geralmente derivada do valor da marca que, por sua vez, está associada ao tamanho. Marcas valorizadas tendem a estar associadas a produtos e serviços de qualidade reconhecida, o que gera reputação e expectativa no cliente, o que tende a resultar em vendas, margens ou participação de mercado maiores. Custos associados à seleção adversa ex ante e a custos de monitoramento ex post reduziriam os custos de oportunidade de operar mais lojas próprias. Em segundo lugar, o tamanho da cadeia permitiria obter escala na captação de recursos, seja de capital ou de conhecimento local (Caves & Murphy, 1976Caves, R. E., & Murphy, W. F. (1976). Franchising: Firms, markets, and intangible assets. Southern Economic Journal, 572-586.). Por conseguinte, a opção por uma maior proporção de lojas próprias torna-se mais atrativa. Portanto:

H4: O maior porte da rede está associado a uma menor proporção de lojas franqueadas.

Assim como na questão do porte, esperamos que a maturidade também afete o mix contratual. Pesquisas anteriores sugerem que redes franqueadas nos estágios iniciais de seu ciclo de vida tomam decisões contratuais diferentes das decisões tomadas por redes mais maduras (Lafontaine & Kaufmann, 1994Lafontaine, F., & Kaufmann, P. (1994). The Evolution of Ownership Patterns in Franchise Systems. Journal of Retailing, 70(2), 97-113.; Martin, 1988Martin, R. E. (1988). Franchising and risk management. The American Economic Review, 954-968.; Shane, 1996Shane, S. A. (1996). Hybrid organizational arrangements and their implications for firm growth and survival: A study of new franchisors. Academy of Management Journal, 39(1), 216-234.). Hipóteses que predizem uma relação negativa entre maturidade e a proporção franqueada podem ser derivadas da teoria da agência e da visão de escassez de recursos. Do ponto de vista de “agency”, a maturidade aumenta o nível de familiaridade da rede em relação ao conceito de negócios e ao gerenciamento da cadeia de unidades. Grande parte da energia dedicada ao crescimento durante a fase de desenvolvimento pode ser redirecionada para a gestão de franqueados e funcionários gerentes de lojas próprias (Castrogiovanni, Combs, & Justis, 2006Castrogiovanni, G. J., Combs, J. G., & Justis, R. T. (2006). Resource scarcity and agency theory predictions concerning the continued use of franchising in multi‐outlet networks. Journal of Small Business Management, 44(1), 27-44.). Portanto, tarefas relacionadas ao monitoramento e controle do esforço do agente, bem como a medição e avaliação do desempenho da unidade tendem a ser mais bem desempenhadas pela gestão da rede, o que poderia mitigar a necessidade de incentivos, resultando em mais lojas próprias.

A perspectiva de recursos escassos, por sua vez, compreende que muitas das restrições que afligem as redes em seus primeiros estágios do ciclo de vida perdem força à medida que a cadeia amadurece (Madanoglu & Castrogiovanni, 2017Madanoglu, M., & Castrogiovanni, G. J. (2017). Franchising proportion and network failure. Small Business Economics, 50(4), 697-715.). O apoio recebido por essa visão não é inequívoco. Embora cadeias franqueadas mais maduras sejam mais propensas a sobreviver, Bardonaba-Juste, Lucia-Palacios e Polo-Redondo (2011)Bardonaba-Juste, V., Lucia-Palacios, L., & Polo-Redondo, Y. (2011). An analysis of franchisor failure risk: evidence from Spain. Journal of Business and Industrial Marketing, 26(6), 407-420. verificam exatamente o contrário. Ainda considerando a dinâmica do ciclo de vida, Cliquet (2000)Cliquet, G. (2000). Plural forms in store networks: a model for store network evolution. The International Review of Retail, Distribution and Consumer Research, 10(4), 369-387. argumenta que, tipicamente, durante os estágios iniciais do ciclo de vida, a densidade de lojas tende a ser menor do que durante a fase de maturação, o que impactaria o mix contratual. Inicialmente, buscando aumentar a ocupação do mercado, a rede optaria por atrair os franqueados para sustentar o crescimento. No entanto, com a maturidade, a ênfase estaria na rentabilidade das unidades, com a conversão das unidades mais lucrativas em lojas próprias.

H5: Quanto mais experiente a rede se torna, menor a proporção esperada de lojas franqueadas.

Ainda considerando a dificuldade de acesso a recursos que são importantes para o sucesso da cadeia, verificamos o efeito dos custos de instalação de uma nova unidade no mix contratual. Abrir uma nova unidade envolve investir recursos e assumir riscos, e o sucesso da operação é amplamente moderado pela capacidade gerencial e pelo mercado local dessa unidade (Cliquet & Pénard, 2012Cliquet, G., & Pénard, T. (2012). Plural form franchise networks: A test of Bradach’s model. Journal of Retailing and Consumer Services, 19(1), 159-167.). Portanto, atrair parceiros para compartilhar tais custos e riscos pode ser uma opção interessante do ponto de vista da rede. Além disso, é claro, variáveis ​​externas, como mudanças no padrão de concorrência local, preferências do consumidor e variáveis ​​econômicas, como desemprego e renda, afetarão o desempenho da unidade. Isso implica que aumentar o custo de instalação para abrir uma nova loja em conjunto com o agravamento do mercado adjacente pode tornar a opção por franquias cada vez mais interessante.

O Brasil vive uma grave crise econômica e política desde o segundo semestre de 2014. Durante esse período, o país experimentou uma severa recessão e muitas incertezas. Praticamente todos os indicadores econômicos sofreram uma piora significativa. Para citar alguns exemplos, primeiramente, o PIB brasileiro registrou duas quedas consecutivas: -3,8% em 2015 e -3,6% em 2016 (permaneceu praticamente estável em 2017). Em segundo lugar, a taxa de desemprego aumentou quase 80% entre 2013 e 2017 (de 7,20% para 13,02%). Pode-se esperar que tal cenário possa impactar o setor de franchising brasileiro. Nosso modelo procura capturar esses efeitos no mix contratual.

A turbulência afetou o setor de franquias no Brasil, conforme indicado parcialmente na Tabela 1. De acordo com a ABF (2014)Associação Brasileira de Franchising. (2014). Retrieved February 03, 2019, from https://www.abf.com.br/abf-e-abrasce-divulgam-estudo-inedito-sobre-franquias-e-shoppings-no-brasil/
https://www.abf.com.br/abf-e-abrasce-div...
, houve uma redução no número de redes franqueadas no Brasil, e as vendas foram seriamente afetadas entre 2013 e 2017. Mas vale ressaltar que tanto o número de unidades quanto o número de empregos cresceram. Embora o crescimento da cadeia não seja o foco de nossa pesquisa, esperamos que esse crescimento tenha ocorrido com mais lojas franqueadas, seguindo a lógica da visão de recursos escassos. Especificamente, considerando o cenário apresentado, esperamos que o crescimento dos custos de instalação de novas lojas esteja associado a um aumento na proporção de lojas franqueadas. Assim sendo,

Tabela 1
Franchising Brasileiro: Performance (fonte: ABF)

H6: Quanto maiores os custos de instalação de lojas, maior a proporção de unidades franqueadas.

3. METODOLOGIA

A Figura 1 esquematiza o conjunto de hipóteses formuladas como um modelo aditivo. O estudo contempla uma análise longitudinal de dados em painel para o período 2011-2016. O objetivo era constituir um painel totalmente balanceado para aumentar a robustez dos resultados. Após cruzar as fontes de informação utilizadas, obtivemos uma amostra com pouco mais de 300 redes franqueadas. No entanto, deve-se notar que foi necessário entrar em contato com o gerenciamento de algumas cadeias para verificar se havia alguma informação conflitante ou mesmo ausente. Após esse último esforço, foi obtido um painel balanceado de 270 cadeias.

Figura 1
Modelo Teórico

A metodologia de dados em painel utilizada tem muitos benefícios, tais como a redução da colinearidade entre as variáveis ​​explicativas do modelo e a análise de amostras maiores, uma vez que considera vários indivíduos (cadeias) ao longo do tempo. Além disso, permite o aumento de graus de liberdade nas estimativas do modelo proposto (Hsiao, 1996Hsiao, C. (1996). Analysis of panel data. Cambridge: Cambridge University Press.). Testes foram conduzidos para verificar um método que melhor se ajustasse aos dados para estimação. Antes de os testes serem realizados, observou-se a pequena variação interna das variáveis (within variation), impossibilitando a estimação do modelo por efeitos fixos, uma vez que os parâmetros seriam imprecisamente estimados (Wooldridge, 2010Wooldridge, J. M. (2010). Econometric analysis of cross section and panel data. Cambridge: MIT press.). Em relação à estimação por efeitos aleatórios, não há argumentos que sustentem a hipótese de que os efeitos individuais das redes não possuem qualquer tipo de relação com as variáveis explicativas do modelo. Dessa forma, o método de estimação linear adotado foi o Pooled Ordinary Least Squares (POLS).

Além do argumento sobre o método de estimação utilizado, vale enfatizar a natureza da construção da variável dependente do modelo. Segundo Papke e Wooldridge (1996Papke, L. E., & Wooldridge, J. (1996). Econometric methods for fractional response variables with an application to 401 (k) plan participation rates. Journal of Applied Econometric, 11(1), 619-632., 2008)Papke, L. E., & Wooldridge, J. M. (2008). Panel data methods for fractional response variables with an application to test pass rates. Journal of Econometrics, 145(1), 121-133., quando a variável é fracionária, também é necessário estimar o modelo proposto pela metodologia de resposta fracionária aplicada aos dados em painel. Essa metodologia baseia-se na estimação não linear do modelo pela função de resposta logística ou probabilística. No caso da estimação do modelo de trabalho, optou-se pela função logística, já que produz estimadores computacionalmente mais simples na presença de heterogeneidade não observada (Papke & Wooldridge, 1996Papke, L. E., & Wooldridge, J. (1996). Econometric methods for fractional response variables with an application to 401 (k) plan participation rates. Journal of Applied Econometric, 11(1), 619-632.). Ademais, as vantagens de estimar o modelo por uma função de resposta não linear estão no melhor ajuste da função do modelo para a distribuição da variável dependente fracionária.

As hipóteses foram testadas com dados de diferentes fontes de informação. O Guia Oficial de Franquia da ABF é uma publicação anual oferecida ao público interessado, que também está disponível gratuitamente em sua versão eletrônica no próprio site da ABF. Por meio dessa publicação, as redes associadas à ABF informam às partes interessadas características básicas, tais como: área de atuação, contato, taxas de franquia, tamanho atual da rede em termos de número de unidades (próprias e franqueadas), investimento necessário, dentre outras informações. As redes não detalham o endereço de suas unidades no anuário, então foi necessário usar uma segunda fonte de informações: o endereço de internet das redes de amostra. Para cada rede foram tabulados os dados das cidades ocupadas, com o número de unidades por cidade e indicando as unidades fisicamente dispostas em algum tipo de condomínio comercial ou equivalente (shopping centers, centros comerciais, aeroportos, campus universitários, etc.). A coleta desses dados ocorreu em três períodos diferentes: 2011, 2014 e 2016. Uma vez conhecidos os municípios ocupados, o site do IBGE foi utilizado para coletar dados de longitude e latitude, como informações socioeconômicas.

3.1. VARIÁVEL DEPENDENTE

Frequentemente, na literatura de franchising, o termo “mix contratual” é usado para se referir à proporção de lojas próprias e franqueadas. Essa nomenclatura será adotada aqui. A proporção de estabelecimentos franqueados (MIX) é usada para representar o uso de formas plurais. Para obter essa variável, dividimos o número de lojas franqueadas pelo número do número total de lojas.

3.2. VARIÁVEIS I​NDEPENDENTES

Duas variáveis ​​são utilizadas para captar, de forma aditiva, a dificuldade de monitoramento devido à dispersão da rede. O primeiro (DISTGEO) é mais tradicional em relação à literatura de agency porque representa a distância geográfica de uma unidade para a outra e destas para o QG do franqueador. Assim, infere-se que redes mais dispersas possuem maior complexidade de monitoramento em comparação a redes mais concentradas, ceteris paribus. Para operacionalizar a DISTGEO, usamos dados das cidades onde as redes têm operações para captar o quão distantes as unidades de uma rede estão entre si (e da sede da rede). A variável assume valores maiores para cadeias mais dispersas. Como já mencionado, os dados do endereço da unidade foram coletados em 2011, 2014 e 2016. No entanto, o painel contempla o período 2011-2016, portanto, faltam valores para os anos de 2012, 2013 e 2015. Tais valores omitidos (missing values) foram preenchidos assumindo linearidade em duas etapas: entre 2011 e 2014, para completar os anos de 2012/2013; e entre 2014 e 2016, para preencher o ano de 2015. Tal estratégia foi empregada para gerar um painel de dados o mais equilibrado possível, já que a remoção dos anos de 2012, 2013 e 2015 nos dados do painel reduziria o número de observações pela metade, o que poderia levar a potenciais efeitos de viés de atrito, ou seja, a omissão de observações com efeitos significativos sobre a população de franquias do estudo.

Em seguida, utilizou-se a latitude e longitude das cidades para caracterizar a variável, aplicando distâncias euclidianas. Consideramos que redes com grupos de unidades concentradas são mais facilmente monitoradas do que cadeias com unidades mais dispersas em todo o território brasileiro. Assim, uma análise de agrupamentos (cluster analysis) foi aplicada para definir grupos de unidades presentes nas redes a fim de considerar a distância entre os grupos e não apenas a distância entre as unidades. Por fim, a variável foi criada adicionando, para cada rede, a distância euclidiana entre as lojas de cada grupo e a distância euclidiana dos grupos. Assim, o valor da variável dispersão é uma soma das distâncias euclidianas, com maiores valores para cadeias sem muitos grupos concentrados e menores para cadeias com estratégias de localização mais compactas.

A segunda variável que capta a questão da dispersão leva em conta uma nuance mais qualitativa. As regiões do país indicam diferenças consideráveis em termos de padrão socioeconômico. Enquanto as regiões Sul e Sudeste somam 92 dos 100 municípios mais bem classificados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para 2010, apenas dois municípios do Norte/Nordeste aparecem na lista dos top 200. Assim, nosso modelo considera não apenas a dispersão geográfica propriamente dita, mas também as diferenças socioeconômicas entre as cidades nas quais as cadeias operam suas unidades. Nós operacionalizamos a variável VARIDH para capturar tais diferenças usando o IDH.

Antes da operacionalização da variável VARIDH, foi realizada uma análise prévia dos dados do IDH para os municípios brasileiros. Como mencionado anteriormente, o PNUD desenvolveu a medição do índice para os municípios brasileiros a cada 10 anos desde 1990 (ou seja, três pesquisas até o momento). A correlação entre a variação percentual entre o IDH dos municípios do Brasil entre 1990 e 2010 e o IDH de 2010 é negativa em quase 70%. Em outras palavras, os municípios com maior crescimento em termos de IDH são justamente os mais pobres. Calculamos o seu IDH médio por rede em nossa amostra considerando o IDH de todas as cidades onde a cadeia tem operações. Fizemos isso usando os relatórios do IDH do PNUD para os anos seguintes: 1990, 2000 e 2010. Finalmente, calculou-se a variação percentual entre 1990 e 2010, o que resultou na caracterização definitiva da variável VARIDH. Assim, a variável capta não apenas a eventual busca da cadeia pelos mercados emergentes no cenário brasileiro, mas também o risco associado a essa estratégia de expansão, considerando que tais mercados ainda estão em processo de maturação.

A terceira variável (SHOPPING) capta a presença de pontos de venda em shopping centers, conforme discutido anteriormente no desenvolvimento da hipótese H3. Para tanto, calculou-se a porcentagem dos estabelecimentos presentes nesse tipo de empreendimento comercial. Essa informação é acessível através dos endereços das unidades da rede. A quarta variável independente é o PORTE, que é operacionalizada através da multiplicação do número total de unidades pelo faturamento médio das unidades. Ambas as informações estão disponíveis no Relatório Anual da ABF.

A fim de captar o grau de maturidade das redes, usamos o tempo total de existência da rede (IDADE), bem como tempo em anos em que a rede adota o sistema de franquias (TFRANQUIA). Além disso, considerando que ambas as variáveis ​​representam diferentes construtos, apesar de apresentar um alto padrão de correlação (ver Tabela 3), uma análise de componentes principais foi realizada para obter a variável MATURIDADE a partir dessas duas variáveis ​​originais. Finalmente, a variável INVLOJA representa o investimento exigido dos franqueados para instalar uma nova unidade. Essa informação também está disponível no anuário da ABF. No entanto, é informado na forma de um intervalo (valores mínimo e máximo). Escolhemos usar o valor mínimo porque a escolha da média poderia adicionar algum viés nos modelos. Além disso, pretendemos captar estratégias de microfranquias, o que vem aumentando ultimamente devido à turbulência econômica que o país vem experimentando desde o final de 2014.

3.3. VARIÁVEIS ​​DE CONTROLE

A primeira variável de controle aplicada é uma variável dicotômica (dummy) para identificar redes estrangeiras. Estudos anteriores mostram que aspectos como distância cultural, instabilidade econômica e complexidade institucional encorajam redes estrangeiras a entrar em mercados emergentes buscando agentes locais para operar sua marca nesses países (Baena, 2012Baena, V. (2012). Market conditions driving international franchising in emerging markets. International Journal of Emerging Markets, 7(1), 49-71.; Fladmoe-Lindquist & Jacque, 1995Fladmoe-Lindquist, K., & Jacque, L. L. (1995). Control modes in international service operations: The propensity to franchise. Management Science, 41(7), 1238-1249.). É comum observar redes de franquias multinacionais empregando modelos de máster-franquias em países da América Latina, como o RE/MAX e o McDonald’s. Assim, a estratégia das redes estrangeiras que operam no Brasil para o mix contratual difere da estratégia das redes nacionais, o que exige a necessidade de controle para esse tipo de endogeneidade.

Dummies também foram aplicadas representando o setor da indústria das redes. O presente estudo adotou uma taxonomia para a designação dos setores. Isso ocorre por três razões. Primeiro, a taxonomia publicada pela ABF reúne (no mesmo setor) cadeias com estruturas operacionais muito diferentes. Em segundo lugar, há mudanças na taxonomia empregada pela ABF ao longo dos anos, com algumas redes da amostra mudando de setor de ano para ano. Por fim, alguns setores ficariam sub-representados em alguns dos anos cobertos pelo painel de dados. Assim, é adotada a seguinte taxonomia: (i) alimentação, (ii) vestuário, (iii) serviços em geral, (iv) comércio e serviços (bens e/ou serviços oferecidos em unidades), serviços de saúde, (vii) serviços de beleza, (viii) produtos cosméticos. Cabe ressaltar que as áreas que envolvem saúde humana ou produtos/serviços relacionados à beleza e estética foram individualizadas devido ao maior risco em relação ao consumo do produto ofertado. A Tabela 2 apresenta um resumo de nossas variáveis ​​independentes, seu significado, símbolos e sinais esperados referentes à nossa variável dependente.

Tabela 2
Resumo das Variáveis

4. RESULTADOS E ANÁLISE

Após a estimação do modelo pela metodologia mencionada acima, foram realizados testes para verificar a existência de multicolinearidade entre as variáveis explicativas do modelo como, por exemplo, a análise da matriz de correlação e o fator de inflação de variância (VIF). Também foram aplicados testes de Breusch-Pagan e Cook-Weisberg para verificar a existência da homocedasticidade em resíduos, bem como os testes de Shapiro-Wilk e Shapiro-France para verificar a distribuição normal dos resíduos. Deve-se observar que as variáveis foram normalizadas pelo comando “z-score” do software STATA. A Tabela 3 apresenta a estatística descritiva das variáveis propostas pelo modelo, e a Tabela 4 indica os coeficientes de correlação de Pearson.

Tabela 3
Estatísticas Descritivas
Tabela 4
Matriz de Correlações

A Tabela 5 apresenta os resultados dos modelos estimados. Os resultados dos testes estatísticos propostos são mostrados na parte inferior da Tabela 5. Quanto à homocedasticidade dos resíduos, para os quatro modelos estimados, não há variâncias homocedásticas. Portanto, os modelos foram estimados usando a matriz de variância e covariância robusta. Para a hipótese de multicolinearidade, a Tabela 4 mostra que não há alta correlação entre as variáveis do modelo, exceto entre as variáveis PORTE e INVLOJA. Assim, foi realizado o teste VIF, que apresenta uma média de menos de 5 para todos os modelos, o que nos permite inferir que as estimativas não sofrem de problemas de multicolinearidade. Por fim, o teste de normalidade da distribuição de resíduos apresenta estatísticas que rejeitam a hipótese do teste.

Tabela 5
Modelos Estimados

Os testes de Chow, Breusch-Pagan e Hausman indicam que o melhor estimador é obtido usando efeitos fixos, mas, como já mencionado, o modelo foi estimado pelo POLS e também pela resposta fracionária não linear (fracreg) aplicada aos dados em painel. Os modelos 1 e 2 foram estimados com as variáveis ​​IDADE e TFRANQUIA (representando diferentes construtos). Porém, ao ser observada uma relação distinta sobre a variável dependente e também uma alta correlação entre as duas variáveis, optou-se por aplicar uma análise de fator único entre as duas variáveis de forma a obter uma única variável representando MATURIDADE das redes. Portanto, foram estimados os modelos 3 e 4 substituindo as variáveis IDADE e TFRANQUIA pela variável MATURIDADE.

Quase todos os coeficientes em nossos modelos são significativos a 1%, exceto os coeficientes do GEODIST nos modelos 1 e 3, estimados pelo POLS, que foram significativos a 5%. No geral, o modelo esquemático proposto, mostrado na Figura 1, é fortemente apoiado pelos dados. A primeira hipótese (H1) propõe uma relação positiva entre a dispersão geográfica das cadeias e a proporção de pontos franqueados. H1 é suportada em todos os modelos. Esse resultado corrobora a proposição mais tradicional da teoria de agência para franchising já verificada em estudos anteriores ambientados nos mais diversos cenários (Martin, 1988Martin, R. E. (1988). Franchising and risk management. The American Economic Review, 954-968.; Norton, 1988Norton, S. W. (1988). An empirical look at franchising as an organizational form. Journal of Business, 61(2), 197-218.; Fladmoe-Lindquist & Jacque, 1995Fladmoe-Lindquist, K., & Jacque, L. L. (1995). Control modes in international service operations: The propensity to franchise. Management Science, 41(7), 1238-1249.).

H2 também é fortemente suportada, uma vez que uma relação positiva e significativa entre o nível de desenvolvimento da cidade e o MIX foi encontrada nos quatro modelos estimados. Aqui novamente uma previsão tradicional de economia de agência e da teoria de custos de transação (Baena, 2012Baena, V. (2012). Market conditions driving international franchising in emerging markets. International Journal of Emerging Markets, 7(1), 49-71.) é confirmada (o uso de franqueados em locais de maior risco), dessa vez utilizando-se uma métrica inovadora: o uso de dados socioeconômicos das cidades. A relação negativa proposta em H3 é confirmada quanto à significância e direção causal. Em outras palavras, as redes com maior presença em shopping center têm maior proporção de lojas próprias. Conforme proposto na formulação H3, esperamos que o efeito de monitoramento seja facilitado pelo fato de a administração desses condomínios ter interesse no desempenho desses estabelecimentos (parte do aluguel cobrado do lojista é variável em relação ao rendimento da unidade). No entanto, não podemos desconsiderar o fato de que empreendimentos como esses fornecem uma espécie de demanda forçada, resultante da atração dos consumidores para as chamadas lojas âncoras. Consequentemente, o desempenho de vendas tende a ser melhor, aumentando o interesse da rede em aproveitar esse potencial com uma unidade própria (Carter & Vandel, 2005Carter, C. C., & Vandel, K. D. (2005). Store Location in Shopping Centers: Theory and Estimates. Journal of Real Estate Research, 27(3), 237-265.). Distinguir a influência desses dois efeitos seria uma proposta interessante para trabalhos futuros, dada a relação simbiótica (e pouco estudada) entre shopping centers e franquias.

H4 também é fortemente suportada pelos dados em todos os modelos. Ou seja, as redes franqueadas que cresceram em tamanho durante o período analisado aumentaram a proporção de lojas próprias. Esse resultado parece corroborar a hipótese de redirecionamento de propriedade (Oxenfeldt & Kelly, 1968Oxenfeldt, A. R., & Kelly, A. O. (1968). Will Successful Franchise Systems Ultimately Become Wholly-owned Chains? Journal of Retailing, 44(4), 69-83.), a qual defende que redes exitosas tendem a reduzir a venda de novas franquias ou a recomprar franquias existentes (ou uma combinação dessas coisas). A literatura é um tanto ambígua quanto a isso. Os resultados para PORTE apresentados na Tabela 5 coincidem com os de Dant e Kaufmann (2003)Dant, R. P., & Kaufmann, P. J. (2003). Structural and strategic dynamics in franchising. Journal of Retailing, 79(2), 63-75. e Dant, Perrigot e Cliquet (2008)Dant, R. P., Perrigot, R., & Cliquet, G. (2008). A cross-cultural comparison of the plural forms in franchise networks: United States, France, and Brazil. Journal of Small Business Management, 42(6), 286-311., no entanto, são opostos aos de Shane (1998)Shane, S. (1998). Explaining the distribution of franchised and company-owned outlets in franchise systems. Journal of Management, 24(6), 717-739. e Alon (2001)Alon, I. (2001). The Use of Franchising by US‐Based Retailers. Journal of Small Business Management, 39(2), 111-112.. Windsperger e Dant (2006)Windsperger, J., & Dant, R. P. (2006). Contractibility and ownership redirection in franchising: A property rights view. Journal of Retailing, 82(3), 259-272. confirmam a hipótese de redirecionamento de propriedade na Áustria, mas numa perspectiva diferente da visão de recursos escassos: o crescimento da proporção de lojas próprias é uma consequência de uma alocação menor de ativos intangíveis para franqueados, o que torna a mensuração do desempenho local mais objetiva e menos sujeita a ruído. Em nosso estudo, não desenvolvemos essa hipótese derivada, mas nossos resultados (como os vistos em Windsperger & Dant, 2006Windsperger, J., & Dant, R. P. (2006). Contractibility and ownership redirection in franchising: A property rights view. Journal of Retailing, 82(3), 259-272.) abrem espaço para pesquisas futuras.

Apesar da inconveniência do alto nível de correlação entre IDADE e TFRANQUIA, nossos testes de robustez - como já mencionado - não indicam ameaças à validade do modelo. Além disso, os sinais contrários de ambas as variáveis ​​ilustram peculiaridades do franchising no Brasil, o que, por si só, faz valer o uso de ambas as variáveis ​​em nossos modelos. Conforme indicado nos modelos 1 e 2, quanto mais antigas as cadeias se tornam, maior se torna o percentual de lojas próprias. Por outro lado, as redes que foram franqueadas por um período mais longo estão aumentando a proporção de pontos de venda franqueados. Curiosamente, ambas as variáveis ​​estão positivamente correlacionadas (), mas esses fatos não são inéditos na literatura. Lafontaine (1992)Lafontaine, F. (1992). Agency theory and franchising: some empirical results. The RAND Journal of Economics, 23(2), 263-283. já havia observado que redes mais antigas tendem a operar com mais unidades próprias, em especial redes que não eram franquias há muito tempo.

A variável MATURIDADE é usado nos modelos 3 e 4. Como já mencionado, a variável combina os efeitos da idade total da cadeia e da experiência da cadeia com o sistema de franchising, conforme mencionado anteriormente. MATURIDADE apresenta significância de 1%, mas sua direção é oposta ao previsto em H5. Curiosamente, além de ir contra H5, esse resultado chama atenção ao contrabalançar o efeito do PORTE. Ou seja, se a hipótese de redirecionamento de propriedade for aceita, ao mesmo tempo, PORTE parece aliviar as restrições que estimulam o uso de franquia, enquanto a experiência não parece ser um fator relevante relacionado a recursos escassos. Alternativamente, como em Lafontaine (1992)Lafontaine, F. (1992). Agency theory and franchising: some empirical results. The RAND Journal of Economics, 23(2), 263-283., nosso estudo aponta para o que parece ser um efeito de dependência de trajetória: cadeias que trabalharam por muito tempo sem adotar franquias tendem a aumentar a proporção de suas lojas próprias quando restrições de acesso a recursos caem. Como resultado, entendemos que o efeito esperado para o constructo de maturidade (H5) é parcialmente suportado.

Finalmente, a H6 não é suportada: o sinal do INSTLOJA é contrário às nossas expectativas. Por causa disso, um modelo alternativo foi testado usando o valor médio entre os valores mínimo e máximo para o investimento inicial relatado pelas redes no anuário da ABF. Mesmo assim, os resultados que encontramos foram muito semelhantes aos apresentados na Tabela 5. Considerando os custos de instalação (e provavelmente os custos operacionais), nossos resultados parecem indicar que quanto mais caro é abrir uma nova unidade, maior o investimento necessário para abrir uma nova saída, maior a tendência de aumentar a proporção de lojas de propriedade da empresa. Pensamos em duas explicações alternativas para esse resultado. Primeiro, devido ao momento da economia brasileira, as cadeias podem não conseguir atrair ou mesmo manter os franqueados em operação para as lojas novas e existentes ao longo deste período analisado. Em segundo lugar, as cadeias aproveitam o momento para recomprar algumas unidades, o que caracterizaria um movimento estratégico. Como verificado na não rejeição de H4, as cadeias maiores estão aumentando sua proporção de pontos de venda de propriedade da empresa, o que converge para essa interpretação.

5. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

A dinâmica do mix contratual de franchising é um tema bastante estudado na literatura, principalmente em mercados como EUA e Europa, sob as lentes de teorias como “agency” e escassez de recursos (Nijmeijer, Fabbricotti, & Huijsman, 2014Nijmeijer, K. J., Fabbricotti, I. N., & Huijsman, R. (2014). Making franchising work: A framework based on a systematic review. International Journal of Management Reviews, 16(1), 62-83.). No entanto, o mercado brasileiro tem sido quase negligenciado pela literatura em relação aos fatores de influência, tais como custos de agência e recursos de difícil acesso. Nosso estudo revisita o tema com base nessas lentes teóricas, tendo algumas peculiaridades como justificativa. Em primeiro lugar, o cenário brasileiro difere dos mercados tradicionais tratados na literatura em termos de economia, cultura e instituições. Em segundo lugar, as dimensões do Brasil e suas diferenças internas tornam a dispersão um foco interessante nas investigações de redes de varejo e serviços. Finalmente, o Brasil experimentou uma profunda crise econômica e política desde 2014, o que torna o cenário ainda mais interessante no sentido científico.

A relação entre dispersão geográfica e mais lojas franqueadas aqui demonstrada é recorrentemente indicada na literatura. No entanto, nosso trabalho amplia o conceito de dispersão para capturar diferenças socioeconômicas entre as regiões do país. Os mercados menos consolidados que surgiram em função dos anos de crescimento desde a década de 1990 foram ocupados por cadeias através de unidades franqueadas, o que satisfaria tanto a conveniência de distribuir riscos aos parceiros contratados (franqueados) quanto a necessidade de estabelecer mecanismos de incentivo dos agentes locais. Pesquisas futuras destinadas a medir o efeito individual desses dois vetores seriam bem-vindas.

Além disso, o esperado (e confirmado) menor uso de franquias em shopping centers suporta a visão da teoria da agência em relação aos custos de coordenação e monitoramento. No entanto, não se pode desconsiderar que as lojas localizadas em shopping centers tendem a lidar com condições de demanda diferenciadas em relação às lojas de rua, dada a conveniência oferecida por esses empreendimentos (conveniência, alimentação, lazer e principalmente no Brasil: segurança). Aceitando esse ponto de vista, as redes teriam incentivos em buscar se beneficiar dessa maior rentabilidade potencial. Mais uma vez, uma oportunidade de pesquisa futura para dissociar esses efeitos se abre. Além da contribuição direta, tal pesquisa abrangeria uma lacuna estranha na literatura: a falta de estudos voltados a analisar a relação entre shopping centers e redes de franquias.

A antiga hipótese de redirecionamento de propriedade parece “atual” nos dados brasileiros. Na verdade, as redes que cresceram o fizeram por meio de mais lojas próprias. Esse aumento no nível de integração vertical, por exemplo, é percebido em redes cujo investimento necessário para abrir uma nova unidade aumentou durante o período. Nossos dados não nos permitem verificar se esse efeito é um resultado direto do mau momento econômico. Futuros estudos analisando o crescimento das redes podem nos ajudar a entender se nossos resultados indicam (i) uma estratégia de mix contratual (aproveitando a redução do valor dos ativos das lojas franqueadas) ou (ii) se o que ocorre é o fechamento de unidades franqueadas por causa da recessão econômica (o que aumentaria a proporção de lojas próprias). Da mesma forma, o que encontramos em relação ao efeito de maior antiguidade é intrigante. Empresas mais antigas - considerando a idade e não o início da franquia - aumentaram o índice de franquias. O oposto ocorre com redes que foram franqueadas por mais tempo (independentemente da idade). Como mencionado anteriormente, um efeito de dependência de trajetória impregnado na cultura da organização pode estar no cerne da explicação. Todavia, entendemos que é necessária uma investigação mais profunda.

Em suma, nosso estudo revisitou uma questão importante sobre o arranjo das franquias. Mais do que identificar peculiaridades do cenário brasileiro, trazemos alguns fatores pouco explorados, como a relação entre franquias e shopping centers e a presença de redes brasileiras em mercados internos menos consolidados. Contudo, estamos cientes de algumas limitações do estudo, que podem caracterizar futuras oportunidades de pesquisa. Primeiro, muitas das informações que usamos são fornecidas como uma média para todas as redes (receita média por canal, por exemplo). Em segundo lugar, a influência da presença de shopping centers precisa ser mais detalhada. Também não podemos identificar se a rede (i) mantém unidades em um shopping center como estratégia de canal de marketing, (ii) se busca se beneficiar do monitoramento realizado pela administração do shopping center, nem mesmo se “(ii)” é uma consequência de “(i)”. Terceiro, embora nosso estudo seja longitudinal, com ganhos de validade interna nas relações causais propostas, o modelo que desenvolvemos é aditivo. Estudos futuros propondo relações intervenientes e/ou moderadoras são bem-vindos. Ambas as teorias fundamentando nossas hipóteses forneceram respostas interessantes e aumentaram nossa compreensão da indústria de franquias. Novas vertentes (por exemplo, teoria de torneios e capacidades dinâmicas) e novos problemas (franquias de múltiplas unidades, franquias sociais, etc.) exigem que os pesquisadores deem novos passos para ampliar o que sabemos sobre o arranjo.

6. REFERRENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2018
  • Revisado
    20 Set 2018
  • Aceito
    10 Out 2018
  • Publicado
    12 Jun 2019
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