Acessibilidade / Reportar erro

Efeito da Similaridade de Valores Pessoais no Valor do Relacionamento B2B

Resumo

A similaridade de valores influencia o relacionamento entre empresas. No entanto, mesmo que as decisões organizacionais sejam tomadas por pessoas, o papel da similaridade entre valores pessoais dos envolvidos nas trocas comerciais é pouco explorado no contexto B2B. Com base na teoria da similaridade-atração, desenvolvemos um modelo que explora o efeito da similaridade entre valores pessoais de vendedores e compradores no valor do relacionamento B2B. Utilizando uma amostra composta por 25 vendedores e 317 compradores, testamos as hipóteses por meio de regressão polinomial com análise de superfície de resposta. Os resultados demonstram que a similaridade de valores pessoais de foco social entre vendedor-comprador tem efeito positivo no valor do relacionamento B2B, mas quanto mais similares os indivíduos em relação à valores de foco pessoal, menor o valor que o comprador percebe no relacionamento com seu fornecedor. Implicações para a teoria e para a gestão de relacionamentos B2B são encaminhadas.

Palavras-chave
Similaridade de Valores; Valores Pessoais; Relacionamento B2B; Valor do Relacionamento

ABSTRACT

Similarity of values influences the relationship between companies. However, even if organizational decisions are made by people, the role played by similarity of personal values for those involved in the trade is little explored in the B2B context. Based on the similarity-attraction theory, we developed a model that explores the effect that similar of personal values between buyer and seller has in the B2B relationship value. Using a sample composed of 25 sellers and 317 buyers, we tested the hypotheses by means of polynomial regression with a response surface analysis. The results demonstrate that similarity of personal values, in regards to a social focus, between seller and buyer has a positive effect on the B2B relationship value. However, when individuals are more similar relation to personal values, the lower value the buyer perceives in the relationship with his provider. The paper also addresses implications for the theory, and B2B management theory. Relationship Implications.

Keywords
Values Similarity; Personal Values; B2B Relationship; Relationship Value

1. Introdução

As decisões em mercados business-to-business (B2B) são tomadas por pessoas, e não por organizações, residindo a autoridade decisória final tipicamente em um único indivíduo ou pequeno grupo executivo (Grewal et al., 2015Grewal, R., G. L., Bharadwaj, S., Jindal, P., Kayande, U., Lusch, R. F., Mantrala, M., Palmatier, R. W., Rindfleisch, A., Scheer, L. K., Spekman, R., & Sridhar, S. (2015). Business-to-Business Buying: Challenges and Opportunities. Customer Needs and Solutions, 2(3), 193-208. https://doi.org/10.1007/s40547-015-0040-5
https://doi.org/10.1007/s40547-015-0040-...
). Pesquisadores engajados em estudar o micro contexto das relações interorganizacionais investigam como características de membros de organizações impactam o funcionamento e os resultados dos relacionamentos B2B (Cropper et al., 2014Cropper, S., Ebers, M., Huxham, C., & Ring, P. S. (2014). Handbook de relações interorganizacionais da Oxford. Porto Alegre: Bookman. ).

De maneira geral, a literatura mostra que os indivíduos podem ter seus próprios objetivos e experiências, os quais podem afetar seu comportamento e, consequentemente, influenciar as relações entre empresas (Manosso & Antoni, 2018Manosso, T. W. S., & Antoni, V. L. (2018). Da congruência de valor entre boundary spanners à satisfação em mercados B2B: uma perspectiva teórica. Revista Alcance, 25(2), 194-210.; Torres et al., 2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva. Psicologia USP, 27(2), 341-356. http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150045
http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150...
). Dentre os fundamentos frequentemente utilizados para prever comportamentos, tendências e escolhas individuais, estão os valores pessoais (Qu et al., 2017Qu, Y. E., Dasborough, M. T., Zhou, M., & Todorova, G. (2017). Should authentic leaders value power? A study of leaders’ values and perceived value congruence. Journal of Business Ethics, 1-18. https://doi.org/10.1007/s10551-017-3617-0
https://doi.org/10.1007/s10551-017-3617-...
; Torres et al., 2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva. Psicologia USP, 27(2), 341-356. http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150045
http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150...
). Motivadores profundos e poderosos das ações sociais, os valores pessoais representam um princípio organizador, não só na vida pessoal, mas também nas organizações em que os indivíduos estão inseridos (Byza et al., 2019Byza, O. A. U., Dörr, S. L., Schuh, S. C., & Maier, G. W. (2019). When leaders and followers match: The impact of objective value congruence, value extremity, and empowerment on employee commitment and job satisfaction. Journal of Business Ethics, 158(4), 1097-1112. https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-3
https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-...
). A abordagem estrutural dos valores humanos de Schwartz (1992Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical tests in 20 countries. Advances in experimental social Psychology, 25(1), 1-65. https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60281-6
https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60...
) se mostra como uma das principais referências contemporâneas sobre o tema, utilizada nas pesquisas para compreender o comportamento humano (Torres et al., 2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva. Psicologia USP, 27(2), 341-356. http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150045
http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150...
).

Assim como os valores pessoais guiam as decisões dos indivíduos, acredita-se que um outro tipo de valor determina o sucesso das relações interorganizacionais: o valor do relacionamento (Ulaga & Eggert, 2006Ulaga, W., & Eggert, A. (2006). Relationship value and relationship quality: Broadening the nomological network of business-to-business relationships. European Journal of Marketing, 40(3-4), 311-327. https://doi.org/10.1108/03090560610648075
https://doi.org/10.1108/0309056061064807...
). De uma perspectiva unidirecional, o valor percebido pelo cliente é visto como uma compensação entre benefícios e sacrifícios em relação ao relacionamento com um fornecedor, levando em consideração as ofertas alternativas disponíveis (Eggert & Ulaga, 2002Eggert, A., & Ulaga, W. (2002). Customer perceived value: A substitute for satisfaction in business markets? Journal of Business & Industrial Marketing, 17(2/3), 107-118. https://doi.org/10.1108/08858620210419754
https://doi.org/10.1108/0885862021041975...
).

A Teoria da Similaridade-atração (Byrne, 1971Byrne, D. (1971). The Attraction paradigm. Academic Press: New York.) indica que para alcançar um nível mais alto de valor no relacionamento, é necessário que haja uma similaridade significativa por parte dos parceiros, e que os compradores podem perceber níveis diferentes de valor ao avaliar o fornecedor como um todo ou um indivíduo (e.g., gerente, vendedor) que simbolize essa empresa fornecedora (Lilien, 2016Lilien, G. L. (2016). The B2B Knowledge Gap. International Journal of Research in Marketing, 33(3), 543-556. https://doi.org/10.1016/j.ijresmar.2016.01.003
https://doi.org/10.1016/j.ijresmar.2016....
; Alejandro et al., 2011Alejandro, T. B., Souza, D. V., Boles, J. S., Ribeiro, Á. H. P., & Monteiro, P. R. R. (2011). The outcome of company and account manager relationship quality on loyalty, relationship value and performance. Industrial Marketing Management, 40(1), 36-43. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2010.09.008
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2010...
). Embora essa noção da importância da similaridade de valores seja ubíqua em pesquisas no nível individual (e.g., Edwards & Cable, 2009Edwards, J.R., & Cable, D.M. (2009). The value of value congruence. Journal of Applied Psychology, 94(3), 654-677. https://doi.org/10.1037/a0014891
https://doi.org/10.1037/a0014891...
), surpreendentemente, até onde sabemos, as pesquisas em nível interorganizacional focam apenas nos efeitos gerados pela similaridade entre valores organizacionais (e.g., Wang & Zhang, 2017Wang, J. J., & Zhang, C. (2017). The impact of value congruence on marketing channel relationship. Industrial Marketing Management, 62, 118-127. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2016.08.004
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2016...
; Kashyap & Sivadas, 2012Kashyap, V., & Sivadas, E. (2012). An exploratory examination of shared values in channel relationships. Journal of Business Research, 65(5), 586-593. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2011.02.008
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2011.0...
), ignorando como a similaridade de valores pessoais entre comprador-vendedor podem impactar a percepção de valor do relacionamento (ver Tabela 1).

Acreditamos que essa lacuna é preocupante por duas razões. Primeiro, uma vez que a tomada de decisão em nível organizacional recai em última instância na tomada de decisão de um indivíduo (ou pequeno grupo de indivíduos), a escassez de pesquisas sobre o impacto de valores humanos no relacionamento entre empresas torna a nossa visão limitada a respeito de relacionamentos B2B (Zhu & Chang, 2013Zhu, D. H., & Chang, Y. P. (2013). Negative publicity effect of the business founder’s unethical behavior on corporate image: evidence from China. Journal of Business Ethics, 117(1), 111-121. https://doi.org/10.1007/s10551-012-1512-2
https://doi.org/10.1007/s10551-012-1512-...
). Essa limitação restringe que a literatura de marketing de relacionamento B2B forneça insights mais precisos para melhorar as relações entre empresas.

Segundo, ainda não há consenso entre os pesquisadores sobre os antecedentes, moderadores ou consequências do valor do relacionamento (Arslanagic-Kalajdzic & Zabkar, 2015Arslanagic-Kalajdzic, M., & Zabkar, V. (2015). The external effect of marketing accountability in business relationships: Exploring the role of customer perceived value. Industrial Marketing Management, 46, 83-97. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015.03.002
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015...
; Hohenschwert & Geiger, 2015Hohenschwert, L., & Geiger, S. (2015). Interpersonal influence strategies in complex B2B sales and the socio-cognitive construction of relationship value. Industrial Marketing Management, 49, 139-150. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015.05.027
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015...
), nem sobre o efeito da similaridade de valores entre indivíduos para o relacionamento B2B (He et al., 2018He, J., Huang, H., & Wu, W. (2018). Influence of interfirm brand values congruence on relationship qualities in B2B contexts. Industrial Marketing Management, 72, 161-173. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2018.02.015
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2018...
). Como Skarmeas et al. (2018Skarmeas, D., Saridakis, C., & Leonidou, C. N. (2018). Examining relationship value in cross-border business relationships: A comparison between correlational and configurational approaches. Journal of Business Research, 89, 280-286. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.12.039
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.1...
, p. 280) destacam, “um número relativamente pequeno de estudos investiga o papel do valor do relacionamento em relações interorganizacionais”. Nesse sentido, esta pesquisa pode trazer luz para essa temática, uma vez que nossa proposta busca investigar como a similaridade de valores entre indivíduos impacta o valor do relacionamento B2B. A literatura fornece evidências consistentes de que vendedores são cruciais para criar valor, pois estão em posição de destaque para entender os direcionadores de valor do cliente, comunicar propostas de valor e fornecer insights do cliente à empresa (Blocker et al., 2011Blocker, C. P., Flint, D. J., Myers, M. B., & Slater, S. F. (2011). Proactive customer orientation and its role for creating customer value in global markets. Journal of the Academy of Marketing Science, 39(2), 216-233. https://doi.org/10.1007/s11747-010-0202-9
https://doi.org/10.1007/s11747-010-0202-...
). Para Alejandro et al. (2011Alejandro, T. B., Souza, D. V., Boles, J. S., Ribeiro, Á. H. P., & Monteiro, P. R. R. (2011). The outcome of company and account manager relationship quality on loyalty, relationship value and performance. Industrial Marketing Management, 40(1), 36-43. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2010.09.008
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2010...
), o papel e a relevância dos responsáveis pelo contato direto com o cliente justificam um exame adicional. Apresentamos a lacuna de pesquisa na Tabela 1.

Diante desse cenário, o objetivo proposto por este estudo é avaliar o efeito da similaridade entre valores pessoais de vendedores e compradores no valor do relacionamento B2B. Coletamos dados de valores humanos dos dois lados da díade (vendedores-compradores) para auferir a similaridade de valores entre ambos; e na sequência foi avaliado o efeito dessa similaridade no valor percebido pelo comprador no relacionamento com a empresa fornecedora. Os dados foram obtidos de 317 agricultores (compradores) e 25 vendedores de uma revenda de insumos, máquinas e implementos agrícolas. Para conferir robustez para nossa análise, utilizamos regressão polinomial com análise de superfície de resposta (Edwards & Parry, 1993Edwards, J. R., & Parry, M. E. (1993). On the use of polynomial regression equations as an alternative to difference scores in organizational research. Academy of Management Journal, 36(6), 1577-1613. https://doi.org/10.5465/256822
https://doi.org/10.5465/256822...
). Apesar de essa análise ter um alto grau de precisão quando se realizam testes simultâneos de efeitos, seu uso não parece comum nas pesquisas de similaridade de valores, conforme mostra a Tabela 1.

Essa pesquisa contribui com a literatura de marketing de relacionamento B2B, uma vez que a literatura atual considera apenas valores organizacionais e não valores das pessoas envolvidas nas trocas comerciais entre empresas. Por isso, muitas vezes, pesquisadores afirmam que é sempre benéfico ter um parceiro comercial com valores parecidos. Este estudo mostra que, no que tange às relações pessoais, nem sempre é vantajoso que o vendedor seja parecido com seu comprador em relação a seus valores pessoais, pois isso pode causar atrito no relacionamento. Nosso estudo também contribui para a teoria de similaridade-atração (Byrne, 1971Byrne, D. (1971). The Attraction paradigm. Academic Press: New York.), por evidenciar que apenas a similaridade entre valores pessoais de foco social dos indivíduos envolvidos em trocas B2B melhora o relacionamento B2B. É provável que valores de foco pessoal prejudiquem a percepção de valor do relacionamento por gerar conflito entre as partes.

Como contribuição prática, mostramos o quanto é importante conhecer os compradores antes de posicionar um vendedor para atendê-lo, e que meios de segmentação tradicionais podem ser aprimorados, levando-se em conta também o perfil do mercado comprador e da equipe de vendas. Além disso, destaca-se a importância da busca constante pela criação e manutenção do valor que o comprador percebe no relacionamento com seu fornecedor, e o papel crucial que o vendedor tem nessa percepção.

2. Referencial Teórico

2.1. Valores pessoais

Valores humanos, individuais ou pessoais podem ser definidos como “uma crença duradoura de que um modo específico de conduta ou estado final de existência é pessoalmente ou socialmente preferível a um modo oposto ou inverso de conduta ou estado final de existência” (Rokeach, 1973Rokeach, M. (1973). The nature of human values. New York: Free Press., p. 5). Os valores fornecem aos indivíduos uma espécie de critério para escolher e justificar ações e avaliar pessoas e eventos (Schwartz, 1992Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical tests in 20 countries. Advances in experimental social Psychology, 25(1), 1-65. https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60281-6
https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60...
). Para Schwartz et al. (2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
), os valores pessoais são crenças ou ideias sobre o que é desejável em um determinado contexto e situação. O sistema básico de valores de um indivíduo não muda facilmente, podendo ser usado para direcionar as atividades de empresas orientadas ao mercado (Schwartz, 1992Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical tests in 20 countries. Advances in experimental social Psychology, 25(1), 1-65. https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60281-6
https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60...
; Rokeach, 1973Rokeach, M. (1973). The nature of human values. New York: Free Press.).

A teoria dos valores humanos de Schwartz (1992Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical tests in 20 countries. Advances in experimental social Psychology, 25(1), 1-65. https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60281-6
https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60...
), baseada nas proposições originais de Rokeach (1973Rokeach, M. (1973). The nature of human values. New York: Free Press.), é considerada a principal referência contemporânea sobre o tema. Visando ampliar a capacidade heurística e o poder preditivo e explanatório da teoria, Schwartz et al. (2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
) apresentaram uma versão refinada e um novo instrumento de mensuração de valores pessoais, o PVQ- Refined (PVQ-RR), que divide o continuum em um conjunto mais fino de dezenove valores, conceitualmente distintos (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
). O estudo de Torres et al. (2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva. Psicologia USP, 27(2), 341-356. http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150045
http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150...
) traduziu e validou o PVQ-RR junto aos brasileiros, além de testar a utilidade e validade do poder preditivo dos 19 valores para comportamentos.

Schwartz et al. (2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
) apresentaram uma teoria refinada dos valores pessoais em que duas categorias subjacentes mais amplas foram identificadas: valores de foco social (Autotranscendência e Conservação), que indicam preocupação com resultados para outros ou para instituições estabelecidas; e valores de foco pessoal (Abertura a mudanças e Autopromoção), que refletem preocupação com os resultados para si próprio (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
). Embora os valores pessoais sejam confiáveis preditores do comportamento humano, e as decisões organizacionais sejam tomadas por pessoas, os valores individuais dificilmente são incorporados nas pesquisas de relações B2B.

2.2. Teoria da Similaridade-atração e Similaridades de valores

Ao postular a teoria de similaridade-atração, Byrne (1971Byrne, D. (1971). The Attraction paradigm. Academic Press: New York.) propõe o paradigma de que níveis mais altos de similaridade entre indivíduos geram afeto positivo e aumento da atração e harmonia entre as partes. Quanto mais parecidos, maior a preferência por partes semelhantes, e o desejo de interagir com essas partes é mais frequente (Byrne, 1971Byrne, D. (1971). The Attraction paradigm. Academic Press: New York.).

Ao explanar os mecanismos da teoria de similaridade-atração, Cable e Edwards (2004Cable, D. M., & Edwards, J. R. (2004). Complementary and supplementary fit: a theoretical and empirical integration. Journal of Applied Psychology, 89(5), 822. https://doi.org/10.1037/0021-9010.89.5.822
https://doi.org/10.1037/0021-9010.89.5.8...
) destacam que as pessoas têm dificuldade em lidar com o que é diferente e, por isso, costumam se aproximar e preferir indivíduos que julgam e agem de forma similar a elas mesmas. Assim, a similaridade entre indivíduos tende a ser benéfica nas relações entre empresas, já que quanto maior a similaridade entre as pessoas representantes das organizações envolvidas na relação, melhor a resolução de problemas em conjunto e a satisfação com as decisões do outro (Wilson et al., 2016Wilson, K. S., DeRue, D. S., Matta, F. K., Howe, M., & Conlon, D. E. (2016). Personality similarity in negotiations: Testing the dyadic effects of similarity in interpersonal traits and the use of emotional displays on negotiation outcomes. Journal of applied psychology, 101(10), 1405-1421. https://doi.org/10.1037/apl0000132
https://doi.org/10.1037/apl0000132...
). Ao contrário, a dissimilaridade afasta as pessoas, tornando-as mais propensas a conflitos e ao distanciamento social, o que pode prejudicar o desempenho das empresas envolvidas em relacionamentos B2B (Cable & Edwards, 2004Cable, D. M., & Edwards, J. R. (2004). Complementary and supplementary fit: a theoretical and empirical integration. Journal of Applied Psychology, 89(5), 822. https://doi.org/10.1037/0021-9010.89.5.822
https://doi.org/10.1037/0021-9010.89.5.8...
).

Os benefícios da similaridade de valores ocorrem por causa de um ajuste suplementar em que dois indivíduos “compartilham características fundamentais semelhantes” (Verquer et al., 2003Verquer, M. L., Beehr, T. A., & Wagner, S. H. (2003). A meta-analysis of relations between person-organization fit and work attitudes. Journal of Vocational Behavior , 63(3), 473-489. https://doi.org/10.1016/S0001-8791(02)00036-2
https://doi.org/10.1016/S0001-8791(02)00...
, p. 474). A similaridade de valores entre parceiros tende a gerar percepções positivas do relacionamento, porque ambos compartilham aspectos comuns do processamento cognitivo e métodos comuns de interpretação de eventos, que ajudam a reduzir a incerteza e o conflito nas interações (Ostroff et al., 2005Ostroff, C., Shin, Y., & Kinicki, A. J. (2005). Multiple perspectives of congruence: Relationships between value congruence and employee attitudes. Journal of Organizational Behavior: The International Journal of Industrial, Occupational and Organizational Psychology and Behavior, 26(6), 591-623. https://doi.org/10.1002/job.333
https://doi.org/10.1002/job.333...
).

Palmatier et al. (2006Palmatier, R. W., Dant, R. P., Grewal, D., & Evans, K. R. (2006). Factors influencing the effectiveness of relationship marketing: a meta-analysis. Journal of Marketing, 70, 136-153. https://doi.org/10.1509/jmkg.70.4.136
https://doi.org/10.1509/jmkg.70.4.136...
) destacam que a semelhança pode ser medida entre indivíduos ou entre organizações. Dada a importância dos valores para as organizações, a literatura examinou a relação entre os valores organizacionais e os valores dos funcionários (Byza et al., 2019Byza, O. A. U., Dörr, S. L., Schuh, S. C., & Maier, G. W. (2019). When leaders and followers match: The impact of objective value congruence, value extremity, and empowerment on employee commitment and job satisfaction. Journal of Business Ethics, 158(4), 1097-1112. https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-3
https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-...
; Arieli et al., 2020Arieli, S., Sagiv, L., & Roccas, S. (2020). Values at work: The impact of personal values in organisations. Applied Psychology, 69(2), 230-275. https://doi.org/10.1111/apps.12181
https://doi.org/10.1111/apps.12181...
), valores entre clientes e marcas (Krystallis et al., 2012Krystallis, A., Vassallo, M., & Chryssohoidis, G. (2012). The usefulness of Schwartz’s ‘Values Theory’in understanding consumer behaviour towards differentiated products. Journal of Marketing Management, 28(11-12), 1438-1463. https://doi.org/10.1080/0267257X.2012.715091
https://doi.org/10.1080/0267257X.2012.71...
) e o impacto da congruência de valores dos líderes e de sua equipe no desempenho das organizações (Qu et al., 2017Qu, Y. E., Dasborough, M. T., Zhou, M., & Todorova, G. (2017). Should authentic leaders value power? A study of leaders’ values and perceived value congruence. Journal of Business Ethics, 1-18. https://doi.org/10.1007/s10551-017-3617-0
https://doi.org/10.1007/s10551-017-3617-...
). Apesar de pesquisas apontarem que a similaridade de valores entre os membros de uma troca comercial possui um efeito positivo no relacionamento entre comprador e fornecedor (Kashyap & Sivadas, 2012Kashyap, V., & Sivadas, E. (2012). An exploratory examination of shared values in channel relationships. Journal of Business Research, 65(5), 586-593. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2011.02.008
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2011.0...
), os efeitos potenciais da similaridade de valores pessoais nas trocas B2B é ainda pouco explorado (Wang & Zhang, 2017Wang, J. J., & Zhang, C. (2017). The impact of value congruence on marketing channel relationship. Industrial Marketing Management, 62, 118-127. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2016.08.004
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2016...
).

2.3. Valor do Relacionamento

Valor, sob a perspectiva do cliente, pode ser definido como o “trade-off entre os múltiplos benefícios e sacrifícios da oferta de um fornecedor, conforme percebido pelos principais tomadores de decisão na organização do cliente, e levando em consideração as ofertas de fornecedores alternativos disponíveis” (Eggert & Ulaga, 2002Eggert, A., & Ulaga, W. (2002). Customer perceived value: A substitute for satisfaction in business markets? Journal of Business & Industrial Marketing, 17(2/3), 107-118. https://doi.org/10.1108/08858620210419754
https://doi.org/10.1108/0885862021041975...
). As pesquisas de valor para o cliente acompanharam a transição da disciplina do marketing, adotando a definição de “valor do relacionamento”, conhecido anteriormente e ainda comumente intitulado como valor do cliente ou valor percebido (Eggert et al., 2006Eggert, A., Ulaga, W., & Schultz, F. (2006). Value creation in the relationship life cycle: A quasi-longitudinal analysis. Industrial Marketing Management, 35(1), 20-27. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2005.07.003
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2005...
).

Segundo Ulaga e Eggert (2006Ulaga, W., & Eggert, A. (2006). Relationship value and relationship quality: Broadening the nomological network of business-to-business relationships. European Journal of Marketing, 40(3-4), 311-327. https://doi.org/10.1108/03090560610648075
https://doi.org/10.1108/0309056061064807...
), o valor do relacionamento tem um efeito significativo e positivo sobre a satisfação do cliente o que, consequentemente, aumenta a probabilidade de retenção de negócios e boca a boca positivo. Da mesma forma, Arslanagic-Kalajdzic e Zabkar (2015Arslanagic-Kalajdzic, M., & Zabkar, V. (2015). The external effect of marketing accountability in business relationships: Exploring the role of customer perceived value. Industrial Marketing Management, 46, 83-97. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015.03.002
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015...
) afirmam que a percepção de valor no relacionamento com um fornecedor ajuda a formar resultados atitudinais e comportamentais no cliente e influenciam o desempenho do fornecedor, que são reflexos da lealdade e recompra do cliente. Já para Alejandro et al. (2011Alejandro, T. B., Souza, D. V., Boles, J. S., Ribeiro, Á. H. P., & Monteiro, P. R. R. (2011). The outcome of company and account manager relationship quality on loyalty, relationship value and performance. Industrial Marketing Management, 40(1), 36-43. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2010.09.008
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2010...
), as pessoas parecem perceber um valor maior em um relacionamento quando avaliam um indivíduo, e não uma organização.

Alguns autores têm utilizado, entre outros construtos, o valor do relacionamento para medir o sucesso e a qualidade de relações B2B (Arslanagic-Kalajdzic & Zabkar, 2015Arslanagic-Kalajdzic, M., & Zabkar, V. (2015). The external effect of marketing accountability in business relationships: Exploring the role of customer perceived value. Industrial Marketing Management, 46, 83-97. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015.03.002
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015...
; Skarmeas et al., 2018Skarmeas, D., Saridakis, C., & Leonidou, C. N. (2018). Examining relationship value in cross-border business relationships: A comparison between correlational and configurational approaches. Journal of Business Research, 89, 280-286. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.12.039
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.1...
). Mesmo assim, acredita-se que o valor não tem recebido a devida atenção nas pesquisas de relacionamento B2B, considerando que fornecer valor ao cliente é fundamental para criar e manter relacionamentos de longo prazo (Skarmeas et al., 2018Skarmeas, D., Saridakis, C., & Leonidou, C. N. (2018). Examining relationship value in cross-border business relationships: A comparison between correlational and configurational approaches. Journal of Business Research, 89, 280-286. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.12.039
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.1...
; Ulaga & Eggert, 2006Ulaga, W., & Eggert, A. (2006). Relationship value and relationship quality: Broadening the nomological network of business-to-business relationships. European Journal of Marketing, 40(3-4), 311-327. https://doi.org/10.1108/03090560610648075
https://doi.org/10.1108/0309056061064807...
). Como destacado previamente, a presente pesquisa busca preencher a lacuna na literatura de marketing de relacionamento B2B ao examinar os efeitos da similaridade de valores pessoais entre parceiros comerciais no valor do relacionamento, conforme indicado na Tabela 1.

Tabela 1.
Literatura relacionada à similaridade de valores pessoais em contextos B2B e valor do relacionamento

2.4. Modelo teórico e hipóteses da pesquisa

Primeiro, de acordo com o paradigma da similaridade-atração (Byrne, 1971Byrne, D. (1971). The Attraction paradigm. Academic Press: New York.) sugerimos que valores de foco social (Autotranscendência e Conservação) impactam positivamente o valor do relacionamento.

Especificamente, a dimensão Autotranscendência indica a transição dos próprios interesses em benefício dos outros, e inclui valores de preocupação com o bem-estar, lealdade e dependência de pessoas com quem se mantém contato pessoal frequente, assim como valores de tolerância e igualdade social (Schwartz, 1992Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical tests in 20 countries. Advances in experimental social Psychology, 25(1), 1-65. https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60281-6
https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60...
; Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
). Esses valores, inerentes à Autotranscendência, destacam uma preferência do indivíduo por privilegiar valores de foco social, em que aspectos coletivos são importantes (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
). Assim, considerando um relacionamento B2B em que vendedor e comprador reportam elevada Autotranscendência, esperamos que o comprador avalie como valioso seu relacionamento com o vendedor. Formalmente:

  • H1. Em situações de similaridade, o Valor do Relacionamento será maior quando a Autotranscendência do comprador for alta e a Autotranscendência do vendedor for alta.

É importante também distinguir entre os dois cenários de dissimilaridade entre os valores, isto é, quando a Autotranscendência do comprador é maior do que a do vendedor ou vice-versa. Caso os valores de Autotranscendência sejam dissimilares, espera-se que o valor do relacionamento seja maior quando a Autotranscendência do comprador for alta e a do vendedor for baixa.

No cenário em que o comprador tem Autotranscendência maior do que a do vendedor, a pré-disposição do comprador para desenvolver lealdade e dependência nos relacionamentos (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
) provavelmente fará com que esse comprador tenha uma percepção de que o relacionamento com o vendedor seja valioso, mesmo que o vendedor não seja recíproco em relação à Autotranscendência. Contudo, caso o vendedor expresse altos valores de Autotranscendência no relacionamento com o comprador, mas o comprador não compartilhe desses mesmos valores (i.e., baixa Autotranscendência do comprador), é provável que o comprador não valide suas perspectivas de valor na interação com o vendedor, reduzindo sua percepção de valor no relacionamento. Assim, propomos a seguinte hipótese:

  • H2. Em situações de dissimilaridade, o Valor do Relacionamento será maior quando a Autotranscendência do comprador for alta e a Autotranscendência do vendedor for baixa.

A Conservação também é uma dimensão de foco social, que representa autorrestrição, ordem e evitar mudanças. Engloba valores pessoais que representam sensação de pertença de um indivíduo e de que os outros se preocupam com ele, além de valores de preocupação com a segurança social, cumprimento de regras e obrigações, cortesia, respeito, fazer o que é certo e respeitar tradições, por exemplo (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
). Portanto, em situações de similaridade, espera-se que compradores conservadores percebam maior valor no relacionamento caso o vendedor também tenha altos valores de Conservação. Formalmente:

  • H3. Em situações de similaridade, o Valor do Relacionamento será maior quando a Conservação do comprador for alta e a Conservação do vendedor for alta.

Nos cenários de dissimilaridade, esperamos que o valor do relacionamento seja maior quando o comprador tem alta Conservação e o vendedor tem baixa Conservação. Em linha com a argumentação descrita na hipótese anterior, acreditamos que os valores de Conservação do comprador fazem com que ele busque manter o status quo do relacionamento com o vendedor, independentemente de se o vendedor possui baixo senso de Conservação. Contudo, caso o vendedor apresente alta Conservação, e o comprador baixa Conservação, esses compradores podem não cumprir suas perspectivas acerca do relacionamento, diminuindo sua percepção de valor dele. Assim, propomos a seguinte hipótese:

  • H4. Em situações de dissimilaridade, o Valor do Relacionamento será maior quando a Conservação do comprador for alta e a Conservação do vendedor for baixa.

Segundo, os valores de foco pessoal envolvem uma preocupação dos indivíduos com os resultados para si próprio (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
). Desse modo, indivíduos com elevados índices de valores de foco pessoal tendem a valorizar relações que proporcionem oportunidades para autoaperfeioamento, ou seja, relações que melhorem ou reforcem o autoconceito (Sirgy, 1982Sirgy, M. J. (1982). Self-concept in consumer behavior: A critical review. Journal of Consumer Research, 9(3), 287-300. https://doi.org/10.1086/208924
https://doi.org/10.1086/208924...
).

Especificamente, a Abertura a mudanças reflete a prontidão para novas ideias, ações e experiências. Autonomia para pensar e agir, busca de propósitos individuais, curiosidade, decisões próprias, anseio por novidades e emoções, correr riscos e prazer são alguns dos valores de Abertura a mudanças (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
). Essas motivações pessoais são resultantes da necessidade de expressar o autoconceito (i.e., a individualidade). Por essa razão, acreditamos que o paradigma da similaridade-atração não se aplique para valores de foco pessoal (i.e., Abertura a mudanças e Autopromoção). Em um relacionamento em que compradores e vendedores possuem elevada Abertura a mudanças, a necessidade de expressar a individualidade pode gerar um conflito no relacionamento, uma vez que ambos buscam se mostrar competentes e hábeis em encontros com outras pessoas (Lalwani & Shavitt, 2009Lalwani, A. K., & Shavitt, S. (2009). The “me” I claim to be: Cultural self-construal elicits self-presentational goal pursuit. Journal of Personality and Social Psychology, 97(1), 88. https://doi.org/10.1037/a0014100
https://doi.org/10.1037/a0014100...
). Desse modo, em situações em que tanto o comprador quanto o vendedor tenham elevada Abertura a mudanças, o comprador provavelmente relatará um menor valor no relacionamento. Formalmente:

  • H5. Em situações de similaridade, o Valor do Relacionamento será menor quando a Abertura a mudanças do comprador for alta e a Abertura a mudanças do vendedor for alta.

Nos cenários de dissimilaridade, acreditamos que o valor do relacionamento será maior quando a Abertura a mudanças do comprador é alta e do vendedor é baixa. Compradores com alta Abertura a mudanças buscam relações que favoreçam experiências para expressar sua individualidade (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
) e vendedores com baixa Abertura a mudanças não oferecem um ponto de conflito para o autoaperfeiçoamento do comprador. Contudo, em situações que o vendedor tem elevada, e o comprador tem baixa Abertura a mudanças, este pode interpretar que a busca por autoaperfeiçoamento do vendedor durante o relacionamento é um sinal de ameaça, uma vez que pessoas com alta Abertura a mudanças podem ser narcisistas ou individualistas (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
; Campbell et al., 2000Campbell, W. K., Reeder, G. D., Sedikides, C., & Elliot, A. J. (2000). Narcissism and comparative self-enhancement strategies. Journal of Research in Personality, 34(3), 329-347. https://doi.org/10.1006/jrpe.2000.2282
https://doi.org/10.1006/jrpe.2000.2282...
). Desse modo, caso os valores de Abertura a mudanças sejam dissimilares, espera-se que o valor do relacionamento seja maior quando a Abertura a mudanças do comprador for alta e a do vendedor for baixa. Assim, propomos a seguinte hipótese:

  • H6. Em situações de dissimilaridade, o Valor do Relacionamento será maior quando a Abertura a mudanças do comprador for alta e a Abertura a mudanças do vendedor for baixa.

A segunda dimensão de foco pessoal é a Autopromoção. Valores que envolvem ter poder sobre os outros e sobre as coisas, prestígio, riqueza material, influência social, status, ser alguém admirado, preocupação com a imagem pública, sucesso (de acordo com os padrões da sociedade) e demonstração de habilidades representam a Autopromoção (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
).

Em consonância com a argumentação da Abertura a mudanças, acreditamos que em situações de similaridade de Autopromoção entre comprador e vendedor, o valor do relacionamento será percebido como menos valioso para o comprador. Destarte, a busca por expressar poder, prestígio, status e admiração das pessoas com elevada Autopromoção (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
) pode gerar conflito no relacionamento caso essas motivações sejam simultâneas para compradores e vendedores, isto é, quando ambos apresentam elevada Autopromoção. Formalmente:

  • H7. Em situações de similaridade, o Valor do Relacionamento será menor quando a Autopromoção do comprador for alta e a Autopromoção do vendedor for alta.

Em cenários de dissimilaridade, caso a Autopromoção do comprador seja elevada e a do vendedor seja baixa, o vendedor não oferecerá um sinal de possível conflito com as motivações do comprador, portanto, não afetará negativamente o valor do relacionamento. Contudo, caso o vendedor tenha elevada Autopromoção, sua motivação para expressar poder, status, prestígio e admiração pode enviar um sinal de arrogância para o comprador que tenha baixa Autopromoção (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
; Campbell et al., 2000Campbell, W. K., Reeder, G. D., Sedikides, C., & Elliot, A. J. (2000). Narcissism and comparative self-enhancement strategies. Journal of Research in Personality, 34(3), 329-347. https://doi.org/10.1006/jrpe.2000.2282
https://doi.org/10.1006/jrpe.2000.2282...
), reduzindo a percepção de valor do relacionamento do comprador. Com base nessa argumentação, propomos a seguinte hipótese:

  • H8. Em situações de dissimilaridade, o Valor do Relacionamento será maior quando a Autopromoção do comprador for alta, e a Abertura à mudança do vendedor for baixa.

Na Figura 1 ilustramos nossas hipóteses de pesquisa.

Figura 1.
Modelo teórico proposto

3. Método

Coleta de Dados. Aplicamos nossa pesquisa em uma revenda de insumos, máquinas e implementos agrícolas, que possui seis filiais distribuídas na região Sul do Brasil. Para analisar a similaridade de valores pessoais, foram coletados dados de ambos os lados da díade: dos vendedores e dos compradores (agricultores). A amostra de vendedores foi feita por julgamento, e todos os 27 vendedores responderam ao questionário. A amostra de compradores foi não aleatória por conveniência, coletada pelos próprios vendedores, que receberam treinamento adequado para realizá-la. Ao total, 342 questionários de agricultores foram respondidos. Após o tratamento de dados omissos e observações atípicas (Hair et al., 2009Hair, J. F, Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Multivariate data analysis (6a ed.). Upper Saddle River: Pearson Prentice Hall.), as amostras finais foram compostas por 317 agricultores e 25 vendedores.

Mensuração das variáveis. Utilizamos a escala de Valores pessoais de Schwartz et al. (2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
), a PVQ-RR, traduzida e validada no Brasil por Torres et al. (2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva. Psicologia USP, 27(2), 341-356. http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150045
http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150...
), que consta de 57 descrições nas quais o respondente indica sua semelhança ao indivíduo descrito em uma escala likert de seis pontos, sendo 1 “Não se parece nada comigo” e 6 “Se parece muito comigo”. Utilizamos a escala de Valor do relacionamento de Alejandro et al. (2011Alejandro, T. B., Souza, D. V., Boles, J. S., Ribeiro, Á. H. P., & Monteiro, P. R. R. (2011). The outcome of company and account manager relationship quality on loyalty, relationship value and performance. Industrial Marketing Management, 40(1), 36-43. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2010.09.008
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2010...
), composta de 5 itens e uma escala likert de seis pontos, onde 1 corresponde a “Discordo totalmente” e 6 a “Concordo totalmente”.

Variáveis de controle. Sabendo que os agricultores possuem características pessoais e organizacionais (Prado & Martinelli, 2018Prado, L. S., & Martinelli, D. P. (2018). Analysis of negotiation strategies between buyers and sellers: an applied study on crop protection products distribution. RAUSP Management Journal, 53(2), 225-240. https://doi.org/10.1016/j.rauspm.2018.01.001
https://doi.org/10.1016/j.rauspm.2018.01...
), coletamos dados de idade, grau de escolaridade e cargo do respondente e tamanho (em hectares) e número de funcionários da propriedade rural.

Análise estatística. Como as escalas de valor do relacionamento e de valores pessoais já são validadas no Brasil e no contexto B2B, realizou-se uma análise fatorial confirmatória (AFC) para as duas escalas. Os valores pessoais foram verificados pelo escalonamento multidimensional (MDS), conforme recomendado por Torres et al. (2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva. Psicologia USP, 27(2), 341-356. http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150045
http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150...
). As variáveis passaram também pelo crivo de normalidade e multicolinearidade (Hair et al., 2009Hair, J. F, Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Multivariate data analysis (6a ed.). Upper Saddle River: Pearson Prentice Hall.).

Para avaliar o efeito da similaridade de valores pessoais no valor do relacionamento foi utilizada a técnica de regressão polinomial com análise de superfície de resposta (ASR) (Edwards & Parry, 1993Edwards, J. R., & Parry, M. E. (1993). On the use of polynomial regression equations as an alternative to difference scores in organizational research. Academy of Management Journal, 36(6), 1577-1613. https://doi.org/10.5465/256822
https://doi.org/10.5465/256822...
). A regressão polinomial com teste de superfície de resposta permite comparar na mesma equação os efeitos de duas variáveis em quatro cenários distintos: (1) X e Y altos, (2) X e Y baixos, (3) X alto e Y baixo, e (4) X baixo e Y alto. Esse procedimento evita que escores de diferença sejam utilizados, uma vez que eles geram resultados equivocados (Edwards & Parry, 1993Edwards, J. R., & Parry, M. E. (1993). On the use of polynomial regression equations as an alternative to difference scores in organizational research. Academy of Management Journal, 36(6), 1577-1613. https://doi.org/10.5465/256822
https://doi.org/10.5465/256822...
). Detalhes das equações são descritos no Apêndice A Apêndice A A ASR é recomendada quando se realizam testes simultâneos de efeitos, como a similaridade de valores (Edwards & Parry, 1993). Os coeficientes gerados pela equação de regressão polinomial descrevem como duas variáveis (por exemplo, Autotranscendência do comprador e Autotranscendência do vendedor) são relacionados juntamente com variáveis de resultado com base em técnicas de resposta de superfície. Especificamente, a relação entre o componente X (e.g., Autotranscendência do comprador), Y (e.g., Autotranscendência do vendedor) e a variável de resultado Z (e.g., valor do relacionamento) podem ser escrita como: Z = β 0 + β 1 χ + β 2 γ + β 3 χ 2 + β 4 χ γ + β 5 γ 2 + e . (1) Para testar se a variável de resultado varia ao longo da linha onde os valores pessoais dos compradores e vendedores são similares, modelamos a regressão polinomial com Y = X. Substituindo Y = na Equação (1), a linha para simetria perfeita é expressa como: Z = β 0 + β 1 + β 2 χ + β 3 + β 4 + β 5 χ 2 + e . (2) Portanto, a inclinação do efeito no resultado é denotada por (b 1 + b 2 ) e, respectivamente, a curvatura é (b 3 + b 4 + b 5 ). Se a curvatura (b 3 + b 4 + b 5 ) não diferir significativamente de zero, mas a inclinação sim, a linha de simetria perfeita é linear. Nesses casos, uma inclinação positiva ([b 1 + b 2 ]> 0) indicaria um aumento linear do resultado (Z) à medida que a magnitude dos valores similares aumenta. Se a curvatura for significativamente positiva (b 3 + b 4 + b 5 )> 0, a forma da linha de valores de simetria é em forma de U. Por outro lado, se a curvatura é significativamente negativa (b 3 + b 4 + b 5 ) <0, a linha segue uma forma de U invertida. Na ASR, os coeficientes de regressão das equações não são interpretados diretamente, mas são usados para examinar o padrão da superfície de resposta. No gráfico, interpretam-se a inclinação das linhas de simetria e de assimetria. Para uma revisão mais aprofundada, consulte Faia et al. (2019). . Para uma revisão aprofundada e procedimentos de análise, consultar Faia et al. (2019Faia, V.S., Negreiros, L.F., Vieira, V.A. (2019). Polynomial Regression and Response Surface Analysis using SPSS. Publisher: Autor. ISBN: 9781703428353).

4. Resultados

Na amostra de vendedores, menos de 20% estão na empresa há mais de 8 anos, e a média geral de tempo de trabalho é de 6,32 anos (σ = 6,81). A idade média foi de 38 anos (σ =11,4), e o grau de escolaridade dominante foi o ensino médio completo. A hierarquia das dimensões de valores pessoais da amostra de vendedores seguiu a ordem: Conservação (x-= 5,02); Autotranscendência (x-= 4,86); Abertura a Mudanças (x-= 4,61); e Autopromoção (x-= 4,11).

Quanto às características organizacionais dos compradores, apenas um caso (0,3%) possui mais de 10 funcionários, e a área média das propriedades rurais foi de 243,38 hectares (ha). Quanto às características pessoais, 59% dos respondentes foram sócios/ proprietários das fazendas e 33%, filhos de proprietários. A idade média geral foi de 41,32 anos (σ =13,02), e 79% possuem até ensino médio completo.

Em relação à validação dos construtos, a escala de Valor do Relacionamento obteve AVE= 0,674 e CR= 0,839, o que configura a validade convergente do modelo, e MSV= 0,616, validando a discriminação dos fatores. As medidas de ajuste do modelo também se mostraram adequadas: CMIN/DF= 2,636 (p= 0,005); CFI= 0,995; GFI= 0,992; RMSEA= 0,72; e α= 0,825.

A validação dos valores pessoais seguiu o modelo apresentado por Torres et al. (2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva. Psicologia USP, 27(2), 341-356. http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150045
http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150...
), onde os autores realizam as AFCs de cada dimensão separadamente. Esse procedimento fornece melhores índices de ajuste em situações nas quais há um conjunto amplo de fatores latentes (Torres et al., 2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva. Psicologia USP, 27(2), 341-356. http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150045
http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150...
), como é o caso da PVQ-RR. Os coeficientes de ajuste obtidos dos modelos resultantes, por tipo de segunda ordem, são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2.
Coeficientes de ajuste dos valores pessoais, por tipos de segunda ordem

O MDS, por sua vez, configurou o ordenamento dos 19 valores, com índice de stress-1= 0,125, DAF=0,985 e TCC= 0,992. Os coeficientes de ajuste obtidos dos modelos resultantes, por tipo de segunda ordem, apresentaram CFI > 0,90, GFI > 0,90 e RMSEA < 0,08.

A Tabela 2 demonstra os resultados das regressões, onde a variável dependente é o Valor do relacionamento e as variáveis independentes são a similaridade e a dissimilaridade entre cada uma das quatro dimensões de valores pessoais (Autotranscendência, Conservação, Abertura a mudanças e Autopromoção) separadamente. Primeiramente, os dados mostram que nenhuma variável de controle afeta diretamente o valor do relacionamento. Em outras palavras, o valor do relacionamento não varia de acordo com a idade, escolaridade, cargo, tamanho da propriedade e número de funcionários do comprador.

Na análise dos efeitos diretos, mostramos que o valor do relacionamento é influenciado positivamente por Autotranscendência (β = 0,40; p < 0,01), Conservação (β = 0,38; p < 0,01) e Abertura a mudanças (β = 0,26; p < 0,01) do comprador. Ademais, mostramos que duas dimensões de valores pessoais do vendedor, Abertura à mudança (β = -0,14; p < 0,01) e Autopromoção (β = -0,39; p < 0,01) impactam negativamente o valor do relacionamento. Embora não tenhamos elaborado hipóteses de efeitos diretos, esses efeitos positivos do comprador e negativo do vendedor são consistentes com nossa argumentação de valores de foco social e foco pessoal.

Para averiguar os efeitos de similaridade, observamos na Tabela 3, os coeficientes de inclinação (a 1 ) e os coeficientes de curvatura (a 2 ) da linha de simetria (X = Y). Para averiguar os efeitos de dissimilaridade, observamos os coeficientes de inclinação (a 3 ) e curvatura (a 3 ) da linha de assimetria (X = -Y).

Conforme Tabela 3, descobrimos que há uma inclinação positiva e significativa ao longo da linha de similaridade na superfície de resposta para Autotranscendência (a 1: 0,34; p < 0,01) e Conservação (a 1: 0,30; p < 0,01). Portanto, quando os valores de Autotranscendência e Conservação são altos tanto para os compradores quanto para os vendedores, o valor do relacionamento percebido pelo comprador será maior, suportando as hipóteses H 1 e H 3. Ao analisar a linha de simetria, também descobrimos que há uma inclinação negativa e significativa na superfície de resposta para Autopromoção (a 1: -0,32; p < 0,01) e uma inclinação não significativa para Abertura a mudanças (a 1: 0,11; ns) no valor do relacionamento. Esses resultados permitem rejeitar H 5 e suportar H 7.

Tabela 3.
Resultados das regressões polinomiais por dimensão de valores pessoais

A linha de assimetria da Tabela 3 mostra os efeitos da dissimilaridade entre valores pessoais dos compradores e valores pessoais dos vendedores. A linha de assimetria mostra que Autotranscendência (a 3: 0,46; p < 0,01), Conservação (a 3: 0,47; p < 0,01), Abertura a mudanças (a 3: 0,40; p < 0,01) e Autopromoção (a 3: 0,50; p < 0,01) apresentam efeitos positivos e significativos no valor do relacionamento. Como a linha de assimetria a 3 é um produto da subtração dos coeficientes b 1 (valores pessoais dos compradores) e b 2 (valores pessoais dos vendedores), os valores positivos indicam a dissimilaridade nos cenários em que os valores dos pessoais dos compradores são maiores do que os valores pessoais dos vendedores. Esses resultados suportam as hipóteses H 2 , H 4 , H 6 e H 8.

As superfícies de resposta na Figura 2 ilustram o nível da variável dependente (valor do relacionamento) na superfície de resposta quando são combinadas duas variáveis independentes (valores pessoais dos compradores [X] e valores pessoais dos vendedores [Y]). Os gráficos são gerados com os coeficientes de regressão não padronizados (Tabela 3) e as equações descritas no Apêndice A Apêndice A A ASR é recomendada quando se realizam testes simultâneos de efeitos, como a similaridade de valores (Edwards & Parry, 1993). Os coeficientes gerados pela equação de regressão polinomial descrevem como duas variáveis (por exemplo, Autotranscendência do comprador e Autotranscendência do vendedor) são relacionados juntamente com variáveis de resultado com base em técnicas de resposta de superfície. Especificamente, a relação entre o componente X (e.g., Autotranscendência do comprador), Y (e.g., Autotranscendência do vendedor) e a variável de resultado Z (e.g., valor do relacionamento) podem ser escrita como: Z = β 0 + β 1 χ + β 2 γ + β 3 χ 2 + β 4 χ γ + β 5 γ 2 + e . (1) Para testar se a variável de resultado varia ao longo da linha onde os valores pessoais dos compradores e vendedores são similares, modelamos a regressão polinomial com Y = X. Substituindo Y = na Equação (1), a linha para simetria perfeita é expressa como: Z = β 0 + β 1 + β 2 χ + β 3 + β 4 + β 5 χ 2 + e . (2) Portanto, a inclinação do efeito no resultado é denotada por (b 1 + b 2 ) e, respectivamente, a curvatura é (b 3 + b 4 + b 5 ). Se a curvatura (b 3 + b 4 + b 5 ) não diferir significativamente de zero, mas a inclinação sim, a linha de simetria perfeita é linear. Nesses casos, uma inclinação positiva ([b 1 + b 2 ]> 0) indicaria um aumento linear do resultado (Z) à medida que a magnitude dos valores similares aumenta. Se a curvatura for significativamente positiva (b 3 + b 4 + b 5 )> 0, a forma da linha de valores de simetria é em forma de U. Por outro lado, se a curvatura é significativamente negativa (b 3 + b 4 + b 5 ) <0, a linha segue uma forma de U invertida. Na ASR, os coeficientes de regressão das equações não são interpretados diretamente, mas são usados para examinar o padrão da superfície de resposta. No gráfico, interpretam-se a inclinação das linhas de simetria e de assimetria. Para uma revisão mais aprofundada, consulte Faia et al. (2019). .

Figura 2.
Gráficos de Superfície de Resposta

A Figura 2A mostra que a linha de simetria onde a combinação entre Autotranscendência do comprador e a do vendedor é alta, o eixo Z (valor do relacionamento) também é alto. Porém, ao analisar a dissimilaridade ao longo da linha de assimetria, nota-se que o valor do relacionamento é maior quando a Autotranscendência do comprador é alta e a Autotranscendência do vendedor é baixa. Os efeitos da linha de simetria e assimetria da Figura 2B são semelhantes à Figura 2A, o que indica que a similaridade entre os valores de Conservação dos compradores e vendedores tem efeito positivo no valor do relacionamento, mas quando há dissimilaridade, o valor do relacionamento é maior quando a Conservação do comprador é alta e a do vendedor é baixa. A Figura 2D mostra que a linha de simetria onde a combinação entre Autopromoção do comprador e a do vendedor é alta, o eixo Z (valor do relacionamento) é baixo. Porém, ao analisar a dissimilaridade ao longo da linha de assimetria, nota-se que o valor do relacionamento é maior quando a Autopromoção do comprador é alta e a Autopromoção do vendedor é baixa.

Ademais, as Figuras 2A e 2C e a Tabela 3 mostram um efeito curvilinear em formato de U para a linha de simetria (i.e., similaridade) entre valores de Autotranscendência (a 2: 0,13; p < 0,05) e Abertura a mudanças (a 2: 0,14; p < 0,05) do comprador e do vendedor. Esses resultados indicam um efeito marginal não descrito em nossas hipóteses. A literatura sobre valor da congruência fornece uma explicação plausível para esses resultados não esperados (Byza et al., 2019Byza, O. A. U., Dörr, S. L., Schuh, S. C., & Maier, G. W. (2019). When leaders and followers match: The impact of objective value congruence, value extremity, and empowerment on employee commitment and job satisfaction. Journal of Business Ethics, 158(4), 1097-1112. https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-3
https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-...
). A congruência de valores em que dois indivíduos tenham fortes crenças (por exemplo, consideram um valor extremamente importante ou extremamente sem importância) se relaciona mais forte com os resultados comportamentais desses indivíduos do que a congruência em valores em que esses indivíduos têm crenças moderadas (Edwards & Cable, 2009Edwards, J.R., & Cable, D.M. (2009). The value of value congruence. Journal of Applied Psychology, 94(3), 654-677. https://doi.org/10.1037/a0014891
https://doi.org/10.1037/a0014891...
). Isso indica que para uma similaridade de valor entre parceiros ter efeito nas ações das pessoas, apenas as similaridades de valores em suas extremidades indicarão se as pessoas envolvidas na relação agirão de acordo com seus valores (Byza et al., 2019Byza, O. A. U., Dörr, S. L., Schuh, S. C., & Maier, G. W. (2019). When leaders and followers match: The impact of objective value congruence, value extremity, and empowerment on employee commitment and job satisfaction. Journal of Business Ethics, 158(4), 1097-1112. https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-3
https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-...
).

Desse modo, para que a similaridade de Autotranscendência e Abertura a mudanças tenha efeito no valor do relacionamento, esses valores devem ser extremamente altos em ambas as partes (comprador e vendedor atribuem grande importância para esses valores) ou extremamente baixos (comprador e vendedor atribuem pequena importância para esses valores). Uma expressão moderada desses valores não permitirá o ajuste suplementar (Verquer et al., 2003Verquer, M. L., Beehr, T. A., & Wagner, S. H. (2003). A meta-analysis of relations between person-organization fit and work attitudes. Journal of Vocational Behavior , 63(3), 473-489. https://doi.org/10.1016/S0001-8791(02)00036-2
https://doi.org/10.1016/S0001-8791(02)00...
), pois não fornecerá clareza de que ambos compartilham aspectos comuns do processamento cognitivo e métodos comuns de interpretação de eventos (Ostroff et al., 2005Ostroff, C., Shin, Y., & Kinicki, A. J. (2005). Multiple perspectives of congruence: Relationships between value congruence and employee attitudes. Journal of Organizational Behavior: The International Journal of Industrial, Occupational and Organizational Psychology and Behavior, 26(6), 591-623. https://doi.org/10.1002/job.333
https://doi.org/10.1002/job.333...
). Com isso, os efeitos da similaridade entre Autotranscendência e Abertura a mudanças em níveis moderados prejudicam a percepção de valor do relacionamento do comprador.

5. Discussões

A similaridade e a dissimilaridade dos valores pessoais da díade vendedor-compradores operam de maneira diferente nas dimensões opostas de foco social (Autotranscendência e Conservação) e nas de foco pessoal (Abertura à Mudanças e Autopromoção).

As dimensões de foco social englobam valores de tolerância e compreensão, de respeito e aceitação, de preocupação com o bem-estar de pessoas próximas e de estabilidade e harmonia dos relacionamentos (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
). Quando o vendedor e o comprador que se relacionam em uma troca comercial possuem esses valores, a percepção de que os benefícios estão acima dos sacrifícios envolvidos (Eggert et al., 2006Eggert, A., Ulaga, W., & Schultz, F. (2006). Value creation in the relationship life cycle: A quasi-longitudinal analysis. Industrial Marketing Management, 35(1), 20-27. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2005.07.003
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2005...
) é gerada nos compradores. As dimensões de foco social também compreendem valores de proteção, de preservação, de compromisso, de cumprimento de expectativas e de segurança (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
). Portanto, mesmo na ausência desses valores pessoais de foco social por parte do vendedor, a valorização de relações colaborativas (Autotranscendência) e manutenção do status quo (Conservação) por parte do comprador (cenário em que os valores dos compradores são altos e dos vendedores são baixos), o valor do relacionamento será percebido como valioso para o comprador. Contudo, quando o vendedor tenta criar um relacionamento com um comprador que não possui foco social (cenário em que os valores dos compradores são baixos e dos vendedores são altos), o vendedor pode acabar desgastando o convívio comercial e pessoal entre eles, deixando o comprador desconfortável e pressionado, o que resulta em uma percepção mais baixa dos benefícios da relação.

Antagonicamente às dimensões de foco social, os valores de foco pessoal refletem a preocupação consigo. Valores de Autopromoção estão relacionados mais à satisfação para si próprio do que com o relacionamento como um todo (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
). Isso reflete os resultados encontrados de que a similaridade entre Autopromoção do comprador e a do vendedor afetam o valor do relacionamento de forma negativa. Isso indica que quando um vendedor possui valores que indicam busca por status, prestígio e sucesso pessoal (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
), o valor percebido pelo comprador tende a ser menor. Ou seja, a disputa pela autonomia, o controle e domínio de pessoas e recursos e a necessidade de demonstração de competência (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
), manifestados pelo vendedor compromete o relacionamento, o que reflete na diminuição do valor percebido pelo comprador. No entanto, quando apenas o comprador possui Autopromoção elevada, mas o vendedor não expressa crença para esse valor, provavelmente não haverá conflitos na relação, gerando uma percepção de valor positiva no relacionamento.

Os resultados, portanto, corroboram em parte as conclusões de que a similaridade é benéfica para o valor percebido no relacionamento B2B, e confirma a tese de que a dissimilaridade de valores pessoais é desfavorável ao valor do relacionamento B2B quando o vendedor expressa forte crença nos valores pessoais, mas o comprador não compartilha da mesma crença.

6. Conclusões

6.1. Contribuições teóricas

Contribuímos com a literatura em dois principais aspectos. Primeiro, em relação ao marketing de relacionamento B2B, analisando como os valores dos indivíduos envolvidos nas trocas comerciais podem exercer influência sobre a percepção de valor do relacionamento entre empresas. Estudos anteriores já investigaram o papel de outras variáveis de relacionamento (Skarmeas et al., 2018Skarmeas, D., Saridakis, C., & Leonidou, C. N. (2018). Examining relationship value in cross-border business relationships: A comparison between correlational and configurational approaches. Journal of Business Research, 89, 280-286. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.12.039
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.1...
; De Toni et al., 2015De Toni, D., Milan, G. S., Costa, G. C., & Larentis, F. (2015). Existing relational practice between a manufacturer and its distributors and the perception of the relationship value in the dyad. Brasilian Business Review, 12(6), 48-71. https://doi.org/10.15728/bbr.2015.12.6.3
https://doi.org/10.15728/bbr.2015.12.6.3...
) ou da interação pessoal (Hohenschwert & Geiger, 2015Hohenschwert, L., & Geiger, S. (2015). Interpersonal influence strategies in complex B2B sales and the socio-cognitive construction of relationship value. Industrial Marketing Management, 49, 139-150. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015.05.027
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015...
) no valor do relacionamento em mercados B2B. Mas pesquisas que investigam o efeito dos valores pessoais na percepção de valor de um relacionamento entre empresas são escassas. Além disso, na literatura do marketing, a similaridade é normalmente estudada pela semelhança entre valores organizacionais nas investigações de relações entre empresas (Wang & Zhang, 2017Wang, J. J., & Zhang, C. (2017). The impact of value congruence on marketing channel relationship. Industrial Marketing Management, 62, 118-127. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2016.08.004
https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2016...
), ou pelo alinhamento entre valores de funcionários e líderes (Byza et al., 2019Byza, O. A. U., Dörr, S. L., Schuh, S. C., & Maier, G. W. (2019). When leaders and followers match: The impact of objective value congruence, value extremity, and empowerment on employee commitment and job satisfaction. Journal of Business Ethics, 158(4), 1097-1112. https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-3
https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-...
) e entre valores organizacionais e valores dos funcionários nas pesquisas intraorganizacionais (Kashyap & Sivadas, 2012Kashyap, V., & Sivadas, E. (2012). An exploratory examination of shared values in channel relationships. Journal of Business Research, 65(5), 586-593. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2011.02.008
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2011.0...
). Até onde sabemos, nossa pesquisa é a primeira que avalia a relação entre empresas pela ótica da similaridade entre os valores pessoais dos indivíduos envolvidos nesses relacionamentos.

Segundo, trazemos luz para a teoria da similaridade-atração. Usando a teoria fundamentada de Schwartz et al. (2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
https://doi.org/10.1037/a0029393...
) de que existe uma distinção de valores pessoais de foco social e de foco pessoal, e que essas dimensões ficam posicionadas em locais opostos do continuum (i.e., um indivíduo dificilmente detém valores opostos), argumentamos que a ideia de que a similaridade sempre promove harmonia nas relações (e.g., Zhang & Bloemer, 2008Zhang, J., & Bloemer, J. M. (2008). The impact of value congruence on consumer-service brand relationships. Journal of Service Research, 11(2), 161-178. https://doi.org/10.1177/1094670508322561
https://doi.org/10.1177/1094670508322561...
) pode ser equivocada, ao menos no contexto B2B. Nossos resultados demonstram que, assim como valores de foco social podem contribuir com uma maior percepção de valor no relacionamento, ao contrário, a similaridade entre valores de foco pessoal pode prejudicar o valor percebido, e possivelmente outras variáveis de relacionamento.

6.2. Implicações gerenciais

A importância empírica do estudo se relaciona ao estabelecimento de relações interpessoais com vista a um maior desempenho das empresas. Na díade pesquisada, agricultores conservadores (i.e., público predominante da revenda) evitam mudanças, e preferem se sentir seguros e estáveis em relacionamentos, o que pode impactar o desempenho da revenda, já que o tempo médio de trabalho de um vendedor é de pouco mais de seis anos. Se o comprador tem valores de foco social, os valores do vendedor são menos importantes, já que tanto a similaridade quanto a dissimilaridade são benéficas ao Valor do Relacionamento. Mas se o comprador possui um foco mais pessoal, quanto mais opostos os vendedores possam ser, maior o valor percebido dos agricultores quanto ao relacionamento. Portanto, as equipes de vendas podem ser ajustadas em relação aos valores de seus compradores, seja na recolocação dos vendedores atuais, seja na seleção de novos vendedores.

De maneira geral, empresas fornecedoras de produtos e serviços em mercados B2B devem estar atentas às características pessoais de vendedores, não só às similaridades em relação a seus compradores, mas também quanto às dissimilaridades. Esses resultados têm implicações primordiais nos conceitos de planejamento de marketing estratégico, desde a estruturação da empresa até a seleção do mercado-alvo a ser atendido e da forma de segmentação adotada.

6.3. Limitações e Pesquisas Futuras

Os resultados não podem ser generalizados e, por isso, outros estudos devem ser desenvolvidos com as variáveis e o método utilizado, para consolidar a teoria proposta. Como os agricultores possuem características tanto pessoais quanto organizacionais, os efeitos dos Valores pessoais no relacionamento podem variar de acordo com a díade pesquisada.

Uma via interessante de pesquisa seria entender o impacto ou a mediação da similaridade de valores na relação entre o Valor do relacionamento e outras variáveis de desempenho, o que não foi incorporado nesta pesquisa devido à complexidade do atual modelo. Futuras pesquisas também podem testar qual o efeito da similaridade de dimensões de valores opostas no valor do relacionamento, por exemplo, o impacto que a similaridade entre a Autotranscendência do vendedor e a Autopromoção do comprador tem no valor do relacionamento.

REFERENCES

  • Alejandro, T. B., Souza, D. V., Boles, J. S., Ribeiro, Á. H. P., & Monteiro, P. R. R. (2011). The outcome of company and account manager relationship quality on loyalty, relationship value and performance. Industrial Marketing Management, 40(1), 36-43. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2010.09.008
    » https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2010.09.008
  • Arieli, S., Sagiv, L., & Roccas, S. (2020). Values at work: The impact of personal values in organisations. Applied Psychology, 69(2), 230-275. https://doi.org/10.1111/apps.12181
    » https://doi.org/10.1111/apps.12181
  • Arslanagic-Kalajdzic, M., & Zabkar, V. (2015). The external effect of marketing accountability in business relationships: Exploring the role of customer perceived value. Industrial Marketing Management, 46, 83-97. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015.03.002
    » https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015.03.002
  • Blocker, C. P., Flint, D. J., Myers, M. B., & Slater, S. F. (2011). Proactive customer orientation and its role for creating customer value in global markets. Journal of the Academy of Marketing Science, 39(2), 216-233. https://doi.org/10.1007/s11747-010-0202-9
    » https://doi.org/10.1007/s11747-010-0202-9
  • Byrne, D. (1971). The Attraction paradigm Academic Press: New York.
  • Byza, O. A. U., Dörr, S. L., Schuh, S. C., & Maier, G. W. (2019). When leaders and followers match: The impact of objective value congruence, value extremity, and empowerment on employee commitment and job satisfaction. Journal of Business Ethics, 158(4), 1097-1112. https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-3
    » https://doi.org/10.1007/s10551-017-3748-3
  • Cable, D. M., & Edwards, J. R. (2004). Complementary and supplementary fit: a theoretical and empirical integration. Journal of Applied Psychology, 89(5), 822. https://doi.org/10.1037/0021-9010.89.5.822
    » https://doi.org/10.1037/0021-9010.89.5.822
  • Campbell, W. K., Reeder, G. D., Sedikides, C., & Elliot, A. J. (2000). Narcissism and comparative self-enhancement strategies. Journal of Research in Personality, 34(3), 329-347. https://doi.org/10.1006/jrpe.2000.2282
    » https://doi.org/10.1006/jrpe.2000.2282
  • Cropper, S., Ebers, M., Huxham, C., & Ring, P. S. (2014). Handbook de relações interorganizacionais da Oxford Porto Alegre: Bookman.
  • De Toni, D., Milan, G. S., Costa, G. C., & Larentis, F. (2015). Existing relational practice between a manufacturer and its distributors and the perception of the relationship value in the dyad. Brasilian Business Review, 12(6), 48-71. https://doi.org/10.15728/bbr.2015.12.6.3
    » https://doi.org/10.15728/bbr.2015.12.6.3
  • Edwards, J.R., & Cable, D.M. (2009). The value of value congruence. Journal of Applied Psychology, 94(3), 654-677. https://doi.org/10.1037/a0014891
    » https://doi.org/10.1037/a0014891
  • Edwards, J. R., & Parry, M. E. (1993). On the use of polynomial regression equations as an alternative to difference scores in organizational research. Academy of Management Journal, 36(6), 1577-1613. https://doi.org/10.5465/256822
    » https://doi.org/10.5465/256822
  • Eggert, A., & Ulaga, W. (2002). Customer perceived value: A substitute for satisfaction in business markets? Journal of Business & Industrial Marketing, 17(2/3), 107-118. https://doi.org/10.1108/08858620210419754
    » https://doi.org/10.1108/08858620210419754
  • Eggert, A., Ulaga, W., & Schultz, F. (2006). Value creation in the relationship life cycle: A quasi-longitudinal analysis. Industrial Marketing Management, 35(1), 20-27. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2005.07.003
    » https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2005.07.003
  • Faia, V.S., Negreiros, L.F., Vieira, V.A. (2019). Polynomial Regression and Response Surface Analysis using SPSS Publisher: Autor. ISBN: 9781703428353
  • Grewal, R., G. L., Bharadwaj, S., Jindal, P., Kayande, U., Lusch, R. F., Mantrala, M., Palmatier, R. W., Rindfleisch, A., Scheer, L. K., Spekman, R., & Sridhar, S. (2015). Business-to-Business Buying: Challenges and Opportunities. Customer Needs and Solutions, 2(3), 193-208. https://doi.org/10.1007/s40547-015-0040-5
    » https://doi.org/10.1007/s40547-015-0040-5
  • Hair, J. F, Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Multivariate data analysis (6a ed.). Upper Saddle River: Pearson Prentice Hall.
  • He, J., Huang, H., & Wu, W. (2018). Influence of interfirm brand values congruence on relationship qualities in B2B contexts. Industrial Marketing Management, 72, 161-173. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2018.02.015
    » https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2018.02.015
  • Hohenschwert, L., & Geiger, S. (2015). Interpersonal influence strategies in complex B2B sales and the socio-cognitive construction of relationship value. Industrial Marketing Management, 49, 139-150. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015.05.027
    » https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2015.05.027
  • Kashyap, V., & Sivadas, E. (2012). An exploratory examination of shared values in channel relationships. Journal of Business Research, 65(5), 586-593. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2011.02.008
    » https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2011.02.008
  • Krystallis, A., Vassallo, M., & Chryssohoidis, G. (2012). The usefulness of Schwartz’s ‘Values Theory’in understanding consumer behaviour towards differentiated products. Journal of Marketing Management, 28(11-12), 1438-1463. https://doi.org/10.1080/0267257X.2012.715091
    » https://doi.org/10.1080/0267257X.2012.715091
  • Lalwani, A. K., & Shavitt, S. (2009). The “me” I claim to be: Cultural self-construal elicits self-presentational goal pursuit. Journal of Personality and Social Psychology, 97(1), 88. https://doi.org/10.1037/a0014100
    » https://doi.org/10.1037/a0014100
  • Lilien, G. L. (2016). The B2B Knowledge Gap. International Journal of Research in Marketing, 33(3), 543-556. https://doi.org/10.1016/j.ijresmar.2016.01.003
    » https://doi.org/10.1016/j.ijresmar.2016.01.003
  • Manosso, T. W. S., & Antoni, V. L. (2018). Da congruência de valor entre boundary spanners à satisfação em mercados B2B: uma perspectiva teórica. Revista Alcance, 25(2), 194-210.
  • Ostroff, C., Shin, Y., & Kinicki, A. J. (2005). Multiple perspectives of congruence: Relationships between value congruence and employee attitudes. Journal of Organizational Behavior: The International Journal of Industrial, Occupational and Organizational Psychology and Behavior, 26(6), 591-623. https://doi.org/10.1002/job.333
    » https://doi.org/10.1002/job.333
  • Palmatier, R. W., Dant, R. P., Grewal, D., & Evans, K. R. (2006). Factors influencing the effectiveness of relationship marketing: a meta-analysis. Journal of Marketing, 70, 136-153. https://doi.org/10.1509/jmkg.70.4.136
    » https://doi.org/10.1509/jmkg.70.4.136
  • Prado, L. S., & Martinelli, D. P. (2018). Analysis of negotiation strategies between buyers and sellers: an applied study on crop protection products distribution. RAUSP Management Journal, 53(2), 225-240. https://doi.org/10.1016/j.rauspm.2018.01.001
    » https://doi.org/10.1016/j.rauspm.2018.01.001
  • Qu, Y. E., Dasborough, M. T., Zhou, M., & Todorova, G. (2017). Should authentic leaders value power? A study of leaders’ values and perceived value congruence. Journal of Business Ethics, 1-18. https://doi.org/10.1007/s10551-017-3617-0
    » https://doi.org/10.1007/s10551-017-3617-0
  • Rokeach, M. (1973). The nature of human values New York: Free Press.
  • Sabbir, R.M. & Nazrul, I. (2014). Value congruence and consumer’s satisfaction towards online banking - the mediation role of affective commitment. Management & Marketing, 9(3), 347-358.
  • Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: Theoretical advances and empirical tests in 20 countries. Advances in experimental social Psychology, 25(1), 1-65. https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60281-6
    » https://doi.org/10.1016/S0065-2601(08)60281-6
  • Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J.-E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688. https://doi.org/10.1037/a0029393
    » https://doi.org/10.1037/a0029393
  • Sirgy, M. J. (1982). Self-concept in consumer behavior: A critical review. Journal of Consumer Research, 9(3), 287-300. https://doi.org/10.1086/208924
    » https://doi.org/10.1086/208924
  • Skarmeas, D., Saridakis, C., & Leonidou, C. N. (2018). Examining relationship value in cross-border business relationships: A comparison between correlational and configurational approaches. Journal of Business Research, 89, 280-286. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.12.039
    » https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2017.12.039
  • Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva. Psicologia USP, 27(2), 341-356. http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150045
    » http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420150045
  • Ulaga, W., & Eggert, A. (2006). Relationship value and relationship quality: Broadening the nomological network of business-to-business relationships. European Journal of Marketing, 40(3-4), 311-327. https://doi.org/10.1108/03090560610648075
    » https://doi.org/10.1108/03090560610648075
  • Verquer, M. L., Beehr, T. A., & Wagner, S. H. (2003). A meta-analysis of relations between person-organization fit and work attitudes. Journal of Vocational Behavior , 63(3), 473-489. https://doi.org/10.1016/S0001-8791(02)00036-2
    » https://doi.org/10.1016/S0001-8791(02)00036-2
  • Wang, J. J., & Zhang, C. (2017). The impact of value congruence on marketing channel relationship. Industrial Marketing Management, 62, 118-127. https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2016.08.004
    » https://doi.org/10.1016/j.indmarman.2016.08.004
  • Wilson, K. S., DeRue, D. S., Matta, F. K., Howe, M., & Conlon, D. E. (2016). Personality similarity in negotiations: Testing the dyadic effects of similarity in interpersonal traits and the use of emotional displays on negotiation outcomes. Journal of applied psychology, 101(10), 1405-1421. https://doi.org/10.1037/apl0000132
    » https://doi.org/10.1037/apl0000132
  • Zhang, J., & Bloemer, J. M. (2008). The impact of value congruence on consumer-service brand relationships. Journal of Service Research, 11(2), 161-178. https://doi.org/10.1177/1094670508322561
    » https://doi.org/10.1177/1094670508322561
  • Zhu, D. H., & Chang, Y. P. (2013). Negative publicity effect of the business founder’s unethical behavior on corporate image: evidence from China. Journal of Business Ethics, 117(1), 111-121. https://doi.org/10.1007/s10551-012-1512-2
    » https://doi.org/10.1007/s10551-012-1512-2
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio da coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior - Brasil (CAPES) - código de financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2020
  • Revisado
    29 Jun 2020
  • Aceito
    14 Jul 2020
  • Publicado
    15 Mar 2020
Fucape Business School Av. Fernando Ferrari, 1358, Boa Vista, 29075-505, Vitória, Espírito Santo, Brasil, (27) 4009-4423 - Vitória - ES - Brazil
E-mail: bbronline@bbronline.com.br