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Museus, ciência e tecnologia

RESENHAS

Museus, ciência e tecnologia

Diogo Jorge de Melo; Luzia Gomes Ferreira

Universidade Federal do Pará (diogojmelo@gmail.com; luziagomes@ufpa.br)

Nos dias atuais, nota-se um crescente interesse em discutir diversos aspectos ligados ao campo de conhecimento dos museus e às suas relações com a ciência e a tecnologia. Admite-se que as especificidades desses campos possam contribuir com o desenvolvimento e autoconhecimento do saber científico. Logo, este é o tema do livro "Museus, Ciência e Tecnologia", que apresenta os resultados do seminário homônimo realizado em outubro de 2006 pelo Museu Histórico Nacional (MHN) e Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST). A apresentação do livro é feita pela diretora do MHN, Vera Lúcia Bottrel Tostes, que faz um apanhado das intenções do seminário, afirmando que este evento, de caráter multidisciplinar, teve como objetivo ampliar discussões no campo museológico, mencionando que ainda são poucas as contribuições em língua portuguesa sobre essa temática, principal fato motivador da publicação do livro.

Na introdução, são apresentadas as concepções abordadas ao longo dos 18 artigos que compõem o livro, justapondo as seguintes questões: como se dá a aproximação da ciência e da tecnologia com o campo museal1 1 Apesar de os autores da resenha preferirem o uso do termo 'museológico' no lugar de 'museal', o segundo está sendo empregado no texto por ter sido utilizado pelos organizadores do livro. e quais são seus espaços de atuação. Também é mencionada uma disciplina, denominada 'ciência dos museus', realizada por 'cientistas de museus', ou museólogos2 2 Os organizadores do livro afirmam que, apesar de usarem o termo 'museólogo', não o estão restringindo apenas às pessoas com formação em Museologia, e sim o aplicando a um universo mais amplo de profissionais de museus. . Os autores acreditam que essa disciplina museal é aberta e capaz de incidir na compreensão do campo da ciência, afirmando: "sob certas condições, todos os cientistas podem encontrar nos museus seus campos, e o museu é o campo de toda a ciência" (p. 12). Eles também indicam a possibilidade interativa da temática do livro a uma 'tecnologia dos museus', que se baseia na tecnologia como ferramenta e como objeto do museu, gerada por conhecimentos como o produzido nas coleções organizadas a partir de sistemas de referência. A temática do livro se baseia predominantemente no segundo postulado: "(...) a reunião de conhecimentos que, tendo como objeto os acervos, resulta em um saber-fazer cuja a finalidade última é a preservação desses mesmos acervos" (p. 13). Dessa forma, os autores organizaram a publicação em dois eixos: o das modernas tecnologias telemáticas como ferramentas para o campo museal; e o das questões objetivas de preservação e conservação do patrimônio.

O primeiro artigo é do historiador José Neves Bittencourt, que, por meio de uma abordagem inicial em história da ciência, mais especificamente da informática, trabalha a questão da informação, principalmente, baseando-se em matemáticos das décadas de 1930 e 1940, Vannevar Bush e Alan Turing. Ambos apresentaram em seus textos algumas previsões tecnológicas, inclusive o que consideramos a computação atual. Contudo, o pensamento de Bush se destaca por apresentar o conceito de 'realidade virtual', uma nova relação de espaço e tempo. Logo, o autor do artigo faz a junção dessas ideias com o conceito de informação, demonstrando que Bush previra uma máquina capaz de se auto-ordenar e organizar. Menciona, ainda, que cada época costuma imaginar utopias semelhantes, dentro de suas possibilidades. Cita, inclusive, a enciclopédia iluminista, os livros e as bibliotecas como tendo caráter semelhante à ideia apresentada. Tais fatos tornam fácil o entendimento e a inserção desse artigo no contexto do universo museológico apresentado na introdução do livro, assim como no da ciência, pois ambos os campos atuam como agentes de organização de informação.

O artigo seguinte, da museóloga Teresa Cristina Scheiner, apresenta aspectos das políticas e diretrizes da museologia e do patrimônio. A autora aborda a valorização dos processos na sociedade contemporânea em decorrência dos produtos, pois os ambientes cognitivos se tornaram um paradigma que está se sobrepondo aos objetos, o que, segundo a autora, acabou por transformar o mundo em um grande hipertexto. Dessa forma, Scheiner apresenta o patrimônio como um fator emergente e concordante com os novos paradigmas da sociedade, assim como com a realidade virtual. Entende o patrimônio como um produto simbólico, sedutor, que não mais deve ser visto apenas em sua relação com o passado, e sim deve ser somado às relações futuras.

Ulpiano Bezerra de Meneses e Vera Dodebei, autores dos dois artigos seguintes, também abordam os museus na era virtual. O primeiro autor, caminhando pelo tema da relação entre cibernética e museu, busca entender esse processo por via de conceitos como a chamada 'crise da representação', dos paradigmas de uma sociedade da informação, assim como das percebidas "tendência de desmaterialização" e "ampliação do mercado simbólico". Dodebei, enquanto teórica da ciência da informação que trabalha com a questão dos documentos, faz um caminho diferente, pensando na memória virtual. É interessante colocar a contradição que a autora destaca entre o efêmero da internet e a memória social ou coletiva.

Na sequência, o livro faz uma pausa na temática da virtualidade, com o artigo da historiadora Amara Silva de Souza Rocha, que aborda questões relacionadas ao espaço e tempo e sua influência no entendimento da sociedade contemporânea, para fazer uma análise das maneiras pelas quais os museus estão se inserindo nas práticas culturais do mundo.

Inês Gouveia retoma a discussão sobre o virtual, apresentando a dificuldade que os museus no mundo contemporâneo estão enfrentando para trocar o paradigma de 'lugar de memória' pelo espaço virtual que não premedita a existência de objetos. O artigo posterior é o de Sílvia Gandelman, que apresenta as questões de valores no espaço cibernético, principalmente no Brasil.

Em seguida, o historiador Nelson Sanjad discute as relações entre museus e ciência, buscando entender o lugar dos museus como locais de produção de conhecimento científico e defendendo a pesquisa científica como uma função básica dos museus. Sanjad dialoga com a história dos museus e demonstra que, apesar de no passado a ciência estar claramente vinculada aos museus, esse fato não acontece nos dias atuais, quando os museus são mais associados às exposições, a um lugar para a salvaguarda de coisas velhas ou a um lugar para aprendizagem.

Alberto de Tagle, em seu artigo, considera que a primeira questão a ser feita diante de um determinado bem cultural ou de uma coleção é justamente o motivo pelo qual deve ser preservado, perguntando-se: para quê e para quem é importante, quais os valores que representa e que contribuição traz para a sociedade? O autor salienta o quanto é importante definir prioridades dentro de uma coleção, pois, a partir daí, é possível estabelecer critérios para a distribuição de recursos, bem como avaliar os riscos e as dificuldades de manutenção da coleção, possibilitando o uso racional do patrimônio cultural em geral.

O debate sobre a necessidade de integração entre especialistas dos campos das ciências e das humanidades é o assunto do artigo de Luiz Souza. Baseando-se na ideia de que é imprescindível conhecer para conservar, o autor trata dos aspectos fundamentais para o estabelecimento de bases científicas para a conservação e restauração de bens culturais, como o conhecimento da natureza material dos bens culturais, o conhecimento dos próprios materiais e de seu comportamento frente às variações ambientais. O autor também sustenta a necessidade do estabelecimento de uma visão holística da conservação e restauração de bens culturais, além da quebra nas barreiras existentes entre conservação e restauração de bens culturais móveis, sítios e monumentos.

Marcus Granato apresenta um panorama das pesquisas sobre conservação de objetos metálicos no Brasil, discutindo a importância da conservação preventiva para a diminuição dos riscos de deterioração de coleções. Parte do princípio de que o problema central da conservação é ampliar ao máximo o tempo de vida dos objetos, apresentando as causas mais comuns de deterioração de objetos metálicos musealizados, os métodos de intervenção utilizados em peças metálicas e um estudo de caso da conservação e restauro de uma coleção de instrumentos científicos do MAST.

O artigo de Simone Mesquita aborda o processo de implantação do laboratório central de preparação, conservação e restauração do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, inaugurado em 2000, apontando o quanto, mesmo em nível internacional, políticas institucionais voltadas para práticas de conservação preventiva no campo da arqueologia ainda são recentes. Salienta o aumento da preocupação com o acervo quanto à conservação e restauração nos espaços museológicos, fato que tem influenciado a constituição de coleções e o planejamento da expografia.

Guadalupe do Nascimento Campos e Guillermo Solórzano também têm os objetos arqueológicos como tema de estudo. Este trabalho tem o mérito de apresentar uma área científica pouco conhecida, a arqueometalurgia, de caráter interdisciplinar, na qual métodos e conceitos científicos na área de metalurgia são interrelacionados às discussões da arqueologia e da história, com o objetivo de formular interpretações mais amplas acerca dos objetos arqueológicos metálicos ferrosos e não ferrosos. Os autores adotam uma definição de arqueologia bastante criticável, na medida em que reduzem a disciplina a um "resgate e recuperação do passado e da memória dos grupos humanos" por meio do estudo de seus vestígios e gestos físicos. A partir do estudo de artefatos metálicos oriundos de sítios históricos do Rio de Janeiro, apresentase uma metodologia de análise baseada em técnicas microanalíticas, com o objetivo de identificar, do modo mais preciso possível, a estrutura, a composição e os métodos de elaboração destes artefatos.

No trabalho de Guaracira Gouvêa são apontadas questões relacionais entre informação, comunicação e educação no espaço do museu, a articulação entre lugar, objeto e tempo. Para a autora, a exposição é, antes de tudo, um fato de linguagem, um ato criativo. Considerando o tempo como a categoria mais controversa das ciências sociais, aborda algumas questões relacionadas às múltiplas temporalidades presentes no museu, particularmente, as possibilidades de uso das mídias digitais, encaradas como recursos de apoio à circulação de informações.

Shin Maekawa, por sua vez, apresenta a importância das condições ambientais nas quais os artefatos se encontram, como o risco predominante de danos biológicos, principalmente da ação de fungos, e a utilização de arcondicionado para a criação de ambientes de preservação, o que muitas vezes acaba por provocar uma série de problemas relacionados à umidade. São apresentadas estratégias alternativas desenvolvidas pelo Instituto Getty de Conservação, que levam em consideração aspectos econômicos e recursos tecnológicos simples, os quais possibilitam a implantação de sistemas de controle climático com pequena modificação em edificações históricas.

Sandra Baruki apresenta os resultados do trabalho desenvolvido pelo Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Fundação Nacional de Artes, estabelecido no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, desde julho de 1987. No ano em que ocorria o Seminário Internacional, o Centro completava 20 anos de atividades, nos quais centenas de acervos foram tratados e mais de mil profissionais, treinados. O texto apresenta a instituição, as ações e os projetos realizados, destacando aspectos técnicos, práticas e o desenvolvimento no setor.

Luciana Maria Abdalla Ferron toma o Museu Histórico Abílio Barreto, que pertence à Fundação Municipal de Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte, como referência para abordar questões como incorporação de itens ao acervo e meios utilizados para viabilizar a comunicação com o público. A autora preocupa-se, sobretudo, com o que, de fato, deve ser incorporado aos acervos institucionais e como estas aquisições podem contribuir para o estabelecimento de uma comunicação e de processos educacionais eficazes junto ao público.

Encerrando a publicação, o artigo de André Parente e Ruben Zonenschein trata das mudanças que vêm ocorrendo nos museus em decorrência de espaços virtuais. Apresentam o Projeto Visorama, desenvolvido desde 2006 em parceria entre o Núcleo de Tecnologia da Imagem, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e o Laboratório Visgraf, do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, que consiste num sistema de realidade virtual e multimídia, composto por um hardware e um software dedicados às áreas de turismo histórico, museologia, educação, entretenimento e arte eletrônica. Discute-se, a partir deste exemplo, a criação de espaços virtuais dinâmicos, marcados pela interação com a informação, nos quais museus virtuais vão sendo constituídos.

O livro "Museus, Ciência e Tecnologia", sem dúvida, é uma das publicações que marcam território no campo do entendimento das relações dadas entre o universo museológico e o científico. Esta área do conhecimento vem crescendo consideravelmente, principalmente pela iniciativa dos profissionais que atuam em instituições que recebem o nome de museus, denominados no início do livro de 'museólogos'. Portanto, trata-se de literatura indispensável àqueles que atuam ou pretendem atuar nos museus de ciência, e que têm, nesta coletânea, os meios para se iniciar em aspectos teóricos e práticos desta realidade.

  • 1
    Apesar de os autores da resenha preferirem o uso do termo 'museológico' no lugar de 'museal', o segundo está sendo empregado no texto por ter sido utilizado pelos organizadores do livro.
  • 2
    Os organizadores do livro afirmam que, apesar de usarem o termo 'museólogo', não o estão restringindo apenas às pessoas com formação em Museologia, e sim o aplicando a um universo mais amplo de profissionais de museus.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011
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