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INTRODUÇÃO

A pesca tradicional amazônica e seu universo haliêutico como tema de análise, na Antropologia, é atual e candente porque proporciona uma linha de conhecimentos diversificada, que perpassa as descrições puramente etnográficas às análises ensaísticas e de cunho mais teórico, contribuindo para desvelar percepções, conceitos e categorias nativas, caras às Ciências Humanas e Sociais. Em diversos momentos acadêmicos (cursos de pós-graduação, seminários, palestras e artigos) se tem tido a oportunidade de comentar a relevância desse tema enquanto categoria de análise no Brasil, especialmente em relação à sua prática numa região como a Amazônia, e enquanto significado de um enorme patrimônio natural e imaterial. Este país, segundo o Ministério do Meio Ambiente (2002), possui um mar territorial que se estende para mais de 8.500 km, abrangendo 17 estados brasileiros e mais 400 municípios distribuídos de norte a sul, e inclui uma faixa marítima formada por esse mar e uma zona marinha que se inicia na região costeira e se alarga até 200 milhas no Brasil. E mais, um manancial de águas interiores, em particular na Amazônia, que o coloca entre os maiores produtores de pescado e outros produtos do mar. Fato que corresponde a um grande número de produtores, dentre os quais a maioria é de pescadores artesanais, atuando nas estruturas da produção pesqueira, constituindo um dos relevantes setores da economia brasileira. No estado do Pará, inscritos nas Colônias de Pescadores, agrupadas na Federação de Pescadores do Estado do Pará (FEPA), chegam a 80.000 trabalhando exclusivamente na captura, fora outros que atuam no beneficiamento, comercialização e distribuição. Então, esse número excede 100.000 segundo cálculos do Conselho Pastoral da Pesca/CNBB.

Como os agricultores, o segmento dos pescadores tradicionais apresenta especificidades sociais e ambientais e dinâmicas próprias e associadas aos saberes locais e às políticas pesqueiras oficiais envolventes. Apresenta identidades, concepções internas ou comunitárias, relações e processos que vêm sendo revelados pela pesquisa científica. Sua publicização torna-se imperiosa, a fim de servir de parâmetro para o planejamento do desenvolvimento regional, atualização ou criação de diretrizes setoriais e para o conhecimento das diferenças socioculturais da região.

Com efeito, há uma crescente afluência de estudos antropológicos e/ou com abordagem pluridisciplinar tentando dar conta dessa publicização. Nessa direção, é publicado no presente volume do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, o artigo "Amazônia: as relações sob o prisma da narrativa de Ferreira de Castro", no qual suas autoras valorizam a literatura regional como fonte de análise sobre a formação do pensamento social da Amazônia. Partem elas da obra 'A Selva', do romancista Ferreira de Castro, escrita entre os anos de 1910 e 1920, identificando em sua narrativa a vida nos seringais tradicionais da região. Leitura que certamente contribuirá para comparações com situações análogas no presente.

Em "A percepção territorial-ambiental em zonas de pesca", de cunho geográfico, o autor apresenta reflexão sobre a relação de grupos sociais com os espaços da pesca. Estudo de caráter etnográfico, realizado sobre o modo de vida dos pescadores ribeirinhos da Colônia de Pescadores Z 62, do município de Breves, na ilha do Marajó, região de águas interiores do estado do Pará, coloca questões que contribuem para a discussão dessas relações, dos conceitos de territórios do ponto de vista da geografia e da antropologia e, com efeito, para a multidisciplinaridade das ciências.

"O migrante de pesca e o espaço urbano" traz ao leitor conhecimentos sobre a trajetória de migrantes da pesca oriundos do interior para a cidade, enfrentando os desafios interculturais que acompanham esse processo. A autora quer demonstrar que a migração, além de impor mudança geográfica, implica em mudança cultural. Procura mostrar quais os traços culturais que permanecem ou são redefinidos na nova situação na cidade. Funda-se em trabalho de campo com observação direta, entrevistas e histórias de vida como ferramentas metodológicas. Destaca as relações de reciprocidade como princípio social que reforça a ajuda mútua e a solidariedade no trabalho da pesca e em outras instâncias de seu cotidiano. A leitura do artigo contribui para o conhecimento de processos migratórios e identitários, estudos sobre redes sociais e para discussão de arranjos produtivos locais por tangenciar o princípio de reciprocidade e solidariedade como nexo social.

"Desvelando o invisível: os movimentos sociais na pesca e suas ações no estuário do Pará" é o artigo em que o autor partilha da preocupação de pôr em relevo o setor da pesca como estrutura social, destarte os conhecimentos já produzidos por outros pesquisadores da pesca tradicional amazônica. Ele foca uma parte da região costeira do Pará - a vila de Marudá, no município de Marapanim - destacando etnograficamente os movimentos sociais da pesca. Quer, através da mobilização dos pescadores, desvelar a existência de ações locais em direção a alternativas de melhoria de vida para agricultores e pescadores da região. O autor chama a atenção para perspectivas teóricas que envolvem o tema. É um exercício etnográfico que contribui ao debate.

No artigo "A ordem social de Apeú Salvador/Pará e a problemática do tradicional e do moderno na Amazônia", o autor apresenta uma discussão sobre o tradicional e o moderno numa pequena vila de pescadores marítimos, a partir de um período de campo na vila de Apeú Salvador, município de Vizeu, estado do Pará, buscando compreender a temporalidade dos moradores dessa vila, os significados e os espaços do coletivo e do individual, e tentando identificar características de organização social nessa vila.

Por fim, espera-se que os temas aqui abordados possam de algum modo oferecer subsídios ao debate, às novas pesquisas acadêmicas, especialmente no nível da pós-graduação, às associações e movimentos sociais de pescadores e de outros segmentos sociais congêneres, e aos setores de gestão da pesca e aqüicultura nas instâncias estadual, regional e nacional.

Lourdes Gonçalves Furtado

Museu Paraense Emílio Goeldi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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