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Cuias, cachimbos, muiraquitãs: a arqueologia amazônica e as artes do período colonial ao modernismo

Gourds, pipes, muiraquitãs: Amazonian archeology and the arts from the colonial period to modernism

Resumo

A obra “Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas” (1757-1776), do jesuíta João Daniel, é considerada uma das principais fontes sobre o Amazonas durante o período colonial, sendo importante documento a respeito do quanto o conhecimento da natureza e das tradições culturais indígenas foram pedras fundamentais para o desenvolvimento do trabalho artístico nas missões. É particularmente no tratado intitulado “Das tintas mais especiais do rio Amazonas” que Daniel traz informes sobre a assimilação por parte dos jesuítas quanto às técnicas e aos materiais indígenas para fazer tintas e pintar obras artísticas; assim como sobre a adoção, pelos indígenas, de motivos ornamentais de repertório europeu e de origem asiática, em objetos de sua própria cultura, o que parece indicar, no âmbito das investigações arqueológica e etnográfica, que as transferências culturais ocorreram em várias direções. Por outro lado, também é sabido, no modernismo brasileiro, da utilização de motivos indígenas e/ou da representação da natureza amazônica por parte de artistas como Manoel Pastana, Theodoro Braga, Fernando Correia Dias ou Carlos Hadler, visando à construção de um repertório de matriz nacional para as artes decorativas.

Palavras-chave
Arte; Arqueologia; Transferências culturais; Missões jesuíticas; Modernismo; Amazônia

Abstract

The “Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas” (1757-1776) by the Jesuit João Daniel is considered one of the main sources about the Amazon during the colonial period, and an important testimony about how knowledge of nature and indigenous cultural traditions were cornerstones for the development of arts in the Missions. Especially in the chapter “Das tintas mais especiais do rio Amazonas”, does Daniel reports on the Jesuits’ adoption of indigenous techniques and materials both to produce colors as well as paintings. At the same time, indigenous artists incorporated European and Asian ornamental motifs in objects of their own culture. This appears to indicate, in the field of archaeological and ethnographic research, that these cultural transfers occurred in various directions. On the other hand, also known in Brazilian modernism, is the use of indigenous motifs and/or the representation of Amazonian nature by artists such as Manoel Pastana, Theodoro Braga, Fernando Correia Dias or Carlos Hadler, who aimed at building a national repertoire for the decorative arts.

Keywords
Art; Archeology; Cultural transfers; Jesuit missions; Modernism; Amazon

INTRODUÇÃO

Os objetos etnográficos e artísticos provenientes da cultura material indígena amazônica colocam-se como elementos fundamentais para os estudos que envolvem as transferências culturais nas artes latino-americanas desde o período colonial até a modernidade. Estes objetos figuram nas crônicas escritas e nas coleções recolhidas por missionários e viajantes europeus na colônia, comprovando esta forte presença no panorama artístico brasileiro. Em seguida, as investigações arqueológicas e etnográficas resultaram na organização de importantes acervos, já a partir do século XIX. Mais tarde, estas peças inspiraram inúmeros trabalhos, que incluíram, no seu repertório, o grafismo dos índios e os motivos da flora e da fauna da Amazônia no campo da arte decorativa, seja do Art Nouveau, seja do Modernismo.

Destacaram-se, em nossas pesquisas, como pontoschave destes processos de trocas e de intercâmbios entre diferentes tradições artísticas, dois objetos advindos do universo ameríndio, que passaram ao período colonial transformados: as cuias (Figuras 1 a 4) e os cachimbos (Figuras 5 a 8). Uns e outros ganharam novas feições (e às vezes novos usos) a partir do contato e da convivência entre as culturas locais e europeias na Amazônia.

Figura 1
Cuia. Vista 1. Índias de Monte Alegre? Pará, Brasil. Materiais: fruto (Crescentia cujete L.), resina/verniz, pigmento. Dimensões: 17,5 cm de altura x 19 cm de diâmetro. Coleção do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. Recolhida por Alexandre Rodrigues Ferreira (1783-1792). ANT.Br.193.
Figura 2
Cuia. Vista 2. Índias de Monte Alegre? Pará, Brasil. Materiais: fruto (Crescentia cujete L.), resina/verniz, pigmento. Dimensões: 17,5 cm de altura x 19 cm de diâmetro. Coleção do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. Recolhida por Alexandre Rodrigues Ferreira (1783-1792). ANT.Br.193.
Figura 3
Cuia. Vista 1. Índias de Monte Alegre? Pará, Brasil. Materiais: fruto (Crescentia cujete L.), resina/verniz, pigmento. Dimensões: 19 cm de altura x 18 cm de diâmetro. Coleção do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. Recolhida por Alexandre Rodrigues Ferreira (1783-1792). ANT.Br.194.
Figura 4
Cuia. Vista 2. Índias de Monte Alegre? Pará, Brasil. Materiais: fruto (Crescentia cujete L.), resina/verniz, pigmento. Dimensões: 19 cm de altura x 18 cm de diâmetro. Coleção do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. Recolhida por Alexandre Rodrigues Ferreira (1783-1792). ANT.Br.194.
Figura 5
Cachimbo localizado no baixo Amazonas. Vista lateraldo exemplar 1340. Material: cerâmica. Coleção Frederico Barata, Museu Paraense Emílio Goeldi.
Figura 6
Cachimbo localizado no baixo Amazonas. Vista inferiordo exemplar 1340. Material: cerâmica. Coleção Frederico Barata, Museu Paraense Emílio Goeldi.
Figura 7
Cachimbo localizado no baixo Amazonas. Vista lateral do exemplar 1352. Material: cerâmica. Coleção Frederico Barata, Museu Paraense Emílio Goeldi.
Figura 8
Cachimbo localizado no baixo Amazonas. Vista frontaldo exemplar 1352. Material: cerâmica. Coleção Frederico Barata, Museu Paraense Emílio Goeldi.

As cuias decoradas, tão usuais nas tradições dos índios americanos (como também as cabaças), são oriundas do fruto de Crescentia cujete1 1 Crescentia cujete ou Crescentia cuyete: planta da família das Bignoniaceae. Etimologia: cujete ou cuyete, do tupi Kuia e’te, cuia verdadeira. , planta mais conhecida como cuieira ou árvore-de-cuia. Aquelas de nosso particular interesse, conforme as técnicas tradicionais indígenas, foram realizadas com aplicação de verniz negro em sua base e apurada decoração colorida por tintas vegetais. No entanto, seus ornamentos não são formados por motivos geométricos, como era da tradição indígena, mas com aqueles de repertório europeu, muitas vezes apresentando forte inspiração na arte decorativa oriental.

Estas cuias foram encontradas e recolhidas sobretudo na área da atual cidade de Monte Alegre, antiga aldeia de Gurupatuba, localizada na região do baixo Amazonas, no Pará (Martins, 2015bMARTINS, Renata Maria de Almeida. Além do olhar: as fontes sobre a apropriação das técnicas e dos materiais das culturas indígenas nas artes da Amazônia colonial. In: KNAUSS, Paulo; MALTA, Marize (Org.). Objetos do olhar: História e Arte. São Paulo: Rafael Copetti Editor, 2015b. p. 139-154.), administrada, em períodos distintos, pelos missionários jesuítas e pelos capuchos da Piedade. A mais importante coleção de cuias, como veremos, foi a organizada no final do século XVIII pelo naturalista português Alexandre Rodrigues Ferreira, conservada hoje principalmente na Academia de Ciências de Lisboa e no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (Martins, 2016MARTINS, Renata Maria de Almeida. Uma cartela multicolor: objetos, práticas artísticas dos indígenas e intercâmbios culturais nas Missões jesuíticas na Amazônia colonial. Caiana, Buenos Aires, n. 8, p. 70-84, 2016. Disponível em: <http://caiana.caia.org.ar/template/caiana.php?pag=author/author.php&obj=136&vol=8>. Acesso em: 21 maio 2017.
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).

As coleções de cuias existentes atualmente no Brasil parecem ser compostas por exemplares pertencentes a períodos mais recentes, a partir dos séculos XIX e XX, como a do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) ou a formada por Mário de Andrade, conservada no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP). Este acervo, assim como o sensível e simpático texto produzido por Mário de Andrade em 1939, vem também deixar registrado o interesse e o apreço do poeta modernista pelas cuias da região: “E pela posse desta linda cuia de Santarém, os que me buscam sentem mais prazer de estar aqui, e mais espertada a tendência a solidarizar comigo” (Andrade, 1939ANDRADE, Mário. A cuia de Santarém. Diretrizes, Rio de Janeiro, ano 2, n. 20, não paginado, nov. 1939. (Suplemento Literário)., não paginado). Mário de Andrade visitou a Amazônia entre maio e agosto de 1927 (Ancona, 2005ANCONA, Telê. O turista aprendiz na Amazônia: a invenção no texto e na imagem. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 135-164, jul.-dez. 2005. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-47142005000200005.
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). Hoje com decorações diferentes daquelas descritas nas crônicas coloniais ou recolhidas no século XIX, as cuias continuam a ser produzidas na região de Monte Alegre (Cabral, 2007CABRAL, Fabrícia G. Saberes sobrepostos: design e artesanato na produção de objetos culturais. 2007. 146 f. Dissertação (Mestrado em Design) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.; Carvalho, 2011CARVALHO, Luciana (Org.). O artesanato de cuias em perspectiva -Santarém. Belém: IPHAN/CNFCP, 2011.), razão pela qual seus naturais são conhecidos como ‘pinta-cuias’ (Silva, 2011SILVA, Arenildo. Monte Alegre. Cidade pinta-cuia! Belém: Pakatatu, 2011.). O ‘modo de fazer cuias do baixo Amazonas’ praticado pelas mulheres ribeirinhas, recebeu o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, e foi inscrito no Livro de Registro dos Saberes, de 2015, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Os cachimbos também foram objetos fartamente utilizados e apreciados dentro das tradições culturais indígenas, africanas e europeias. As escavações realizadas na zona de Santarém, especialmente no sítio arqueológico Aldeia, assim nomeado por ter sido núcleo da antiga aldeia jesuítica do Tapajós, recuperaram um grande número de exemplares, que se destacam pela originalidade e pela qualidade da decoração. Foram reunidos ali significativos cachimbos feitos de barro, realizados com técnica indígena, inclusive com uso do ‘cariapé’ ou ‘caraipé’ como antiplástico (Symanski; Gomes, 2012SYMANSKI, Luís Claudio; GOMES, Denise. Mundos mesclados, espaços segregados: cultura material, mestiçagem e segmentação no sítio Aldeia em Santarém. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 53-90, jul.-dez. 2012. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-47142012000200003.
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), porém contendo uma farta ornamentação de inspiração barroca, repleta de volutas, florões e de outros motivos vegetais. Estes cachimbos podem ser encontrados em coleções no Brasil, como a pertencente ao Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), formada por Frederico Barata, ou ainda a do MAE-USP, adquirida por iniciativa de Ulpiano Bezerra de Meneses, em 19712 2 A coleção Tapajônica representa a junção de duas coleções adquiridas em 1971 pelo MAE-USP, com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), dos colecionadores Ubirajara Bentes e José da Costa Pereira. (Scatamacchia et al., 1996SCATAMACCHIA, Maria Cristina; DEMARTINI, Cristina; BUSTAMANTE, Alejandra. O aproveitamento científico de coleções arqueológicas: a Coleção Tapajônica do MAE-USP. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, n. 6, p. 327-333, 1996. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.1996.109277.
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).

Portanto, em consequência das descobertas arqueológicas nos tesos da ilha do Marajó, na região do rio Tapajós e, ainda, dos rios Nhamundá-Trombetas, por exemplo, foram reunidas algumas das mais renomadas coleções do país, como a do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ) e a do MPEG.

Isso gerou grande interesse por parte de artistas modernos pelo grafismo elaborado por antigos índios da Amazônia. Assim, muitos entre eles passaram a visitar, a pesquisar e a registrar em desenhos esses objetos e suas originais decorações, que foram utilizadas amplamente em pinturas ou nas artes gráficas e decorativas, como foi o caso dos paraenses Theodoro Braga (1872-1953) e Manoel Pastana (1888-1984), do pernambucano Vicente do Rego Monteiro (1899-1970) ou do paulista Carlos Hadler (1885-1945). Como veremos mais adiante, estes são apenas alguns nomes de uma vasta série de artistas com obras de grande importância para se compreender a utilização e a difusão do emprego da estética indígena nas artes do período moderno no Brasil.

Voltando ao período colonial – tanto no que se refere às cuias, quanto aos cachimbos –, a crônica do jesuíta português João Daniel, “Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas” (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004.), é uma fonte indispensável. Na obra, a cultura material indígena, as técnicas tradicionais e os materiais provenientes da floresta amazônica ganham destaque em diversos tratados, intitulados: “Da riqueza do Amazonas na preciosidade de sua madeira”, “Das palmeiras da América”, “Do principal tesouro do rio Amazonas” e “Das tintas mais especiais do rio Amazonas”. Da mesma forma, o capítulo “Da grande habilidade e aptidão dos índios” revela a admiração dos europeus pelo trabalho artístico dos indígenas, especialmente na arte de entalhar em madeira, tanto nos objetos de sua própria cultura, como na feitura de imagens sacras para as igrejas e capelas jesuíticas. No tratado último, “Das tintas mais especiais do rio Amazonas”, João Daniel traz relatos da assimilação, pelos jesuítas, das técnicas indígenas e dos materiais da floresta para fazer tintas e pintar obras artísticas nas missões (Martins, 2016MARTINS, Renata Maria de Almeida. Uma cartela multicolor: objetos, práticas artísticas dos indígenas e intercâmbios culturais nas Missões jesuíticas na Amazônia colonial. Caiana, Buenos Aires, n. 8, p. 70-84, 2016. Disponível em: <http://caiana.caia.org.ar/template/caiana.php?pag=author/author.php&obj=136&vol=8>. Acesso em: 21 maio 2017.
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); como também da apropriação, pelos indígenas, de motivos ornamentais do repertório europeu em objetos da cultura tradicional da Amazônia, indicando que a transferência cultural ocorreu em duas direções (Martins, 2015aMARTINS, Renata Maria de Almeida. Diálogos culturales en el arte de la América Portuguesa: las fuentes del repertório decorativo de los espacios religiosos jesuíticos y los inventarios de los bienes de la Compañía. In: CAMPOS VERA, Norma (Ed.). Mestizajes en diálogo. La Paz, Bolívia: Fundación Visión Cultural, 2015a (no prelo).).

Não localizamos outra obra mais contundente e ampla neste aspecto e, por este motivo, o “Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas” será nossa fonte primordial para nos ajudar a trazer à luz uma boa parte daquilo que o estudo dos objetos em questão – cuias e cachimbos – pode revelar acerca dos intercâmbios nesta sociedade mestiça colonial. Para melhor percebermos estas características, a obra de João Daniel (2004)DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004. será também relacionada com os textos de outros missionários e viajantes que circularam na Amazônia colonial, por exemplo, os escritos do capuchinho Claude d’Abbeville (1975)D’ABBEVILLE, Claude. História da missão dos padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas (1614). Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1975., em “História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas” (1612-1613); do jesuíta João Felipe Bettendorff (1625-1698), em “Chronica da missão dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão” (1661-1693) (Bettendorff, 1990BETTENDORFF, João Felipe. Chronica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: SECULT, 1990. [1ª ed. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910].); do franciscano Frei Cristovão de Lisboa, em “História dos animais e árvores do Maranhão” (1627) (Lisboa, 2000LISBOA, Cristóvão de. História dos animais e árvores do Maranhão. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses/Instituto de Investigação Científica Tropical, 2000.); do jesuíta Anselmo Eckart (1721-1809), entre 1753 e 1757, em obra ainda pouco conhecida, intitulada “Aditamentos à descrição das terras do Brasil” (Papavero; Porro, 2013PAPAVERO, Nelson; PORRO, Antonio (Org.). Anselm Eckart, S. J. e o Estado do Grão-Pará e Maranhão Setecentista (1785). Belém: MPEG, 2013.; Papavero et al., 2011PAPAVERO, Nelson; COURI, Marcia Souto; TEIXEIRA, Dante Martins; CHIQUIERI, Abner. As notas do Padre Anselm Eckart, S. J., sobre alguns animais do Estado do Grão-Pará e Maranhão (1785). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 6, n. 3, p. 593-609, set.-dez. 2011. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222011000300008.
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; Porro, 2011PORRO, Antonio. Uma crônica ignorada: Anselmo Eckart e a Amazônia setecentista. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 6, n. 3, p. 575-592, set.-dez. 2011. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222011000300007.
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); e, especialmente, aquelas ‘relações’ redigidas pelo já aludido naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, durante a sua extensa “Viagem ao Brasil: a expedição philosophica pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá. Coleção Etnográfica” (1783-1792) (Ferreira, 2005FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem ao Brasil: a expedição Philosophica pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá. Coleção Etnográfica. Rio de Janeiro: Kapa Editorial, 2005. v. 3.). Afora ter produzido variados ensaios sobre a cultura material dos índios – escrevendo “Memoria sobre as cuyas (1786)” (Ferreira, 1933FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Memoria sobre as cuyas (1786). Revista Nacional de Educação, Rio de Janeiro, n. 6, p. 58-63, mar. 1933.), como também sobre o trançado de palha –, a obra “Viagem ao Brasil” também deixou registrada, em desenhos de Codina e Freire (Ferreira, 2005FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem ao Brasil: a expedição Philosophica pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá. Coleção Etnográfica. Rio de Janeiro: Kapa Editorial, 2005. v. 3.), uma extensa iconografia sobre a cultura material dos índios e sobre a paisagem e os povos que habitavam a região amazônica.

Alexandre Rodrigues Ferreira, como dissemos anteriormente, também recolheu objetos indígenas ainda hoje conservados em Lisboa e Coimbra, inclusive as cuias pintadas e os cachimbos de Monte Alegre e Santarém, respectivamente antigas aldeias jesuíticas de Gurupatuba e Tapajós. Este fato dialoga com o “Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas”, de Daniel (2004)DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., contribuindo para ampliar o conhecimento da recepção artística nas missões, da circulação de ideias e de saberes na América Latina, e das transferências e trocas culturais no período colonial, juntamente com as pesquisas arqueológicas e etnográficas na Amazônia.

Sendo assim, é válido aqui mencionar, sobretudo no século XIX, os trabalhos pioneiros do geólogo Charles Frederick Hartt (Freitas, 2002FREITAS, Marcus Vinicius de. Charles Frederick Hartt, um naturalista no Império de Pedro II. Belo Horizonte: Ed. UFMG; São Paulo: Humanitas, 2002.), que fez parte da Comissão Geológica do Império, entre 1875 e 1877, e foi o primeiro a realizar escavações na área do rio Tapajós, em 1870, e do botânico João Barbosa Rodrigues que foi encarregado pelo Governo Imperial para explorar os rios Tapajós, Trombetas e Jamundá entre os anos de 1871 e 1874, publicando os resultados desta expedição na obra “Rio Tapajós: exploração e estudo do vale do Amazonas”, em 1875 (Rodrigues, 1875RODRIGUES, João Barbosa. Rio Tapajós: exploração e estudo do vale do Amazonas. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875.). No período moderno, são essenciais as pesquisas do arqueólogo Frederico Barata, realizadas nas décadas de 1940 e 1950, sobre a cerâmica tapajônica3 3 Frederico Barata é o autor escolhido por Rodrigo Mello de Andrade para um volume sobre “Arqueologia”, publicado em 1952 (Barata, 1952). Além disso, o Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, comprou, em 1959, a importante coleção de cerâmica do estudioso (constituída de 250 objetos inteiros ou levemente fraturados e 2.113 fragmentos com e sem decoração), também procedente da área ocupada pelos Tapajó, grupo indígena que habitou a foz do rio Tapajós, segundo o estudo de Guapindaia (1993), pelo menos do século X até o século XVII. (Barata, 1950BARATA, Frederico. A arte oleira dos Tapajó I: considerações sobre a cerâmica e dois tipos de vasos característicos. Publicações do Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará, Belém, v. 2, p. 1-47, 1950., 1951, 1953), “O muiraquitã e as contas dos Tapajós” (Barata, 1954BARATA, Frederico. O muiraquitã e as contas dos Tapajós. Revista do Museu Paulista, São Paulo, n. 8, p. 229-259, 1954.), e aqueles que o estudioso definiu como ‘maravilhosos cachimbos de Santarém’ (Barata, 1944BARATA, Frederico. Arte indígena amazônica: os maravilhosos cachimbos de Santarém. Revista de Estudos Brasileiros, Rio de Janeiro, ano 7, n. 13, p. 270-293, dez. 1944.), relacionando-os com a produção artística jesuítica no Pará (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, 2016MARTINS, Renata Maria de Almeida. Uma cartela multicolor: objetos, práticas artísticas dos indígenas e intercâmbios culturais nas Missões jesuíticas na Amazônia colonial. Caiana, Buenos Aires, n. 8, p. 70-84, 2016. Disponível em: <http://caiana.caia.org.ar/template/caiana.php?pag=author/author.php&obj=136&vol=8>. Acesso em: 21 maio 2017.
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).

No caso de Charles Hartt, estes esforços, como se sabe, são reflexo do nascente interesse pela Arqueologia e pela Antropologia no Brasil (presente, por exemplo, na Exploração Científica do Ceará, em 1862, e na Primeira Exposição Antropológica do Brasil, em 1882), bem como da criação dos primeiros museus de História Natural4 4 Segundo Sanjad (2010): Museu Paraense, 1866; Museu Paranaense, 1876; Museu Botânico do Amazonas, 1882; Museu Paulista, 1893 e Museu Nacional de Rio de Janeiro, 1918. . Frederico Barata, por sua vez, foi incentivado pela introdução de discussões sobre as artes aplicadas e o ornamento indígena nos meios culturais brasileiros. Tais debates adquiriram grande destaque em Belém e Manaus durante o chamado ciclo da borracha, entre 1870 e 1906, refletindo-se na produção decorativa a partir dos temas da selva amazônica de dois artistas, já referidos, nascidos no Pará, Theodoro Braga, ativo em São Paulo, e Manoel de Oliveira Pastana, no Rio de Janeiro, além do português Fernando Correia Dias (1892-1935), que se estabeleceu no Rio de Janeiro em 1914.

Feitas estas breves considerações iniciais em relação aos estudos na região do baixo Amazonas, no Pará, não poderíamos deixar de fazer menção quanto à contribuição a esta pesquisa – iniciada em nossa tese de doutorado (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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) – da obra de Helen Palmatary, a partir dos anos 1930, especialmente em “The archaeology of the lower Tapajós Valley, Brazil” (Palmatary, 1960PALMATARY, Helen Constance. The Archaeology of the Lower Tapajós Valley, Brazil. Transactions of The American Philosophical Society New Series, Philadelphia, v. 50, n. 3, p. 1-243, mar. 1960.), e ao impactante estudo de Curt Nimuendajú, que, em 1952 publica “The Tapajó”, trabalho realizado entre 1923 e 1926 em Santarém e arredores, onde localiza sessenta e cinco sítios arqueológicos, dando impulso a diversas pesquisas na região. Também valem aqui citar as contribuições de especialistas que circularam em múltiplas áreas do conhecimento (Arte, Arqueologia, Antropologia, Etnologia), como é o caso de Ulpiano de Meneses, que, devido à aquisição feita pelo MAE-USP de uma coleção de cerâmica da Amazônia, citada anteriormente, tentaria implantar, em 1971, um projeto de pesquisa arqueológica no Pará, resultando em uma série de importantes escritos também sobre os cachimbos de Monte Alegre (Meneses, 1972MENESES, Ulpiano Bezerra de. Arqueologia amazônica: Santarém. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, 1972.). Há de se mencionar, ainda, os trabalhos de Anna Roosevelt, a partir dos anos 90, em escavações na Caverna da Pedra Pintada (Roosevelt, 2013ROOSEVELT, Anna. Prehistory of Amazonia. In: RENFREW, Colin; BAHN, Paul (Ed.). The Cambridge world Prehistory. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.), nos quais divulga dados sobre uma sequência local de onze mil anos de ocupações pré-ceramistas e ceramistas (Barreto; Nascimento, 2016BARRETO, Cristiana; NASCIMENTO, Hannah F. As cerâmicas dos sítios a céu aberto de Monte Alegre: subsídios para a Arqueologia do Baixo Amazonas. In: BARRETO, Cristiana; LIMA, Helena Pinto; BETANCOURT, Carla Jaimes (Org.). Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese. Belém: IPHAN/ MPEG, 2016. p. 262-278.) e, mais recentemente, o de Vera Guapindaia, pesquisadora do MPEG, que desenvolveu uma dissertação de mestrado, em 1993, sobre a coleção de objetos arqueológicos reunidos por Frederico Barata (Guapindaia, 1993GUAPINDAIA, Vera. Fontes históricas e arqueológicas sobre os Tapajó de Santarém: a Coleção “Frederico Barata” do Museu Paraense Emílio Goeldi. 1993. 294 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1993.), bem como o de Denise Gomes, que realizou um belo e completo estudo sobre a coleção tapajônica do MAE-USP (Gomes, 2002GOMES, Denise Maria Cavalcante. Cerâmica arqueológica da Amazônia: vasilhas da Coleção Tapajônica do MAE-USP. São Paulo: FAPESP/EDUSP/Imprensa Oficial São Paulo, 2002.) e a arte cerâmica dos Tapajó (Gomes, 2010GOMES, Denise Maria Cavalcante. Os contextos e os significados da arte cerâmica dos Tapajó. In: PEREIRA, Edithe; GUAPINDAIA, Vera (Org.). Arqueologia amazônica. Belém: MPEG/IPHAN/SECULT, 2010. p. 213-233. v. 1.). Muito atualizado também é o texto de Eduardo Neves sobre a cidade de Santarém, considerando-a, sobre o ponto de vista arqueológico, a povoação organizada mais antiga do Brasil (Neves, E., 2015NEVES, Eduardo. Santarém: a cidade de todos os tempos. National Geographic, São Paulo, p. 79-89, dez. 2015.). Registrando a antiguidade e a longa duração da ocupação humana na região de Monte Alegre, são indispensáveis as pesquisas primorosas de Edithe Pereira, sobre arte rupestre desde a década de 1980 (Pereira, 2012PEREIRA, Edithe. A arte rupestre de Monte Alegre. Belém: MPEG, 2012.), nas quais destaca, nos motivos decorativos, principalmente antropomorfos, um conjunto de temáticas e de motivos estilísticos semelhantes àqueles de grupos ceramistas tardios (Martins, 2015bMARTINS, Renata Maria de Almeida. Além do olhar: as fontes sobre a apropriação das técnicas e dos materiais das culturas indígenas nas artes da Amazônia colonial. In: KNAUSS, Paulo; MALTA, Marize (Org.). Objetos do olhar: História e Arte. São Paulo: Rafael Copetti Editor, 2015b. p. 139-154.). Edithe Pereira coordena, no MPEG, o Projeto “A ocupação pré-colonial de Monte Alegre (Pará)”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), cujos resultados são de grande interesse também para o período colonial. O trabalho de Cristiana Barreto e de Hannah Nascimento (Barreto; Nascimento, 2016BARRETO, Cristiana; NASCIMENTO, Hannah F. As cerâmicas dos sítios a céu aberto de Monte Alegre: subsídios para a Arqueologia do Baixo Amazonas. In: BARRETO, Cristiana; LIMA, Helena Pinto; BETANCOURT, Carla Jaimes (Org.). Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese. Belém: IPHAN/ MPEG, 2016. p. 262-278.), sobre sítios arqueológicos a céus aberto mais recentes, aponta para uma intensa ocupação ceramista a partir do século XIII e uma grande dinâmica de fluxos estilísticos na região. Finalmente, destacamos os estudos de Thekla Hartmann (1988)HARTMANN, Thekla. Evidência interna em cultura material: o caso das cuias pintadas no Século XVIII. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. 33, p. 291-302, 1988. e de Antonio Porro (1996)PORRO, Antonio. O povo das águas: ensaios de Etno-História amazônica. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: EDUSP, 1996. sobre as cuias da antiga aldeia de Gurupatuba, aquelas pintadas com algumas das ‘tintas mais especiais da Amazônia’, e com as quais, ‘coloriremos’ as próximas páginas.

“DAS TINTAS MAIS ESPECIAIS DO AMAZONAS”: OURO DE COPAÍBA E JUTAÍ

São muitas as tintas preciosas do Amazonas, que merecem ser contadas por especiais haveres do seu grande tesouro; não sei o nome de todas, nem as espécies de muitas, e como estou enterrado [preso], não posso informar-me, nem dos práticos, nem dos livros, das que me faltam, e assim ficando as mais reservadas para outros curiosos, apontarei aqui as que me lembram, que não são poucas, e só nelas têm os artífices muita cópia [quantidade] para todos e quaisquer debuxos de quanto usa, e tem inventado a arte sem lhes ser necessário sair do Amazonas a indagá-las por outras regiões, porque nele se acham todas, in uno collecta tenes [Lat.: Num só lugar as tens reunidas] (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., p. 581, v. 1, grifo do autor).

Bem conhecidas são as descrições da natureza e das tradições dos índios americanos, especialmente aqueles do México e do Peru, relacionadas pelo jesuíta José de Acosta (1540-1600) em sua “Historia natural y moral de las Indias: en que se tratan las cosas notables del cielo, elementos, metales, plantas y animales de ellas y los ritos, cerimônias, leyes gobierno y guerras de los indios”, publicada em Sevilha, por Juan de León, ainda no ano de 1590 (Acosta, 2006ACOSTA, José de. História natural y moral de las Indias: em que se tratan de las cosas notables del cielo, elementos, metales, plantas y animales de ellas y los ritos, cerimônias, leyes, gobierno y guerras de los indios (1590). México: Fondo de Cultura Económica, 2006.). Na Amazônia brasileira dos séculos XVI a XVIII, como já destacamos, serão igualmente os missionários, a exemplo do dominicano Gaspar de Carvajal e dos jesuítas João Felipe Bettendorff, João Daniel ou Anselmo Eckart, a darem as notícias mais significativas e a forneceram dados bastante detalhados acerca da produção artística indígena, tanto a tradicional, quanto aquela já fruto de intercâmbios culturais. Muitos dos resultados que iremos aqui apresentar, como dissemos, são originários de nossa tese de doutorado (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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) e do desenvolvimento de pesquisas sucessivas sobre o tema (Martins, 2013aMARTINS, Renata Maria de Almeida. Misiones Jesuíticas en el Amazonas Brasileño: Arte, Arqueologia y adaptaciones. In: LÓPEZ, Carmé; VALLE, María de los Ángeles; MOYA, María Inmaculada (Org.). Barroco Iberoamericano: identidades culturales de un império. Santiago de Compostela: Ed. Andavira, 2013a. p. 21-35. v. 2., 2014MARTINS, Renata Maria de Almeida. Rutas amazónicas del Barroco: Arte, Arqueología y transferencias culturales en las Misiones Jesuíticas del Grão-Pará. In: CAMPOS VERA, Norma (Ed.). Migraciones y rutas del Barroco. La Paz, Bolívia: Fundación Visión Cultural, 2014. p. 20-26., 2015aMARTINS, Renata Maria de Almeida. Diálogos culturales en el arte de la América Portuguesa: las fuentes del repertório decorativo de los espacios religiosos jesuíticos y los inventarios de los bienes de la Compañía. In: CAMPOS VERA, Norma (Ed.). Mestizajes en diálogo. La Paz, Bolívia: Fundación Visión Cultural, 2015a (no prelo)., 2015bMARTINS, Renata Maria de Almeida. Além do olhar: as fontes sobre a apropriação das técnicas e dos materiais das culturas indígenas nas artes da Amazônia colonial. In: KNAUSS, Paulo; MALTA, Marize (Org.). Objetos do olhar: História e Arte. São Paulo: Rafael Copetti Editor, 2015b. p. 139-154., 2016MARTINS, Renata Maria de Almeida. Uma cartela multicolor: objetos, práticas artísticas dos indígenas e intercâmbios culturais nas Missões jesuíticas na Amazônia colonial. Caiana, Buenos Aires, n. 8, p. 70-84, 2016. Disponível em: <http://caiana.caia.org.ar/template/caiana.php?pag=author/author.php&obj=136&vol=8>. Acesso em: 21 maio 2017.
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).

Queremos aqui, sobretudo, fazer menção específica ao tratado “Das tintas mais especiais do rio Amazonas”, um dos mais interessantes documentos para compreendermos a utilização de tintas e de vernizes produzidos tradicionalmente pelos índios, agora para pintar e tingir objetos trazidos do universo europeu, como telas, móveis, molduras de quadros e imagens sacras; e também seu uso naqueles objetos tipicamente ameríndios, como cuias, cerâmicas, tecidos, trançados ou, ainda, na pintura corporal. Inúmeras eram as cores que a floresta oferecia: os amarelos, do pau-amarelo, da erva pacuã e do gengibre; os vermelhos, do pau-campeche, do urucum, do cajarum, do tauá (tajá), do tajá vermelho, do carrapicho, do mato vermelho, da pacova-sororoca, da cochinilha5 5 “[...] o certo é que a cochinilha é uma das mais estimadas tintas na Europa, e no nosso Portugal, onde a libra se compra a 4800 réis e pelo centro do reino há de ser mais cara” (Daniel, 2004, p. 587, v. 1). , do mangue e do cori; o preto, do jenipapo e do cipó; os verdes, do trifólio (trevo) e do mata-pasto; o branco, da tabatinga. As resinas seriam a goma de caju, o jutaísico, o macacu, a xixiiba (Martins, 2016MARTINS, Renata Maria de Almeida. Uma cartela multicolor: objetos, práticas artísticas dos indígenas e intercâmbios culturais nas Missões jesuíticas na Amazônia colonial. Caiana, Buenos Aires, n. 8, p. 70-84, 2016. Disponível em: <http://caiana.caia.org.ar/template/caiana.php?pag=author/author.php&obj=136&vol=8>. Acesso em: 21 maio 2017.
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).

Pensando na arte barroca, uma das questões que deveriam ser resolvidas pelos missionários quanto à aplicação de tintas era o douramento de imagens e de retábulos. Como fazer na falta da ‘folha de ouro’? Certamente, uma solução prática e econômica, inclusive muito festejada pelos jesuítas, como atestam os relatos de João Daniel, seria utilizar as tintas produzidas pelos índios para “fingir o ouro”, por exemplo, nas “molduras de um belo quadro” (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., p. 593, v. 1). Estas tintas douradas, segundo Daniel (2004)DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., seriam obtidas de um verniz, elaborado pela mistura de óleo de copaíba (Copaifera) e pau jutaí (Hymenaea courbaril)6 6 Jatobá, conhecido também por jutaí, jataí, jataúba, jatioba, entre outros nomes. fervidos. Há também notícias sobre tintas que reluziam como ouro, nos ‘reinos de Quito e Peru’, com o que eram douradas as ‘célebres cuias’ e muitas outras ‘curiosidades’. Como fortes indícios da circulação e da divulgação destes saberes tradicionais dos indígenas através dos jesuítas, entre o chamado alto Amazonas (Peru e Equador) e o Amazonas português: “todos os que as vimos [cuias e curiosidades trazidas de Quito] julgamos serem douradas como verdadeiro ouro, mas nos afirmam que era tinta, e não ouro [...]” (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., p. 591, v. 1). A copaíba também aparece na obra de “De Indiae utriusque re naturali et medica”, publicada em 1658, de autoria de Guglielmo Pisonis (1611-1678), médico e naturalista holandês que acompanhou Maurício de Nassau (Siracusano, 2005SIRACUSANO, Gabriella. El poder de los colores: de lo material a lo simbólico en las prácticas culturales andinas. Siglos XVI-XVIII. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2005.).

Ainda sobre o tema das tintas de diversas cores produzidas pelos índios, temos anteriormente ao “Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas”, os relatos, no Maranhão, do capuchinho Claude d’Abbeville, quando, em um capítulo na sua “História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas” (1612-1613), enumera as árvores frutíferas do Maranhão (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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). Ao falar sobre o suco do jenipapo, d’Abbeville indica a nova aplicação daquela tinta preta pelos missionários (d’Abbeville, 1975, p. 169): “[...] os índios o mastigam para retirar o suco [...]. Os índios usam êsse suco para pintar o corpo e enfeitá-lo [...]; mas esse suco pode servir também de tinta para escrever, de boa qualidade, como nos foi dado verificar”.

Sobre a tinta vermelha extraída do urucum, ao invés, não indica os seus usos (d’Abbeville, 1975, p. 176): “[...] Dá um fruto repleto de grãos vermelhos que se servem os índios para fazer tinta; e por isso têm muito cuidado em colhê-los e há grande abundância dessas árvores em toda a região”. Também no século XVII, no Maranhão, o frei franciscano Cristóvão de Lisboa apresenta uma bonita série de desenhos e observações sobre as árvores e plantas do Maranhão, citando às vezes suas resinas, como aquela da árvore Ereituna (Lisboa, 2000LISBOA, Cristóvão de. História dos animais e árvores do Maranhão. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses/Instituto de Investigação Científica Tropical, 2000., p. 344): “[...] é uma árvore grande e grossa e tem grande folha; bota de si um modo de resina negra como breu, com que os índios fazem as suas flechas [...]”.

O jesuíta luxemburguês João Felipe Bettendorff foi um dos mais importantes e atuantes missionários e artífices na Amazônia do século XVII (Leite, 1953LEITE, Serafim. Artes e ofícios dos jesuítas no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro: Brotéroa/Livros de Portugal, 1953.; Arenz, 2007ARENZ, Karl. De l’Alzette à l’Amazone: Jean Philippe Bettendorff et les jésuites en Amazonie portugaise (1661-1693). 2007. Thèse (Doctorat en Histoire Moderne et Contemporaine) – Université Paris IV, Sorbonne, 2007.). Foi autor, entre outras obras, do desenho do retábulo da igreja do colégio jesuítico de Nossa Senhora da Luz, em São Luís do Maranhão, entalhado por um índio de nome Francisco e por um entalhador português chamado Manuel Mansos (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, p. 316). Como por nós mencionado em estudos anteriores (Martins, 2015bMARTINS, Renata Maria de Almeida. Além do olhar: as fontes sobre a apropriação das técnicas e dos materiais das culturas indígenas nas artes da Amazônia colonial. In: KNAUSS, Paulo; MALTA, Marize (Org.). Objetos do olhar: História e Arte. São Paulo: Rafael Copetti Editor, 2015b. p. 139-154., p. 142), Bettendorff, em sua crônica, também elenca uma série de ‘novos’ materiais, a princípio desconhecidos pelos jesuítas, e depois utilizados nas Missões devido ao contato com a experiência indígena. São citados, por exemplo, as “tintas da terra” (Bettendorff, 1990BETTENDORFF, João Felipe. Chronica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: SECULT, 1990. [1ª ed. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910]., p. 660); o morutim ou muruty, utilizado para a fabricação de retábulos provisórios; e, ainda, o cipó, a partir do qual se fazia tinta de cor preta – também segundo o “Tratado” sobre as tintas, de João Daniel7 7 “Cipó. Me certificaram haver um cipó suja muita umidade, ou água é tão preta, que não só serve para escrever, mas também para pintar, e tingir qualquer matéria, e dela usam muitas nações para se mascararem nas caras em lugar do jenipapo [...]” (Daniel, 2004, p. 591). –, e com o qual Bettendorff havia pintado ‘painéis’.

Sendo assim, como já destacamos em trabalhos anteriores (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, 2015b), na antiga aldeia de Inhaúba – residência de São Pedro e São Paulo na capitania de Cametá, rio Tocantins –, próxima à atual cidade de Cametá, no Pará, Bettendorff havia pintado para o altar da igreja dois ‘painéis’ com ‘cipó’ (Bettendorff, 1990BETTENDORFF, João Felipe. Chronica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: SECULT, 1990. [1ª ed. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910]., p. 593): “Eu, que tinha feito em Inhaúba, aldea de riba, tendo exposto um bello painel de Nossa Senhora do Socorro e outro de São Francisco Xavier, ambos pintados com um cipó por minha própria mão”.

Ainda sobre os painéis pintados com ‘cipó’, sabemos que foram levados, em 1696, da aldeia de Inhaúba, “muito mal tratada das continuas chuvas deste anno” (Bettendorff, 1990BETTENDORFF, João Felipe. Chronica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: SECULT, 1990. [1ª ed. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910]., p. 662), para a aldeia de Parijó (também no rio Tocantins), onde Bettendorff diz ter repintado com “tintas do Reino” o dito “painel” com a imagem de Nossa Senhora do Socorro (Bettendorff, 1990BETTENDORFF, João Felipe. Chronica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: SECULT, 1990. [1ª ed. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910]., p. 660): “Folguei infinito com a vista da Senhora, que por ter sido pintada com tintas da terra já ia se desfazendo; mas eu logo tornei a pintar com tintas do Reino, de maneira que sem ser eu pintor sahiu muito linda e agradável aos olhos de todos”.

Na Aldeia de Gurupatuba, atual Monte Alegre, na região do baixo Amazonas, Bettendorff (1990, p. 169)BETTENDORFF, João Felipe. Chronica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: SECULT, 1990. [1ª ed. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910]. relata: “Fiz então um retábulo de morutim, pintando ao meio Nossa Senhora da Conceição pisando em um globo a cabeça de serpente, enroscada ao redor delle, com Santo Ignácio á banda direita e S. Francisco Xavier à esquerda”. E ainda acrescenta: “[...] para ella fiz um retábulo de muruty, em qual puz Nossa Senhora da Conceição de vulto e um crucifixo feito de cera, e porque para o altar faltava algum frontal fiz um da mesma matéria, o qual pintadinho, parecia muito melhor do que o do Reino [...]” (Bettendorff, 1990BETTENDORFF, João Felipe. Chronica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: SECULT, 1990. [1ª ed. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910]., p. 169).

A palmeira miriti (Mauritia flexuosa)8 8 Palmeira também conhecida por buriti, buritizeiro, muruti, murutim, entre outros nomes. é árvore comum nas áreas inundadas da região amazônica, que também figura no “Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas”, de João Daniel, e em “História dos animais e árvores do Maranhão” (1627), de Frei Cristóvão de Lisboa. As cascas retiradas desta palmeira, com as quais Bettendorff fez um retábulo, são ainda matéria-prima dos chamados “brinquedos de miriti”, produzidos na região das ilhas do Pará, principalmente em Abaetetuba. Causa deleite pensarmos neste efêmero ‘retábulo da terra’ decorando uma capela jesuítica em plena floresta. Certamente, Bettendorff (1990)BETTENDORFF, João Felipe. Chronica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: SECULT, 1990. [1ª ed. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910]. não dominava a técnica do miriti, mas ensinou o modelo do retábulo aos índios, fato que, pelo seu ponto de vista, deveria lhe garantir a ‘autoria’ da obra. Trata-se, então, de um modelo trazido por um jesuíta europeu, com a Nossa Senhora pintada pelo próprio Bettendorff, com tintas produzidas por índias da Amazônia, e realizado com a técnica e o material tradicional de miriti.

Uma hipótese que não resistimos em aqui acrescentar é se as mesmas mulheres índias também poderiam ter pintado retábulos como esse ou, ainda, outras obras do aparato decorativo das igrejas e das capelas das missões, já que, na aldeia de Gurupatuba, o exercício da pintura, até onde sabemos, era sobretudo de domínio feminino. Se as ‘tintas da terra’ produzidas pelas índias eram utilizadas nas capelas daquela aldeia, por que não pensarmos nos ‘pincéis da terra’ daquelas mesmas pintoras? Teria havido alguma maleabilidade dos jesuítas – sobretudo de Bettendorff – em aceitar a presença feminina para pintar obras para a capela da aldeia de Gurupatuba? Em Belém, há notícias, em um Catálogo de 1720), sobre a presença na oficina de “rapazes que aprendem” (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, p. 291) com o irmão escultor, provavelmente o tirolês João Xavier Traer, mas nunca de moças, como era de se esperar. Porém, temos relatado este caso muito particular que se desenvolveu em Gurupatuba, mais tarde elevada à condição de vila, com o nome de Monte Alegre. Daniel, em um jogo de palavras com o seu novo nome, chama a vila de “alegre”, não só pela sua situação, boa vista e disposição, mas também pelo ornato e pelas pinturas, para, em seguida, discorrer sobre as cuias da vila, as melhores de todas, “porque as índias sabem dar-lhe com tal mestria o verniz, e tintas, que nunca as perdem” (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., p. 396, v. 1).

As questões de gêneros em culturas tão diferentes (europeia e ameríndia) são fatores bastante complexos para serem tratados apenas pela História da Arte, devendo envolver pesquisas coletivas também no âmbito da História Social e da Antropologia. Certamente, há um campo a ser investigado e melhor compreendido deixado pelas índias, e depois pelas mestiças e negras da região, que também aprenderam a pintar cuias. Ainda hoje em Monte Alegre, como já dissemos, são apenas as mulheres as herdeiras desta tradição, continuando a envernizar e a pintar lindamente suas ‘novas cuias’ (diferentes que são daquelas mais antigas nas suas decorações), mas mantendo na essência da feitura deste objeto esta presença feminina ancestral.

AS CUIAS E OS VERNIZES DAS ÍNDIAS PINTORAS DE GURUPATUBA: TROCAS ARTÍSTICAS ENTRE EUROPA, ÁSIA E AMÉRICA

As cuias decoradas da coleção etnográfica reunida por Alexandre Rodrigues Ferreira9 9 Alexandre Rodrigues Ferreira nasceu na Bahia em 1756. Estudou Filosofia Natural na Universidade de Coimbra, onde foi incumbido de comandar uma expedição científica ao Norte do Brasil. Contando com recursos precários, a “Viagem Philosophica” (1783-1792) foi concebida sob os auspícios da Academia das Ciências de Lisboa, do Ministério de Negócios e Domínios Ultramarinos, e planejada pelo naturalista italiano Domenico Vandelli. O grupo era composto por um naturalista (Ferreira), um botânico (Agostinho do Cabo) e dois ‘riscadores’ (Joaquim José Codina e José Joaquim Freire). A tarefa deste grupo era a de coletar espécies, classificá-las e prepará-las para o embarque rumo a Lisboa, realizar estudos sobre agricultura, cartografia e confecção de mapas populacionais, além de verificar as condições materiais das vilas e fortalezas destinadas a suportar as possíveis invasões estrangeiras. Trata-se de rico e extenso acervo, composto de diários, mapas geográficos, populacionais e agrícolas, correspondências, cerca de 900 pranchas de iconografia e memórias zoológicas, botânicas e etnográficas (Ferreira, 2005, v. 3). (Figuras 1 a 4), no curso da “Viagem Philosophica” (1783-1792)10 10 Segundo Hartmann, atualmente dispersa por várias instituições portuguesas. Ao que sabemos, entre elas, a Academia de Ciências de Lisboa e o Museu de Ciências de Coimbra. e de “A Memoria sobre as cuyas”, escrita por Ferreira na cidade de Barcelos, no antigo estado do Amazonas, em 1786, para acompanhar a remessa de exemplares de cuias para Lisboa; documentam a importância destes objetos no contexto da Amazônia colonial. Sabemos, por exemplo, que naquele ano teriam sido produzidas pelas índias entre cinco e seis mil cuias para comercialização (Ferreira, 1933FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Memoria sobre as cuyas (1786). Revista Nacional de Educação, Rio de Janeiro, n. 6, p. 58-63, mar. 1933.)11 11 “Do fabrico das Cuyas, e dos das rêdes, he que se veste a maior parte das Indias de Monte Alegre: far-se-hão na Villa por todo o anno de 5000, até 6000 Cuyas: há casa que faz 500: vende-se cada huma na Villa a 100 e 120 reis, conforme o tamanho, a pintura, a qualidade, se he liza, ou de gomos [...]” (Ferreira, 1933, p. 62, n. 6). .

Em “Memoria sobre as cuyas”, são oferecidas extensas informações sobre o que Ferreira (1933, p. 58)FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Memoria sobre as cuyas (1786). Revista Nacional de Educação, Rio de Janeiro, n. 6, p. 58-63, mar. 1933. chama de “indústria das cuias” das índias de Monte Alegre, onde também, como Daniel (2004)DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004. afirma, eram fabricadas as melhores cuias e eram também vendidas aos ‘brancos’, assim como as redes de Monte Alegre e de Óbidos, antes ‘Pauxis’. Assim, Ferreira nos oferece um mapa do que seria o melhor produzido pela cultura indígena no Pará no final do século XVIII: em Monte Alegre, as ‘cuias’; em Santarém, pacarás (baús de palhinha pintada), tabuleiros e chapéus de palha – escrevendo também uma “Memória sobre as Salvas de Palhinhas e Pacarás” –; em Óbidos, as redes; em Faro, a olaria; em Serpa, o fio de algodão.

Sobre a importação das cuias, como informa o bispo João de São José, em 1763 (São José, 1869SÃO JOSÉ, João de. Viagem e visita do sertão em o Bispado do Gram-Pará em 1762 e 1763. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. IX, p. 43-107, 1869. apud Hartmann, 1988HARTMANN, Thekla. Evidência interna em cultura material: o caso das cuias pintadas no Século XVIII. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. 33, p. 291-302, 1988., p. 295): “[...] em Portugal se estimam principalmente em conventos onde há senhoras do Brasil, e também as fidalgas que ocupam o tempo em fazer meia, costumam trazer nas cuias o fio, servindo de fundo a sacos pequenos de seda”. Em outro momento, o bispo pretendeu comprá-las em Monte Alegre, mas não as teria encontrado (São José, 1869SÃO JOSÉ, João de. Viagem e visita do sertão em o Bispado do Gram-Pará em 1762 e 1763. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. IX, p. 43-107, 1869. apud Hartmann, 1988HARTMANN, Thekla. Evidência interna em cultura material: o caso das cuias pintadas no Século XVIII. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. 33, p. 291-302, 1988., p. 295): “uma porção de quarenta cuias para fazer presente d’ellas a quem as estima e mandou pedir de Portugal”. Em uma das imagens das cuias, recolhidas por Alexandre Rodrigues Ferreira, podemos ler em parte uma inscrição que sugere “Fábrica [...] do Pará” (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, p. 269, figura 24).

Ferreira também nos traz informações sobre a matéria-prima das cuias (Ferreira, 1933FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Memoria sobre as cuyas (1786). Revista Nacional de Educação, Rio de Janeiro, n. 6, p. 58-63, mar. 1933., p. 58): “A matéria, de que as índias fazem as cuyas, he o fructo da arvore, que ellas chamão Cuya-inha, e os Portugueses [...] Cuyeira [...]”, complementando, “he arvore esta, já a muito conhecida dos naturalistas com o nome de Crescentia cuyete”, e segue com descrições detalhadas sobre a árvore e o fruto, desde a plantação até a colheita, bem como sobre o longo processo para preparação das cuias pelas índias, desde a escolha dos melhores frutos até a pintura, que, aliás, podemos, em parte, acompanhar em desenhos feitos durante a “Viagem Philosophica”. Vale destacar que todos os materiais e as técnicas são dos índios e da floresta12 12 Para maiores informações sobre os materiais da floresta mencionados, ver notas em Martins (2016, p. 81-83). : lixa de escama do peixe pirarucu, sabão de raiz gipyoca, coador de algodão descaroçado, verniz cumaty, tintas cury, tabatinga, tauhá, anil, urucu, desmanchadas, respectivamente, com água e raiz do algodoeiro, tabatinga, tauhá, cumaty; as tigelas das tintas em que molham os pincéis, diz Ferreira, são as coxas e as pernas ou as folhas de mamona. Os pincéis são de pluma de siracura, de jacamy e de acará branco. Os estiletes “para pontearem o ornato da renda, que fingem” (Ferreira, 1933FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Memoria sobre as cuyas (1786). Revista Nacional de Educação, Rio de Janeiro, n. 6, p. 58-63, mar. 1933., p. 59), são de espinhos de jaramacaru (espécie de cactos) e da palmeira patauá.

Thekla Hartmann (Hartmann, 1988HARTMANN, Thekla. Evidência interna em cultura material: o caso das cuias pintadas no Século XVIII. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. 33, p. 291-302, 1988.), como por nós destacado (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, p. 266), recorda que, bem anteriormente ao relato de Ferreira no ano de 1786, as cuias decoradas pintadas pelas índias “Pintoras de cuyas”, ofício reconhecido nos censos do final do XVIII (Hartmann, 1988HARTMANN, Thekla. Evidência interna em cultura material: o caso das cuias pintadas no Século XVIII. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. 33, p. 291-302, 1988., p. 295), já eram mencionadas também como produtos de comércio intertribal, em escritos bem anteriores, como aqueles do dominicano Gaspar de Carvajal, de 1543 (Carvajal, 1941CARVAJAL, Gaspar de. Relação do novo descobrimento do famoso Rio Grande que descobriu por grande ventura o capitão Francisco de Orellana. In: ROJAS, A.; CARVAJAL, Gaspar; ACUÑA, Cristóbal. Descobrimentos do rio das Amazonas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941.), do jesuíta Samuel Fritz, do bispo João de São José, redigidas entre 1762 e 1763 (Memórias, 1868MEMÓRIAS de Frei João de S. Joseph Queiroz Bispo do Grão-Pará com uma extensa introdução e notas illustrativas por Camillo Castelo-Branco. Porto: Typographia da Livraria Nacional, 1868.)13 13 Dom João de São José de Queirós (1711-1764) foi o quarto bispo do Grão-Pará, ordenado em 4 de maio de 1760, na cidade do Porto, Portugal. Escreveu suas “Memórias”, publicadas no Porto em 1868 (Memórias, 1868). Ver também São José (1869, t. IX). e do missionário jesuíta João Daniel.

Hartmann visualiza nas cuias e nas cabaças – recolhidas por Alexandre Ferreira, em Monte Alegre, nos finais do ano de 1784, pela expedição de Spix e Martius, realizada em 1819-1820, e por Silva Castro, em meados do século XIX – a mesma questão presente nos cachimbos de Monte Alegre, ou seja: “Exceto alguns exemplares em que se poderiam imaginar reminiscências (ou imitações) de um estilo geométrico do tipo Santarém ou Marajó pré-cabralinos, os demais ostentam uma pintura de inspiração barroca” (Hartmann, 1988HARTMANN, Thekla. Evidência interna em cultura material: o caso das cuias pintadas no Século XVIII. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. 33, p. 291-302, 1988., p. 293).

Sobre os desenhos de florões, pássaros, animais, entre outros motivos, encontrados nas cuias, João Daniel observa (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., p. 470):

Porém não só as pintam ordinariamente com um belo verniz, mas também com perfeitos debuxos, lindas flores, pássaros, animais e outras curiosidades [...], as que mais abismam são as da missão de Gurupatuba, e hoje chamada Villa de Monte Alegre, e por isso as cuias desta vila têm mais estimação que as das mais partes, ainda que em outras partes excedam na melhoria das pinturas, em belos florões, e outros debuxos, mas na fineza e duração são estas as melhores.

Thekla Hartmann também destaca que “se a presença de motivos fitomorfos constitui critério de europeização nas artes decorativas da população indígena do Amazonas, pode-se recuar essa influência no tempo” (Hartmann, 1988HARTMANN, Thekla. Evidência interna em cultura material: o caso das cuias pintadas no Século XVIII. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. 33, p. 291-302, 1988., p. 297), recorrendo, assim, ao relato de Carvajal, ainda no século XVI, acerca da região onde apenas mais tarde surgiriam as aldeias jesuíticas dos Tapajós e de Gurupatuba (Carvajal, 1941CARVAJAL, Gaspar de. Relação do novo descobrimento do famoso Rio Grande que descobriu por grande ventura o capitão Francisco de Orellana. In: ROJAS, A.; CARVAJAL, Gaspar; ACUÑA, Cristóbal. Descobrimentos do rio das Amazonas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. apud Hartmann, 1988HARTMANN, Thekla. Evidência interna em cultura material: o caso das cuias pintadas no Século XVIII. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. 33, p. 291-302, 1988., p. 297): “É coisa muito de ver as pinturas que todos os índios deste rio fazem nas louças que têm para seu serviço, tanto de barro quanto de madeira, e nas calabaças que bebem, assim de estremadas e lindas folhagens e figuras bem compassadas [...]”14 14 “Es cosa mucho de ver las pinturas que todos los indios deste río hacen en las vasijas que tienen para su servicio, así de barro como de palo, y en los calabazos con que beben, así de estremados e lindos follages e figuras bien compasadas [...]” (Carvajal, 1941 apud Hartmann, 1988, p. 297, tradução nossa). . Hartmann conclui ressaltando que uma arte de gosto europeu, praticada por índios nos primórdios da ‘conquista’, no Amazonas, não parece ter sido fenômeno isolado ou fortuito. Sabemos que os copos de madeira cerimoniais tradicionais da cultura andina, os keros ou queros, assim como os têxteis (por exemplo, as vestes masculinas unkus e as femininas llijlla), também passaram por este processo, ganhando decorações inspiradas, sobretudo, nas chamadas ‘grotescas’ de repertório europeu (Gisbert, 2008GISBERT, Teresa. Iconografia y mitos indígenas en el arte (1980). La Paz: Editorial Gisbert y Cia, 2008.; Cummins, 2002CUMMINS, Thomas. Toasts with the Inca: Andean abstraction and colonial images on Quero Vessels. Michigan: University of Michigan Press, 2002.; Bailey, 2010BAILEY, Gauvin Alexander. The Andean hybrid baroque: convergent cultures in the churches of colonial Peru. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2010.; Martins, 2013bMARTINS, Renata Maria de Almeida. Recensione: Gauvin Alexander Bailey. The Andean Hybrid Baroque: convergent cultures in the churches of colonial Peru. Revista Figura -Studi sull’Immagine nella Tradizione Classica, São Paulo, 2013b. Disponível em: <http:// figura.art.br/2013_12_martins.html>. Acesso em: 21 maio 2017.
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).

Antonio Porro é outro estudioso que também trouxe luz às ‘cuias de Monte Alegre’. Em “Artistas e artesãos indígenas na Amazônia Colonial”, na obra “O povo das águas” (Porro, 1996PORRO, Antonio. O povo das águas: ensaios de Etno-História amazônica. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: EDUSP, 1996., p. 147-154), Porro coloca que a escolha dos padrões decorativos europeus nas cuias teria sido também provocada por sugestão por uma demanda dos missionários e dos comerciantes objetivando à exportação.

Neste processo de transferências de repertórios decorativos não ameríndios especificamente para as cuias, acreditamos que os modelos de inspiração não teriam sido exclusivamente europeus, mas também orientais, vindos principalmente das missões dos jesuítas na Ásia, e assimilados na Europa.

João Daniel, ao admirar a durabilidade dos vernizes e das tintas produzidos pelas índias da antiga aldeia de Gurupatuba para pintar as cuias, iguala a qualidade daqueles vernizes da floresta com o “melhor charão da China” (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., p. 396, v. 1); como também Anselmo Eckart, jesuíta que trabalhou nas missões do Maranhão e do Grão-Pará entre 1753 e 1757, informa que as tintas pretas – misturadas com gomas –, que em Gurupatuba revestiam as cuias, deixavam nestas uma aparência “como envernizada ou recoberta com charão”, além de conter incrustações de prata e ouro (Eckart apud Porro, 2011PORRO, Antonio. Uma crônica ignorada: Anselmo Eckart e a Amazônia setecentista. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 6, n. 3, p. 575-592, set.-dez. 2011. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222011000300007.
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, p. 588):

Pintam-se por fora e por dentro com uma tinta preta misturada com a goma, de modo a ficar como que envernizada ou recoberta com charão. Outros tornam este recipientes ainda mais bonitos: pintam neles muitas figuras de árvores, de pássaros e de outros animais. Os mais belos e com diferentes cores eram feitos na residência de Gurupatuba [...]. Na direção de Gurupatuba, vê-se à distância o forte de Pauxis. As mencionadas baixelas para beber e comer, as cuias, são [também] valorizadas, como eu vi, com prata e ouro incrustadas, ao lado de belas figuras.

A partir desta comparação dos vernizes produzidos em Gurupatuba com os tradicionais charões chineses (laca, lacre ou charão), tanto por meio de considerações de Daniel quanto de Eckart, já podemos, de certa forma, descortinar uma alusão a um gosto oriental na decoração destes objetos de tradição indígena (Martins, 2016MARTINS, Renata Maria de Almeida. Uma cartela multicolor: objetos, práticas artísticas dos indígenas e intercâmbios culturais nas Missões jesuíticas na Amazônia colonial. Caiana, Buenos Aires, n. 8, p. 70-84, 2016. Disponível em: <http://caiana.caia.org.ar/template/caiana.php?pag=author/author.php&obj=136&vol=8>. Acesso em: 21 maio 2017.
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). A superfície envernizada de negro, como o verniz da laca preparada, e a decoração em vermelho, dourado, entre outras cores, os finos desenhos de flores, aves, animais e, às vezes, até delicadas incrustações e inserções de séries de madrepérola dos rios nas cuias hoje conservadas fizeram com que evidenciassem, na sua decoração, influências formais vindas do Oriente. As índias pintoras produziram cuias inspiradas em objetos orientais, por exemplo, caixinhas, copos e potes de laca vegetal (Rhus vernicifura), produzidos na Ásia e destinados ao mercado ocidental. Há exemplares de cuias pintadas com corações flechados (Figura 4), realizadas para serem presenteadas como demonstração de afeto, repetindo o modelo das pequenas caixas japonesas. Assim, há ainda outros elementos decorativos nas cuias derivados do mobiliário japonês ou indo-português, como das porcelanas e dos têxteis chineses.

A partir da dinastia chinesa Ming (1368-1644), o trabalho em laca esculpida teve grande desenvolvimento nas oficinas da corte, sendo utilizado para elaborar tanto objetos do uso cotidiano, quanto do sagrado. O comércio destes objetos de laca chinesa para a Europa, sobretudo entre os séculos XVII e XVIII, durante a dinastia Qing (1644-1912), fez com que eles também ganhassem decorações com motivos europeus, como ocorreu mais tarde com as cuias amazônicas.

Outro capítulo importante sobre a laca é aquele da chamada arte Namban, cujo termo é derivado justamente do nome como eram conhecidos os portugueses no Japão, Namban-ji (Carita, 2011CARITA, Rui. O mobiliário: da vida quotidiana à troca de experiênciasartísticas. In: PORTUGAL e Ásia: cinco séculos de cultura. Lisboa: Instituto Camões, 2011. p. 1-9. Catálogo de Exposição.). A partir da chegada dos portugueses (e dos jesuítas) em Nagasaki, no ano de 1570, um intenso comércio de objetos de laca começa a ser desenvolvido entre os dois países, e perdurará por quase um século. São peças de grande sofisticação técnica, como biombos, arcas, baús, escritórios, cofres, caixas, oratórios, as quais seriam depois exportadas para toda a Europa. Estes objetos recebiam muitas vezes decoração dourada (ouro polvilhado), prateada (prata maquiné) e colorida (maquié), ou ainda incrustações em madrepérola raden, à maneira chinesa ou coreana (Carita, 2011CARITA, Rui. O mobiliário: da vida quotidiana à troca de experiênciasartísticas. In: PORTUGAL e Ásia: cinco séculos de cultura. Lisboa: Instituto Camões, 2011. p. 1-9. Catálogo de Exposição., p. 7). Sabemos, através do estudo dos “inventários da expulsão da Companhia na Amazônia” (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, v. 2, p. 201-276), que também no Pará circularam inúmeros objetos vindos do Oriente, como porcelanas, frontais de altar de seda, casulas e vestimentas bordadas chinesas; louças, jarras e toalhas de algodão da Índia; crucifixos em marfim e até presas de elefantes (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, 2015aMARTINS, Renata Maria de Almeida. Diálogos culturales en el arte de la América Portuguesa: las fuentes del repertório decorativo de los espacios religiosos jesuíticos y los inventarios de los bienes de la Compañía. In: CAMPOS VERA, Norma (Ed.). Mestizajes en diálogo. La Paz, Bolívia: Fundación Visión Cultural, 2015a (no prelo)., 2016MARTINS, Renata Maria de Almeida. Uma cartela multicolor: objetos, práticas artísticas dos indígenas e intercâmbios culturais nas Missões jesuíticas na Amazônia colonial. Caiana, Buenos Aires, n. 8, p. 70-84, 2016. Disponível em: <http://caiana.caia.org.ar/template/caiana.php?pag=author/author.php&obj=136&vol=8>. Acesso em: 21 maio 2017.
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). Quanto a objetos com tratamento em laca, identificamos recipientes e uma “caixa nova” de charão da Índia, além de um “relógio com a caixa pintada de charão” (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, p. 201-276, v. 2). Há ainda caixões e crucifixos de “pao preto”, talvez mencionando a laca.

Em regiões entre os atuais Peru, Equador e Colômbia, o chamado ‘barniz de pasto’, de origem pré-hispânica (com o que os incas pintavam, por exemplo, os copos rituais queros, já mencionados), extraído da planta Elaeagia pastoensis, da família das Rubiaceas, conhecida como mopa-mopa, foi aplicado depois à superfície de objetos de madeira no período colonial, sendo muito apreciado especialmente por sua similaridade com o acabamento de laca (Pérez, 2010PÉREZ, Maria del Pilar. Quito, entre lo Prehispánico y lo Colonial. El arte del Barniz de Pasto. In: CRESPO, Affonso; BUSTILLOS, Adriana (Ed.). Arte Quiteño más allá de Quito: memorias del Seminario Internacional. Quito: FONSAL, 2010. p. 44-63.)

É muito revelador, portanto, que Daniel (2004)DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004. e Eckart (Porro, 2011PORRO, Antonio. Uma crônica ignorada: Anselmo Eckart e a Amazônia setecentista. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 6, n. 3, p. 575-592, set.-dez. 2011. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222011000300007.
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) descrevam as cuias e as tintas e vernizes com que eram decoradas, fazendo referência à laca, e que os motivos e técnicas decorativas aplicados pelas índias tenham as mesmas características dos trabalhos realizados em laca no Oriente: envernizadas e negras, decoradas em prata, ouro e/ou variadas cores e com incrustações de madrepérolas.

A biografia deste objeto sempre apreciado – ainda hoje encontrado nas barraquinhas do Ver-o-Peso ou naquelas de venda de tacacá, presentes em todo o Pará – traz consigo, portanto, uma enorme contribuição também para os estudos das trocas artísticas intercontinentais no período colonial na Amazônia.

CACHIMBOS TAPAJÓ-JESUÍTICOS?15 15 Os cachimbos da região de Santarém foram denominados de “tapajó-jesuíticos” por Frederico Barata (Barata, 1951, p. 190).

Ulpiano de Meneses (1972MENESES, Ulpiano Bezerra de. Arqueologia amazônica: Santarém. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, 1972., p. 7 apud Martins, 2009, p. 258)MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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descreve os Tapajó como grupos de cultura pré-colombiana da Amazônia encontrados pelos europeus na atual região da cidade de Santarém; povos que, antes de sua extinção, ainda no século XVII, foram evangelizados pelos jesuítas. Sobre a produção artística tapajônica, apresentada em exposição no MAE-USP, em 1972, o estudioso revelou (Meneses, 1972MENESES, Ulpiano Bezerra de. Arqueologia amazônica: Santarém. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, 1972.) que a maioria das peças expostas, como os cachimbos de cerâmica (Martins, 2015bMARTINS, Renata Maria de Almeida. Além do olhar: as fontes sobre a apropriação das técnicas e dos materiais das culturas indígenas nas artes da Amazônia colonial. In: KNAUSS, Paulo; MALTA, Marize (Org.). Objetos do olhar: História e Arte. São Paulo: Rafael Copetti Editor, 2015b. p. 139-154.), era proveniente de Santarém-Aldeia, bairro correspondente ao antigo aldeamento fundado pelo jesuíta João Felipe Bettendorff, em 1661. Santarém foi, portanto, espaço privilegiado, assim como Monte Alegre, para a ocorrência de intercâmbios culturais e artísticos, como também observaram Symanski e Gomes (2012)SYMANSKI, Luís Claudio; GOMES, Denise. Mundos mesclados, espaços segregados: cultura material, mestiçagem e segmentação no sítio Aldeia em Santarém. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 53-90, jul.-dez. 2012. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-47142012000200003.
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.

Meneses (1972, p. 3)MENESES, Ulpiano Bezerra de. Arqueologia amazônica: Santarém. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, 1972. chamou assim nossa atenção especialmente para os cachimbos de forma e decoração inteiramente diversas daquelas das cerâmicas tapajônicas, com elementos decorativos constituindo estilização de vegetal e figurando florões com tratamento plástico, o que considera de influência jesuítica.

Também sobre os cachimbos de Santarém com ornamentos de estilização vegetal, anteriormente, em 1951, Frederico Barata – que formou uma importante coleção de cachimbos conservada no MPEG (Figuras 5 a 8) – havia identificado semelhanças com formas encontradas na arte portuguesa do Barroco, especialmente naquelas da prataria, da arquitetura e do mobiliário da Companhia de Jesus:

Lembra por vêzes o barroco português, exibindo lindos ornatos de estilização vegetal. Haja vista, por exemplo, as rosáceas que aparecem em um dos cachimbos e que são características entre os motivos de origem vegetal, comuns na arte portuguêsa do período colonial, surgindo freqüentemente não só na prata lavrada jesuítica, como na arquitetura e no mobiliário (Barata, 1951BARATA, Frederico. A arte oleira dos Tapajós II: os cachimbos de Santarém. Revista do Museu Paulista, São Paulo, n. 5, p. 183-198, 1951., p. 90 apud Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, p. 261).

Frederico Barata (apud Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
http://www.teses.usp.br/teses/disponivei...
, p. 261) ainda menciona, acerca da utilização de motivos vegetais nos cachimbos indígenas, o trabalho de Charles Frederick Hartt, que, desde 1885, já havia destacado o fato de o artista índio conhecer bem a arte de modelar e ser habilidoso na ornamentação por linhas simples, mas não ter avançado na arte do desenho imitativo, acrescentando que nenhuma folha, flor ou fruto eram representadas em vasos antigos do Amazonas, nem em relevo, nem sobre superfície plana. Para Hartt, parecia singular que, habitando uma região onde o reino vegetal oferece tantas formas belas, o artista índio não escolhesse nenhuma delas para ornamentar seus objetos. Quanto à cerâmica tapajônica, Barata (1951, p. 186)BARATA, Frederico. O muiraquitã e as contas dos Tapajós. Revista do Museu Paulista, São Paulo, n. 8, p. 229-259, 1954. faz notar que o mesmo processo de intercâmbio não ocorreu, não havendo encontrado nestas o emprego de elementos do repertório europeu.

No artigo ‘Arte indígena amazônica: os maravilhosos cachimbos de Santarém’ (Barata, 1944BARATA, Frederico. Arte indígena amazônica: os maravilhosos cachimbos de Santarém. Revista de Estudos Brasileiros, Rio de Janeiro, ano 7, n. 13, p. 270-293, dez. 1944.), são apresentados desenhos em plano dos cachimbos, que ajudam a melhor visualizar o tipo de ornamentação descrita pelos estudiosos. Nele, Frederico Barata acrescenta também uma outra hipótese para os oleiros dos cachimbos, por ele denominados de “mais perfeitos e luxuosos” ou “tapajó-jesuíticos”: “Surge assim como hipótese tentadora e perfeitamente admissível, que os cachimbos mais perfeitos e luxuosos com êsses ornatos [estilização vegetal], tenham sido executados pelos próprios missionários, modelando o barro indígena [...]” (Barata, 1951BARATA, Frederico. A arte oleira dos Tapajós II: os cachimbos de Santarém. Revista do Museu Paulista, São Paulo, n. 5, p. 183-198, 1951., p. 190). Contrapondo, em parte, esta hipótese (Martins, 2009MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra, tintas do reino: arquitetura e arte nas missões jesuíticas do Grão-Pará (1653–1759). 2009. 850 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-28042010-115311/pt-br.php>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, p. 263-264), podemos fazer referência ao relato de João Daniel, ao descrever a utilização do “entrecasco” da árvore de xixiiba para a fixação das tintas, afirmando que os índios ornam os “taquaris” (canos dos cachimbos) com “belos debuxos de flores, e florão”, descrevendo, ainda, o processo de pintura: “[...] Já nos dissemos que os taquaris são os canos dos cachimbos, de que muito usam e ornam com belos debuxos de flores, e florão com várias castas de tinta aqui preta, ali vermelha etc., o que fazem desta maneira [...]” (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., p. 593, v. 1).

Vera Guapindaia, em texto de 1993, observava que os ‘vasos de cariátides’ e os ‘vasos de gargalo’ apresentavam um conjunto de características estilísticas e técnicas comuns, que demonstraria coesão de elementos culturais entre estes dois objetos, e o intercâmbio destas características permitiria classificá-los como tipicamente Tapajó. Por outro lado, quanto à análise dos cachimbos, a estudiosa revelou uma descontinuidade entre as características consideradas tapajônicas, considerando os cachimbos como objetos procedentes de outro momento histórico, o tempo do contato com a sociedade europeia, que deu lugar à extinção dos grupos indígenas habitantes da desembocadura do rio Tapajós. Guapindaia destaca que os cinquenta e oito cachimbos da coleção Frederico Barata são todos angulares ou de cotovelo (Figuras 1 e 3), formas comuns na Europa. Quanto às ornamentações, observa que as dos cachimbos são diferenciadas daquelas apresentadas pelos vasos, por priorizarem a flora em oposição à fauna (Guapindaia, 1993GUAPINDAIA, Vera. Fontes históricas e arqueológicas sobre os Tapajó de Santarém: a Coleção “Frederico Barata” do Museu Paraense Emílio Goeldi. 1993. 294 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1993., p. 98).

Sendo assim, tanto no caso dos cachimbos quanto no das cuias, a decoração será a chave para identificarmos, em objetos de tradição indígena, os intercâmbios artísticos inaugurados nos primeiros séculos da colonização. Nas duas coleções de cachimbos por nós visitadas do MAE-USP (Martins, 2015bMARTINS, Renata Maria de Almeida. Além do olhar: as fontes sobre a apropriação das técnicas e dos materiais das culturas indígenas nas artes da Amazônia colonial. In: KNAUSS, Paulo; MALTA, Marize (Org.). Objetos do olhar: História e Arte. São Paulo: Rafael Copetti Editor, 2015b. p. 139-154., 2016) e do MPEG (Figuras 5 a 8),

os florões sobressaem na estrutura do cachimbo, revelando nitidamente os encontros culturais na região. Karl Arenz, em obra fundamental sobre Bettendorff (Arenz, 2007ARENZ, Karl. De l’Alzette à l’Amazone: Jean Philippe Bettendorff et les jésuites en Amazonie portugaise (1661-1693). 2007. Thèse (Doctorat en Histoire Moderne et Contemporaine) – Université Paris IV, Sorbonne, 2007.), apresenta uma carta do jesuíta Gaspar Misch, datada de 28 de julho de 1662 e endereçada ao Colégio de Colônia, fazendo referência aos costumes dos índios Tapajó, observados por Bettendorff (1990)BETTENDORFF, João Felipe. Chronica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: SECULT, 1990. [1ª ed. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910]., como a nudez, a regularidade das danças, a perfuração dos lábios, a mumificação dos ancestrais e a importância dos xamãs ou pajés (Arenz, 2008ARENZ, Karl. De l’Alzette à l’Amazone: Jean Philippe Bettendorff et les jésuites en Amazonie portugaise (1661-1693). 2007. Thèse (Doctorat en Histoire Moderne et Contemporaine) – Université Paris IV, Sorbonne, 2007., p. 245-266 apud Martins, 2015aMARTINS, Renata Maria de Almeida. Diálogos culturales en el arte de la América Portuguesa: las fuentes del repertório decorativo de los espacios religiosos jesuíticos y los inventarios de los bienes de la Compañía. In: CAMPOS VERA, Norma (Ed.). Mestizajes en diálogo. La Paz, Bolívia: Fundación Visión Cultural, 2015a (no prelo)., p. 146). Sabemos que o hábito de ingerir, inalar e/ou fumar substâncias alucinógenas é tradicional das culturas ameríndias, e estava diretamente ligado aos rituais e ao xamanismo na Amazônia. Apesar de não estar ao nosso alcance e competência desenvolver uma pesquisa aprofundada neste campo, é interessante pensar que estes novos repertórios formais, alheios aos indígenas e trazidos pelos missionários, de certa forma também sinalizariam uma interrupção ou interferência nas práticas xamânicas, ao menos no território de alcance dos jesuítas.

MODERNAMENTE MARAJOARA

Como já dito na Introdução, o avanço dos conhecimentos arqueológicos e etnográficos na região amazônica e a consequente criação de importantes acervos de objetos das culturas indígenas estimularam muitos artistas modernos brasileiros, já no final do século XIX e no início do XX, a estudarem e se apropriarem da estética ameríndia, inclusive por sugestão do ‘primitivismo’ de muitos movimentos artísticos de vanguarda na Europa.

Neste texto, obviamente não temos a pretensão de abordar todo o universo das inumeráveis produções que se apropriaram de motivos indígenas, mas apenas de mencionar alguns artistas e obras surgidas no Brasil que podem bem representar este momento ímpar na arte e na arquitetura latino-americanas (Viñuales, 2003VIÑUALES, Rodrigo Gutiérrez. A arquitetura neo pré-hispânica: manifestação de identidade nacional e americana. Revista Arquitextos, São Paulo, ano 4, out. 2003. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.041/647/pt>. Acesso em: 21 maio 2017.
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)16 16 Sobre o contexto latino-americano e a questão bem mais ampla da recuperação de motivos pré-colombianos na arte e na arquitetura moderna, ver, por exemplo, Viñuales (2003). .

Em visita ao Museu Nacional/UFRJ, localizado na Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, em novembro de 2014, por exemplo, encontramos diversos objetos do acervo em exposição procedentes da região amazônica que se assemelham muito com aqueles retratados por alguns destes artistas. Em “O menino nu e a tartaruga”, do ano de 1923 – hoje compondo o acervo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) –, de autoria de Vicente do Rego Monteiro, a ‘tartaruga’, na verdade, é semelhante a uma estatueta lítica proveniente da área do baixo Amazonas, exposta em uma vitrine do museu carioca, ou ainda a uma urna funerária zoomorfa da cultura Maracá, do Amapá (Guapindaia, 2001GUAPINDAIA, Vera. Encoutering the ancestors. The maraca urns. In: MCEWAN, Collin; BARRETO, Cristiana; NEVES, Eduardo (Ed.). Unknown Amazon: culture and nature in ancient Brazil. London: The Britsh Museum Press, 2001. p. 165-175.), similar a exemplar presente na coleção do MPEG17 17 “Urna funerária zoomorfa”, 27,5 x 32 x 62 cm. Tampa 18 x 1,4 cm. Igarapé do Lago, rio Macará, Amapá, Acervo do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém. Ver imagem em Herkenhoff (2012, p. 106). . Já o ‘menino’ deriva possivelmente de pequenos objetos antropomorfos, muitos de forma fálica, as chamadas estatuetas-chocalhos, usuais nos rituais e na produção artística marajoara (Barreto, 2008BARRETO, Cristiana Nunes Galvão de Barros. Meios místicos de reprodução social: arte e estilo da cerâmica funerária da Amazônia antiga. 2008. 317 f. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.; Barreto; Oliveira, 2016BARRETO, Cristiana; OLIVEIRA, Erêndira. Para além de potes e panelas: cerâmica e ritual na Amazônia antiga. Habitus, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 51-72, jan.-jun. 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.18224/hab.v14.1.2016.51-72.
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). A composição geral do quadro, por sua vez, lembra as figuras sentadas de urnas funerárias da já mencionada cultura Maracá. Uma outra pintura do artista, “Caçada”, também de 1923, é inspirada em estatuetas líticas da região dos rios Tapajós e Nhamundá-Trombetas, no baixo Amazonas, que podem ser vistas nas coleções da Comissão Brasileira de Demarcação de Limites e do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, assim como do Museu Nacional/UFRJ, no Rio de Janeiro. Rego Monteiro declarou ter estudado diretamente as formas arredondadas dos corpos das figuras marajoaras, não só no Brasil, mas também em “peças dos nossos selvagens” (Schwartz, 2007SCHWARTZ, Jorge. Rego Monteiro Antropófago? In: MARTINS FILHO, Plínio; BARBOSA, João Alexandre. O leitor insone. São Paulo: Edusp, 2007. p. 277-292., p. 277), vistas em Paris, provavelmente no antigo Musée de l’Homme ou no mercado de arte.

Carlos Hadler, artista bem menos conhecido, estabelecido em Rio Claro, que foi aluno do paraense Theodoro Braga, realizou um álbum de desenhos intitulado “88 motivos ornamentais marajoara”, sem data registrada, provavelmente produzido em 1941 (Godoy, 2004GODOY, Patricia Bueno. Carlos Hadler: apóstolo de uma arte nacionalista. 2004. 296 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.; Linhares, 2015LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios marajoaras e identidade nacional brasileira. 2015. 286 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.), no qual encontramos, por exemplo, alguns motivos gráficos de peças de cerâmica expostas no Museu Nacional/UFRJ. A tábua 9, figura 27, intitulada “Ornamento (pintado) de uma urna funerária”, reproduz exatamente a pertencente a um grande recipiente de cerâmica exibido na vitrine ‘Marajó’, do Museu. Esta mesma urna é reproduzida em desenho no texto de Charles Frederick Hartt (1871, p. 261)HARTT, Charles Frederick. The ancient Indian pottery of Marajo, Brazil. The American Naturalist, Chicago, v. 5, n. 5, p. 259-271, July 1871., “The ancient indian pottery of Marajo, Brazil”, publicado em 1871 (Silva Neto, 2014SILVA NETO, João Augusto. Na seara das cousas indígenas: cerâmica marajoara, arte nacional e representação pictórica do índio no trânsito Belém-Rio de Janeiro (1871-1929). 2014. 145 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2014., p. 34, figura 3).

Uma das obras representantes deste momento ímpar na arte e na arquitetura brasileiras, de acordo com os estudos de Paulo Herkenhoff (1995)HERKENHOFF, Paulo. The jungle in Brazilian modern design. The Journal of Decorative and Propaganda Arts, Miami Beach, n. 21, p. 239-259, 1995. e Anna Maria Linhares (2015)LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios marajoaras e identidade nacional brasileira. 2015. 286 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2015., é o “Retiro Marajoara”, construído em 1935 no bairro do Pacaembu, em São Paulo, projeto do arquiteto Eduardo Kneese de Melo para Theodoro Braga. O Retiro foi decorado com gradis, pisos, vitrais, pinturas-murais e objetos inspirados na cultura do Marajó (Linhares, 2015LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios marajoaras e identidade nacional brasileira. 2015. 286 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2015., p. 141-149). Herkenhoff, muito acertadamente, faz recordar que a decoração da fachada do Retiro com motivos marajoaras em muito se parece, no que se refere à aplicação de estuques, com a da igreja jesuítica do colégio de Santo Alexandre, em Belém, atual Museu de Arte Sacra do Pará, com seus grandes ornamentos gráficos e rosáceas, provavelmente realizados por indígenas. Esta fachada jesuítica de grande originalidade foi, aliás, definida pelo arquiteto Lúcio Costa, como um “autêntico fruto da terra” (Costa, 1941COSTA, Lúcio. Arquitetura dos jesuítas no Brasil. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 5, p. 105-169, 1941., p. 148).

São também de grande interesse as pranchas (Figuras 9 a 11) do paraense Manoel Pastana, nascido na vila do Apeú, próxima a Castanhal, o qual também foi aluno de Theodoro Braga (Linhares, 2015LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios marajoaras e identidade nacional brasileira. 2015. 286 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.). Segundo Renata Maués (Maués, 2013MAUÉS, Renata de Fátima da Costa. Manoel de Oliveira Pastana: em busca de uma arte verdadeiramente nacional. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 22., 2013, Belém. Anais... Belém: ANPAP/PPGARTES/ICA/UFPA, 2013. Não paginado.), das cento e quinze lâminas de desenhos (aquarelas) de Pastana existentes no acervo dos museus do Sistema Integrado de Museus/Secretaria de Estado de Cultura do Pará (SIM/SECULT), noventa e oito foram realizadas a partir da observação de peças arqueológicas e estão datadas entre os anos de 1932 até 1955 (Figura 11), e as dezessete lâminas restantes são pranchas decorativas com motivos variados: vasos, mobiliário, gradil, papel de parede, conjunto de louças (Figura 9), murais (Figura 10), tendo sido realizadas entre 1928 a 1933, destacando que, destas últimas, apenas três lâminas possuem detalhes inspirados nas peças arqueológicas, enquanto todas as demais foram feitas a partir da estilização de plantas e de animais amazônicos (Maués, 2013MAUÉS, Renata de Fátima da Costa. Manoel de Oliveira Pastana: em busca de uma arte verdadeiramente nacional. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 22., 2013, Belém. Anais... Belém: ANPAP/PPGARTES/ICA/UFPA, 2013. Não paginado.; Linhares, 2015LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios marajoaras e identidade nacional brasileira. 2015. 286 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.).

Figura 9
Desenho “Aparelho para café, chá e leite”. Autor: Manoel de Oliveira Pastana. Dimensões: 35,5 x 47,9 cm. Material/Técnica: papel/aquarela. Local/Data: Pará, 1933 (assinado). Anotação: “Apparelho para café, chá e leite. Motivo: Fructa pão (folha e fructa) e sáurios, baixo relevo, da cerâmica de Pacoval. Pastana. Pará-Brasil”. Coleção Manoel Pastana, Museu da Casa das Onze Janelas, Belém, Pará. 02/01.2/0050-COJ.
Figura 10
Desenho “Sugestão para decoração mural” (padrão decorativo de cerâmica e índio). Autor: Manoel de Oliveira Pastana. Dimensões: 35 x 64,5 cm. Material/Técnica: papel/aquarela. Local/Data: Rio de Janeiro, 1930 (assinado). Anotação no verso: “À Amassi [Amassi Palmeira], com meu abraço, Pastana”. Coleção Manoel de Oliveira Pastana, Museu da Casa das Onze Janelas, Belém, Pará. 02/01.2/0046-COJ.
Figura 11
Desenho “Marajó: do Museu Nacional Brasil 9704” (vaso em forma de garrafa com bojo arredondado, contendo orifício e excisão em forma de escorpião). Autor: Manoel de Oliveira Pastana. Dimensões: 25,4 x 33,4 cm. Material/Técnica: papel/grafite. Local/ Data: Rio de Janeiro, 1937 (assinado). Coleção Manoel Pastana, Museu da Casa das Onze Janelas, Belém, Pará. 02/01.2/0113-COJ.

Sobre estas pranchas, em entrevista ao Jornal “O Popular”, em 1937, Manoel Pastana declara:

Dei inicio a uma serie de composições decorativas, baseadas em elementos zoomorphos encontrados na louça prehistorica dos índios da Amazônia. A principio me limitei a realizar projectos para aplicação em diversas industrias, resultando dahi uma pequena collecção de pranchas, que destino a fins educativos (Pastana, 1937 apud Maués, 2013MAUÉS, Renata de Fátima da Costa. Manoel de Oliveira Pastana: em busca de uma arte verdadeiramente nacional. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 22., 2013, Belém. Anais... Belém: ANPAP/PPGARTES/ICA/UFPA, 2013. Não paginado., não paginado).

Pastana foi também autor de variados desenhos para ilustrar objetos de cerâmica amazônica nos artigos de Frederico Barata e, sobretudo, as peças arqueológicas da coleção de Rose-Robert Brown, do Museu Nacional/UFRJ, no Rio de Janeiro, e do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. O estudo de Peter Paul Hibert, “A cerâmica arqueológica da região de Oriximiná” (Hilbert, 1955HILBERT, Peter Paul. A cerâmica arqueológica na região de Oriximiná. Belém: Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará, 1955. Com 1 mapa e 49 estampas. (Publicação, 9).), por exemplo, traz duas páginas com onze desenhos de “adornos plásticos, típicos, da cerâmica Konduri” (Hilbert, 1955HILBERT, Peter Paul. A cerâmica arqueológica na região de Oriximiná. Belém: Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará, 1955. Com 1 mapa e 49 estampas. (Publicação, 9)., p. 58-59), da coleção de Frederico Barata, em Belém, desenhados por Pastana.

O artista paraense também trabalhou na Casa da Moeda, de 1935 a 1941, a convite do Dr. Mansueto Bernardi (1888-1966), diretor da instituição, que pessoalmente teria se empenhado, junto ao Ministro da Marinha, para garantir a transferência de Pastana do Arsenal da Marinha do Estado do Pará para o Rio de Janeiro (Maués, 2013MAUÉS, Renata de Fátima da Costa. Manoel de Oliveira Pastana: em busca de uma arte verdadeiramente nacional. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 22., 2013, Belém. Anais... Belém: ANPAP/PPGARTES/ICA/UFPA, 2013. Não paginado.; Neves, M., 2013; Linhares, 2015LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios marajoaras e identidade nacional brasileira. 2015. 286 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.). São de sua provável autoria, por conseguinte, os motivos marajoaras aplicados nas bordas das moedas brasileiras de quinhentos, mil e dois mil réis, do ano de 1939, executadas pelos gravadores Benedito Ribeiro e Orlando Maia; e ainda, comprovadamente, cartões postais e selos consulares, com exuberantes estilizações da fauna e da flora amazônicas e ornatos marajoaras de gosto art-nouveau.

Respondendo ao Jornal Correio do Norte, em 1939, Pastana nos fala das influências da obra de Theodoro Braga, como também de sua origem indígena nas suas escolhas artísticas (Pastana, 1939 apud Maués, 2013MAUÉS, Renata de Fátima da Costa. Manoel de Oliveira Pastana: em busca de uma arte verdadeiramente nacional. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 22., 2013, Belém. Anais... Belém: ANPAP/PPGARTES/ICA/UFPA, 2013. Não paginado., não paginado): “[...] pela convivência que tive com o Mestre – Theodoro Braga – ou porque sou descendente directo de índio, sempre tive particular inclinação ou obsessão pela arte dos indígenas”.

Ademais do apoio de Theodoro Braga, o artista teve ainda o aval de Carlos Estevão (1880-1946), diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi entre 1930 e 1946, que teria facilitado a pesquisa e o trabalho de Pastana naquela importante coleção.

Theodoro Braga, já citado em várias ocasiões neste texto, é uma figura que mereceria um capítulo à parte, verificados a importância, o pioneirismo e o amplo alcance de suas obras e ideias, por exemplo, nos trabalhos de Pastana e Hadler. Sua obra já foi objeto de muitos estudos (Figueiredo, 2001FIGUEIREDO, Aldrin M. de. Eternos modernos: uma História Social da Arte e da Literatura na Amazônia, 1908-1929. 2001. 315 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.; Coelho, 2007COELHO, Edilson da Silveira. A multiforme obra artística e intelectual de Theodoro Braga. In: ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE, 3., 2007, Campinas. Anais... Campinas: IFCH/UNICAMP, 2007. p. 159-168.; Valle, 2008VALLE, Arthur Gomes. Repertórios ornamentais e identidades no Brasil da 1a República. In: ENCONTRO DE HISTÓRIA – ANPUH RIO, 13., 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH, 2008. p. 1-10.; Pascoal, 2013PASCOAL, Paola. Theodoro Braga e as proposições para uma arte brasileira. Revista 19 & 20, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, jan.-jun. 2013. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/tb_pp.htm>. Acesso em: 21 maio 2017.
http://www.dezenovevinte.net/artistas/tb...
; Alves, 2013ALVES, Moema Bacelar. Do Lyceu ao Foyer: exposição de arte e gosto do Pará da virada do século XIX para o XX. 2013. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.; Silva Neto, 2014SILVA NETO, João Augusto. Na seara das cousas indígenas: cerâmica marajoara, arte nacional e representação pictórica do índio no trânsito Belém-Rio de Janeiro (1871-1929). 2014. 145 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2014.; Linhares, 2015LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios marajoaras e identidade nacional brasileira. 2015. 286 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.), cabendo aqui destacar, entre suas numerosas contribuições, a obra intitulada “A planta brazileira (copiada do natural) aplicada à ornamentação”, datada de 1905 (Godoy, 2004GODOY, Patricia Bueno. Carlos Hadler: apóstolo de uma arte nacionalista. 2004. 296 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.), que continha motivos derivados da flora amazônica e das artes indígenas, especialmente a marajoara, e tornou-se uma espécie de protótipo para os artistas que buscavam uma ‘identidade nacional’ na decoração. Braga tentaria, assim, de alguma forma, suprir a ausência de elementos florais na cerâmica arqueológica (Linhares, 2015LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios marajoaras e identidade nacional brasileira. 2015. 286 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2015., p. 98).

Outra criação artística importante no período, esta de autoria do português Fernando Correia Dias, foi o desenho de uma piscina, de uma fonte e de dois bancos para a residência de Guilherme Guinle, no Rio de Janeiro (hoje área do parque da cidade, no bairro da Gávea), realizado no ano de 1930. O projeto trazia em sua ornamentação estilizações gráficas inspiradas na cerâmica marajoara e na arte pré-colombiana (Roiter, 2010ROITER, Marcio Alves. A influência marajoara no Art Déco Brasileiro. Revista UFG, ano 12, n. 8, p. 19-27, jul. 2010.; Tavares, 2015TAVARES, Amanda Reis. A etnografia poética de Correia Dias: um passeio pela tradição indígena de sua piscina mítica. Revista 19 & 20, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, jan.-jun. 2015. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/uah1/artp.htm.>. Acesso em: 21 maio 2017.
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; Linhares, 2015LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios marajoaras e identidade nacional brasileira. 2015. 286 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.), entre elas, um muiraquitã, objeto que ficou conhecido por ser o talismã furtado de Macunaíma, na célebre obra de Mário de Andrade (2015 [1928])ANDRADE, Mário. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015 [1928]..

No ano de 1928, Fernando Correia Dias já desenhava azulejos, que eram produzidos pela Companhia Cerâmica Nacional, com padrões estilizados da cultura marajoara. Correia Dias elaborava, no seu ateliê em Botafogo, objetos inspirados nesta mesma tradição indígena, como vasos de cerâmica, abajures, tapetes, placas de bronze, objetos em ferro batido, cofres em couro, bem como criava padrões marajoaras para as artes gráficas, tendo sido pioneiro e propulsor no emprego destes modelos (Valle, 2008VALLE, Arthur Gomes. Repertórios ornamentais e identidades no Brasil da 1a República. In: ENCONTRO DE HISTÓRIA – ANPUH RIO, 13., 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPUH, 2008. p. 1-10.; Tavares, 2015TAVARES, Amanda Reis. A etnografia poética de Correia Dias: um passeio pela tradição indígena de sua piscina mítica. Revista 19 & 20, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, jan.-jun. 2015. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/uah1/artp.htm.>. Acesso em: 21 maio 2017.
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), que alcançariam grande sucesso no período.

Tudo isso, além de outras manifestações artísticas relacionadas à cultura da floresta, contribuiu para colocar, em pleno movimento moderno, um foco de luz sobre a Amazônia: as lendas, a fauna, a flora, a cerâmica, a cestaria, os têxteis, que invadiram as artes e a literatura brasileiras, como bem disse Paulo Herkenhoff (1995)HERKENHOFF, Paulo. The jungle in Brazilian modern design. The Journal of Decorative and Propaganda Arts, Miami Beach, n. 21, p. 239-259, 1995., no artigo fundamental “The jungle in Brazilian modern design”; ou, ainda, Márcio Alves Roiter (2010)ROITER, Marcio Alves. A influência marajoara no Art Déco Brasileiro. Revista UFG, ano 12, n. 8, p. 19-27, jul. 2010., em “A influência marajoara no art déco brasileiro”. Em duas pesquisas recentes (Silva Neto, 2014SILVA NETO, João Augusto. Na seara das cousas indígenas: cerâmica marajoara, arte nacional e representação pictórica do índio no trânsito Belém-Rio de Janeiro (1871-1929). 2014. 145 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2014.; Linhares, 2015LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios marajoaras e identidade nacional brasileira. 2015. 286 f. Tese (Doutorado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.), ambas orientadas pelo Prof. Aldrin Figueiredo, na Universidade Federal do Pará (UFPA), ficam evidentes a amplitude e a atualidade desta temática, assim como a grande circulação de ideias, obras e artistas entre Amazônia, Rio de Janeiro e também São Paulo.

CONCLUSÕES: O MUIRAQUITÃ ATRAVÉS DO TEMPO

Au moment où la Lune se mire droit jusqu’au fond du lac, alors tous les beau corps dorés des amazones se détendent à la fois et plongent dans l’eau transparente pour recevoir la Muiraquitan A dire vrai, le talisman n’est pas pour elles. Chaque amazone le réserve à l’homme qui doit la posséder, une seule fois l’an, à l’époque déterminée. L’homme qui possède cette Muiraquitan n’à qu’à la porter attachée autor du cou, pour vivre à l’abri des maléfices et jouir de toutes sortes de bonheurs (Rego Monteiro, 1923, não paginado)

O Muiraquitã destacado pelos escritos e desenhos de Vicente do Rego Monteiro, perdido na narrativa de Mário de Andrade, reencontrado no parque carioca por Fernando Correia Dias, e mais tarde no texto de Frederico Barata, é objeto que evocou também grande interesse dos missionários jesuítas pela arte dos índios da Amazônia. O relato de João Daniel sobre a pequena pedra verde esculpida com formas de animais, sobretudo, batráquios, já anunciava o teor de grande parte de sua crônica. Segundo Daniel (2004)DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., os muiraquitãs não seriam produtos de um evento mágico da natureza, como se propagava nas lendas, onde os amuletos eram retirados do fundo de um lago pelas mãos das tribos das Amazonas ou ‘Ykamiabas’, da área dos rios Tapajós, Nhamundá e Trombetas (Fonseca, 2010FONSECA, João Aires da. As estatuetas líticas do baixo Amazonas. In: PEREIRA, Edithe; GUAPINDAIA, Vera (Org.). Arqueologia amazônica. Belém: MPEG/IPHAN/SECULT, 2010. p. 237-257. v. 1.), encontradas pelo jesuíta Carvajal em 1540 (Carvajal, 1941CARVAJAL, Gaspar de. Relação do novo descobrimento do famoso Rio Grande que descobriu por grande ventura o capitão Francisco de Orellana. In: ROJAS, A.; CARVAJAL, Gaspar; ACUÑA, Cristóbal. Descobrimentos do rio das Amazonas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941.). Para Daniel, eles “se fazem por arte”, por arte dos índios:

[...] a [pedra] que os naturais chamam muiraquitã [...] tem por fama que neste lago [na foz do rio Tapajós] se achavam antigamente já feitas, porém a experiência parece mostrar que elas se fazem por arte, não só pelas diversas figuras de animais, e diversos feitios que têm; e serem todas furadas por dentro, ou, se são chatas, com buracos para se poderem dependurar ao corpo (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., p. 561, v. 1, grifo nosso).

É este aspecto dos escritos de Daniel (2004)DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004. que quisemos destacar neste artigo, ao tratarmos das cuias e dos cachimbos da região do baixo Amazonas, no Pará, como objetos de uma produção artística indígena que, modificada, perdurou no período colonial. Os artistas índios incorporaram, com grande sensibilidade, os repertórios europeus, a eles completamente novos, e também, no caso das cuias, apropriaram-se de modelos orientais, igualmente trazidos pelos jesuítas de suas missões no Japão e na China, como podemos atestar nos inventários da expulsão, elaborados pela Companhia (Martins, 2016MARTINS, Renata Maria de Almeida. Uma cartela multicolor: objetos, práticas artísticas dos indígenas e intercâmbios culturais nas Missões jesuíticas na Amazônia colonial. Caiana, Buenos Aires, n. 8, p. 70-84, 2016. Disponível em: <http://caiana.caia.org.ar/template/caiana.php?pag=author/author.php&obj=136&vol=8>. Acesso em: 21 maio 2017.
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, 2015a, 2015b). Esses motivos decorativos, como vimos, passaram a ser conhecidos e empregados pelos índios e, no caso das cuias, pelas índias, que dão um novo tratamento a estes repertórios, consagrados pela arte do período barroco, em novos e inusitados suportes e com tintas, vernizes e argilas da região. Isto também demonstra, mesmo considerando o fator de imposição cultural dentro das missões e a necessidade comercial de exportação para a Europa, um elevado grau de assimilação da cultura artística do outro. Ao invés de caixinhas de laca ou charão chinesas ou japonesas com incrustações de madrepérolas, na Amazônia, são produzidas brilhantes cuias de vernizes negros extraídos da floresta, como ensinavam as técnicas e as tradições indígenas. Às vezes, com decorações douradas, por uma mistura fervida de óleo de copaíba e verniz jutaí, outras, incrustadas ou enfeitadas com ‘marfim vegetal’ (como a jarina) ou madrepérolas de rio, sempre pintadas com ‘tintas da terra’, apenas por artistas mulheres.

A apropriação de motivos da arte europeia pelos indígenas no período colonial e a do grafismo indígena pelos modernistas são dois temas inegavelmente muito atuais, que permitem evidenciar com mais clareza as relações existentes entre os estudos arqueológicos e o campo da História, da Literatura e da atividade artística.

Nas últimas décadas, tanto por reinvindicações das próprias culturas e de artistas indígenas, quanto por um revigorado interesse no mundo da arte contemporânea, estas questões ganharam novos significado e presença. Neste sentido, é revelador que o MASP, ao receber a coleção de arte pré-colombiana Edith e Oscar Landmann, tenha optado, em 2016, por expor, em sua Pinacoteca renovada (agora outra vez com os cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi), quatro peças provenientes da cultura marajoara; e que o primeiro seminário internacional de arte pré-colombiana no MASP, com participação de renomados pesquisadores dedicados à Amazônia18 18 Sobre alguns primorosos estudos sobre a Amazônia, consultar a obra fundamental “Unknown Amazon: culture and nature in ancient Brazil” (Barreto et al., 2001). – como Eduardo Neves, Cristiana Barreto e Denise Schaan –, tenha inaugurado seus trabalhos em 24 de março de 2017, com enorme sucesso de público.

  • 1
    Crescentia cujete ou Crescentia cuyete: planta da família das Bignoniaceae. Etimologia: cujete ou cuyete, do tupi Kuia e’te, cuia verdadeira.
  • 2
    A coleção Tapajônica representa a junção de duas coleções adquiridas em 1971 pelo MAE-USP, com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), dos colecionadores Ubirajara Bentes e José da Costa Pereira.
  • 3
    Frederico Barata é o autor escolhido por Rodrigo Mello de Andrade para um volume sobre “Arqueologia”, publicado em 1952 (Barata, 1952BARATA, Frederico. Artes plásticas no Brasil: Arqueologia. Direção e introdução de Rodrigo M. F. de Andrade. Rio de Janeiro: Empresa Gráfica Ouvidor, 1952.). Além disso, o Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, comprou, em 1959, a importante coleção de cerâmica do estudioso (constituída de 250 objetos inteiros ou levemente fraturados e 2.113 fragmentos com e sem decoração), também procedente da área ocupada pelos Tapajó, grupo indígena que habitou a foz do rio Tapajós, segundo o estudo de Guapindaia (1993)GUAPINDAIA, Vera. Fontes históricas e arqueológicas sobre os Tapajó de Santarém: a Coleção “Frederico Barata” do Museu Paraense Emílio Goeldi. 1993. 294 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1993., pelo menos do século X até o século XVII.
  • 4
    Segundo Sanjad (2010)SANJAD, Nelson. A coruja de minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República (1866-1907). Rio de Janeiro: FIOCRUZ; Belém: MPEG; Rio de Janeiro: IBRAM, 2010.: Museu Paraense, 1866; Museu Paranaense, 1876; Museu Botânico do Amazonas, 1882; Museu Paulista, 1893 e Museu Nacional de Rio de Janeiro, 1918.
  • 5
    “[...] o certo é que a cochinilha é uma das mais estimadas tintas na Europa, e no nosso Portugal, onde a libra se compra a 4800 réis e pelo centro do reino há de ser mais cara” (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., p. 587, v. 1).
  • 6
    Jatobá, conhecido também por jutaí, jataí, jataúba, jatioba, entre outros nomes.
  • 7
    “Cipó. Me certificaram haver um cipó suja muita umidade, ou água é tão preta, que não só serve para escrever, mas também para pintar, e tingir qualquer matéria, e dela usam muitas nações para se mascararem nas caras em lugar do jenipapo [...]” (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto; Belém: Prefeitura Municipal de Belém, 2004., p. 591).
  • 8
    Palmeira também conhecida por buriti, buritizeiro, muruti, murutim, entre outros nomes.
  • 9
    Alexandre Rodrigues Ferreira nasceu na Bahia em 1756. Estudou Filosofia Natural na Universidade de Coimbra, onde foi incumbido de comandar uma expedição científica ao Norte do Brasil. Contando com recursos precários, a “Viagem Philosophica” (1783-1792) foi concebida sob os auspícios da Academia das Ciências de Lisboa, do Ministério de Negócios e Domínios Ultramarinos, e planejada pelo naturalista italiano Domenico Vandelli. O grupo era composto por um naturalista (Ferreira), um botânico (Agostinho do Cabo) e dois ‘riscadores’ (Joaquim José Codina e José Joaquim Freire). A tarefa deste grupo era a de coletar espécies, classificá-las e prepará-las para o embarque rumo a Lisboa, realizar estudos sobre agricultura, cartografia e confecção de mapas populacionais, além de verificar as condições materiais das vilas e fortalezas destinadas a suportar as possíveis invasões estrangeiras. Trata-se de rico e extenso acervo, composto de diários, mapas geográficos, populacionais e agrícolas, correspondências, cerca de 900 pranchas de iconografia e memórias zoológicas, botânicas e etnográficas (Ferreira, 2005FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem ao Brasil: a expedição Philosophica pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá. Coleção Etnográfica. Rio de Janeiro: Kapa Editorial, 2005. v. 3., v. 3).
  • 10
    Segundo Hartmann, atualmente dispersa por várias instituições portuguesas. Ao que sabemos, entre elas, a Academia de Ciências de Lisboa e o Museu de Ciências de Coimbra.
  • 11
    “Do fabrico das Cuyas, e dos das rêdes, he que se veste a maior parte das Indias de Monte Alegre: far-se-hão na Villa por todo o anno de 5000, até 6000 Cuyas: há casa que faz 500: vende-se cada huma na Villa a 100 e 120 reis, conforme o tamanho, a pintura, a qualidade, se he liza, ou de gomos [...]” (Ferreira, 1933FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Memoria sobre as cuyas (1786). Revista Nacional de Educação, Rio de Janeiro, n. 6, p. 58-63, mar. 1933., p. 62, n. 6).
  • 12
    Para maiores informações sobre os materiais da floresta mencionados, ver notas em Martins (2016, p. 81-83)MARTINS, Renata Maria de Almeida. Uma cartela multicolor: objetos, práticas artísticas dos indígenas e intercâmbios culturais nas Missões jesuíticas na Amazônia colonial. Caiana, Buenos Aires, n. 8, p. 70-84, 2016. Disponível em: <http://caiana.caia.org.ar/template/caiana.php?pag=author/author.php&obj=136&vol=8>. Acesso em: 21 maio 2017.
    http://caiana.caia.org.ar/template/caian...
    .
  • 13
    Dom João de São José de Queirós (1711-1764) foi o quarto bispo do Grão-Pará, ordenado em 4 de maio de 1760, na cidade do Porto, Portugal. Escreveu suas “Memórias”, publicadas no Porto em 1868 (Memórias, 1868MEMÓRIAS de Frei João de S. Joseph Queiroz Bispo do Grão-Pará com uma extensa introdução e notas illustrativas por Camillo Castelo-Branco. Porto: Typographia da Livraria Nacional, 1868.). Ver também São José (1869, t. IX)SÃO JOSÉ, João de. Viagem e visita do sertão em o Bispado do Gram-Pará em 1762 e 1763. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. IX, p. 43-107, 1869..
  • 14
    “Es cosa mucho de ver las pinturas que todos los indios deste río hacen en las vasijas que tienen para su servicio, así de barro como de palo, y en los calabazos con que beben, así de estremados e lindos follages e figuras bien compasadas [...]” (Carvajal, 1941CARVAJAL, Gaspar de. Relação do novo descobrimento do famoso Rio Grande que descobriu por grande ventura o capitão Francisco de Orellana. In: ROJAS, A.; CARVAJAL, Gaspar; ACUÑA, Cristóbal. Descobrimentos do rio das Amazonas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. apud Hartmann, 1988HARTMANN, Thekla. Evidência interna em cultura material: o caso das cuias pintadas no Século XVIII. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. 33, p. 291-302, 1988., p. 297, tradução nossa).
  • 15
    Os cachimbos da região de Santarém foram denominados de “tapajó-jesuíticos” por Frederico Barata (Barata, 1951BARATA, Frederico. A arte oleira dos Tapajós II: os cachimbos de Santarém. Revista do Museu Paulista, São Paulo, n. 5, p. 183-198, 1951., p. 190).
  • 16
    Sobre o contexto latino-americano e a questão bem mais ampla da recuperação de motivos pré-colombianos na arte e na arquitetura moderna, ver, por exemplo, Viñuales (2003)VIÑUALES, Rodrigo Gutiérrez. A arquitetura neo pré-hispânica: manifestação de identidade nacional e americana. Revista Arquitextos, São Paulo, ano 4, out. 2003. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.041/647/pt>. Acesso em: 21 maio 2017.
    http://www.vitruvius.com.br/revistas/rea...
    .
  • 17
    “Urna funerária zoomorfa”, 27,5 x 32 x 62 cm. Tampa 18 x 1,4 cm. Igarapé do Lago, rio Macará, Amapá, Acervo do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém. Ver imagem em Herkenhoff (2012, p. 106)HERKENHOFF, Paulo. Amazônia: Ciclos da Modernidade. São Paulo: Editora Zureta, 2012. Catálogo de Exposição..
  • 18
    Sobre alguns primorosos estudos sobre a Amazônia, consultar a obra fundamental “Unknown Amazon: culture and nature in ancient Brazil” (Barreto et al., 2001BARRETO, Cristiana; MCEWAN, Collin; NEVES, Eduardo (Ed.). Unknown Amazon: culture and nature in ancient Brazil. London: The Britsh Museum Press, 2001.).

AGRADECIMENTOS

Ao Luciano, com todo o amor e a sorte de um muiraquitã. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que, desde outubro de 2016, apoia nossas pesquisas, por meio do Projeto de Auxílio Jovem Pesquisador, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), intitulado “Barroco cifrado: pluralidade cultural na arte e na arquitetura das missões jesuíticas no território do estado de São Paulo, 1549-1759” (Processo FAPESP nº 2015/23222-4). À FAUUSP e aos amigos – alunos, professores e pesquisadores – que participam do Projeto “Barroco cifrado”. Ao MAEUSP e à Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBMUSP). Ao MASP. À Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ao CNPq. À Claudia Mattos e a Luciano Migliaccio pelo convite para participar do Seminário ocorrido na UNICAMP em 2012; e novamente à FAPESP e à FAU-USP, pelo apoio à pesquisa de pós-doutorado vinculada ao Projeto Temático “Plus-Ultra” (2010-2013), coordenado pelo Prof. Luciano Migliaccio. Pelas fotografias cedidas para ilustrar o artigo: ao Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, à Dra. Carla Coimbra e à Claudia Cunha (MPEG); ao MPEG, à Cristina Barreto; e ao Museu da Casa das Onze Janelas (SIM/SECULT-PA), à Cássia Rosa. Um agradecimento especial à Cristiana Barreto, por ter gentilmente realizado as fotografias dos cachimbos de cerâmica do MPEG e dos desenhos de Manoel Pastana, no Museu da Casa das Onze Janelas.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2014
  • Aceito
    12 Jun 2017
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