Acessibilidade / Reportar erro

Influência do desempenho cognitivo na resposta às orientações de educação sobre a dor em pacientes com disfunção temporomandibular dolorosa crônica

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Pacientes com disfunção temporomandibular (DTM) dolorosa podem apresentar alterações de desempenho cognitivo dificultando a compreensão e adesão às estratégias de automanejo oferecidas em intervenções de educação sobre dor. O objetivo deste estudo foi analisar a resposta às orientações de automanejo em pacientes com DTM dolorosa crônica em função do desempenho cognitivo.

MÉTODOS:

Amostra de 45 pacientes, com idade média de 35,5 anos, com DTM dolorosa crônica segundo o Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD). O desempenho cognitivo foi avaliado por meio do teste Montreal Cognitive Assessment (MoCA). Foi também aplicado o Brazilian Portuguese Central Sensitization Inventory (CSI-BP) para mensuração da sensibilização central e a escala numérica para avaliar a percepção de intensidade dolorosa. A intervenção consistiu em orientações de autocuidado para o manejo da dor com métodos caseiros, por meio de um vídeo e de um tutorial impresso. Após um intervalo de 15 dias, foi feita nova avaliação para verificar se as orientações de automanejo promoveram mudanças relacionadas à dor na amostra estudada e se houve diferenças entre os participantes com desempenho cognitivo adequado e alterado (grupos obtidos após a aplicação do teste).

RESULTADOS:

A média do MoCA para a amostra foi de 23,3 ± 2,5 (desempenho cognitivo abaixo do esperado). Foi encontrada forte correlação inversa entre os escores do desempenho cognitivo e da intensidade de dor, indicando a tendência de haver menor desempenho cognitivo ao passo que há maior intensidade de dor (r=-0,77 e p=0,03). Não houve correlação entre o desempenho cognitivo e a sensibilização central (p>0,05). O grupo com melhor desempenho cognitivo apresentou melhor resposta às estratégias de educação sobre a dor.

CONCLUSÃO:

Há uma tendência de pior desempenho cognitivo de acordo com o aumento na percepção de intensidade dolorosa. Além disso, o baixo desempenho cognitivo parece prejudicar o aproveitamento e eficácia da intervenção baseada em educação sobre a dor para pacientes com DTM dolorosa, a qual é considerada importante estratégia para seu manejo.

Descritores:
Cognição; Disfunção temporomandibular; Dor crônica

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Patients with painful temporomandibular disorders (TMD) may present cognitive performance alterations, making it difficult to understand and adhering to self-management strategies offered in pain education interventions. The aim of this study was to analyze the response to self-management guidelines in patients with chronic painful TMD due to cognitive performance.

METHODS:

Sample of 45 patients (35.5 years) with chronic painful TMD according to Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD). Cognitive performance was assessed using the Montreal Cognitive Assessment (MoCA) test. The Brazilian Portuguese Central Sensitization Inventory (CSI- -BP) was also applied to measure central sensitization and numerical rating scale to assess the perception of pain intensity. The intervention consisted of self-care guidelines for pain management with homemade methods, through a video and a printed tutorial. After an interval of 15 days, a new evaluation was made to verify whether the self-management guidelines promoted pain-related changes in the sample studied and whether there were differences between participants with adequate and altered cognitive performance (groups obtained after the application of the test).

RESULTS:

The mean MoCA for the sample was 23.3±2.5 (lower than expected cognitive performance). A strong inverse correlation was found between the cognitive performance and pain intensity scores, indicating the tendency to have lower cognitive performance when there is greater intensity of pain (r=-0.77 and p=0.03). There was no correlation between cognitive performance and central sensitization (p>0.05). The group with better cognitive performance presented better response to pain education strategies.

CONCLUSION:

There is a trend towards worse cognitive performance according to the increase in perception of painful intensity. In addition, low cognitive performance seems to impair the use and efficacy of pain education-based intervention for patients with painful TMD, which is considered an important strategy for its management.

Keywords:
Cognition; Temporomandibular joint disorders; Chronic pain

DESTAQUES

A intensidade de dor tem associação inversa com o desempenho cognitivo em pacientes com disfunção temporomandibular dolorosa.

O desempenho cognitivo parece interferir no aproveitamento e eficácia da intervenção baseada em educação sobre a dor para pacientes com disfunção temporomandibular dolorosa.

Pacientes com disfunção temporomandibular dolorosa tendem a apresentar desempenho cognitivo abaixo do esperado.

INTRODUÇÃO

O conjunto de sinais e sintomas que envolvem alterações musculares e articulares relacionados ao sistema estomatognático é caracterizado como disfunção temporomandibular (DTM), sendo os seus três principais indicadores clínicos: dor, limitações na abertura da mandíbula e ruídos articulares, que estão presentes em uma porcentagem de 5% a 50% da população11 Manfredini D, Chiappe G, Bosco M. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders (RDC/TMD) axis I diagnoses in an Italian patient population. J Oral Rehabil. 2006;33(8):551-8.,22 Dworkin SF. The OPPERA study: Act One. J Pain. 2011 Nov;12(11 Suppl):T1-3.,33 Okeson JP. Management of Temporomandibular Disorders and Occlusion. 8a ed. St. Louis: Elsevier, 2020. 514p.. Muito comumente, pacientes apresentam dificuldades para executar tarefas simples como escovar os dentes, mastigar e bocejar, uma vez que os sintomas dolorosos e limitações articulares e musculares da DTM podem comprometer as funções orais e influenciar a saúde e o bem-estar44 Peixoto KO, Resende CMBM, Almeida EO, Almeida-Leite CM, Conti PCR, Barbosa GAS, Barbosa JS. Association of sleep quality and psychological aspects with reports of bruxism and TMD in Brazilian dentists during the COVID-19 pandemic. J Appl Oral Sci. 2021;29:e20201089.. A manutenção dessa condição pode levar à cronificação da dor e à sensibilização central (SC), tornando o seu manejo complexo.

De acordo com o estudo Orofacial Pain: Prospective Evaluation Risk Assessment (OPPERA), principal estudo longitudinal para investigação dos riscos relacionados ao desenvolvimento de DTM, foram identificados como fatores de risco a presença de múltiplas condições de saúde coexistentes, sintomas orofaciais não dolorosos, parafunção oral autorreferida, alta frequência de sintomas somáticos, má qualidade do sono e a influência genética de certos polimorfismos já identificados e relacionados a esta condição clínica55 Slade GD, Ohrbach R, Greenspan JD, Fillingim RB, Bair E, Sanders AE, Dubner R, Diatchenko L, Meloto CB, Smith S, Maixner W. Painful temporomandibular disorder: decade of discovery from OPPERA Studies. J Dent Res. 2016;95(10):1084-92..

Além disso, o contexto da dor crônica envolve aspectos sociais, familiares, emocionais e cognitivos, os quais precisam ser considerados no manuseio dessa condição, extrapolando a abordagem de tratamento para um olhar biopsicossocial66 International Classification of Orofacial Pain, 1st edition (ICOP). Cephalalgia. 2020;40(2):129-221.,77 Ettlin DA, Napimoga MH, Meira E Cruz M, Clemente-Napimoga JT. Orofacial musculoskeletal pain: An evidence-based bio-psycho-social matrix model. Neurosci Biobehav Rev. 2021;128(1):12-20.. De acordo com estudos envolvendo análises de ressonância magnética funcional, pacientes com dor crônica apresentam alterações na estrutura e função cerebral em regiões e redes não apenas envolvidas no processamento da dor, mas também em aspectos cognitivos e emocionais88 Malfliet A, Coppieters I, Van Wilgen P, Kregel J, De Pauw R, Dolphens M, Ickmans K. Brain changes associated with cognitive and emotional factors in chronic pain: A systematic review. Eur J Pain. 2017;21(5):769-86..

Nesse caminho, alguns aspectos cognitivos apresentam-se deficitários e relacionados à experiência dolorosa de pacientes com fenótipo de dor crônica, como perda de memória e concentração, principalmente durante as crises de agudização da dor99 Apkarian VA, Hashmi JA, Baliki MN. Pain and the brain: specificity and plasticity of the brain in clinical chronic pain. Pain. 2011;152(3 Suppl):S49-S64.,1010 Legrain V, Damme SV, Eccleston C, Davis KD, Seminowicz DA, Crombez G. A neurocognitive model of attention to pain: behavioral and neuroimaging evidence. Pain. 2009;144(3):230-32.,1111 Ferreira Kdos S, Oliver GZ, Thomaz DC, Teixeira CT, Foss MP. Cognitive deficits in chronic pain patients, in a brief screening test, are independent of comorbidities and medication use. Arq Neuropsiquiatr. 2016;74(5):361-6..

Especula-se que atividades relacionadas à função executiva também possam encontrar-se comprometidas nesses pacientes, resultando em maiores níveis de distração, redução da performance de habilidades cognitivas e alterações de comportamento como hipervigilância e catastrofização da dor88 Malfliet A, Coppieters I, Van Wilgen P, Kregel J, De Pauw R, Dolphens M, Ickmans K. Brain changes associated with cognitive and emotional factors in chronic pain: A systematic review. Eur J Pain. 2017;21(5):769-86.,1212 Berryman C, Stanton TR, Bowering KJ, Tabor A, McFarlane A, Moseley GL. Do people with chronic pain have impaired executive function? A meta-analytical review. Clin Psychol Rev. 2014;34(7):563-79.. A catastrofização da dor está relacionada a áreas cerebrais envolvidas no processamento da dor, atenção à dor, emoção, atividade motora e redução da inibição dolorosa top down88 Malfliet A, Coppieters I, Van Wilgen P, Kregel J, De Pauw R, Dolphens M, Ickmans K. Brain changes associated with cognitive and emotional factors in chronic pain: A systematic review. Eur J Pain. 2017;21(5):769-86.,1313 da Silva GV, Magri LV, de Oliveira Melchior M, Andrade Leite-Panissi CR, da Silva Gherardi-Donato EC. Mindfulness and pain catastrophization: how are they associated in women with chronic painful temporomandibular disorder (TMD)? Cranio. 2022;20:1-7. ahead of print..

Um dos meios de tratamento clínico da DTM é o aconselhamento e orientações para o automanejo da dor, que consiste em esclarecer os pacientes acerca dos fatores etiológicos da doença e orientá-los sobre como reduzir a sobrecarga e hábitos nocivos à articulação temporomandibular (ATM), aos músculos da mastigação e às suas estruturas adjacentes1414 Durham J, Al-Baghdadi M, Baad-Hansen L, Breckons M, Goulet JP, Lobbezoo F, List T, Michelotti A, Nixdorf DR, Peck CC, Raphael K, Schiffman E, Steele JG, Story W, Ohrbach R. Self-management programmes in temporomandibular disorders: results from an international Delphi process. J Oral Rehabil. 2016;43(12):929-36..

Para isso, são apresentadas orientações sobre higiene do sono, compressas de calor úmido e massagens na região dolorosa, realização de atividades físicas aeróbicas, alongamento da região cervical, controle de hábitos parafuncionais, consistência dos alimentos a serem consumidos, entre outras que podem ser realizadas pelos pacientes em seu dia a dia1515 de Freitas RF, Ferreira MÂ, Barbosa GA, Calderon PS. Counselling and self-management therapies for temporomandibular disorders: a systematic review. J Oral Rehabil. 2013;40(11):864-74.,1616 de Melo LA, Bezerra de Medeiros AK, Campos MFTP, Bastos Machado de Resende CM, Barbosa GAS, de Almeida EO. Manual therapy in the treatment of myofascial pain related to temporomandibular disorders: a systematic review. J Oral Facial Pain Headache. 2020;34(2):141-8..

Dessa forma, tais orientações contribuem para o alívio da dor, proporcionando aos pacientes melhor qualidade de vida, uma vez que esses aprendam a lidar/manejar a dor e reduzem a ansiedade e o medo relacionados ao status de ameaça da mesma1414 Durham J, Al-Baghdadi M, Baad-Hansen L, Breckons M, Goulet JP, Lobbezoo F, List T, Michelotti A, Nixdorf DR, Peck CC, Raphael K, Schiffman E, Steele JG, Story W, Ohrbach R. Self-management programmes in temporomandibular disorders: results from an international Delphi process. J Oral Rehabil. 2016;43(12):929-36.. Porém, para que haja compreensão das orientações e consequente motivação para executá-las, é necessária a integridade dos aspectos cognitivos como atenção, memória, concentração, raciocínio, funções executivas e linguagem.

Levando-se em consideração a literatura e a importância das estratégias de educação sobre a dor, fica clara a necessidade de uma melhor compreensão sobre as variáveis cognitivas e suas associações com a condição dolorosa crônica, visto que estas influenciam a compreensão de orientações, uma vez que programas de educação sobre a dor nos tratamentos multimodais desses pacientes são de extrema importância.

O objetivo deste estudo foi analisar a resposta às orientações de automanejo de pacientes com DTM dolorosa crônica em função do desempenho cognitivo.

MÉTODOS

Trata-se de um ensaio clínico não randomizado (quase experimental) que seguiu as recomendações do CONSORT1717 Moher D, Hopewell S, Schulz KF, Montori V, Gøtzsche PC, Devereaux PJ, Elbourne D, Egger M, Altman DG. CONSORT 2010 explanation and elaboration: updated guidelines for reporting parallel group randomised trials. BMJ. 2010;23;340:c869..

A amostra foi estabelecida a partir de um cálculo amostral realizado com base no número de atendimentos efetuados por semestre nos serviços de DTM e dor orofacial da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) e da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP), cuja capacidade de absorção de casos foi de, aproximadamente, 80 pacientes por semestre nos últimos 10 anos. Trata-se de uma população de pacientes que busca atendimento para DTM e dor orofacial via Sistema Único de Saúde (SUS) na região de abrangência de Ribeirão Preto-SP.

A amostra representativa, de acordo com a população normalmente absorvida nos serviços, com erro amostral de 10% e intervalo de confiança de 95%, seria de ao menos 36 pacientes. O cálculo foi realizado por meio de um software estatístico online (https://comentto.com/calculadora-amostral/). Durante o período da coleta de dados o número de participantes avaliados foi superior ao estipulado no cálculo amostral para garantir possíveis perdas e exclusões, chegando ao final com uma amostra total de 45 participantes (32 mulheres e 13 homens). Os critérios de inclusão foram apresentar idade entre 18 e 45 anos, diagnóstico de DTM dolorosa crônica segundo o Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders – versão português brasileiro (DC/ TMD)1818 Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet JP, List T, Svensson P, Gonzalez Y, Lobbezoo F, Michelotti A, Brooks SL, Ceusters W, Drangsholt M, Ettlin D, Gaul C, Goldberg LJ, Haythornthwaite JA, Hollender L, Jensen R, John MT, De Laat A, de Leeuw R, Maixner W, van der Meulen M, Murray GM, Nixdorf DR, Palla S, Petersson A, Pionchon P, Smith B, Visscher CM, Zakrzewska J, Dworkin SF; International RDC/TMD Consortium Network, International association for Dental Research; Orofacial Pain Special Interest Group, International Association for the Study of Pain. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Research Applications: recommendations of the International RDC/ TMD Consortium Network* and Orofacial Pain Special Interest Group†. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(1):6-27., sem distinção de sexo, que buscaram tratamento na Clínica de Oclusão, DTM e Dor Orofacial da graduação da UNAERP ou na FORP/USP no 1º semestre do ano de 2021. O DC/TMD apresenta alta sensibilidade e especificidade (≥0,86 e ≥0,98 respectivamente) para qualquer dor relacionada à DTM e, por isso, foi escolhido como método diagnóstico para determinar a inclusão dos participantes1818 Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet JP, List T, Svensson P, Gonzalez Y, Lobbezoo F, Michelotti A, Brooks SL, Ceusters W, Drangsholt M, Ettlin D, Gaul C, Goldberg LJ, Haythornthwaite JA, Hollender L, Jensen R, John MT, De Laat A, de Leeuw R, Maixner W, van der Meulen M, Murray GM, Nixdorf DR, Palla S, Petersson A, Pionchon P, Smith B, Visscher CM, Zakrzewska J, Dworkin SF; International RDC/TMD Consortium Network, International association for Dental Research; Orofacial Pain Special Interest Group, International Association for the Study of Pain. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Research Applications: recommendations of the International RDC/ TMD Consortium Network* and Orofacial Pain Special Interest Group†. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(1):6-27..

Foram excluídos pacientes que já estavam realizando algum tipo de intervenção terapêutica para DTM dolorosa e indivíduos com déficits cognitivos prévios que fossem incapazes de responder aos questionários.

Após a aplicação do teste de desempenho cognitivo com o protocolo Montreal Cognitive Assessment (MoCA), os participantes foram divididos em grupos/clusters de performance cognitiva “adequada” (escore total igual ou acima de 26) e “abaixo do valor de corte” (escore total abaixo de 26), com a finalidade de investigar a influência dessa variável sobre a resposta da intervenção baseada em orientações de automanejo da dor para pacientes com DTM.

Mensuração da performance cognitiva (teste MoCA)

Para a avaliação e mensuração das habilidades cognitivas da amostra, foi utilizado o protocolo MoCA. Esse protocolo contém uma sequência de testes que avaliam oito domínios cognitivos: atenção, funções executivas, cálculos, linguagem, memória de trabalho e de resgate, abstração, orientação e processo viso-espacial, além do teste de fluência verbal. Assim, o protocolo MoCA consiste em uma triagem breve para déficits cognitivos leves, cuja pontuação obtida prediz as competências cognitivas avaliadas e escores acima de 26 são considerados normais. A escolaridade do indivíduo foi ajustada em relação à pontuação geral do protocolo de avaliação, de acordo com o preconizado pelos autores1919 Martins NIM, Caldas PR, Cabral ED, Lins CCDSA, Coriolano MDGWS. Cognitive assessment instruments used in elderly Brazilians in the last five years. Cien Saude Colet. 2019;24(7):2513-30.,2020 Pinto TCC, Machado L, Bulgacov TM, Rodrigues-Júnior AL, Costa MLG, Ximenes RCC, Sougey EB. Is the Montreal Cognitive Assessment (MoCA) screening superior to the Mini-Mental State Examination (MMSE) in the detection of mild cognitive impairment (MCI) and Alzheimer’s Disease (AD) in the elderly? Int Psychogeriatr. 2019;31(4):491-504..

Mensuração da dor

Com o objetivo de identificar pacientes que estão em alto risco de ter SC ou avaliar sintomas relacionados à SC utilizou-se o protocolo Brazilian Portuguese Central Sensitization Inventory (CSI-BP). O CSI original foi desenvolvido por Neblett et al.2121 Neblett R, Cohen H, Choi Y, Hartzell MM, Williams M, Mayer TG, Gatchel RJ. The Central Sensitization Inventory (CSI): establishing clinically significant values for identifying central sensitivity syndromes in an outpatient chronic pain sample. J Pain. 2013;14(5):438-45. e traduzido e validado por Caumo et al.2222 Caumo W, Antunes LC, Elkfury JL, Herbstrith EG, Busanello Sipmann R, Souza A, Torres IL, Souza Dos Santos V, Neblett R. The Central Sensitization Inventory validated and adapted for a Brazilian population: psychometric properties and its relationship with brain-derived neurotrophic factor. J Pain Res. 2017;10:2109-22. (CSI-BP). A parte A contém 25 questões referentes a sinais e sintomas de SC com possibilidade de resposta em escala Likert de 4 pontos (0 = “nunca” e 4 = “sempre”) para cada questão. A pontuação total pode variar de zero a 100, sendo indicativo de presença de SC uma pontuação igual ou superior a 40 pontos. A parte B contém questões sobre a presença de diagnósticos confirmados correlacionados previamente à SC (comorbidades), com possibilidade de resposta dicotômica (sim ou não) e anotação da data do diagnóstico recebido2121 Neblett R, Cohen H, Choi Y, Hartzell MM, Williams M, Mayer TG, Gatchel RJ. The Central Sensitization Inventory (CSI): establishing clinically significant values for identifying central sensitivity syndromes in an outpatient chronic pain sample. J Pain. 2013;14(5):438-45.,2222 Caumo W, Antunes LC, Elkfury JL, Herbstrith EG, Busanello Sipmann R, Souza A, Torres IL, Souza Dos Santos V, Neblett R. The Central Sensitization Inventory validated and adapted for a Brazilian population: psychometric properties and its relationship with brain-derived neurotrophic factor. J Pain Res. 2017;10:2109-22..

A percepção sobre a intensidade de dor dos participantes foi avaliada utilizando-se uma escala numérica impressa de zero a 10, na qual zero representa “nenhuma dor” e 10 “dor insuportável” pela Escala Numérica de Dor (END).

Protocolo de intervenção: estratégia de educação sobre a dor

Após os exames iniciais, os participantes assistiram a um vídeo produzido pela equipe de pesquisa, cujo conteúdo apresentava estratégias caseiras de automanejo e educação sobre a dor reconhecidas na literatura científica como complemento eficaz ao tratamento1414 Durham J, Al-Baghdadi M, Baad-Hansen L, Breckons M, Goulet JP, Lobbezoo F, List T, Michelotti A, Nixdorf DR, Peck CC, Raphael K, Schiffman E, Steele JG, Story W, Ohrbach R. Self-management programmes in temporomandibular disorders: results from an international Delphi process. J Oral Rehabil. 2016;43(12):929-36.. O vídeo é iniciado com o título: “Orientações de autocuidado para pacientes com DTM” e segue com explicações verbais e visuais sobre o assunto, contendo informações sobre o que é a condição denominada DTM e seus principais sinais e sintomas. Em seguida, é dada uma explicação sobre a importância das orientações caseiras, enfatizando sua simplicidade em realizar e o protagonismo do paciente para sua própria melhora.

Além disso, foram também orientadas dietas macias; compressas com calor úmido sobre as regiões doloridas por 20 minutos, duas vezes ao dia; exercício de abertura bucal ativa suave e controlada diariamente; explicações sobre o papel do apertamento dental na piora da condição dolorosa e o direcionamento da atenção para este tipo de hábito com intenção de evitá-lo2323 Armijo-Olivo S, Pitance L, Singh V, Neto F, Thie N, Michelotti A. Effectiveness of manual therapy and therapeutic exercise for temporomandibular disorders: systematic review and meta-analysis. Phys Ther. 2016;96(1):9-25.. Para tanto, sugeriu-se o uso de lembretes espalhados pela casa e/ou no local de trabalho, com dizeres sobre desencostar os dentes e relaxar a mandíbula e/ou o uso de aplicativos de celular que enviam mensagens com a mesma função de lembrar o participante sobre desencostar os dentes2424 Goldstein RE, Auclair Clark W. The clinical management of awake bruxism. J Am Dent Assoc. 2017;148(6):387-91..

A higiene do sono foi abordada no vídeo de maneira a informar sobre a influência da qualidade do sono na condição dolorosa1616 de Melo LA, Bezerra de Medeiros AK, Campos MFTP, Bastos Machado de Resende CM, Barbosa GAS, de Almeida EO. Manual therapy in the treatment of myofascial pain related to temporomandibular disorders: a systematic review. J Oral Facial Pain Headache. 2020;34(2):141-8.. As orientações para cuidar da qualidade do sono incluíram explicações sobre deitar-se na cama apenas no momento de dormir de fato e em horário regular, bem como evitar o uso de telas e outras atividades que atrapalham o desenvolvimento do sono, evitar bebidas estimulantes após as 17 horas, realizar atividades calmas como ler livros, escutar músicas calmas e beber bebidas calmantes2525 Truong L, Reher P, Doan N. Correlation between upper airway dimension and TMJ position in patients with sleep disordered breathing. Cranio. 2020;8:1-9. Epub ahead of print.. Para o controle do estresse e da ansiedade, o vídeo trouxe sugestões como a prática de esportes e atividades físicas, atividades de lazer, meditação e massagens. O mesmo conteúdo visual do vídeo foi entregue impresso aos participantes em forma de tutorial, a fim de reforçar a intervenção de automanejo.

Momentos de avaliação

Todos os participantes que compuseram a amostra foram avaliados de acordo com os instrumentos previamente descritos antes da intervenção. Foi dado um tempo de 20 dias para que os participantes pudessem aplicar as orientações recebidas. Após esse período os protocolos CSI-BP2222 Caumo W, Antunes LC, Elkfury JL, Herbstrith EG, Busanello Sipmann R, Souza A, Torres IL, Souza Dos Santos V, Neblett R. The Central Sensitization Inventory validated and adapted for a Brazilian population: psychometric properties and its relationship with brain-derived neurotrophic factor. J Pain Res. 2017;10:2109-22. e a END foram novamente aplicados para que se pudesse avaliar a resposta dolorosa, frente às orientações de automanejo.

Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FORP/USP, CAAE: 03383218.7.0000.5419). Os dados somente foram coletados após aprovação do CEP. Todos os voluntários da pesquisa foram informados sobre seus objetivos, riscos e benefícios, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Análise estatística

Foi aplicado o teste de normalidade de Shapiro-Wilk, e foi verifcado que os dados da amostra apresentaram distribuição normal (p>0,05). Foi então aplicado o teste de correlação de Pearson entre as variáveis MoCA e percepção de intensidade de dor (escala numérica de zero a 10). Após essa primeira análise, foi aplicado o teste de correlação de Pearson entre as variáveis MoCA e CSI-BP, e entre o CSI-BP e percepção de intensidade de dor. Por último, a amostra foi dividida em dois grupos (clusters), de acordo com o teste de MoCA: participantes com pontuação igual ou acima de 26 e participantes com pontuação abaixo de 26. Foi, então, empregado o teste estatístico ANOVA One Way (com pós-teste de Tukey-Kramer) para comparações entre as avaliações inicial e final das variáveis CSI-BP e percepção de intensidade de dor para os dois grupos (clusters) estabelecidos. Foi adotado como nível de significância ∝=5% (p<0,05).

RESULTADOS

Foram analisados ao final do estudo 45 pacientes, com média de idade de 35,5±17,4 anos e predominância de indivíduos do sexo feminino (32 mulheres e 13 homens). A média obtida com o CSI desses pacientes foi de 47,8±15,5, enquanto o valor de corte do protocolo é de 40, o que sugere um quadro de SC na amostra estudada. Em relação a comorbidades dolorosas, 53% da amostra apresentou outras comorbidades além da DTM, dentre as quais as mais frequentemente relatadas foram fibromialgia (38%), cefaleias (54%) e ansiedade (58%).

A média da intensidade de dor relatada pelos indivíduos foi de 7,5±2,4 de 10, representando dor de alta intensidade, enquanto a média do escore do teste MoCA foi de 23,3±2,5, indicando desempenho cognitivo abaixo do esperado, uma vez que o valor de corte indicado pela escala é 26.

Foi então empregado o teste de correlação de Pearson entre as variáveis “desempenho cognitivo” e “intensidade de dor” e “desempenho cognitivo” x “sensibilização central”. Foi observada correlação inversa significativa entre o escore do MoCA e a intensidade de dor, indicando tendência de haver menor desempenho cognitivo quando há maior intensidade de dor, como mostrado na Figura 1 (r de Pearson=-0,767 e p=0,03). A correlação entre as variáveis “desempenho cognitivo” x “SC” não foi estatisticamente significativa (p=0,74). Após 15 dias da intervenção com educação sobre a dor, foi então realizada a avaliação final. Foi observada uma ligeira redução da SC dos participantes, agora com média e desvio padrão de 45,5±15,6, mas ainda indicando um quadro de SC. Foi também verificada redução da intensidade de dor relatada por estes pacientes, com média final de 5,1±2,3.

Figura 1
Correlação MoCA versus intensidade dor (R de Pearson = -0,76725, n=45)

A fim de se avaliar a intervenção com educação sobre a dor, nos momentos inicial e final, a partir das variáveis intensidade de dor e SC, a amostra foi dividida em função do escore do MoCA em dois grupos: MoCA<26 (desempenho cognitivo abaixo do esperado, n=34) e MoCA>26 (desempenho cognitivo esperado, n=11). A tabela 1 apresenta a média, o desvio padrão e o valor de p das variáveis intensidade de dor e SC para os dois grupos (clusters), antes e após a intervenção com educação sobre a dor (duração de 15 dias). O grupo MoCA>26 (desempenho cognitivo esperado) apresentou menor média de intensidade de dor e SC na avaliação inicial quando comparado ao grupo MoCA<26 (desempenho cognitivo abaixo do esperado). Além disso, o grupo MoCA>26 apresentou melhor resposta à intervenção com educação sobre a dor, com maior redução da intensidade dolorosa (p=0,03) e da SC (p=0,02).

Tabela 1
Média, desvio padrão e valor de p das variáveis intensidade de dor e sensibilização central para os grupos (clusters) – com MoCA abaixo de 26 (desempenho cognitivo abaixo do esperado) e acima de 26 (desempenho cognitivo esperado), nos momentos de avaliação inicial e final (antes de após a intervenção com educação sobre a dor, duração de 15 dias).

DISCUSSÃO

A maioria da amostra estudada apresentou baixo desempenho cognitivo, o qual se relacionou com a intensidade de dor, mas não com a SC. Dos 45 participantes deste estudo, 32 são mulheres. A literatura científica sugere que a prevalência de DTM em mulheres está relacionada à multidimensionalidade da dor2626 Schmid-Schwap M, Bristela M, Kundi M, Piehslinger E. Sex-specific differences in patients with temporomandibular disorders. J Orofac Pain. 2013;27(1):42-50.,2727 Jedynak B, Jaworska-Zaremba M, Grzechocińska B, Chmurska M, Janicka J, Kostrzewa- Janicka J. TMD in Females with Menstrual Disorders. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(14):7263.,2828 Dıraçoğlu D, Yıldırım NK, Saral İ, Özkan M, Karan A, Özkan S, Aksoy C. Temporomandibular dysfunction and risk factors for anxiety and depression. J Back Musculoskelet Rehabil. 2016;29(3):487-91.,2929 Nahman-Averbuch H, Sprecher E, Jacob G, Yarnitsky D. The relationships between parasympathetic function and pain perception: the role of anxiety. Pain Pract. 2016;16(8):1064-72.,3030 Reissmann DR, John MT, Seedorf H, Doering S, Schierz O. Temporomandibular disorder pain is related to the general disposition to be anxious. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(4):322-30. e que o estrogênio pode ter um efeito bifásico na condição dolorosa de mulheres a partir dos níveis hormonais flutuantes, durante a idade reprodutiva e na perimenopausa, promovendo diversos tipos de DTM55 Slade GD, Ohrbach R, Greenspan JD, Fillingim RB, Bair E, Sanders AE, Dubner R, Diatchenko L, Meloto CB, Smith S, Maixner W. Painful temporomandibular disorder: decade of discovery from OPPERA Studies. J Dent Res. 2016;95(10):1084-92.,3131 Robinson JL, Johnson PM, Kister K, Yin MT, Chen J, Wadhwa S. Estrogen signaling impacts temporomandibular joint and periodontal disease pathology. Odontology. 2020;108(2):153-65..,3232 Ribeiro-Dasilva MC, Peres Line SR, Leme Godoy dos Santos MC, Arthuri MT, Hou W, Fillingim RB, Rizzatti Barbosa CM. Estrogen receptor-alpha polymorphisms and predisposition to TMJ disorder. J Pain. 2009;10(5):527-33..

A presença de DTM dolorosa crônica frequentemente está associada à presença de comorbidades das quais muitas foram relatadas pela amostra de participantes, além de outros indícios encontrados que favorecem a SC e dificultam seu manejo clínico, como presença de fadiga, baixo desempenho cognitivo, baixa qualidade de sono, relatos de dores de cabeça, sinais de depressão e ansiedade2121 Neblett R, Cohen H, Choi Y, Hartzell MM, Williams M, Mayer TG, Gatchel RJ. The Central Sensitization Inventory (CSI): establishing clinically significant values for identifying central sensitivity syndromes in an outpatient chronic pain sample. J Pain. 2013;14(5):438-45.,2222 Caumo W, Antunes LC, Elkfury JL, Herbstrith EG, Busanello Sipmann R, Souza A, Torres IL, Souza Dos Santos V, Neblett R. The Central Sensitization Inventory validated and adapted for a Brazilian population: psychometric properties and its relationship with brain-derived neurotrophic factor. J Pain Res. 2017;10:2109-22..

Pode-se definir SC como uma amplificação da sinalização neural dentro do sistema nervoso central, que provoca redução do limiar de dor e hipersensibilidade dolorosa, ou seja, dor desproporcional ao estímulo externo (hiperalgesia) ou até mesmo sem qualquer estímulo (alodinia), apresentando-se como um evento autossustentável3333 van Griensven H, Schmid A, Trendafilova T, Low M. Central sensitization in musculoskeletal pain: lost in translation? J Orthop Sports Phys Ther. 2020;50(11):592-6.. De acordo com o protocolo CSI-BP2121 Neblett R, Cohen H, Choi Y, Hartzell MM, Williams M, Mayer TG, Gatchel RJ. The Central Sensitization Inventory (CSI): establishing clinically significant values for identifying central sensitivity syndromes in an outpatient chronic pain sample. J Pain. 2013;14(5):438-45.,2222 Caumo W, Antunes LC, Elkfury JL, Herbstrith EG, Busanello Sipmann R, Souza A, Torres IL, Souza Dos Santos V, Neblett R. The Central Sensitization Inventory validated and adapted for a Brazilian population: psychometric properties and its relationship with brain-derived neurotrophic factor. J Pain Res. 2017;10:2109-22., foi possível constatar que mais da metade da amostra estudada (53%) apresentou indícios fortes da presença de SC, com escores totais acima de 40 (parte “A” do CSI-BP). Apesar da elevada percepção dolorosa, observada por meio de escores elevados na escala numérica (7,5±2,4), não houve correlação com a escala de SC. Esse fenômeno está relacionado ao estado funcional dos neurônios e das vias nociceptivas por todo o eixo neuronal3333 van Griensven H, Schmid A, Trendafilova T, Low M. Central sensitization in musculoskeletal pain: lost in translation? J Orthop Sports Phys Ther. 2020;50(11):592-6., enquanto a experiência dolorosa é composta por um contexto muito particular a cada ser humano, envolvendo aspectos biopsicossociais em diferentes níveis e graus77 Ettlin DA, Napimoga MH, Meira E Cruz M, Clemente-Napimoga JT. Orofacial musculoskeletal pain: An evidence-based bio-psycho-social matrix model. Neurosci Biobehav Rev. 2021;128(1):12-20., o que pode justificar o resultado encontrado.

Considerando o modelo biopsicossocial para o tratamento da DTM dolorosa crônica e que pacientes com esse quadro podem apresentar declínio das competências cognitivas, foi proposto que a amostra fosse testada por meio do protocolo MoCA, com o intuito de relacioná-la à intensidade dolorosa e à eficácia da intervenção baseada na educação sobre a dor. Diante dos resultados, observou-se então que o desempenho cognitivo parece realmente sofrer influência da intensidade dolorosa e que esta condição dificulta a intervenção por educação sobre a dor, a qual requer integridade das competências cognitivas. Regiões e redes neurais envolvidas no processamento da dor e em aspectos cognitivos e emocionais podem apresentar-se alteradas estrutural e funcionalmente, resultando em déficits cognitivos como perda de memória e de raciocínio, distração, bem como em alterações comportamentais como hipervigilância e catastrofização da dor77 Ettlin DA, Napimoga MH, Meira E Cruz M, Clemente-Napimoga JT. Orofacial musculoskeletal pain: An evidence-based bio-psycho-social matrix model. Neurosci Biobehav Rev. 2021;128(1):12-20.,88 Malfliet A, Coppieters I, Van Wilgen P, Kregel J, De Pauw R, Dolphens M, Ickmans K. Brain changes associated with cognitive and emotional factors in chronic pain: A systematic review. Eur J Pain. 2017;21(5):769-86.,99 Apkarian VA, Hashmi JA, Baliki MN. Pain and the brain: specificity and plasticity of the brain in clinical chronic pain. Pain. 2011;152(3 Suppl):S49-S64.,1010 Legrain V, Damme SV, Eccleston C, Davis KD, Seminowicz DA, Crombez G. A neurocognitive model of attention to pain: behavioral and neuroimaging evidence. Pain. 2009;144(3):230-32.,1111 Ferreira Kdos S, Oliver GZ, Thomaz DC, Teixeira CT, Foss MP. Cognitive deficits in chronic pain patients, in a brief screening test, are independent of comorbidities and medication use. Arq Neuropsiquiatr. 2016;74(5):361-6.,1212 Berryman C, Stanton TR, Bowering KJ, Tabor A, McFarlane A, Moseley GL. Do people with chronic pain have impaired executive function? A meta-analytical review. Clin Psychol Rev. 2014;34(7):563-79.,1313 da Silva GV, Magri LV, de Oliveira Melchior M, Andrade Leite-Panissi CR, da Silva Gherardi-Donato EC. Mindfulness and pain catastrophization: how are they associated in women with chronic painful temporomandibular disorder (TMD)? Cranio. 2022;20:1-7. ahead of print..

Quando se combina formas convencionais de terapia com a educação sobre a dor, nota-se melhoria na função e percepção dolorosa em diversas populações3434 Van Oosterwijck J, Nijs J, Meeus M, Truijen S, Craps J, Van den Keybus N, Paul L. Pain neurophysiology education improves cognitions, pain thresholds, and movement performance in people with chronic whiplash: a pilot study. J Rehabil Res Dev. 2011;48(1):43-58.,3535 Dolphens M, Nijs J, Cagnie B, Meeus M, Roussel N, Kregel J, Malfliet A, Vanderstraeten G, Danneels L. Efficacy of a modern neuroscience approach versus usual care evidence-based physiotherapy on pain, disability and brain characteristics in chronic spinal pain patients: protocol of a randomized clinical trial. BMC Musculoskelet Disord. 2014;8;15:149.. Porém é necessária a integridade cognitiva para que essa intervenção possa atingir seu objetivo, que é o aprendizado, por parte do paciente, de se automanejar para o controle da dor e do sofrimento a ela relacionado. Nesse sentido, a amostra estudada apresentou redução da percepção dolorosa após a intervenção baseada em educação sobre a dor, embora seja importante destacar que os pacientes com melhor desempenho cognitivo caracterizaram um cluster mais respondente a este tipo de intervenção. Os indivíduos com funções cognitivas prejudicadas, como o foco e a memória de longo prazo, provavelmente não conseguiram se concentrar ou se lembrar das orientações de automanejo, que foram expostas através de vídeo e folheto instrucional preparado pelos autores. Isso pode explicar, ao menos em parte, a menor redução da percepção dolorosa ao ser avaliado pela segunda vez o grupo com pontuação menor que 26 no teste MoCA.

É provável que a melhora da qualidade de vida global de pacientes com DTM dolorosa submetidos a intervenções de educação sobre a dor também se relacione à diminuição da sensibilidade dolorosa, o que faz com que o manejo dos sintomas deva considerar as limitações físicas e funcionais e as comorbidades causadas pela DTM1414 Durham J, Al-Baghdadi M, Baad-Hansen L, Breckons M, Goulet JP, Lobbezoo F, List T, Michelotti A, Nixdorf DR, Peck CC, Raphael K, Schiffman E, Steele JG, Story W, Ohrbach R. Self-management programmes in temporomandibular disorders: results from an international Delphi process. J Oral Rehabil. 2016;43(12):929-36.. Portanto, há necessidade de se discutir melhores cenários voltados para a implementação de modelos biopsicossociais e interdisciplinares. Como as DTM envolvem diferentes etiologias, estruturas e sinais clínicos, o tratamento deve ser heterogêneo e respeitar as diferenças de cada caso, visando maior conforto na hora de realizar atividades cotidianas e maior conforto ao dormir3636 Resende CM, Alves AC, Coelho LT, Alchieri JC, Roncalli AG, Barbosa GA. Quality of life and general health in patients with temporomandibular disorders. Braz Oral Res. 2013;27(2):116-21..

Dentre as possibilidades de tratamento, as intervenções baseadas em abordagens cognitivo-comportamentais incluem diversas áreas da saúde, além da odontologia, como a fonoaudiologia, a fisioterapia e a medicina, cujos profissionais devem lançar mão de estratégias de educação sobre a dor como opção para complementar o manuseio da condição dolorosa crônica dentro de sua especialidade, visando um melhor prognóstico para os pacientes acometidos por essa disfunção3737 Wieckiewicz M, Boening K, Wiland P, Shiau YY, Paradowska-Stolarz A. Reported concepts for the treatment modalities and pain management of temporomandibular disorders. J Headache Pain. 2015;16:106.,3838 Motomura K, Terasawa Y, Natsume A, Iijima K, Chalise L, Sugiura J, Yamamoto H, Koyama K, Wakabayashi T, Umeda S. Anterior insular cortex stimulation and its effects on emotion recognition. Brain Struct Funct. 2019;224(6):2167-81.,3939 Roussel NA, Nijs J, Meeus M, Mylius V, Fayt C, Oostendorp R. Central sensitization and altered central pain processing in chronic low back pain: fact or myth? Clin J Pain. 2013;29(7):625-38..

CONCLUSÃO

Há uma tendência de pior desempenho cognitivo de acordo com o aumento na percepção de intensidade dolorosa na amostra de pacientes com DTM. Além disso, o baixo desempenho cognitivo parece prejudicar o aproveitamento e eficácia da intervenção baseada em educação sobre a dor para pacientes com DTM dolorosa, a qual é considerada importante estratégia para seu manejo. Sendo assim, é importante considerar os aspectos cognitivos dos pacientes quando se planeja intervenções desse tipo para que se direcione o planejamento adequadamente, incluindo possíveis encaminhamentos e/ou estratégias voltadas para a avaliação do desempenho cognitivo.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Manfredini D, Chiappe G, Bosco M. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders (RDC/TMD) axis I diagnoses in an Italian patient population. J Oral Rehabil. 2006;33(8):551-8.
  • 2
    Dworkin SF. The OPPERA study: Act One. J Pain. 2011 Nov;12(11 Suppl):T1-3.
  • 3
    Okeson JP. Management of Temporomandibular Disorders and Occlusion. 8a ed. St. Louis: Elsevier, 2020. 514p.
  • 4
    Peixoto KO, Resende CMBM, Almeida EO, Almeida-Leite CM, Conti PCR, Barbosa GAS, Barbosa JS. Association of sleep quality and psychological aspects with reports of bruxism and TMD in Brazilian dentists during the COVID-19 pandemic. J Appl Oral Sci. 2021;29:e20201089.
  • 5
    Slade GD, Ohrbach R, Greenspan JD, Fillingim RB, Bair E, Sanders AE, Dubner R, Diatchenko L, Meloto CB, Smith S, Maixner W. Painful temporomandibular disorder: decade of discovery from OPPERA Studies. J Dent Res. 2016;95(10):1084-92.
  • 6
    International Classification of Orofacial Pain, 1st edition (ICOP). Cephalalgia. 2020;40(2):129-221.
  • 7
    Ettlin DA, Napimoga MH, Meira E Cruz M, Clemente-Napimoga JT. Orofacial musculoskeletal pain: An evidence-based bio-psycho-social matrix model. Neurosci Biobehav Rev. 2021;128(1):12-20.
  • 8
    Malfliet A, Coppieters I, Van Wilgen P, Kregel J, De Pauw R, Dolphens M, Ickmans K. Brain changes associated with cognitive and emotional factors in chronic pain: A systematic review. Eur J Pain. 2017;21(5):769-86.
  • 9
    Apkarian VA, Hashmi JA, Baliki MN. Pain and the brain: specificity and plasticity of the brain in clinical chronic pain. Pain. 2011;152(3 Suppl):S49-S64.
  • 10
    Legrain V, Damme SV, Eccleston C, Davis KD, Seminowicz DA, Crombez G. A neurocognitive model of attention to pain: behavioral and neuroimaging evidence. Pain. 2009;144(3):230-32.
  • 11
    Ferreira Kdos S, Oliver GZ, Thomaz DC, Teixeira CT, Foss MP. Cognitive deficits in chronic pain patients, in a brief screening test, are independent of comorbidities and medication use. Arq Neuropsiquiatr. 2016;74(5):361-6.
  • 12
    Berryman C, Stanton TR, Bowering KJ, Tabor A, McFarlane A, Moseley GL. Do people with chronic pain have impaired executive function? A meta-analytical review. Clin Psychol Rev. 2014;34(7):563-79.
  • 13
    da Silva GV, Magri LV, de Oliveira Melchior M, Andrade Leite-Panissi CR, da Silva Gherardi-Donato EC. Mindfulness and pain catastrophization: how are they associated in women with chronic painful temporomandibular disorder (TMD)? Cranio. 2022;20:1-7. ahead of print.
  • 14
    Durham J, Al-Baghdadi M, Baad-Hansen L, Breckons M, Goulet JP, Lobbezoo F, List T, Michelotti A, Nixdorf DR, Peck CC, Raphael K, Schiffman E, Steele JG, Story W, Ohrbach R. Self-management programmes in temporomandibular disorders: results from an international Delphi process. J Oral Rehabil. 2016;43(12):929-36.
  • 15
    de Freitas RF, Ferreira MÂ, Barbosa GA, Calderon PS. Counselling and self-management therapies for temporomandibular disorders: a systematic review. J Oral Rehabil. 2013;40(11):864-74.
  • 16
    de Melo LA, Bezerra de Medeiros AK, Campos MFTP, Bastos Machado de Resende CM, Barbosa GAS, de Almeida EO. Manual therapy in the treatment of myofascial pain related to temporomandibular disorders: a systematic review. J Oral Facial Pain Headache. 2020;34(2):141-8.
  • 17
    Moher D, Hopewell S, Schulz KF, Montori V, Gøtzsche PC, Devereaux PJ, Elbourne D, Egger M, Altman DG. CONSORT 2010 explanation and elaboration: updated guidelines for reporting parallel group randomised trials. BMJ. 2010;23;340:c869.
  • 18
    Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet JP, List T, Svensson P, Gonzalez Y, Lobbezoo F, Michelotti A, Brooks SL, Ceusters W, Drangsholt M, Ettlin D, Gaul C, Goldberg LJ, Haythornthwaite JA, Hollender L, Jensen R, John MT, De Laat A, de Leeuw R, Maixner W, van der Meulen M, Murray GM, Nixdorf DR, Palla S, Petersson A, Pionchon P, Smith B, Visscher CM, Zakrzewska J, Dworkin SF; International RDC/TMD Consortium Network, International association for Dental Research; Orofacial Pain Special Interest Group, International Association for the Study of Pain. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Research Applications: recommendations of the International RDC/ TMD Consortium Network* and Orofacial Pain Special Interest Group†. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(1):6-27.
  • 19
    Martins NIM, Caldas PR, Cabral ED, Lins CCDSA, Coriolano MDGWS. Cognitive assessment instruments used in elderly Brazilians in the last five years. Cien Saude Colet. 2019;24(7):2513-30.
  • 20
    Pinto TCC, Machado L, Bulgacov TM, Rodrigues-Júnior AL, Costa MLG, Ximenes RCC, Sougey EB. Is the Montreal Cognitive Assessment (MoCA) screening superior to the Mini-Mental State Examination (MMSE) in the detection of mild cognitive impairment (MCI) and Alzheimer’s Disease (AD) in the elderly? Int Psychogeriatr. 2019;31(4):491-504.
  • 21
    Neblett R, Cohen H, Choi Y, Hartzell MM, Williams M, Mayer TG, Gatchel RJ. The Central Sensitization Inventory (CSI): establishing clinically significant values for identifying central sensitivity syndromes in an outpatient chronic pain sample. J Pain. 2013;14(5):438-45.
  • 22
    Caumo W, Antunes LC, Elkfury JL, Herbstrith EG, Busanello Sipmann R, Souza A, Torres IL, Souza Dos Santos V, Neblett R. The Central Sensitization Inventory validated and adapted for a Brazilian population: psychometric properties and its relationship with brain-derived neurotrophic factor. J Pain Res. 2017;10:2109-22.
  • 23
    Armijo-Olivo S, Pitance L, Singh V, Neto F, Thie N, Michelotti A. Effectiveness of manual therapy and therapeutic exercise for temporomandibular disorders: systematic review and meta-analysis. Phys Ther. 2016;96(1):9-25.
  • 24
    Goldstein RE, Auclair Clark W. The clinical management of awake bruxism. J Am Dent Assoc. 2017;148(6):387-91.
  • 25
    Truong L, Reher P, Doan N. Correlation between upper airway dimension and TMJ position in patients with sleep disordered breathing. Cranio. 2020;8:1-9. Epub ahead of print.
  • 26
    Schmid-Schwap M, Bristela M, Kundi M, Piehslinger E. Sex-specific differences in patients with temporomandibular disorders. J Orofac Pain. 2013;27(1):42-50.
  • 27
    Jedynak B, Jaworska-Zaremba M, Grzechocińska B, Chmurska M, Janicka J, Kostrzewa- Janicka J. TMD in Females with Menstrual Disorders. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(14):7263.
  • 28
    Dıraçoğlu D, Yıldırım NK, Saral İ, Özkan M, Karan A, Özkan S, Aksoy C. Temporomandibular dysfunction and risk factors for anxiety and depression. J Back Musculoskelet Rehabil. 2016;29(3):487-91.
  • 29
    Nahman-Averbuch H, Sprecher E, Jacob G, Yarnitsky D. The relationships between parasympathetic function and pain perception: the role of anxiety. Pain Pract. 2016;16(8):1064-72.
  • 30
    Reissmann DR, John MT, Seedorf H, Doering S, Schierz O. Temporomandibular disorder pain is related to the general disposition to be anxious. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(4):322-30.
  • 31
    Robinson JL, Johnson PM, Kister K, Yin MT, Chen J, Wadhwa S. Estrogen signaling impacts temporomandibular joint and periodontal disease pathology. Odontology. 2020;108(2):153-65..
  • 32
    Ribeiro-Dasilva MC, Peres Line SR, Leme Godoy dos Santos MC, Arthuri MT, Hou W, Fillingim RB, Rizzatti Barbosa CM. Estrogen receptor-alpha polymorphisms and predisposition to TMJ disorder. J Pain. 2009;10(5):527-33.
  • 33
    van Griensven H, Schmid A, Trendafilova T, Low M. Central sensitization in musculoskeletal pain: lost in translation? J Orthop Sports Phys Ther. 2020;50(11):592-6.
  • 34
    Van Oosterwijck J, Nijs J, Meeus M, Truijen S, Craps J, Van den Keybus N, Paul L. Pain neurophysiology education improves cognitions, pain thresholds, and movement performance in people with chronic whiplash: a pilot study. J Rehabil Res Dev. 2011;48(1):43-58.
  • 35
    Dolphens M, Nijs J, Cagnie B, Meeus M, Roussel N, Kregel J, Malfliet A, Vanderstraeten G, Danneels L. Efficacy of a modern neuroscience approach versus usual care evidence-based physiotherapy on pain, disability and brain characteristics in chronic spinal pain patients: protocol of a randomized clinical trial. BMC Musculoskelet Disord. 2014;8;15:149.
  • 36
    Resende CM, Alves AC, Coelho LT, Alchieri JC, Roncalli AG, Barbosa GA. Quality of life and general health in patients with temporomandibular disorders. Braz Oral Res. 2013;27(2):116-21.
  • 37
    Wieckiewicz M, Boening K, Wiland P, Shiau YY, Paradowska-Stolarz A. Reported concepts for the treatment modalities and pain management of temporomandibular disorders. J Headache Pain. 2015;16:106.
  • 38
    Motomura K, Terasawa Y, Natsume A, Iijima K, Chalise L, Sugiura J, Yamamoto H, Koyama K, Wakabayashi T, Umeda S. Anterior insular cortex stimulation and its effects on emotion recognition. Brain Struct Funct. 2019;224(6):2167-81.
  • 39
    Roussel NA, Nijs J, Meeus M, Mylius V, Fayt C, Oostendorp R. Central sensitization and altered central pain processing in chronic low back pain: fact or myth? Clin J Pain. 2013;29(7):625-38.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2022
  • Aceito
    16 Dez 2022
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br