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Uso do Alphitobius diaperinus como método alternativo de osteotécnica

Resumo

Buscou-se com o presente estudo desenvolver um método alternativo de osteotécnica biológica baseado no uso de cascudinhos (Alphitobius diaperinus), um inseto de comportamento necrófago encontrado nos sistemas de produção avícola. Foram utilizados dez cadáveres de animais de pequeno a médio porte e de diferentes espécies, e duas peças ósseas isoladas. Após a retirada dos tecidos moles, os ossos foram acomodados junto aos insetos até a sua limpeza completa. Na sequência, as peças foram avaliadas, clareadas, secas e os esqueletos montados. A utilização dos cascudinhos na preparação biológica de esqueletos demonstrou resultados bastantes promissores, visto que este inseto é de fácil aquisição, manutenção e manipulação, não emite odores desagradáveis ao ambiente, proporciona uma limpeza completa dos esqueletos, atingindo lugares de difícil acesso. Além disso, apresentam grande agilidade na limpeza das carcaças, sendo dispensável a fixação prévia dos tecidos moles para prevenir a putrefação ou o aparecimento de microrganismos, como colônias de fungos.

Palavras-chave:
maceração; besouros; esqueletos

Abstract

This study aimed to develop an alternative biological osteotechnical method using lesser mealworms (Alphitobius diaperinus), a scavenging insect found in poultry production systems. Ten small to medium-sized animal cadavers of different species and two isolated bone pieces were used. After the soft tissues were removed, the bones were accommodated with the insects until they were thoroughly cleaned. Next, the pieces were evaluated, bleached, dried, and the skeletons assembled. The use of lesser mealworms in the biological preparation of skeletons has shown very promising results since this insect is easy to acquire, maintain, and handle; it does not emit unpleasant odors into the environment; it provides complete cleaning of the skeletons, reaching places that are difficult to access. In addition, they present great agility in cleaning the carcasses, dispensing the previous fixation of the soft tissues to prevent putrefaction or the appearance of microorganisms, such as fungal colonies.

Keywords:
maceration; beetles; skeletons

1. Introdução

A utilização de modelos osteológicos contribui para atividades educacionais e científicas, pois seu uso permite identificar alguns aspectos da vida do animal, tais como locomoção e postura(1). No decorrer da preparação dessas peças osteológicas, pode-se optar pelo uso de processos mecânicos, biológicos ou químicos, aplicados de maneira separada ou combinados(2).

Na preparação biológica, já foram relatados o uso de caranguejos, traça-das-roupas, tenebrião, isópodes e Dermestes, sendo este último o mais comum(3). O Dermestes maculatus é um besouro com ampla dispersão geográfica que se alimenta de carcaças de animais mortos(4). Esta espécie vem sendo reproduzida em laboratórios há décadas com a finalidade de preparar materiais biológicos(5), isso porque estes insetos produzem menos odores desagradáveis, quando comparados com outros processos de maceração, além de manter os exemplares totalmente articulados durante o processo de limpeza(6). No entanto, ao aplicar este método na preparação de crânios de morcegos, Oliveira(7) observou que os Dermestes causaram danos estruturais em algumas peças devido ao consumo do extrato ósseo, mesmo na presença de tecidos moles.

Com características semelhantes, o Alphitobius diaperinus, popularmente conhecido como cascudinho de aviário, é um inseto cosmopolita encontrado em abundância no substrato de granjas avícolas. A espécie, de origem africana, é encontrada naturalmente associada a cavernas de morcegos e ninhos de pássaros, onde nutre-se dos fragmentos de peles, penas e eventuais carcaças(8). Nos aviários, o besouro e suas larvas se alimentam das excretas e de ração, bem como, realizam necrofagia em carcaças ou em aves moribundas(9). O seu ciclo biológico apresenta grande variação, porém, em condições favoráveis de temperatura e umidade, o ciclo tende a se completar em aproximadamente 55 dias, o que contribui para o seu rápido desenvolvimento nas instalações(10). Observando a diversidade de possíveis métodos para a preparação de peças osteológicas e a importância que estas peças desempenham no meio científico e educacional, objetivou-se elaborar um método alternativo de preparação biológica de esqueletos utilizando o Alphitobius diaperinus.

2. Material e métodos

Os cascudinhos (Alphitobius diaperinus) utilizados foram coletados do aviário do Instituto Federal Catarinense (IFC) -Campus de Concórdia, com auxílio de uma caneca e um pote com tampa e alojados em recipientes plásticos de face interna lisa e cobertos na parte superior com tela metálica de baixa granulometria, permitindo a passagem de ar e bloqueando a entrada de outros animais. As caixas plásticas foram colocadas em um ambiente externo, construído com ripas de madeira e lona preta, protegendo-os da chuva, luz solar e vento. A temperatura interna do recinto foi mantida na faixa térmica de 25°C a 30°C com a instalação de um sistema de aquecimento automático à base de lâmpadas incandescentes, com visor de marcação da temperatura do recinto. Ao fundo de cada caixa, foi colocada uma camada de aproximadamente quatro centímetros de maravalha como substrato e pequenos potes plásticos vazados preenchidos com algodão umedecido. Para a manutenção dos besouros, foi acrescentado pequenas porções de ração para frango e o algodão umedecido semanalmente. Após a coleta e a acomodação dos besouros, as carcaças dos animais experimentais foram prontamente colocadas nas caixas, sem necessidade de tempo para o desenvolvimento da população de Alphitobius diaperinus.

Foram utilizados dez cadáveres de animais inteiros, sendo eles: uma ratazana, dois sabiás-laranjeira, um sagui-de-tufos-pretos, uma suindara, uma coral-verdadeira, um filhote de cão doméstico, um tatu-galinha, um ratão-do-banhado e um jacundá; duas peças ósseas isoladas, uma cabeça de cabra e uma de tucano-de-bicoverde. Todos os exemplares utilizados já se encontravam no Laboratório de Anatomia Animal do IFC - campus Concórdia, os quais foram obtidos através de doações, animais encontrados mortos dentro do campus e mortos por atropelamento em rodovias.

As peças utilizadas passaram por limpeza prévia onde removeu-se a pele, vísceras e excesso de musculatura. Em seguida, foram pesadas e acondicionadas sobre uma base plástica com bordas baixas nas arestas, para evitar a perda de estruturas ósseas com a movimentação ocasionada pela ação dos insetos, e colocadas no recipiente onde os cascudinhos eram mantidos. Vistorias diárias foram realizadas para acompanhar o processo e coletar informações sobre odores gerados, crescimento de fungos e o consumo dos tecidos das carcaças.

Após a limpeza completa dos tecidos moles pelos besouros, as peças foram pesadas e avaliadas quanto ao consumo da matriz óssea por parte dos insetos. Posteriormente, foram banhadas em álcool 70% por 30 minutos, colocadas em solução de água oxigenada 10% até que atingissem coloração clara desejada e secadas ao sol, ficando assim prontas para a montagem dos esqueletos.

Registros fotográficos foram coletados durante o processamento de cada espécime e os resultados foram tabelados para facilitar a interpretação. As peças confeccionadas estão expostas no Laboratório de Anatomia Animal do IFC – Concórdia, e disponíveis para visitação e utilização em aulas.

3. Resultados e discussão

Os resultados obtidos a partir dos cascudinhos foram confrontados com os relatos em literatura utilizando os dermestídeos, pois é a metodologia mais comumente empregada envolvendo organismos vivos e que apresenta bons resultados na limpeza de peças osteológicas(2). O cascudinho de aviário (Alphitobius diaperinus) é considerado praga do sistema de produção de aves de corte devido aos fatores ambientais favoráveis para a sua rápida proliferação(11). Ao adentrar na instalação para realizar a sua coleta, foi observado grandes quantidades destes besouros, tanto em sua fase larval quanto na adulta, logo abaixo das carcaças de aves mortas no aviário, principalmente no período após a entrega do lote, o que facilitou a sua captura em grande quantidade. Vale ressaltar que cada lote de frangos leva em média 45 dias para ficar pronto(12), o que permite a implementação ou reposição dos besouros de forma rápida e durante todo o ano.

Os Dermestes podem ser obtidos por meio de doações de instituições que possuem estes insetos ou capturados da natureza (14), já que são frequentemente encontrados em carcaças em decomposição(15), entretanto, após a coleta, estes besouros devem ser reproduzidos até atingir um montante adequado para o trabalho de limpeza. Diferentemente do Dermestes, os cascudinhos podem ser encaminhados diretamente para o processo de limpeza, devido à facilidade e abundância na coleta, agilizando o processamento das peças.

No experimento realizado por Gomes e Oliveira(14), onde avaliaram a montagem e manutenção de colônias de Dermestes, foi observada a necessidade de se utilizar exaustores no ambiente devido aos cheiros desconfortáveis liberados no ambiente do processamento. Estes mesmos autores recomendam que o local utilizado para abrigar os Dermestes seja separado dos materiais biológicos. Todo esse cuidado é importante para evitar infestações devido ao risco que estes besouros representam, pois podem consumir peles, papéis, pelos, penas e tecidos(16). Neste experimento, o alojamento simples, confeccionado com lona e armação de maneira, atendeu todos os requisitos básicos para o manejo da colônia de A. diaperinus e das atividades de maceração, haja vista que não foram constatados odores anormais além do pertencente à cama do aviário trazida junto no momento da colheita, nem fugas de insetos para o ambiente ou dano dos recintos. Desta forma constata-se que não é necessário grandes investimentos para introduzir estes insetos na rotina laboratorial, bem como a sua criação em locais próximos ao laboratório, facilitando o acompanhamento das preparações de esqueleto.

Buscando proporcionar condições semelhantes às encontradas nos aviários, como temperatura, umidade e alimentação, responsáveis pela perpetuação dos besouros no meio de produção(17), foi observado que controlar a temperatura, tratar os insetos com ração para frango e umidificar substrato com borrifador, foi suficiente para manter o bom desempenho dos insetos durante todo o período. O fator temperatura, principalmente a redução dela, parece influenciar na velocidade do processamento, entretanto, mesmo expostos a temperaturas de 4° C dentro do criatório, durante uma semana no período noturno, devido a problemas no equipamento de aquecimento, observou-se que após a estabilização da temperatura ideal a atividade dos cascudinhos foi restabelecida. Na criação de Dermestes, Leeper(18) relata que as variações ambientais podem causar a redução repentina da população, assim como o acúmulo de matéria orgânica no substrato de algodão, necessitando de limpeza frequente. Para a mantença dos dermestídeos, se deve abastecer os criadouros com mais matéria orgânica, como carne ou ossos de animais (fixados previamente com álcool), ou até mesmo pode-se utilizar ração de cachorro(14).

De acordo com Gomes e Oliveira(14), antes de ir para o dermestário, o material a ser processado deve ser conservado em álcool 70% ou formol 10%, e ao final ele deve ser completamente seco, para evitar contaminações de fungos ou de outros parasitas, evitando dessa maneira o mau cheiro e a consequente redução populacional do Dermestes. No presente experimento não foram aplicadas medidas de conservação prévia das peças trabalhadas, mesmo assim, não foram observadas colônias de fungos ou outros insetos sobre as peças e nem a presença de odores desagradáveis. Estes fatos podem estar ligados com o rápido consumo dos tecidos moles pelos cascudinhos, o que confere praticidade, economia e segurança no processamento desenvolvido neste trabalho.

Durante o experimento, foram produzidas onze peças osteológicas de pequeno a médio porte de diferentes espécies. Verificou-se que os cascudinhos possuem grande capacidade de consumir tecidos moles em um curto período de tempo (Tabela 1) e aptidão para realizar a limpeza de esqueletos na preparação de modelos osteológicos.

Tabela 1
Quantidade de tecido consumido e tempo gasto para finalizar a limpeza de cada peça preparada.

De acordo com Hefti e colaboradores(13), não é possível pré-determinar o tempo de processamento pois existem muitas variáveis que influenciam diretamente no resultado final, tais como, o tamanho e a composição da população de besouros, alimentação disponível, temperatura e incidência de luz sobre os criadouros. No estudo realizado por Rodrigues et al.(6), onde foram utilizados Dermestes para limpar esqueletos inteiros de alguns animais, foi obtido um tempo de processamento de quatro meses para uma iguana, um mês para um suíno e para um ferret, vinte dias para a rolinha e dez dias para um morcego e uma coruja. Apesar de existirem muitas variáveis que podem interferir no resultado final, nota-se que, quando comparado com o Dermestes, os cascudinhos apresentaram redução de 80% no tempo necessário para limpar um esqueleto de coruja, demorando apenas dois dias para completar a limpeza. Neste trabalho, para a limpeza do esqueleto completo de um filhote de cão (260 mm de comprimento), obtivemos um tempo de 7 dias para a finalização do processo, metade do tempo encontrado por Oliveira(7), em seu trabalho com Dermestes, no qual relata que para realizar a limpeza de cabeças de animais, com comprimento de 17,7 a 31,3 mm, foram necessários de 14 a 28 dias.

Observou-se também a limpeza completa dos ossos, mesmo em lugares complexos e de difícil acesso, e a preservação dos componentes ósseos articulados, evitando assim a perda de pequenos ossos no recinto dos besouros (Figura 1), não requerendo cola ou arame para exposição. Outras estruturas, como a cartilagem costal e xifóide, mantiveram-se intactas e aderidas e não foi percebido danos à matriz óssea, quando os esqueletos foram retirados logo após a finalização da limpeza.

Figura 1
Imagens fotográficas das etapas do processamento do esqueleto de ratazana. Observa-se em A os cascudinhos limpando o esqueleto; em B o pós limpeza imediato dos tecidos moles; em C o esqueleto montado em exposição.

Nos trabalhos com Dermestes há sempre o relato de atenção ao tempo de permanência dos exemplares sob a ação dos besouros, com risco de perda de partes cartilaginosas ou mesmo ossos muito delicados, sendo fundamental o acompanhamento da limpeza do material diariamente e sua retirada quando suficientemente limpo. Crânios de animais pequenos e delicados podem ser completamente ingeridos se ficarem muito tempo no dermestário(14). Neste estudo, os espécimes foram observados diariamente para avaliar a possibilidade de lesão, mas para testar os limites do processamento com A. diaperinus, sem que houvesse dano ao material trabalhado, foram deixados no recinto dos besouros um esqueleto de sabiá (tempo total de duas semanas) e uma cabeça de tucano (tempo total de 24 semanas). Verificou-se que, alguns dias após a limpeza, houve a ação dos besouros sobre os ligamentos, desarticulando parcialmente o esqueleto do sabiá e ocasionando a degradação do delgado septo interorbital. Na cabeça do tucano não ocorreu a desarticulação da mandíbula, mas também foi observada a perda de matriz óssea do septo interorbital (Figura 2).

Figura 2
Imagem fotográfica da vista lateral do crânio de Tucano-de-bico-verde mostrando o consumo da matriz óssea do septo interorbital (→).

4. Conclusão

Foi possível verificar que o uso de besouros da espécie A. diaperinus, popularmente conhecido como cascudinho de aviário, na preparação biológica de peças osteológicas é uma alternativa viável, pois os insetos são encontrados facilmente e em abundância, apresentam manejo simplificado, não geram odores desagradáveis no ambiente, possuem grande capacidade de consumo de tecidos orgânicos moles, apresentam rapidez e eficiência na limpeza, mesmo em peças delicadas e de difícil acesso, e tem pouca predileção por tecidos já fixados, tornando o seu uso seguro em ambientes laboratoriais. Além da rotina laboratorial, estes insetos podem ser utilizados na realização de pesquisas onde é necessária a limpeza de esqueleto, haja vista que macroscopicamente não foi observado consumo da matriz óssea dos espécimes utilizados no processo, quando manejados de acordo com a metodologia deste trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2023
  • Aceito
    03 Jul 2023
  • Publicado
    24 Ago 2023
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