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Juventudes, trabalho e cultura em tempos de racionalidade neoliberal

Resumo

O presente artigo se debruça sobre a temática das juventudes enquanto importante categoria social, inscrita em um contexto de diversidade social interessada, em especial, nos grupos que mais sofrem com os efeitos da exclusão e da desigualdade. Temos que a expansão da lógica do atual modo social de produção capitalista e suas respostas diante das crises, como o neoliberalismo e a reestruturação das relações de trabalho, por exemplo, resultaram em mutações acerca do trabalho e das sociabilidades no mundo contemporâneo. Compreende-se, então, que a racionalidade neoliberal interfere diretamente na relação entre juventudes, trabalho e cultura e o presente texto apresenta análise crítica sobre como esse contexto interfere nos/as jovens trabalhadores/as da cultura. O trabalho no campo cultural se apresenta como possibilidade factível e também como potencializador para a essência criativa, novas subjetividades e formas de ser e estar no mundo, ao mesmo tempo em que enfrenta e reproduz os desafios da precarização e flexibilização e o próprio desemprego ou não trabalho como parte deste processo. Na terapia ocupacional se faz essencial investigar como a desigualdade, a exclusão e a exploração, intrínsecos ao capitalismo e à racionalidade neoliberal, interferem e alteram as ocupações, as atividades humanas e os cotidianos, sobretudo daqueles que mais vivenciam seus efeitos.

Palavras-chave:
Juventude; Renda; Cultura; Economia; Terapia Ocupacional

Abstract

This article focuses on the theme of youth as an important social category, in a context of social diversity especially interested in the groups that suffer most the effects of exclusion and inequality. The expanded logic of the current social mode of capitalist production and its responses to crises such as neoliberalism and the restructuring of labor relations has resulted in mutations about work and sociability in the contemporary world. It is understood, then, that neoliberal rationality directly interferes in the relation between youths, work and culture and the present essay presents a critical analysis on how this context interferes in the young cultural workers. In the cultural field, labor is a feasible possibility and also enhances the creative essence, new subjectivities and ways of being and being in the world, at the time it faces and reproduces the challenges of precarious work and flexibilization and unemployment or not working as part of this process. In occupational therapy, it is essential to investigate how inequality, exclusion and exploitation intrinsic to capitalism and neoliberal rationality interferes and alters occupations, human activities and daily life, especially of those who most experience its effects.

Keywords:
Youth; Income; Culture; Economics; Occupational Therapy

1 Apresentação

O presente artigo expõe reflexões teóricas derivadas da dissertação de mestrado de uma das autoras, acerca da temática da juventude enquanto importante categoria social, inscrita em um contexto de diversidade social e em situação de vulnerabilidade e exclusão do mundo do trabalho (Almeida Prado, 2019Almeida Prado, A. C. S. (2019). Trabalho e cultura para jovens artistas: mainstream ou resistência? (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Em especial, o manuscrito foca as relações estabelecidas entre jovens trabalhadores da cultura considerando as múltiplas juventudes. Temos que os grupos de jovens trabalhadores da cultura se inserem em uma realidade social heterogênea, entre as quais determinados grupos sociais estão em situações de maior vulnerabilidade e encontram maior dificuldade para a realização, produção, divulgação e reconhecimento de seus trabalhos.

Por fim, este manuscrito aponta que a criação de novas inteligibilidades, subjetividades e reestruturação das relações sociais surgem como mutações sociais ocorridas no mundo do trabalho e, assim, respondem ao mercado e ao capital. Isso indica que a integração entre as precariedades e marginalidades presentes nos cotidianos de jovens trabalhadores da cultura estão inter-relacionadas com os processos de dominação hegemônicos frente à racionalidade neoliberal e suas interseccionalidades.

2 Juventudes: Dados sobre os Processos de Vulnerabilidades

A juventude brasileira, de acordo com o Estatuto da Juventude1 1 Lei Nº 12.852, de 5 de agosto de 2013. , inscreve-se na faixa etária entre os 15 e os 29 anos (Brasil, 2013Brasil. (2013). Estatuto da juventude: atos internacionais e normas correlatas. Brasília: Senado Federal.). No contexto da América Latina e Caribe, o número de jovens totaliza cerca de 163 milhões de pessoas, representando um quarto da população existente nessa região geográfica (Comisión Económica para América Latina y el Caribe, 2016Comisión Económica para América Latina y el Caribe – CEPAL. (2016). Observatorio Demográfico: proyecciones de población. Santiago: Organização das Nações Unidas.). Já sobre os dados referentes ao Brasil, temos que em 2017 essa população foi de 48,5 milhões de pessoas com 15 a 29 anos de idade (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018aInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2018a). Conceitos e definições. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 01 de dezembro de 2018, de https://www2.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pnad_continua/primeiros_resultados/analise01.shtm.
https://www2.ibge.gov.br/home/estatistic...
).

Esses dados nos apontam para a existência de uma expressiva categoria, não apenas numérica ou ainda compreendida como grupo populacional em fase de transição, tal como foi reconhecida em décadas anteriores (Eisenstadt, 1976Eisenstadt, S. N. (1976). De geração a geração. São Paulo: Perspectiva.), mas, como grupo social que demanda urgentes e inúmeras ações se reconhecidas suas realidades e suas situações de vulnerabilidades.

Com base na perspectiva de cidadania e ampliação de direitos sociais e humanos para esse grupo social, adotamos a concepção de Dayrell (2003Dayrell, J. (2003). O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, 1(24), 40-52. Recuperado em 1 de janeiro de 2014, de http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a0...
, p. 42), que nos leva à compreensão da juventude:

[…] como parte de um processo mais amplo de constituição de sujeitos, mas que tem especificidades que marcam a vida de cada um. A juventude constitui um momento determinado, mas não se reduz a uma passagem; ela assume uma importância em si mesma. Todo esse processo é influenciado pelo meio social concreto no qual se desenvolve e pela qualidade das trocas que este proporciona.

Além disso, a fim de evidenciar os jovens como sujeitos plurais inscritos em múltiplas e distintas culturas, realidades e necessidades, e bem como sujeitos de direitos, trataremos o termo no plural: juventudes (Dayrell, 2003Dayrell, J. (2003). O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, 1(24), 40-52. Recuperado em 1 de janeiro de 2014, de http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a0...
).

É importante retomar que a juventude no Brasil apenas ganhou a cena política a partir da década de 1990. Foi nas décadas de 1980 e 1990 que emergiu uma nova noção de cidadania, engendrada pelas lutas dos movimentos sociais por liberdades democráticas e garantias de direitos. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 foi um importante marco em relação aos direitos e deveres desta população, no qual estabeleceu importantes mecanismos de proteção para crianças e jovens até os 18 anos (Brasil, 1990Brasil. (1990). Estatuto da criança e do adolescente: lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e legislação correlata. Brasília: Câmara dos Deputados.).

Contudo, apesar dos avanços, as juventudes brasileiras, sobretudo de camadas populares, foram marcadas por problemáticas e como ameaçadoras da ordem social. Essa disputa discursiva esteve presente sobretudo nas políticas públicas da saúde e segurança, com base em comportamentos de risco e transgressão, relacionados à sexualidade, aos índices de violência, narcotráfico e criminalidade (Pais, 1990Pais, J. M. (1990). A construção sociológica da juventude - alguns contributos. Analise Social, 25(1/2), 139-165.; Silva, 2011Silva, C. R. (2011). Percursos juvenis e trajetórias escolares: vidas que se tecem nas periferias das cidades (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Peçanha, 2015Peçanha, E. (2015). A Cultura como campo de trabalho para a juventude: políticas, experiências e desafios. São Paulo: Ação Educativa.).

Assim, as juventudes estiveram marcadas pelas contradições semânticas e sociais nas quais as consideraram como “problema social”, ao mesmo tempo em que representam um grupo que impulsiona o desenvolvimento, com as características para as novas demandas do mercado (Silva, 2011Silva, C. R. (2011). Percursos juvenis e trajetórias escolares: vidas que se tecem nas periferias das cidades (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

No fim dos anos de 1990, uma série de ações governamentais federais e municipais formalizaram o início de uma agenda pública que tomou os jovens como problema político e objeto específico da intervenção do Estado (Freitas & Papa, 2003Freitas, M. V., & Papa, F. (2003). Políticas públicas de juventude em pauta. São Paulo: Ação Educativa.).

A década seguinte foi marcada pela criação de uma série de organismos e políticas federais que institucionalizava e articulava diferentes políticas dirigidas aos jovens. O Estado assumiu o papel de executor de algumas delas.

Em 2005, tivemos a criação da Secretaria Nacional de Juventude, responsável por articular as diferentes políticas dos ministérios e o Conselho Nacional de Juventude, um órgão consultivo composto por membros do poder público e sociedade civil. Em 2013, tivemos a aprovação do Estatuto da Juventude, um instrumento legal que dispõe dos direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude – SINAJUVE (Brasil, 2013Brasil. (2013). Estatuto da juventude: atos internacionais e normas correlatas. Brasília: Senado Federal.).

Cabe ressaltar que o foco de análise da política pública volta-se para a identificação dos fenômenos que esta pretende abarcar, na maneira que este fenômeno é traduzido para o sistema político, a sociedade e as instituições implementadoras. Sua elaboração e efetivação conta com grupos de interesses, movimentos sociais e instituições, seguindo, assim, regras formais e informais que podem atuar como facilitadoras ou não desse processo. Entretanto, o que pareceu estar em jogo foi a disputa de forças pelo poder e os interesses sociais políticos, econômicos e ideológicos, o que pode privilegiar determinados grupos sociais em detrimento a outros (Souza, 2006Souza, C. (2006). Políticas públicas: uma revisão de literatura. Sociologias, 8(16), 20-45.).

Apesar da promulgação de uma série de ações, projetos e políticas voltadas para as juventudes como sujeitos de direitos, temos inúmeras lacunas existentes na oferta de oportunidades para a maioria das juventudes brasileiras, relacionadas com a educação, a profissionalização, o trabalho, a cultura, entre outras. Assim, faz-se necessário ressaltar que esses setores influenciam diretamente os percursos trilhados, inscrevendo-nas em um contínuo de desigualdade e precarização.

Nas sociedades atuais, as desigualdades e as precarizações estão relacionadas diretamente com os processos de trabalho e geração de renda. Temos que o mundo do trabalho se encontra em um processo progressivo e constante de desemprego e precarização, afetando diretamente e de forma acentuada a juventude (Corrochano et al., 2008Corrochano, M. C., Ferreira, M. I. C., Freitas, M. V., & Souza, R. (2008). Jovens e trabalho no Brasil: desigualdades e desafios para as políticas públicas. São Paulo: Instituto IBI.).

A realidade da América Latina e do Caribe nos mostra que cerca de 64% dos jovens encontram-se em áreas de vulnerabilidade social, com possibilidades de acesso apenas a serviços de baixa qualidade e empregos precarizados, fator este que minimiza a possibilidade de ascensão social para essa população (Comisión Económica para América Latina y el Caribe, 2016Comisión Económica para América Latina y el Caribe – CEPAL. (2016). Observatorio Demográfico: proyecciones de población. Santiago: Organização das Nações Unidas.).

Para Silva (2011)Silva, C. R. (2011). Percursos juvenis e trajetórias escolares: vidas que se tecem nas periferias das cidades (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., os grupos juvenis pertencentes às classes mais vulneráveis possuem maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho, restando-lhes empregos de baixa qualidade, inscritos na precariedade, informalidade e na ausência de proteção social.

As taxas de desemprego entre os jovens apresentam um aumento bastante expressivo. A Organização Internacional do Trabalho – OIT – previu, em 2016, cerca de meio milhão de jovens da população mundial em situação de desemprego, sendo que, nos países emergentes, em 2017, a expectativa foi de cerca de 53,5 milhões de jovens nessa situação (Organização Internacional do Trabalho, 2016Organização Internacional do Trabalho – OIT. (2016). Perspectivas sociales y del empleo en el mundo 2016: tendências del empleo juvenil. Resumen ejecutivo. Geneva: ILO. Recuperado em 01 de dezembro de 2018, de file:///C:/Users/Carol%20Prado/Desktop/wcms_513747.pdf).

Cabe ressaltar que os dados referentes aos jovens desempregados não expressam a realidade atual do mercado de trabalho, pois cerca de 156 milhões de jovens empregados se encontram em situação de extrema pobreza, tanto em países desenvolvidos como emergentes (Organização Internacional do Trabalho, 2016Organização Internacional do Trabalho – OIT. (2016). Perspectivas sociales y del empleo en el mundo 2016: tendências del empleo juvenil. Resumen ejecutivo. Geneva: ILO. Recuperado em 01 de dezembro de 2018, de file:///C:/Users/Carol%20Prado/Desktop/wcms_513747.pdf).

Afinal, apesar de estarem empregados, possuem renda inferior ao mínimo necessário para atender suas necessidades básicas. Ressalta-se que há um maior número de trabalhadores pobres entre a população jovem, se comparada com a população adulta, cabendo-lhes, em grande parte dos casos, empregos ligados à informalidade e instabilidade (Organização Internacional do Trabalho, 2016Organização Internacional do Trabalho – OIT. (2016). Perspectivas sociales y del empleo en el mundo 2016: tendências del empleo juvenil. Resumen ejecutivo. Geneva: ILO. Recuperado em 01 de dezembro de 2018, de file:///C:/Users/Carol%20Prado/Desktop/wcms_513747.pdf).

O grupo das pessoas de 14 a 29 anos é marcado pela maior desigualdade entre os sexos na taxa de desocupação, com uma diferença de 6,6 pontos percentuais entre homens e mulheres em 2017.

Assim, a juventude com menos suporte econômico, a mais vulnerável, possui menos oportunidades de escolarização, formação, experiências profissionais e estabilidade, gerando assim uma cadeia de inserção em empregos com baixa remuneração, funções menos prestigiadas, informalidade, ou seja, um ciclo de exclusão e/ou precariedade no mercado de trabalho (Silva, 2011Silva, C. R. (2011). Percursos juvenis e trajetórias escolares: vidas que se tecem nas periferias das cidades (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2017)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de julho de 2018, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf
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revelam que a taxa de desocupação2 2 O termo “desocupação” refere-se às “pessoas sem trabalho, que tomaram alguma providência efetiva para consegui-lo no período de referência de 30 dias [...] e que estavam disponíveis para assumi-lo na semana de referência. Consideram-se, também, como desocupadas as pessoas sem trabalho na semana de referência que não tomaram providência efetiva para conseguir trabalho no período de 30 dias porque já haviam conseguido o trabalho que iriam começar após a semana de referência”. Toma-se como referência a data de realização da pesquisa IBGE. Já o termo “ocupação” refere-se “ às pessoas que, nesse período, trabalharam pelo menos uma hora completa em trabalho remunerado em dinheiro, produtos, mercadorias ou benefícios (moradia, alimentação, roupas, treinamento etc.) ou em trabalho sem remuneração direta em ajuda à atividade econômica de membro do domicílio ou, ainda, as pessoas que tinham trabalho remunerado do qual estavam temporariamente afastadas” durante o período de realização da pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018b). entre os jovens3 3 No documento de referência intitulado “Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira” (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017), realizou-se uma análise de jovens entre 16 e 29 anos, justificando-se pelo fato de que a população entre 15 e 17 anos é proibida legalmente de realizar trabalhos noturnos ou com algum grau de insalubridade. se apresenta de forma mais expressiva se comparada com as outras categorias sociais. Em 2015, o total de 48,3 milhões de jovens de 15 a 29 anos de idade correspondia a 23,6% da população brasileira. Nesse mesmo ano, dos 9,8 milhões de desocupados no país, quase 42% eram jovens de 16 a 24 anos de idade (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018aInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2018a). Conceitos e definições. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 01 de dezembro de 2018, de https://www2.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pnad_continua/primeiros_resultados/analise01.shtm.
https://www2.ibge.gov.br/home/estatistic...
).

Ainda, é preciso considerar as discrepâncias em relação às regiões do Brasil, sendo que, em 2016, Amapá, Bahia e Pernambuco (15%-14,8%) tiveram as maiores taxas de desocupação entre os jovens, e Santa Catarina, Mato Grosso e Rio Grande do Sul (6,1%-7,7%), as menores taxas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de julho de 2018, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf
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).

Entre os jovens inseridos no mundo do trabalho, 71,6% se encontravam na posição de empregados. Porém, comparado a outros grupos etários, 22,1% dos jovens se encontram na posição de empregados sem carteira assinada, demonstrando maior precariedade em relação aos direitos trabalhistas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de julho de 2018, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf
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).

O reconhecimento dos fatores impactantes relacionados à questão socioeconômica dessa população durante a inserção profissional é fundamental para melhor compreensão desse fenômeno. Por exemplo, no contexto da América Latina e do Caribe, cerca de 47% dos jovens advindos de famílias pobres encontram-se no mercado de trabalho informal, apresentando grandes dificuldades de inserção no mercado de trabalho formal (Comisión Económica para América Latina y el Caribe, 2016Comisión Económica para América Latina y el Caribe – CEPAL. (2016). Observatorio Demográfico: proyecciones de población. Santiago: Organização das Nações Unidas.).

Frente às desigualdades socioeconômicas existentes, as lacunas contidas na educação para o trabalho se apresentam como potencializadoras do ciclo de exclusão dos jovens socioeconomicamente desfavorecidos, pois as relações de formação e trabalho em que estão inseridos faz com que tenham cada vez mais que conciliar a inserção precoce no mercado de trabalho, por meio de subempregos, e a exigência por níveis mais altos de educação e formação profissional impostas pelo mercado de trabalho (Retiz, 2017Retiz, M. H. M. (2017). Juventude, educação e trabalho: novos desafios, velhos princípios. In Anais da VIII Jornada internacional de políticas públicas da UFMA. São Luís: UFMA.).

A educação formal por meio da escolarização se dá com grandes limitações e, em geral,

[…] também há uma quantidade considerável de jovens que deixaram a escola sem sequer completar o ensino fundamental4 4 Dados do IBGE apontam que a taxa de jovens que não estudavam, nem estavam ocupados, com nível de instrução de Ensino fundamental incompleto ou equivalente é de 38,3% (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017). . Isso evidencia a magnitude dos problemas existentes, apesar do aumento da escolaridade média dos jovens brasileiros (Organização Internacional do Trabalho, 2010Organização Internacional do Trabalho – OIT. (2010). Global employment trends for youth. August 2010: special issue on the impact of the global economic crisis on youth/International Labour Office. Geneva: ILO. Recuperado em 01 de outubro de 2012, de http://www.oit.org.br/topic/employment/news/news_184.php.
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, p. 31).

De acordo com dados da Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (2017)Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. (2017). Relatório de Monitoramento Global da Educação. Brasília: UNESCO. Recuperado em 1 de dezembro de 2018, de http://unesdoc.unesco.org/images/0025/002595/259593por.pdf
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, no ano de 2015 havia cerca de 141 milhões de jovens (entre 15 e 17 anos) fora da escola, ao ponto que, dentre os jovens que estavam na escola, apenas 45% concluíram o segundo nível de educação secundária. Os dados evidenciam que há cerca de 100 milhões de jovens sem alfabetização (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, 2017Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. (2017). Relatório de Monitoramento Global da Educação. Brasília: UNESCO. Recuperado em 1 de dezembro de 2018, de http://unesdoc.unesco.org/images/0025/002595/259593por.pdf
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).

Assim, uma categoria que demanda especial atenção se refere ao fenômeno dos jovens conhecido como “nem nem”, por estarem fora do mercado de trabalho e dos estudos. Essa situação não é recente, porém, tem aumentado nos últimos anos. No Brasil, em 2014, esse percentual foi de 22,7%, e em 2016, de 25,08% (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de julho de 2018, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf
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; Vasconcelos et al., 2017Vasconcelos, A. M., Ribeiro, F. G., Griebeler, M. C., & Carraro, A. (2017). Programa Bolsa Família e geração “Nem-Nem”: evidências para o Brasil. Revista Brasileira de Economia, 71(2), 233-257.). O maior aumento dessa taxa se deu no estado do Nordeste, passando de 27,7%, em 2012, para 32,2%, no ano de 2016; no Sudeste, o aumento foi de 20,8% para 24,0% (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de julho de 2018, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf
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).

Destaca-se que o número de jovens nessa condição aumenta concomitantemente com o aumento da idade (Organização Internacional do Trabalho, 2016Organização Internacional do Trabalho – OIT. (2016). Perspectivas sociales y del empleo en el mundo 2016: tendências del empleo juvenil. Resumen ejecutivo. Geneva: ILO. Recuperado em 01 de dezembro de 2018, de file:///C:/Users/Carol%20Prado/Desktop/wcms_513747.pdf). Especificamente para os jovens com idade entre 20 e 29 anos, o foco da discussão tem se dado acerca da falta de oportunidades viáveis no mercado de trabalho, considerando que grande parcela dessa população, atualmente, não trabalha e nem estuda.

No recorte de idade, o maior problema está na população de 18 a 24 anos, já 26,3% das pessoas não estudam e nem trabalham, seguida do grupo etário de 25 a 29 anos, com 24,8% nessa situação (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de julho de 2018, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf
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).

A maior preocupação com os jovens adultos se relaciona com o fato de estarem em uma idade em que o trabalho já deveria fazer parte de seu cotidiano para a maioria da população, já que a continuidade dos estudos ainda é uma realidade para um percentual pequeno da população. No Brasil, em 2017, cerca de 25,1 milhões de pessoas de 15 a 29 anos de idade, que não alcançaram o ensino superior completo, não estavam estudando ou se qualificando (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018aInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2018a). Conceitos e definições. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 01 de dezembro de 2018, de https://www2.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pnad_continua/primeiros_resultados/analise01.shtm.
https://www2.ibge.gov.br/home/estatistic...
).

As desigualdades de gênero também aparecem nesse indicador. O índice de mulheres que não estudam e nem trabalham é quase o dobro quando comparado aos homens (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2016). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de maio de 2019, de https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?t=downloads.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
).

Em relação às discrepâncias em relação à cor, as evidências mostram que, enquanto a taxa para jovens brancos é de 16,6%, para jovens negros chega a 23,3%, expressando os problemas históricos da sociedade brasileira (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2016). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de maio de 2019, de https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?t=downloads.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
).

Ressalta-se que a maior parte dos jovens “nem nem” é constituída pelo grupo com baixa instrução, pretos ou pardos e mulheres, sendo de extrema importância maior compreensão e atenção aos mecanismos de exclusão inter-relacionados à classe social, à cor e ao gênero. Afinal, esses índices expressam como os efeitos macrossociais e estruturais da sociedade afetam de forma ainda mais acentuada mais determinados grupos do que outros (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de julho de 2018, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf
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).

A população jovem no Brasil é composta por 52% de negros, que, por sua vez, encontram-se mais concentrados em regiões do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Já a população juvenil branca está em maior número nas regiões Sul e Sudeste (Corrochano et al., 2008Corrochano, M. C., Ferreira, M. I. C., Freitas, M. V., & Souza, R. (2008). Jovens e trabalho no Brasil: desigualdades e desafios para as políticas públicas. São Paulo: Instituto IBI.).

Temos que em relação ao gênero masculino, por exemplo, os jovens sofrem mais com os efeitos das crises econômicas, enquanto os dados relacionados às jovens demonstram os problemas mais estruturais relacionados ao gênero feminino (Vasconcelos et al., 2017Vasconcelos, A. M., Ribeiro, F. G., Griebeler, M. C., & Carraro, A. (2017). Programa Bolsa Família e geração “Nem-Nem”: evidências para o Brasil. Revista Brasileira de Economia, 71(2), 233-257.).

Por exemplo, no Brasil, em 2017, 20,7% das mulheres desocupadas, quando questionadas sobre os motivos de não terem tomado providência para conseguir uma ocupação, responderam que era por terem que cuidar de afazeres domésticos, de filho ou de outro parente. O mesmo motivo representou apenas 1,1% das respostas dos homens (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018bInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2018b). Panorama nacional e internacional da produção de indicadores sociais: grupos populacionais específicos e uso do tempo. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de maio de 2019, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101562.pdf
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).

Temos nesses dados apresentados um panorama relacionado às precariedades vivenciadas por uma significativa parcela da população – jovens, sobretudo os mais pobres, negros ou pardos e do gênero feminino. Para esses jovens, a relação do estudo formal e o trabalho aparece como um desafio ainda a ser superado, diretamente relacionado com as condições de vida e de geração de renda que poderão alcançar em suas vidas adultas.

A pesquisa desenvolvida por Vasconcelos et al. (2017Vasconcelos, A. M., Ribeiro, F. G., Griebeler, M. C., & Carraro, A. (2017). Programa Bolsa Família e geração “Nem-Nem”: evidências para o Brasil. Revista Brasileira de Economia, 71(2), 233-257., p. 247) em relação aos jovens “nem nem” aponta para a existência de resultados positivos do Programa Bolsa Família “[…] sobre a probabilidade de que os jovens estejam estudando e estejam trabalhando, com efeitos superiores para a participação no mercado de trabalho […]”, demonstrando como determinadas políticas sociais podem contribuir para minimizar as exclusões e desigualdades.

A CEPAL, da Organização das Nações Unidas (Comisión Económica para América Latina y el Caribe, 2016Comisión Económica para América Latina y el Caribe – CEPAL. (2016). Observatorio Demográfico: proyecciones de población. Santiago: Organização das Nações Unidas.), enfatiza a importância de políticas sociais, econômicas e culturais que envolvam as necessidades e fomentem as habilidades e potencialidades dessa categoria social, visando à criação de formas de desenvolvimento social mais igualitárias. Ou seja, aparentemente, as políticas sociais poderiam contribuir para a transformação das realidades presentes nas vidas da maioria das e dos jovens brasileiros, na medida em que poderiam enfrentar ou minimizar os efeitos da política capitalista neoliberal, ainda que possamos compreender que no capitalismo neoliberal o Estado atua como regulador das relações sociais a serviço da manutenção das relações capitalistas em seu conjunto (Harvey, 2005Harvey, D. (2005). O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola.; Hofling, 2001Hofling, E. M. (2001). Estado e Políticas (Públicas) Sociais. Cadernos Cedes, 21(55), 30-41. Recuperado em 1 de maio de 2019, de http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v21n55/5539.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v21n55/5...
).

Por conseguinte, temos que os processos relacionados ao trabalho e as demandas juvenis apresentadas estão vinculados ao capitalismo e neoliberalismo produzidos nas últimas décadas, por isso, o presente manuscrito se propõe a apresentar algumas dinâmicas entre Trabalho e Estado, neste contexto.

3 O Trabalho, a Produção Capitalista e os Processos de Subjetividades no Neoliberalismo

A fim de apresentar reflexões situadas e contextualizadas sobre os processos de desigualdades e exploração do trabalho na inter-relação entre capitalismo neoliberal, utilizaremos Antunes (2005Antunes, R. (2005). O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo., 2009Antunes, R. L. C. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo., 2013Antunes, R. (2013). A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências. In R. Antunes. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II (pp. 13-28). São Paulo: Boitempo.), que trata das relações da precariedade e outras implicações relacionadas às explorações do trabalho em uma perspectiva marxista, e Dardot & Laval (2016)Dardot, P., & Laval, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo., os quais contribuem com o debate em relação à racionalidade neoliberal, com base em uma perspectiva foucaultiana.

Na atualidade, a lógica do capital se concentra em aumentar a produtividade do trabalho, reduzindo cada vez mais o trabalho vivo e ampliando sua dimensão tecnocientífica, de modo a intensificar sua produtividade e as formas de extração do “sobretrabalho”. A expansão ilimitada da lógica do atual modo social de produção capitalista e suas respostas diante das crises do capital, como o neoliberalismo e a reestruturação das relações de trabalho, por exemplo, resultaram em mutações nas esferas do trabalho e nas sociabilidades com o mundo contemporâneo (Antunes, 2005Antunes, R. (2005). O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo., 2009Antunes, R. L. C. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo.).

Frente a esses fenômenos contemporâneos, alguns grupos sociais se apresentam como mais vulneráveis, como no caso dos jovens e dos idosos, passando inclusive por processos significativos de exclusão social relacionados ao mercado de trabalho (Antunes, 2005Antunes, R. (2005). O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo.). Ou seja, há uma produção de sujeitos descartáveis, ocasionando a redução da força de trabalho humana, associada ao aumento da informalidade, da precariedade, da terceirização, do desemprego, entre outros aspectos, como exploração e degradação ilimitada dos recursos naturais e de pessoas, sem precedentes na história (Antunes, 2005Antunes, R. (2005). O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo., 2009Antunes, R. L. C. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo.).

Também podemos observar, em países em processo de industrialização intermediária, a inserção de crianças e mulheres no mercado de trabalho, com objetivo de obtenção de mão de obra por um valor inferior e a maximização dos lucros, superando, muitas vezes, o número de homens trabalhadores (Antunes, 2005Antunes, R. (2005). O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo.).

Porém, nesse caso, não se trata de uma questão de igualdade de gêneros, mas, sim, de mulheres trabalhadoras com salários e condições de emprego desigual e inferior aos dos homens trabalhadores, evidenciando assim a divisão sexual do trabalho entre muitos aspectos de gênero que também influenciam o trabalho e a juventude (Antunes, 2005Antunes, R. (2005). O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo.).

Quanto mais aumentam a competição e a concorrência intercapitais, mais nefastas são suas consequências, das quais duas são particularmente graves: a destruição e/ou precarização sem paralelos, em toda a era moderna, da força humana que trabalha e a degradação crescente do meio ambiente, na relação metabólica entre o homem, tecnologia e natureza, conduzida pela lógica societal subordinada aos parâmetros do capital e do sistema produtor de mercadorias (Antunes, 2009Antunes, R. L. C. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo., p. 28).

Antunes (2009)Antunes, R. L. C. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo. nos apresenta a expressão “classe-que-vive-do-trabalho”, com o intuito de conferir validade contemporânea a esse segmento social e também de evidenciar as mutações atuais do mundo do trabalho. Esse termo evoca novos significados quando se dirige ao ser social que vende sua força de trabalho.

De forma mais ampla, essa noção de classe trabalhadora abarca todos os sujeitos que trocam sua força de trabalho pelo salário, desde o proletariado industrial, trabalhadores rurais, até os trabalhadores inseridos no setor de serviços. Deste modo, abarca-se desde o proletariado e o subproletáriado inseridos na realidade do trabalho precarizado e informal até o proletariado desempregado, excluído do processo produtivo e do mercado de trabalho, contribuindo, assim, para o crescimento excessivo do exército industrial de reserva (Antunes & Alves, 2004Antunes, R. L. C., & Alves, G. (2004). As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. Educ. Soc, 25(87), 335-351.; Antunes, 2009Antunes, R. L. C. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo.).

Com o aumento significativo da inserção da população mundial disponível, proletários e subproletários contribuem para o exército de reserva que batalham para submeter-se aos trabalhos precários, em situações precárias de trabalho ou, ainda, ao desemprego que se apresenta de forma alarmante. Os impactos dessas condições devem ser analisados e compreendidos não somente pela sua dimensão econômica, mas também pelas dimensões psicológica, cultural, simbólica e social. Isso se dá porque as questões advindas do trabalho, em uma sociedade pautada pelo capital, interferem diretamente nas relações e nos papéis estabelecidos no meio social (Antunes, 2005Antunes, R. (2005). O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo.).

A condição de desempregado e a ameaça permanente da perda do emprego têm constituído uma eficiente estratégia de dominação no âmbito do trabalho. O isolamento e a perda de enraizamento, inserção, vínculos e perspectivas de identidade coletiva, decorrentes da descartabilidade, da desvalorização e da exclusão, são condições que afetam decisivamente a solidariedade de classe. Essa é minada pela brutal concorrência que é desencadeada entre os próprios trabalhadores e estimulada conscientemente pelo capital, por meio da gestão do medo e da chantagem. Uma vulnerabilidade social cujos traumas ainda estão por serem analisados e compreendidos no contexto atual, especialmente entre as novas gerações, que não conseguem se inserir no mercado de trabalho (Antunes, 2013Antunes, R. (2013). A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências. In R. Antunes. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II (pp. 13-28). São Paulo: Boitempo., p. 64).

Nesse sentido, a maioria da juventude brasileira compõe os exércitos de reserva ao mesmo tempo em que parecem buscar outras formas de (re)existência e, por isso, o grupo “nem nem” parece evitar essa relação de subordinação. Ao mesmo tempo, as juventudes precarizadas, proletariadas, subproletáriadas e/ou desempregadas corroboram com as precariedades e vulnerabilidades também quando não estudam e não trabalham.

São essas as juventudes que mais vivenciam os efeitos perversos dos processos de exclusão e desigualdades ou, ainda, da exploração, das condições precárias, da informalidade, dos subempregos, do trabalho e/ou geração de renda. É preciso considerar ainda as interseccionalidades que agravam as situações de exclusão, violação e desigualdades.

Hill Collins afirma que “[…] a interseccionalidade refere-se a formas particulares de opressão que se interligam, por exemplo, intersecções de raça e gênero, ou de sexualidade e nacionalidade […]”, e, nesse sentido, “[…] a opressão não pode ser reduzida a um tipo fundamental, [...] as opressões trabalham juntas para produzir injustiça” (Hill-Collins, 1990Hill-Collins, P. (1990). Black feminist thought: knowledge, consciousness and the politics of empowerment. New York: Routledge., p. 18).

O fato é que temos urgência em romper ou pelo menos minimizar os efeitos da exclusão e da desigualdade dos processos hegemônicos que chegam a patamares alarmantes e indecentes em todo o mundo, e bastante particulares e deletérios na América Latina. Para Harvey (2005Harvey, D. (2005). O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola., p. 27), os efeitos redistributivos que privilegiam as elites e “[…] uma desigualdade social crescente têm sido de fato características tão persistentes do neoliberalismo que podem ser considerados como estruturais em relação ao projeto como um todo”.

Nesse sentido, Dardot & Laval (2016)Dardot, P., & Laval, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo. afirmam o neoliberalismo não só como uma política econômica ou ideológica que corrobora a precarização das relações de trabalho, mas como um conceito expandido fundante de normas disciplinares e de controle de toda uma estrutura social. Sua principal característica se constitui por meio da potencialização dos processos de competição e concorrência não só a nível empresarial e econômico-financeiro, mas também na subjetivação dos sujeitos.

Assim, os autores definem o neoliberalismo “[…] como o conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência” (Dardot & Laval, 2016Dardot, P., & Laval, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo., p. 17).

Compreende-se que a sociedade neoliberal é resultado de um processo histórico crescente e gradual, mas é importante salientar que o neoliberalismo e suas formas de expansão e apropriação das subjetividades se apresentam de forma inovadora, de modo a criar novas normas de conduta com capacidade para a redefinição não só de um regime de acumulação do capital, mas de uma nova sociedade, mais individualista e fragmentada (Dardot & Laval, 2016Dardot, P., & Laval, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo.).

Tem-se a concorrência e o modelo empresarial como regra geral de organização e o cerne encontra-se na competitividade, comandando e redefinindo o mercado e as outras categorias da vida. O fenômeno se dá por meio da ampliação da racionalidade de mercado em todas as relações existentes por meio da generalização da “forma-empresa” (Dardot & Laval, 2016Dardot, P., & Laval, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo.).

Assim, o novo sujeito neoliberal, com suas características modernas, flexíveis, fluídas, dentre tantas outras, precisa estar adaptado para responder a essa lógica de mercado de trabalho, que, por sua vez, também é incorporada em suas relações sociais. Afinal, o novo sujeito neoliberal deve ser competitivo, empresário de si mesmo, meritocrático e deve se relacionar – em consequência da atual economia e desse processo de subjetivação – com a mercantilização das relações humanas (Dardot & Laval, 2016Dardot, P., & Laval, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo.).

Portanto, a sociedade é compreendida como uma empresa, desde os Estados “concorrentes”, até o indivíduo em relação a si e aos outros, tornando-o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso. Processo esse que submete os indivíduos a situações extremas de flexibilização do ser (corpo, mente e alma), encobertas por um discurso de falsa liberdade e poder de escolha (Dardot & Laval, 2016Dardot, P., & Laval, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo.).

O novo sujeito neoliberal aparece como um tipo ideal a ser considerado, mas dificilmente alcançado, sobretudo, para as juventudes que estão submetidas aos processos de exclusão e desigualdades, considerando inclusive suas interseccionalidades. Haverá uma constante cobrança para que as características do novo sujeito neoliberal sejam conquistadas, ainda que os impactos delas, como a meritocracia, o individualismo, a competição recaiam sobre esse mesmo grupo para evidenciá-los como fracassados sociais.

O surgimento de uma nova condição de indivíduo tem sido foco de estudos por diversas linhas de pensamentos, evidenciando-se diversos impactos.

Na terapia ocupacional, parece-nos essencial compreender como as ocupações e atividades humanas compreendidas e relacionadas ao trabalho estão sendo desenvolvidas nos diversos cotidianos, sobretudo dos grupos mais vulneráveis aos efeitos da desigualdade, exclusão e exploração intrínsecos ao capitalismo e à racionalidade neoliberal.

Nesta direção, Ghirardi (2012Ghirardi, M. I. G. (2012). Terapia Ocupacional em processos econômico-sociais. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 20(1), 17-20., p. 19) considera a terapia ocupacional “[…] um campo de intervenções implicado nas dimensões econômicas e sociais da vida quotidiana […]”, que contribui para a reflexão frente a situações de precariedades socioeconômicas e propõe mediar relações de produção de bens e de valores, estando apta e intimamente envolvida com o que se refere ao mundo do trabalho.

Além disso, temos inúmeros trabalhos em que a juventude aparece como foco do trabalho da terapia ocupacional (Silva, 2011Silva, C. R. (2011). Percursos juvenis e trajetórias escolares: vidas que se tecem nas periferias das cidades (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Dorneles, 2017Dorneles, P. (2017). Jovens, território e territorialidade: experiências estéticas e de engajamento nas ações culturais dos pontos de cultura da região Sul. Políticas Culturais em Revista, 2(7), 136-152. Recuperado em 1 de dezembro de 2018, de https://portalseer.ufba.br/index.php/pculturais/article/view/12575/9467
https://portalseer.ufba.br/index.php/pcu...
; Lopes & Silva, 2007Lopes, R. E., & Silva, C. R. (2007). O campo da educação e demandas para a terapia ocupacional no Brasil. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 18(3), 158-164.; Takeiti & Vicentin, 2015Takeiti, B. A., & Vicentin, M. C. G. (2015). A produção de conhecimento sobre juventude(s), vulnerabilidades e violências: uma análise da pós-graduação brasileira nas áreas de Psicologia e Saúde (1998-2008). Saúde e Sociedade, 24(3), 945-963.; Silva, 2014Silva, M. J. (2014). O estado da arte sobre juventude(s) na pós-graduação brasileira stricto sensu: pesquisas na área das ciências da saúde (1987-2010) (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Barreiro, 2014Barreiro, R. G. (2014). Cenários públicos juvenis: o desenho dos Centros de Juventude nas ações da política brasileira (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Palacios Tolvett, 2017Palacios Tolvett, M. (2017). Acerca de Sentido de Comunidad, Ocupaciones Colectivas y Bienestar/Malestar Psicosocial: con jóvenes transgresores de territorios Populares (Tese de doutorado). Universitat de Vic, Vic. Recuperado em 06 de novembro de 2019, de http://repositori.uvic.cat/bitstream/handle/10854/5286/tesdoc_a2017_palacios_monica_acerca_sentido.pdf?sequence=1&isAllowed=y
http://repositori.uvic.cat/bitstream/han...
). Assim, o presente ensaio pretende contribuir para as reflexões na intersecção entre os campos das juventudes e do trabalho e da cultura.

4 Processos de Precarização do Trabalho para Jovens Trabalhadores da Cultura

Diante do panorama apresentado, temos a disputa discursiva em relação ao campo da cultura como caminho de potencialização das juventudes, sobretudo as que enfrentam os processos de exclusão e desigualdade (Silva et al., 2018Silva, C. R., Silvestrini, M. S., Almeida Prado, A. C. S., Cardinalli, I., Lavacca, A. B., Vasconcelos, D. I., Farias, A. Z., & Mancini, M. A. L. T. (2018). Economia criativa na relação entre trabalho e cultura para a juventude. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 29(2), 120-128.).

As ações, projetos e as políticas de/com/para as juventudes que atingem transversalmente os jovens, “[…] como é o caso das políticas culturais, devem ser vistas como intervenções que podem impactar em trajetórias juvenis e influir na construção de projetos de vida” (Peçanha, 2015Peçanha, E. (2015). A Cultura como campo de trabalho para a juventude: políticas, experiências e desafios. São Paulo: Ação Educativa., p. 10).

Afinal, a cultura e suas dimensões simbólica, cidadã e econômica são consideradas como parte intrínseca para o desenvolvimento de qualquer sociedade (Brasil, 2008Brasil. (2008). Diretrizes Gerais para o Plano Nacional de Cultura. Brasília: Ministério da Cultura. Recuperado em 01 de agosto de 2018, de http://www2.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/10/pnc_2_compacto.pdf
http://www2.cultura.gov.br/site/wp-conte...
) e, diante da situação de vulnerabilidade acerca da juventude, o trabalho na/da cultura se apresenta como elemento fundamental e potencializador para a essência criativa, novas subjetividades, pontos de tensionamentos e formas de ser e estar no mundo, de maneira a ampliar as possibilidades existentes para essa categoria social e também para toda a sociedade.

A profissionalização no campo da cultura tem tido papel importante nos debates e demandas, de modo a ampliar as possibilidades, além de proporcionar formas de enfrentamento dessa lógica de mercado muitas vezes alienantes para permitir que o sujeito se torne “[…] agenciador de suas próprias habilidades singulares, adquiridas de suas próprias experiências e relação com o mundo” (Almeida & Pais, 2012Almeida, M. I. M., & Pais, J. M. (2012). Criatividade, juventude e novos horizontes profissionais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor., p. 24)

Neste sentido, o trabalho na/da cultura aparece como possibilidade para este grupo social, aliado a diversas ações e instâncias sociais. Do ponto de vista da política, diante do histórico das políticas culturais, a Economia Criativa ressaltou a importância econômica de todas as etapas relacionadas à produção cultural.

O reconhecimento da existência de trabalhadores da cultura e a importância da existência de ações na área permeia, antes de tudo, a criação de políticas específicas para tal. Porém, a constituição das políticas culturais no Brasil se deu a passos largos por meio de avanços e rupturas, tendo como marcos iniciais a presença de Mario de Andrade (1935-1938) no Departamento de Cultura da cidade de São Paulo e a instituição do Ministério da Educação e Saúde (1930) durante o governo de Getúlio Vargas (Rubim, 2007Rubim, A. A. C. (2007). Políticas culturais no Brasil: tristes tradições. Galáxia, (13), 101-113.).

Entretanto, foi somente durante o governo de José Sarney, por meio das ações de Celso Furtado, então ministro da cultura (1986), com a criação da “Lei Sarney” (Lei nº 7.505), que se tem a instituição de um marco importante acerca do financiamento à cultura no Brasil. Ressalta-se que esse tipo de financiamento realizava-se por meio de incentivo fiscal, caracterizando claramente as tendências neoliberais que se acentuariam durante os próximos anos (Paiva Neto, 2017Paiva Neto, C. B. (2017). Modelo Federal de financiamento e fomento à cultura. In A. A. C. Rubim & F. P. Vasconcelos (Orgs.), Financiamento e fomento à cultura no Brasil estados e Distrito Federal (pp.15-61). Salvador: EDUFBA.).

Esse incentivo passou por revisões e atualizações, chegando à instituição da Lei Rouanet (Lei nº 8.313), que criou o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e teve sua regulamentação no ano de 1992. Ressalta-se que, no ano de 2010, foi enviada uma proposta de reforma da Lei Rouanet, o Programa Nacional de Fomento e incentivo à Cultura (Procultura) (Paiva Neto, 2017Paiva Neto, C. B. (2017). Modelo Federal de financiamento e fomento à cultura. In A. A. C. Rubim & F. P. Vasconcelos (Orgs.), Financiamento e fomento à cultura no Brasil estados e Distrito Federal (pp.15-61). Salvador: EDUFBA.).

Atualmente, encontra-se em tramitação novas alterações dessa Lei, inclusive com a mudança do nome que refletem as mudanças de governo que extinguiu o Ministério da Cultura, incorporando alguns projetos, secretaria e conselho junto ao Ministério da Cidadania.

Cabe destaque que, desde o início da instituição dessa política de fomento, os trabalhadores da cultura estão submetidos a uma relação de instabilidade e as demandas de mercado estabelecidas pelo setor privado. Isso porque esse fomento contemplava (em sua fase inicial) instituições e, atualmente, projetos com períodos determinados de execução, que são selecionados pelas empresas participantes, a depender do retorno que estes podem oferecer para o marketing de suas empresas.

Durante o governo do Partido dos Trabalhadores, houve avanços importantes no Ministério da Cultura, ressaltando-se a criação do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic); criação da Diretoria Fomento e Incentivo à Cultura (2003), convertida no ano de 2004 em Secretaria (Sefic), passando por nova reforma no ano de 2009; novos concursos públicos para o Ministério; criação do Programa Cultura Viva, criação do Fundo Setorial do Audiovisual; e a instituição do Programa Vale-Cultura (Paiva Neto, 2017Paiva Neto, C. B. (2017). Modelo Federal de financiamento e fomento à cultura. In A. A. C. Rubim & F. P. Vasconcelos (Orgs.), Financiamento e fomento à cultura no Brasil estados e Distrito Federal (pp.15-61). Salvador: EDUFBA., p. 31).

Apesar dos avanços, a racionalidade neoliberal impõe como consequência novas tensões entre o fazer criativo de bens materiais e/ou imateriais, exacerbando a lógica de investimento e produção para bens geradores de lucro e reprodução massiva, considerando também a expansão da indústria cultural de massa, não havendo transformações significativas acerca das relações de trabalho dessa população e estes continuam submetidos à lógica da informalidade e instabilidade (Segnini, 2014Segnini, L. R. P. (2014). Os músicos e seu trabalho: diferenças de gênero e raça. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, 26(1), 75-86.).

Compreende-se, então, que a racionalidade neoliberal, de forma histórica, vem atingindo as juventudes, sobretudo os trabalhadores da cultura, acentuando-se intensamente na atualidade. Como exemplo, podemos citar uma análise dos dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (2013), que nos aponta para o fato de, dos 46% dos trabalhadores com registro formal em todo o país, apenas 8% se inscreviam na categoria de trabalhadores das artes e espetáculos da população brasileira (Segnini, 2014Segnini, L. R. P. (2014). Os músicos e seu trabalho: diferenças de gênero e raça. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, 26(1), 75-86.).

A diversidade econômica, cultural e social do Brasil, ligada historicamente aos processos de desigualdade e exclusão social de determinadas populações, leva-nos ao apontamento de que os trabalhadores da cultura ou empreendedores culturais se constituem de forma heterogênea e singular, pois possuem distintas trajetórias, capitais (cultural e econômico), objetivos e possibilidades (Michetti & Burgos, 2016Michetti, M., & Burgos, F. (2016). Fazedores de cultura ou empreendedores culturais? Precariedade e desigualdade nas ações públicas de estímulo à cultura. Políticas Culturais em Revista, 9(2), 582-604.).

Todavia, lançamos mão da definição dessa categoria social apontada por Michetti & Burgos (2016)Michetti, M., & Burgos, F. (2016). Fazedores de cultura ou empreendedores culturais? Precariedade e desigualdade nas ações públicas de estímulo à cultura. Políticas Culturais em Revista, 9(2), 582-604.. Cabe destaque que o empreendedor cultural corresponde diretamente ao profissional imperativo da racionalidade neoliberal, em que este se constitui enquanto empresário de si, flexível e regido pela lógica da sociedade do contrato:

Importa ressaltar que entendemos por empreendedor cultural indivíduos e/ou grupos formalizados ou não como pessoas jurídicas, que podem atuar também como trabalhadores culturais, e que buscam mobilizar capitais econômicos, simbólicos, sociais e políticos, dependentes de suas condições sociais e de suas posições no campo cultural e/ou empresarial, para criar e manter empreendimentos na área da cultura (Michetti & Burgos, 2016Michetti, M., & Burgos, F. (2016). Fazedores de cultura ou empreendedores culturais? Precariedade e desigualdade nas ações públicas de estímulo à cultura. Políticas Culturais em Revista, 9(2), 582-604., p. 585).

Com o intuito de organizar esse exercício reflexivo, apresentamos os tipos de trabalhadores da cultura, propostos por Michetti & Burgos (2016)Michetti, M., & Burgos, F. (2016). Fazedores de cultura ou empreendedores culturais? Precariedade e desigualdade nas ações públicas de estímulo à cultura. Políticas Culturais em Revista, 9(2), 582-604., considerando a inter-relação entre eles presentes nas dinâmicas do mercado de trabalho e do acúmulo de capitais, de acordo com a perspectiva bourdieusiana5 5 Bourdieu nos apresenta três tipos de capitais culturais: capital cultural incorporado: refere-se a um processo de longo período que pressupõe a incorporação do indivíduo, sendo intransferível de forma instantânea. Relaciona-se de forma quase que primitiva e inconsciente na constituição do ser, estando ligado à ideia de habitus, por exemplo, o modo de se comunicar e de se portar socialmente. Capital cultural objetivado: está ligado a propriedades, pressupondo assim o capital cultural econômico, como quadros, livros, entre outros, sendo possível a sua transmissão de forma instantânea. Porém, a sua apropriação simbólica e desfrute dependem do capital cultural incorporado. Capital cultural institucionalizado: garante e valida, socialmente e juridicamente, a competência cultural dos indivíduos, como no caso dos diplomas (Bourdieu, 1999). .

  • 1-Por necessidade: refere-se a indivíduos e grupos em situação de vulnerabilidade social, conferindo às atividades culturais um papel secundário em suas atividades socioeconômicas, sendo que estão sempre aliados a outros trabalhos não oriundos da área cultural (Michetti & Burgos, 2016Michetti, M., & Burgos, F. (2016). Fazedores de cultura ou empreendedores culturais? Precariedade e desigualdade nas ações públicas de estímulo à cultura. Políticas Culturais em Revista, 9(2), 582-604.);

  • 2-Por disposição: sujeitos ou grupos pertencentes à classe média que vivem por meio do acúmulo do capital cultural, econômico, educacional e social. Em sua maioria, são jovens com formação universitária e contam com a ajuda familiar. O trabalho na área da cultura assume uma posição complementar, com dedicação parcial ou integral. Todos esses fatores os conferem a possibilidade de se colocarem na posição de “se arriscarem mais”, pois possuem maiores oportunidades devido ao acúmulo de capitais culturais (Michetti & Burgos, 2016Michetti, M., & Burgos, F. (2016). Fazedores de cultura ou empreendedores culturais? Precariedade e desigualdade nas ações públicas de estímulo à cultura. Políticas Culturais em Revista, 9(2), 582-604., p. 591);

  • 3-Por opção: visualizam na área cultural uma forma de investimento e possuem como objetivo central o lucro. É constituído por indivíduos ou grupos empresariais que realizam atividades na área da produção de bens, serviços e eventos culturais, como gravadoras e produtoras audiovisuais, por exemplo. Devido à concentração de capital simbólico, econômico, social e político, estes encontram mais facilidade e possibilidades para captação de recursos públicos e privados (Michetti & Burgos, 2016Michetti, M., & Burgos, F. (2016). Fazedores de cultura ou empreendedores culturais? Precariedade e desigualdade nas ações públicas de estímulo à cultura. Políticas Culturais em Revista, 9(2), 582-604.);

  • 4-Por vocação: indivíduos que já possuem uma carreira consolidada na área cultural e optam por empreendimentos ligados às suas áreas de vocação, como músicos que também realizam o trabalho de produtores musicais (Michetti & Burgos, 2016Michetti, M., & Burgos, F. (2016). Fazedores de cultura ou empreendedores culturais? Precariedade e desigualdade nas ações públicas de estímulo à cultura. Políticas Culturais em Revista, 9(2), 582-604.).

Esses perfis apresentados demonstram formas heterogêneas que os jovens na cultura podem assumir, assim como a intersecção entre elas. Porém, ressaltam-se os desafios frente às lógicas de mercado e à racionalidade neoliberal e a precarização das políticas sociais diante dessa realidade para os jovens populares urbanos trabalhadores de cultura.

Resulta-se que somente uma pequena parcela das produções artísticas e culturais conseguem se sustentar, e uma parcela muito menor atinge o ponto de gerar lucros, fazendo com que a produção cultural esteja inserida em uma realidade com muitos riscos financeiros e pouco atrativa perante os investidores, evidenciando assim que a produção cultural fica restrita aos interesses mercadológicos, relacionada às culturas de massa que gerem lucro. Grande parte dos trabalhos artísticos chega ao fim antes mesmo de atingir seu amadurecimento, pois existem grandes dificuldades e limitações para obterem o sustento próprio. Tal questão resulta no fim e no abatimento um número expressivo de atividades culturais e criações no setor da cultura (Olivieri, 2004Olivieri, C. G. (2004). Cultura neoliberal: leis de incentivo como política pública de cultura. São Paulo: Escrituras.).

Alves (2014)Alves, M. A. (2014). Precarização do trabalho na área de apoio técnico aos espetáculos do Theatro Municipal de São Paulo. In R. Antunes. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III (pp. 261-276). São Paulo: Boitempo., ao pesquisar as mudanças neoliberais do financiamento público da cultura no Theatro Municipal de São Paulo, afirma que:

[…] vêm sendo adotadas práticas que modificam a composição básica ou tradicional das profissões que fazem parte do processo de produção dos espetáculos e, com isso, as de caráter mais especificamente técnico e manual tornam-se cada vez menores em relação àquelas relativas à captação de recursos e ao marketing. Assim, a incorporação de outros segmentos profissionais nessa área leva à diminuição do investimento direto na infraestrutura e nas profissões de apoio direto às artes (Alves, 2014Alves, M. A. (2014). Precarização do trabalho na área de apoio técnico aos espetáculos do Theatro Municipal de São Paulo. In R. Antunes. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III (pp. 261-276). São Paulo: Boitempo., p. 276).

Nesta direção, parte significativa da juventude de trabalhadores da cultura não apresenta possibilidades factíveis para o aprimoramento de seus trabalhos e consequentemente precisam buscar outros empregos para garantirem sua subsistência (Almeida Prado, 2019Almeida Prado, A. C. S. (2019). Trabalho e cultura para jovens artistas: mainstream ou resistência? (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.). Há, então, maiores possibilidades aos trabalhadores da cultura que possuem maior capital cultural, ou seja, as possibilidades se colocam de forma desigual para determinados segmentos sociais/tipos de trabalhadores da cultura (Olivieri, 2004Olivieri, C. G. (2004). Cultura neoliberal: leis de incentivo como política pública de cultura. São Paulo: Escrituras.).

Reconhecidamente, temos que as consequências das tensões inerentes à relação cultura, trabalho e juventudes, que, segundo Peçanha, geram:

dificuldades de acesso à qualificação de talentos e vocações em diferentes camadas sociais; os problemas relacionados à inserção e permanência no mercado de trabalho cultural; e as dinâmicas desse mercado cada vez mais organizado por leis de incentivo fiscal e editais públicos e não por uma estrutura de formalização das relações de trabalho (Peçanha, 2015, p. 21).Peçanha, E. (2015). A Cultura como campo de trabalho para a juventude: políticas, experiências e desafios. São Paulo: Ação Educativa.

Frente a todas essas transformações ocorridas não só no mundo do trabalho, mas na criação de novas formas da racionalidade neoliberal, ressaltamos que:

  1. 1

    Grande parte das juventudes sofrem os efeitos diretos dos processos hegemônicos de dominação que produzem as desigualdades e exclusões, considerando a interdependência de suas interseccionalidades, assim, nesse grupo social não existe uma só realidade, mas diversas realidades a depender de classe social, gênero, cor/etnia, urbano/rural, entre outras.

Em relação a esse grupo social das juventudes, é preciso “[…] considerar como a sociedade patriarcal e o racismo estrutural interferem também nas relações de trabalho no campo da cultura, alimentando e reproduzindo os ciclos de exclusão e desigualdades históricas” (Almeida Prado, 2019Almeida Prado, A. C. S. (2019). Trabalho e cultura para jovens artistas: mainstream ou resistência? (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., p. 115).

  1. 2

    As mutações ocorridas no mundo do trabalho afetam toda a sociedade, nas diversas esferas das relações humanas, criando novas formas de intelegibidades e subjetividades, resultando em uma reestruturação da sociedade em geral, ou seja, nos indivíduos, nas relações e nas formas de ser e estar no mundo, sendo as juventudes as que mais sofrem com as exclusões e desigualdades.

Temos que, diante dos contextos de precarização e flexibilização do trabalho, da racionalidade neoliberal, das condições que as juventudes populares urbanas e o mercado de cultura – a flexibilização, a informalidade, a falta de reconhecimento da produção artística e cultural como trabalho e consequentemente as dificuldades de emancipação econômica por meio do trabalho em cultura.

  1. 3

    Essas problemáticas também corroboram a precarização objetiva e subjetiva em que estão inseridos os jovens populares urbanos trabalhadores da cultura, ou seja, nos seus processos de subjetivação, ressaltando as impotências, como responsabilidades individuais, corroborando a dissolução da potência de agir, ser e estar no mundo. Processo este resultante da lógica neoliberal que opera de maneira ao assujeitamento dos indivíduos a corresponder a ideais desumanos, insustentáveis e inatingíveis (Castro et al., 2017Castro, F. G., Alvarez, M., & Luz, R. (2017). Modo de produção flexível, terceirização e precariedade subjetiva. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 20(1), 43-54. Recuperado em 1 de novembro de 2018, de http://www.revistas.usp.br/cpst/about/contact
    http://www.revistas.usp.br/cpst/about/co...
    ).

Ainda assim, diante de inúmeros desafios e problemáticas, temos um contexto de efervescência cultural nas periferias que apresenta as potências das juventudes na cena pública, que apresentam criações e produções culturais autênticas que movimentam cenários internacionais de produção cultural. Ações, discursos, produções e produtos artísticos e culturais que também interpelam a sociedade a partir de forte viés político e buscam expressar suas cotidianidades, expressando as exclusões e as desigualdades sociais presentes nelas.

[…] relatos dos artistas e ativistas evidenciam que, ao falar com voz própria no cenário cultural, os produtores periféricos tornam-se sujeitos de discursos positivos sobre a periferia e passam a agenciar novos lugares para si, tendo em vista que essa afirmação territorial e identitária impacta no modo como eles pensam a si mesmos, as suas relações com seus bairros de origem e o contexto político-cultural no qual se projetam (Peçanha, 2015, p. 20).Peçanha, E. (2015). A Cultura como campo de trabalho para a juventude: políticas, experiências e desafios. São Paulo: Ação Educativa.

Segundo Dayrell (2003Dayrell, J. (2003). O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, 1(24), 40-52. Recuperado em 1 de janeiro de 2014, de http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a0...
, p. 51), o mundo da cultura se apresenta democrático, possibilitando espaços, tempos e experiências que permitem que as juventudes se construam como sujeitos, mas que a “[…] modernização cultural que influencia tanto a vida desses jovens não é acompanhada de uma modernização social”. Assim, se a cultura se apresenta como um espaço mais aberto é porque os outros espaços sociais estão fechados para eles.

Portanto, não podemos cair numa postura ingênua de supervalorização do mundo da cultura como apanágio para todos os problemas e desafios enfrentados pelos jovens pobres. No contexto em que vivem, qualquer instituição, por si só – seja a escola, o trabalho ou aquelas ligadas à cultura –, pouco pode fazer se não estiver acompanhada de uma rede de sustentação mais ampla, com políticas públicas que garantam espaços e tempos para que os jovens possam se colocar de fato como sujeitos e cidadãos, com direito a viver plenamente a juventude (Dayrell, 2003Dayrell, J. (2003). O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, 1(24), 40-52. Recuperado em 1 de janeiro de 2014, de http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a0...
, p. 51).

Não se trata, portanto, de uma afirmação simplista sobre o campo da cultura iludido sobre suas possibilidades de forma reducionista ou ingênua. Qualquer campo ou setor está submetido aos processos de dominação hegemônicos, os quais também se trata de reafirmá-los, sustentá-los e retroalimentá-los. A cultura instituída pelos poderes políticos, jurídicos e legislativos talvez seja, dentre as políticas sociais, o segmento mais atrelado à racionalidade neoliberal, sobretudo, em relação à privatização e à mercantilização dos símbolos e expressões da cultura.

Desta forma, a rede de sustentação mais ampla deve estar ancorada desde uma perspectiva consciente e crítica na qual o saber, o fazer e o próprio viver teórico possam oferecer novas formas de enfrentamento, ruptura e cuidado frente às precariedades e vulnerabilidades presentes nos cotidianos de jovens trabalhadores da cultura inter-relacionadas à racionalidade neoliberal e às suas interseccionalidades.

5 Considerações Finais

Apesar das potencialidades da inter-relação entre trabalho, juventudes e cultura, temos que os trabalhadores da cultura no mundo contemporâneo se encontram “à margem da margem” no que diz respeito às relações de trabalho de forma geral, havendo maior processo de precarização, flexibilização, informalidade, instabilidade e dificuldade de realização de seus trabalhos.

Estando a juventude inserida em uma realidade de maior vulnerabilidade e exclusão do mundo do trabalho, a racionalidade neoliberal se apresenta de forma a acentuar e agravar as liberdades e possibilidades de criação e realização dos trabalhos na área da cultura. A criação de inteligibilidades com base na lógica do individualismo, meritocracia, competitividade, expansão da relação empresarial para todas as esferas das relações humanas e exploração ao máximo do lucro/mais valia dificulta a criação de redes de fortalecimento que contribuam com o equacionamento das limitações e deficiências impostas na atualidade para as juventudes, sobretudo das juventudes que sofrem os efeitos diretos dos processos hegemônicos de dominação que produzem as desigualdades e exclusões, considerando a interdependências de suas interseccionalidades.

É possível afirmar ainda que existe um abismo social acerca da visão da sociedade frente aos trabalhadores da cultura, em que estes necessitam recorrer a outras fontes para geração de renda, devido à desvalorização e à dificuldade de reconhecimento do trabalho na/da cultura como trabalho diante a racionalidade neoliberal.

Evidencia-se o histórico de precariedades em que estão inseridos os jovens trabalhadores da cultura, na medida em que a maioria dessa população se encontra inserida em trabalhos informais que perpassam pela instabilidade, ausência de direitos sociais e trabalhistas e geração de renda abaixo da média. O enquadramento social em que estão inseridos nos leva para uma realidade que se apresenta com a urgência de criação de estratégias para a garantia de subsistência, inclusive dos direitos fundamentais, como alimentação, moradia, saúde e educação.

Trata-se de uma reflexão crítica que também considere a cultura em todas as suas dimensões e o trabalho na/da cultura como possibilidade de expressão dos acontecimentos de vida, suas realidades e cotidianos, capaz de reativar suas potências e formas de poder existir no mundo e não ao contrário. De forma a evidenciar os processos de conscientização e empoderamento que contribuam para a construção contínua de ferramentas e possibilidades de transformar-se a si mesmo e ao seu contexto.

Para encerrar, sob a inspiração de Gabriel García Márquez que, ao ser o primeiro escritor latino-americano a receber prêmio Nobel de literatura, afirma em seu discurso que, “[…] ainda assim, diante da opressão, do saqueio e do abandono, nossa resposta é a vida” (Márquez, 1982Márquez, G. G. (1982). Gabriel García Márquez – Nobel Lecture. México: The Nobel Prize. Recuperado em 1 de maio de 2019, de https://www.nobelprize.org/prizes/literature/1982/marquez/25603-gabriel-garcia-marquez-nobel-lecture-1982
https://www.nobelprize.org/prizes/litera...
).

O presente manuscrito reflete como os processos vivenciados pelos jovens trabalhadores da cultura são reflexos dos processos de violações, exclusões e desigualdades – efeitos devastadores para grande parte da população, diante dos poderes hegemônicos instituídos e alimentados pela racionalidade neoliberal. Ainda assim, a cultura também pode ser considerada como possibilidade contra-hegemônica à racionalidade neoliberal, na medida em que a lógica de produção na cultura também é capaz de ser produzida à margem dos mecanismos já institucionalizados dados pelos pressupostos do capitalismo global, assim como é capaz de denunciar e desvelar parte deste sistema e, sobretudo, de produzir novas linguagens, símbolos e sentidos que promovam mais vida.

  • 1
    Lei Nº 12.852, de 5 de agosto de 2013.
  • 2
    O termo “desocupação” refere-se às “pessoas sem trabalho, que tomaram alguma providência efetiva para consegui-lo no período de referência de 30 dias [...] e que estavam disponíveis para assumi-lo na semana de referência. Consideram-se, também, como desocupadas as pessoas sem trabalho na semana de referência que não tomaram providência efetiva para conseguir trabalho no período de 30 dias porque já haviam conseguido o trabalho que iriam começar após a semana de referência”. Toma-se como referência a data de realização da pesquisa IBGE. Já o termo “ocupação” refere-se “ às pessoas que, nesse período, trabalharam pelo menos uma hora completa em trabalho remunerado em dinheiro, produtos, mercadorias ou benefícios (moradia, alimentação, roupas, treinamento etc.) ou em trabalho sem remuneração direta em ajuda à atividade econômica de membro do domicílio ou, ainda, as pessoas que tinham trabalho remunerado do qual estavam temporariamente afastadas” durante o período de realização da pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018bInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2018b). Panorama nacional e internacional da produção de indicadores sociais: grupos populacionais específicos e uso do tempo. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de maio de 2019, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101562.pdf
    https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
    ).
  • 3
    No documento de referência intitulado “Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira” (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de julho de 2018, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf
    https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
    ), realizou-se uma análise de jovens entre 16 e 29 anos, justificando-se pelo fato de que a população entre 15 e 17 anos é proibida legalmente de realizar trabalhos noturnos ou com algum grau de insalubridade.
  • 4
    Dados do IBGE apontam que a taxa de jovens que não estudavam, nem estavam ocupados, com nível de instrução de Ensino fundamental incompleto ou equivalente é de 38,3% (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 1 de julho de 2018, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf
    https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
    ).
  • 5
    Bourdieu nos apresenta três tipos de capitais culturais: capital cultural incorporado: refere-se a um processo de longo período que pressupõe a incorporação do indivíduo, sendo intransferível de forma instantânea. Relaciona-se de forma quase que primitiva e inconsciente na constituição do ser, estando ligado à ideia de habitus, por exemplo, o modo de se comunicar e de se portar socialmente. Capital cultural objetivado: está ligado a propriedades, pressupondo assim o capital cultural econômico, como quadros, livros, entre outros, sendo possível a sua transmissão de forma instantânea. Porém, a sua apropriação simbólica e desfrute dependem do capital cultural incorporado. Capital cultural institucionalizado: garante e valida, socialmente e juridicamente, a competência cultural dos indivíduos, como no caso dos diplomas (Bourdieu, 1999Bourdieu, P. (1999). Os três estados do capital cultural. In M. Alice & A. Catani (Orgs.), Escritos de educação (pp. 71-79). Petrópolis: Vozes.).
  • Como citar: Almeida Prado, A. C. S., Silva, C. R., & Silvestrini, M. S. (2020). Juventudes, trabalho e cultura em tempos de racionalidade neoliberal. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, Ahead of Print. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF1846
  • Fonte de Financiamento As pesquisas de mestrado que envolvem parte das reflexões abordadas neste artigo recebem auxílio no formato de bolsas para estudantes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, do Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional – PPGTO – UFSCar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-June 2020

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2018
  • Revisado
    24 Mar 2019
  • Revisado
    01 Out 2019
  • Aceito
    12 Nov 2019
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