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TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: LETRAMENTO DIGITAL E COMPUTAÇÃO DESPLUGADA

TECHNOLOGY AND EARLY CHILDHOOD EDUCATION: DIGITAL LITERACY AND UNPLUGGED COMPUTING

RESUMO

Neste artigo, propõe-se uma discussão para compreender como é possível promover o desenvolvimento do pensamento computacional mediante a aprendizagem de ciências e da tecnologia na educação infantil. Com o objetivo de pensar propostas que ampliem qualitativamente as interações entre professores e alunos no ambiente escolar e as interações entre as crianças e os recursos tecnológicos digitais e não digitais, são discutidas questões das linguagens de interação da interação humano-computador e apresentados caminhos para se trabalhar com crianças pequenas o letramento digital e a computação desplugada.

Palavras-chave
Ciência e tecnologia; Educação infantil; Interações e linguagem; Interação humano-computador

ABSTRACT

This article proposes a discussion to understand how it is possible to promote the development of computational thinking through the learning of science and technology in early childhood education. With the objective of thinking about proposals that qualitatively expand the interactions between teachers and students in the school environment and the interactions between children and digital and non-digital technological resources, issues of human-computer interaction interaction languages are discussed, and ways of working with young children on digital literacy and unplugged computing are presented.

Keywords
Science and technology; Early childhood education; Interactions and language; Humancomputer interaction

Introdução

Este artigo procurou apresentar possibilidades de trabalho com crianças em salas da educação infantil voltadas para o desenvolvimento da linguagem e de interações qualitativas com a tecnologia trabalhando com o letramento digital e a computação desplugada. Para tanto, localizamos trabalhos internacionais, nas áreas da educação e da ciência da computação, que ajudam a pensar em como otimizar as interações com as crianças menores de 6 anos e a tecnologia, com o intuito de ampliar as interações delas com os aparatos tecnológicos.

Para isso, recorremos a estudos e pesquisas da área de interação humano-computador (IHC), cujo objetivo, segundo a Sociedade Brasileira de Computação (SBC), consiste em explicar os fenômenos de comunicação na interação entre as pessoas e os sistemas computacionais. Nesse sentido, a presente discussão trouxe uma breve análise de como os teóricos da ciência da computação concebem as linguagens de interação e programação e caminhos práticos para a realização de trabalhos em sala de aula com as crianças, além de uma proposta curricular que aborda essas questões de forma mais ampla.

Diante do exposto, questionou-se: como fornecer às crianças conhecimentos que as levem de simples usuárias passivas das tecnologias a pensadoras de como o universo digital em seu entorno funciona? Como o ensino de ciência e tecnologia pode ampliar a capacidade das crianças de resolver problemas simples da vida cotidiana?

Para responder às questões, este estudo está organizado em quatro partes: as contribuições da ciência da computação para o ensino em tecnologias: pensamento computacional, linguagem de interação, questões de design e o desenvolvimento do usuário final; técnicas de uso consciente dos recursos digitais: alfabetização e letramento na era da cultura digital; técnicas de ensino de ciência e tecnologias sem o uso de dispositivos digitais: computação desplugada e o currículo australiano; e por fim a conclusão.

As Contribuições da Ciência da Computação para o Ensino em Tecnologias: Pensamento Computacional, Linguagem de Interação, Questões de Design e o Desenvolvimento pelo Usuário Final

O pensamento computacional é um método de resolução de problemas que é aplicado para criar soluções que podem ser implementadas usando tecnologias digitais. Envolve a integração de estratégias, como organizar dados logicamente, dividir problemas em partes, interpretar padrões e modelos, projetar e implementar algoritmos

(ACARA, 20152 AUSTRALIAN CURRICULUM, ASSESSMENT AND REPORTING AUTHORITY (ACARA). Australian curriculum: technologies. Australian Curriculum, Assessment and Reporting Authority, 2015. Disponível em: https://www.acara.edu.au/curriculum/learning-areas-subjects/technologies. Acesso em: 16 jan. 2023.
https://www.acara.edu.au/curriculum/lear...
, p. 8, grifo da autora).

Segundo Fleer (2016, p. 123)8 FLEER, M. Technologies for children. Cambridge: Cambridge University Press, 2016., “o pensamento computacional é usado para investigar e definir; gerar e desenvolver; produzir e implementar; avaliando; e colaboração e gerenciamento de soluções”. Para a autora, as tecnologias digitais permitem aos alunos que usam o pensamento computacional projetar e implementar soluções digitais. As crianças podem produzir fotos das atividades e usar plataformas digitais para armazenar, organizar e recuperar seus próprios arquivos. Podem coletar dados em uma pesquisa digital sobre o que as pessoas pensam a respeito de variados assuntos pertinentes para a escola e buscar ideias para fazer melhorias, além de pensar e apresentar soluções de design para a classe.

Nessa perspectiva, existe uma dualidade entre tecnologias digitais e o pensamento computacional, pois os aparatos tecnológicos são utilizados como ferramentas que facilitam a aplicação do método, que, por sua vez, possibilita a resolução de problemas da própria ferramenta digital. Para formar usuários ativos diante delas, faz-se necessário que os educadores compreendam e ensinem que para cada categoria de dispositivos existe uma linguagem de interação diferente.

Em termos gerais, a linguagem de interação permite a comunicação entre os usuários e os computadores, enquanto a linguagem de programação está relacionada aos processos de criação. Computadores são aparelhos que recebem um conjunto de instruções pré-programadas para operar, como, por exemplo, os smartphones como tablets e celulares; eletrodomésticos como fornos de micro-ondas, máquinas de lavar; e os eletroportáteis como as cafeteiras.

Um usuário pode interagir com uma máquina de lavar acionando o ciclo desejado para que ela execute sua função. Essa interação ocorre quando ele pressiona ou gira seus botões. O movimento que será realizado dependerá do modelo da máquina, o qual, por sua vez, foi pensado e projetado por um designer, profissional que refletiu acerca de questões de estética e usabilidade, ou seja, formas de fazer com que seus usuários utilizem a máquina sem precisar dominar conteúdos de computação, apenas acionando seus comandos por meio da linguagem de interação, pressionar ou girar.

Pensar em um design é um trabalho complexo que exige conhecimento e criatividade, pois pretende transcender a tudo o que já foi criado e produzido pelo mercado das máquinas e, ao mesmo tempo, facilitar a vida de seus usuários, com recursos que geram o mínimo de danos ambientais e que tenham o máximo de custo e benefício. Dessa tarefa se encarregam os engenheiros, que precisam pensar além da usabilidade, mas na sustentabilidade e na acessibilidade.

A linguagem impressa no exterior das máquinas é acessível aos usuários, pois está traduzida no seu idioma materno, no entanto a linguagem utilizada no interior das máquinas não é tão acessível assim; foi criada por programadores e cientistas da computação. Esses profissionais precisam pensar em todas as questões supracitadas e ainda no principal, na funcionalidade das máquinas.

Os cientistas da computação precisam pensar na combinação de códigos necessários para criar um conjunto de instruções que diga às máquinas o que elas precisam fazer. Esses aparatos recebem as instruções quando são ligados na energia e devem estar programados para decodificar e codificar as instruções programadas. Dessa forma, quando o usuário pressiona ou gira um botão, a máquina executa o ciclo correspondente àquela sequência lógica.

Em suma, a linguagem de interação são os movimentos feitos pelo usuário para anunciar à máquina que esta precisa executar a ação X ou Y. A máquina entende o comando e executa a ação que foi programada para executar. Por exemplo: coloque água até o nível alto, colete o sabão, gire o batedor por 10 minutos, pare-o por 10 minutos, gire o batedor por mais 10 minutos, descarregue a água, mexa o batedor por mais 3 minutos, coloque água até o nível máximo, colete o amaciante, gire o batedor por mais 10 minutos, pare-o por 10 minutos, descarregue a água, gire o batedor por 6 minutos, pare-o.

Os cientistas da computação precisam especificar cada etapa dessa sequência e programá-la com linguagens específicas, que são as linguagens de programação. O usuário, por sua vez, visualiza essas mesmas instruções, mas de forma simplificada, como, por exemplo, ciclo 1: lavagem normal (40 minutos); ciclo 2: lavagem rápida (19 minutos).

Essa mesma lógica se estende a outros aparelhos tecnológicos que fazem parte do cotidiano das crianças. Estas aprendem com facilidade a utilizar esses recursos, pois observam os adultos ao seu redor interagindo com esses objetos. De modo geral, elas aprendem até mesmo no ambiente familiar muitas informações sobre a usabilidade e a funcionalidade desses objetos. Percebem as variadas formas de interação de cada um deles e aplicam-nas de acordo com as características de cada um. Isso pode ser estendido para a sala de aula, com atividades que levem as crianças a conhecimentos que vão além das simples interações, com conteúdos mais elaborados sobre o seu funcionamento.

A linguagem de programação é o sistema de comunicação das máquinas. Conhecida como sistema binário, constitui-se de apenas 0 e 1. Com esses símbolos, é possível criar um padrão por meio de algoritmos. Cada linguagem de programação requer algoritmos específicos, que são traduzidos pelos programas de computador para a linguagem das máquinas. Atualmente, existem várias linguagens de programação. Entre as mais utilizadas, estão linguagem C, Assembly, Java, Javascript, Ruby, C#, Python e Swift.

Para que sejam mais acessíveis a todo tipo de usuário das tecnologias digitais, pesquisadores da área de IHC trabalham em prol do desenvolvimento do usuário final, ou end-user development (EUD). O usuário final pode estar representado por pessoas com conhecimentos avançados ou não. Entre os seus principais objetivos, está criar códigos de linguagem mais fáceis, permitindo maior autonomia aos usuários, capacitando-os a solucionar problemas computacionais. Nesse movimento, a programação é apenas uma das aprendizagens desenvolvidas (FISCHER et al., 20047 FISCHER, G.; GIACCARDI, E.; YE, Y.; SUTCLIFFE, A. G.; MEHANDJIEV, N. Meta-design: a manifesto for end-user development. Communications of the ACM, v. 47, n. 9, p. 33-37, 2004. Disponível em: https://l3d.cs.colorado.edu/~gerhard/papers/CACM-meta-design.pdf. Acesso em: 9 fev. 2021.
https://l3d.cs.colorado.edu/~gerhard/pap...
).

Segundo Lieberman et al. (2006)12 LIEBERMAN, H.; PATERNÒ, F.; KLANN, M.; WULF, V. End user development: an emerging paradigm. In: LIEBERMAN, H.; PATERNÒ, F.; WULF, V. (org.). End user development. Holanda: Springer, 2006. p. 1-8. (Human-Computer Interaction Series, v. 9.), o EUD consiste em um conjunto de métodos que possibilita aos usuários de sistemas de software atuarem como desenvolvedores não profissionais, criando, alterando e adaptando seus próprios sistemas. Nesse contexto, o objetivo da área de IHC deixou de ser apenas tornar os sistemas fáceis de usar para torná-los fáceis de desenvolver, com ambientes que possibilitam aos usuários sem conhecimentos específicos desenvolver e modificar suas próprias aplicações. Em decorrência das crescentes transformações na sociedade, para que os profissionais de software acompanhem essa evolução em diferentes contextos, seriam necessários muito tempo e dinheiro. A solução para esse impasse é que o usuário possa projetar e adaptar seus próprios sistemas, de acordo com suas necessidades (LIEBERMAN et al., 200612 LIEBERMAN, H.; PATERNÒ, F.; KLANN, M.; WULF, V. End user development: an emerging paradigm. In: LIEBERMAN, H.; PATERNÒ, F.; WULF, V. (org.). End user development. Holanda: Springer, 2006. p. 1-8. (Human-Computer Interaction Series, v. 9.)).

Assim como os adultos, as crianças também são usuárias de uma série de objetos tecnológicos digitais e não digitais. Muitos deles podem contribuir para o ensino em tecnologias e o EUD. Entre os softwares, estão os jogos digitais criados para que as crianças brinquem e criem com conceitos básicos da programação, como por exemplo o Scratch Jr., baseado na linguagem Logo, o Kodable, o Robot Turtles Game e o Glicode. Entre os não digitais, estão Lego, Cubetto, Root Coding Robot, Botley e muitos outros.

Todos esses brinquedos interativos são ferramentas que podem contribuir para que as crianças se aproximem dos princípios básicos da programação. Durante a brincadeira, elas percebem que para comandar as ações que serão realizadas pelos objetos, ou personagens virtuais, precisam criar um conjunto de instruções. Em suma, o conceito de instrução será compreendido pela criança no decorrer do jogo mediado pelo adulto.

A criança que cria combinações e sequências lógicas observa e percebe que os objetos estão seguindo seus comandos. Consequentemente, compreende em que consiste o ato de programar, caso um adulto a ensine que existe uma relação entre o programar e o executar. A interação com esses jogos sem a mediação do adulto para apresentar as relações existentes entre uma coisa e outra e o efeito de causa e consequência mantém o jogo em um simples ato de manipular objetos.

Conforme a criança percebe que precisa criar um conjunto de instruções para alcançar os objetivos do jogo, podemos estender essa mesma ideia aos aparelhos que funcionam da mesma forma. O papel do adulto será o de estabelecer conexões entre as regras do jogo e o modo de funcionamento dos aparelhos que fazem parte do cotidiano da criança.

Diante do exposto, como fornecer às crianças conhecimentos que as levem de simples usuárias passivas das tecnologias a pensadoras de como o universo digital em seu entorno funciona? Antes de discorrermos sobre esse assunto, é necessário compreender o conceito de interação na ciência da computação.

Para a ciência da computação, especificamente a área de IHC, as interações e brincadeiras podem acontecer no âmbito do design de interação. Rogers, Sharp e Preece (2013)15 ROGERS, Y.; SHARP, H.; PREECE, J. Design de interação: além da interação humano-computador. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. chamam a atenção para a quantidade de produtos interativos que fazem parte do cotidiano das pessoas. Muitos deles requerem a interação dos usuários e, por isso, podem ser mais fáceis de usar, pois foram projetados tendo o usuário em mente. Um dos principais objetivos do design de interação é otimizar a experiência dos usuários com os produtos interativos, como sistemas, ambientes, ferramentas, aplicativos e dispositivos.

Segundo as autoras, para que os produtos sejam de fácil utilização, eficientes e agradáveis do ponto de vista do usuário, é preciso compreender que tipo de atividade as pessoas realizam enquanto interagem com esses produtos (ROGERS; SHARP; PREECE, 2013).

Quando falamos em produtos interativos que as crianças manipulam, logo pensamos em brinquedos. Do ponto de vista da computação, as experiências das crianças com esses produtos são importantes para prestar suporte técnico. Já pelo viés da educação, faz-se importante compreender quais são as formas de atuação com os produtos interativos, que poderão promover o desenvolvimento das crianças. É sobre isso que discorremos a seguir.

Técnicas de uso Consciente dos Recursos Digitais: Alfabetização e Letramento na Era da Cultura Digital

Os recursos audiovisuais já são utilizados em curta ou larga escala no ambiente escolar. Tudo depende das condições que cada unidade escolar apresenta para a aquisição de máquinas e o acesso a redes de internet. Diferentes formas de interação são utilizadas quando as crianças utilizam tablets, celulares, games, TVs, laptops, desktops e demais recursos de multimídia.

Segundo Rogers, Sharp e Preece (2013, p. 6)15 ROGERS, Y.; SHARP, H.; PREECE, J. Design de interação: além da interação humano-computador. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013., interfaces e dispositivos interativos que possibilitam a utilização de sistemas computacionais são diversos. Entre eles, estão os “displays multitoque (multitouch), sistemas baseados na fala, dispositivos móveis e portáteis e grandes displays interativos” (ROGERS; SHARP; PREECE, 201315 ROGERS, Y.; SHARP, H.; PREECE, J. Design de interação: além da interação humano-computador. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013., p. 6). Quando nos propomos a estudar as interações e linguagens, não podemos esquecer o contexto social e cultural no qual nossas crianças estão inseridas atualmente, a cultura digital.

Em termos históricos, a cultura digital expandiu-se entre os anos 1980–1990, quando os computadores e as redes digitais possibilitaram o surgimento de ambientes socioculturais, os ambientes virtuais, que fomentaram novas redes de convivência. É válido ressaltar que a cultura digital está integrada na cultura popular. Portanto, seus grupos continuam imersos nas suas práticas tradicionais ao mesmo tempo que atuam conforme a lógica da cultura digital (KENSKI, 20189 KENSKI, V. M. Cultura digital (verbete). In: MILL, D. (org.). Dicionário crítico de educação e tecnologias e de educação a distância. Campinas: Papirus, 2018. p. 139-144.).

Autores como Kerckhove (1995)10 KERCKHOVE, D. A pele da cultura: uma investigação sobre a nova realidade eletrônica. Lisboa: Relógio d’água, 1995. e Lévy (1999)11 LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: 34, 1999. indicam que as mudanças mais evidentes e típicas das sociedades grafocêntricas digitais trouxeram consigo novos hábitos culturais, não somente no que consiste às questões de linguagem. Essas peculiaridades específicas de cada cultura correspondem aos novos instrumentos utilizados nas tarefas cotidianas e na maneira como são estabelecidas as relações sociais.

Para que ocorra a inclusão das crianças na sociedade da cultura digital, é preciso ensiná-las não apenas os conhecimentos necessários para compreender os sistemas de escrita. Para além disso, é importante que entendam as formas de interagir com os aparatos tecnológicos que as cercam cotidianamente, isto é, que sejam inseridas no contexto do letramento digital. Esse letramento deve ser entendido como algo que vai além de saber digitar letras e números em um computador, mas como a ampliação das possibilidades de contato com a língua escrita em ambientes virtuais. O letramento digital está além da leitura propriamente dita, pois inclui as questões de navegação e práticas discursivas on-line, compostas de hipertextos e links que dão acesso a outros textos, imagens, gráficos e vídeos (COSCARELLI; CORREA, 20186 COSCARELLI, C.; CORREA, H. Letramento digital (verbete). In: MILL, D. (org.). Dicionário crítico de educação e tecnologias e de educação a distância. Campinas: Papirus, 2018. p. 385-387.).

São diversas as práticas sociais que possibilitam às crianças o acúmulo de experiências com o letramento digital, quando acompanham seus familiares nas agências bancárias, nos caixas dos supermercados, para efetuar pagamentos de contas, compras pela internet, recargas de celulares, quando recarregam cartões para uso em transporte público, entre outros.

Como possibilidade de atuação em sala de aula com tecnologias digitais acessíveis, podemos citar a tecnologia de realidade aumentada. Pioneiro na área da realidade aumentada, o engenheiro Ronald T. Azuma publicou em 1997 o primeiro artigo que definia o conceito. Seu trabalho foi o mais citado na área e incluído na lista dos 50 artigos mais influentes da história dos jornais da editora MIT Press. Segundo o autor, o principal desafio da realidade aumentada é desenvolver outros tipos de experiência, que sejam atraentes e diferenciados das mídias tradicionais, como livros, filmes e realidade virtual (AZUMA, 20173 AZUMA, R. Making augmented reality a reality. In: OSA IMAGING AND APPLIED OPTICS CONGRESS, 2017, San Francisco. Anais […]. 2017. p. 25-29. Disponível em: https://ronaldazuma.com/papers/OSA2017_invited_paper_Azuma.pdf. Acesso em: 16 jan. 2023.
https://ronaldazuma.com/papers/OSA2017_i...
).

Para o autor, enquanto a realidade virtual substitui a visão do usuário do mundo real, a realidade aumentada complementa-a, propiciando maior interação e compreensão do usuário acerca do mundo real. Por conta do seu potencial de ampliar a experiência do usuário com a realidade, seu mercado é muito mais promissor. A prova disso foi o sucesso do Pokémon GO, em 2016 (AZUMA, 20173 AZUMA, R. Making augmented reality a reality. In: OSA IMAGING AND APPLIED OPTICS CONGRESS, 2017, San Francisco. Anais […]. 2017. p. 25-29. Disponível em: https://ronaldazuma.com/papers/OSA2017_invited_paper_Azuma.pdf. Acesso em: 16 jan. 2023.
https://ronaldazuma.com/papers/OSA2017_i...
).

A realidade aumentada pode exercer o papel de importante mediador no processo de alfabetização. Por seu caráter interativo, essa ferramenta conta com a participação da criança e proporciona experiências mais significativas com as letras e seu mundo cotidiano do que as aulas expositivas de ensino da língua sem o uso de recursos digitais. Pensando nessa possibilidade de permitir que as crianças vivenciem práticas sociais de letramento em ambientes virtuais, empresas brasileiras e internacionais, como a 4D Mais, a AR SPOT, a Educartec e a PlayKids Explorer, vêm dedicando esforços para tornar a realidade aumentada mais acessível aos educadores.

Por exemplo, nos projetos da 4D Mais, podem ser encontrados diferentes jogos de cartas com tecnologia de realidade aumentada que apresentam informações sobre a escrita dos nomes de animais. Os objetos reais são as cartas que contêm a imagem e o nome do animal, e, no campo virtual, os animais são mostrados com movimentos realistas e reproduzem seu som característico. Essas cartas têm preço acessível, e o aplicativo para reprodução no modo virtual está disponível gratuitamente. Para interagir com as cartas e descobrir a escrita do nome dos animais e/ou o som das letras, basta direcionar a câmera do celular ou tablet para uma das cartas.

A Educartec e a PlayKids Explorer seguem a mesma linha, com exemplos de iniciativas que estimulam e possibilitam a criança utilizar a linguagem de interação. Já o AR SPOT é um ambiente de criação de realidade aumentada para crianças que segue a linha do Scratch e do Scratch Jr., em que, além da interação, o foco está na linguagem de programação.

Além desses exemplos de recursos, os mercados nacional e internacional já contam com uma vasta gama de livros infantis com tecnologia de realidade aumentada ideais para as aulas de leitura no contexto da cultura digital. A utilização desses materiais em sala de aula poderia tornar mais significativas as interações dos alunos com os gêneros textuais, pois apresenta o atrativo das imagens em três dimensões e dos recursos em áudio. Essa ampliação do campo visual real com o auxílio do virtual pode ser um atrativo capaz de manter a atenção e desenvolver a percepção e a memória dos alunos.

O recurso da realidade aumentada pode ampliar as experiências das crianças com os mundos letrado, tecnológico e digital em que vivem, possibilitando tanto o ensino da língua escrita quanto a ampla interação com a realidade (física ou virtual) que conhecem e em que vivem. Ou seja, ao explorar essas duas realidades (mundo físico e ambientes on-line), que estão presentes no cotidiano das crianças, observamos que a realidade aumentada pode constituir um rico mediador, capaz de reunir a todas no mesmo espaço e tempo.

Para desenvolver um sistema de informação voltado para o público infantil, faz-se necessário um levantamento dos significados que as crianças atribuem ao mundo e às tecnologias. Posteriormente, esses significados serão analisados por designers e submetidos à avaliação interativa de soluções de design, com a participação das crianças (MELO; BARANAUSKAS; SOARES, 200814 MELO, A. M.; BARANAUSKAS, M. C. C.; SOARES, S. C. M. Design com crianças: da prática a um modelo de processo. Revista Brasileira de Informática na Educação, v. 16, n. 1, p. 43-55, jan./abr. 2008. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/29882118. Acesso em: 12 abril 2023.
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).

Nas pesquisas sobre design com crianças, no campo da ciência da computação, Melo, Baranauskas e Soares (2008)14 MELO, A. M.; BARANAUSKAS, M. C. C.; SOARES, S. C. M. Design com crianças: da prática a um modelo de processo. Revista Brasileira de Informática na Educação, v. 16, n. 1, p. 43-55, jan./abr. 2008. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/29882118. Acesso em: 12 abril 2023.
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acreditam que os modelos de design consideram apenas as necessidades das crianças. O estudo apresentado pelas autoras aponta para a importância da participação do usuário na construção dos ambientes de tecnologia, especialmente das crianças, dos adultos que a cercam e dos professores.

Interfaces são espaços de comunicação de caráter semiótico, em que ocorrem a criação e utilização de signos para promover a comunicação. Cabe aos designers desenharem esse espaço de modo que este faça sentido para as crianças (MELO; BARANAUSKAS; SOARES, 200814 MELO, A. M.; BARANAUSKAS, M. C. C.; SOARES, S. C. M. Design com crianças: da prática a um modelo de processo. Revista Brasileira de Informática na Educação, v. 16, n. 1, p. 43-55, jan./abr. 2008. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/29882118. Acesso em: 12 abril 2023.
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).

Todavia, a maioria dos desenvolvedores não consulta as crianças durante os processos, apenas no fim, para fazerem testes de uso dos sistemas. Em contrapartida, as autoras defendem a ideia da abordagem do design participativo, em que as crianças participam do processo de criação de design para novas tecnologias (MELO; BARANAUSKAS; SOARES, 200814 MELO, A. M.; BARANAUSKAS, M. C. C.; SOARES, S. C. M. Design com crianças: da prática a um modelo de processo. Revista Brasileira de Informática na Educação, v. 16, n. 1, p. 43-55, jan./abr. 2008. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/29882118. Acesso em: 12 abril 2023.
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).

Nesta pesquisa, as crianças participaram da criação do portal Caleidoscópio Jr. Atuaram como coautoras dos produtos, compartilharam significados e expressaram suas ideias. O intuito foi criar produtos que respeitassem seus interesses como usuárias e ao mesmo tempo seu entendimento como participantes do processo autoral.

Vimos algumas possibilidades de abordagem em sala de aula, como uso consciente das tecnologias digitais. Em suma, podemos utilizar recursos acessíveis, como celulares e tablets, para proporcionar experiências mais ricas e significativas por meio da realidade aumentada e pensar na criação de interfaces, como blogues, sites, jogos e brinquedos, contando com a participação das crianças durante toda a execução do processo. Há na próxima seção algumas maneiras de trabalhar ciência e tecnologia sem o uso de recursos digitais.

Técnicas de Ensino de Ciência e Tecnologias Sem o Uso de Dispositivos Digitais: Computação Desplugada e o Currículo Australiano

Vimos anteriormente que o pensamento computacional pode ser útil à resolução de problemas relacionados às tecnologias digitais e que esse método também pode ser aplicado com o auxílio dessas ferramentas, no entanto essa não é a única maneira de criar soluções interpretando padrões, organizando dados logicamente e implementando algoritmos.

A computação desplugada é um movimento que pretende difundir conhecimentos da ciência da computação, como algoritmos e números binários, sem o uso de computadores. As atividades podem ser aplicadas por pessoas que não sejam especialistas em computação em lugares remotos, mesmo sem acesso à energia elétrica. Os autores são os criadores do Projeto Unplugged e do livro Ensinando ciência da computação sem o uso do computador. O projeto objetiva apresentar às crianças como os computadores funcionam, pensam e como podem ser mais eficientes. Além do ensino de conceitos matemáticos e da ciência da computação, pretende-se que as crianças desenvolvam habilidades de comunicação, resolução de problemas, criatividade e cognição (BELL; WITTEN; FELLOWS, 20114 BELL, T.; WITTEN, I. H.; FELLOWS, M. Computer science unplugged. 2015. Disponível em: https://classic.csunplugged.org/wp-content/uploads/2015/03/CSUnplugged_OS_2015_v3.1.pdf. Acesso em: 9 fev. 2021.
https://classic.csunplugged.org/wp-conte...
).

Nas atividades do Projeto Unplugged as crianças podem aprender que os computadores armazenam dados utilizando apenas dois números, 0 e 1. Esses dados são as bases que o computador utiliza para transformar em informações, como as fotos, palavras e vídeos. Nessa proposta as crianças transformam letras, números, imagens e palavras em 0 e 1, em outras palavras, em números binários (BELL; WITTEN; FELLOWS, 20114 BELL, T.; WITTEN, I. H.; FELLOWS, M. Computer science unplugged. 2015. Disponível em: https://classic.csunplugged.org/wp-content/uploads/2015/03/CSUnplugged_OS_2015_v3.1.pdf. Acesso em: 9 fev. 2021.
https://classic.csunplugged.org/wp-conte...
), como ilustra o exemplo exposto na Fig. 1.

Figura 1
Números binários.

Além de símbolos, os sinais também podem ser enviados com sons, agudos para 1 e graves para 0, como fazem os modens. Com base nesse conhecimento, as crianças podem brincar de enviar mensagens aos amigos por meio de sons graves e agudos. Para aprender como os computadores armazenam fotografias e outras imagens utilizando apenas números, as crianças podem fazer atividades com contagem e desenho. Ao colorir números para representar imagens, a matemática será aplicada pela exploração de formas e espaços (BELL; WITTEN; FELLOWS, 20114 BELL, T.; WITTEN, I. H.; FELLOWS, M. Computer science unplugged. 2015. Disponível em: https://classic.csunplugged.org/wp-content/uploads/2015/03/CSUnplugged_OS_2015_v3.1.pdf. Acesso em: 9 fev. 2021.
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).

Na tela do computador existe uma grade dividida em pequenos pontos chamados de pixels. Para representar uma foto em preto e branco, basta que o computador armazene quais pontos são pretos e quais são brancos. Por exemplo, podemos programar o número 1 para pontos pretos e o 0 para pontos brancos, como exibido nas Figs. 2, 3 e 4.

Figura 2
Imagem na tela do computador.
Figura 3
Imagem ampliada para visualizar os pixels.
Figura 4
Como o sistema foi programado.

As instruções que foram gravadas nesse sistema específico indicavam que o computador precisava pintar de preto apenas pixels com código 1. Se criarmos um código diferente para cada cor, utilizando apenas 0 e 1, podemos programar a máquina para reproduzir imagens com quantas cores forem necessárias, desde que cada uma tenha uma combinação de códigos diferentes.

Para irmos mais além, pensemos que as crianças tenham uma personagem que vai reproduzir o mesmo desenho sempre que elas acionarem um botão. Para isso, é importante que elas compreendam que sua personagem precisa de instruções bem detalhadas para conseguir reproduzir o desenho como elas querem. Exemplificamos na Fig. 5 a ideia com a mesma casa das Figs. 2, 3 e 4, como as máquinas decodificam os códigos.

Figura 5
Instruções.

O exemplo da Fig. 5 ilustra o princípio da programação, em que um conjunto de instruções fica armazenado na memória do computador, por meio de códigos que simplificam a decodificação e fazem com que os computadores reproduzam as imagens que vemos na tela. Esses dados ficam gravados na memória das máquinas, mediante uma das diversas linguagens de programação que apresentamos neste estudo, e podem ser transmitidos para outras máquinas, como as impressoras. Os computadores transmitem os dados das imagens e dos textos que devem ser reproduzidos na folha. No caso de uma impressora a laser, um cilindro fotorreceptor é quem recebe de um laser a descarga dos pontos que constituem as imagens.

Diversas atividades podem ser trabalhadas nas salas de aula da pré-escola para ensinar os princípios da programação, como desenhos com folhas quadriculadas, como nas atividades do Projeto Unplugged; desafios para criar combinações diferentes de 0 e 1, para ensinar o funcionamento do sistema binário; jogos com circuitos de instruções, em que as próprias crianças podem ser as personagens; brincadeiras de transmissão de dados, em que as crianças podem trabalhar com sons agudos e graves, luzes e setas para alcançar um objetivo final.

O Projeto Descobrindo o Computar apresenta em seu repositório de atividades vários planos de aula criados por uma equipe de especialistas da ciência da computação e da educação especificamente para crianças em idade pré-escolar. Entre essas atividades, estão aquelas sobre armazenamento, processamento e transmissão de dados, que abrangem o estímulo ao pensamento computacional e a capacidade de resolução de problemas, com jogos e brincadeiras que contemplem as questões de ciência, tecnologia, design e sustentabilidade.

Além dos projetos com atividades prontas para serem aplicadas, a literatura infantil é uma ferramenta importante nesse processo. Os livros são uma das ferramentas utilizadas pelo movimento da computação desplugada, para levar conhecimentos sobre o funcionamento dos computadores a usuários em ambientes que dispõem ou não de recursos digitais, como o Projeto Hello, Ruby, criado pela mesma autora do livro infantil também intitulado de Hello, Ruby (2019), Linda Liukas13 LIUKAS, L. Olá, Ruby: uma aventura pela programação. Tradução: Stephanie C. L. Fernandes. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2019.. A obra apresenta conceitos básicos da programação computacional, na história de uma menina que busca por cinco cristais escondidos pelo seu pai, que não deixou nenhuma instrução para que ela pudesse encontrá-los. Para cumprir a missão, Ruby precisa usar a imaginação em busca de pistas. No decorrer da aventura, ela depara com vários conceitos da ciência da computação, como abstração, algoritmo, dados, decomposição, depuração, funções, laços de repetição (loops) e muitos outros. O material ainda conta com um lindo livro de atividades, para reforçar os conceitos que surgiram ao longo da história.

Outra literatura surpreendente é Lauren Ipsum: uma história sobre ciência da computação e outras coisas improváveis (2016), escrita por Carlos Bueno5 BUENO, C. Lauren Ipsum: uma história sobre ciência da computação e outras coisas improváveis. São Paulo: Novatec Editora, 2016.. Relata a jornada de uma pequena garotinha que se perdeu e foi parar em um lugar chamado Usuariolândia, em que a lógica e a computação ganham vida. Para encontrar o caminho de volta para casa, ela precisa solucionar vários desafios. Lauren conta com a ajuda de muitas personagens curiosas que cruzam seus caminhos e aprende, por meio dessa aventura, alguns problemas que fazem parte do cotidiano dos cientistas da computação. Cada conceito da computação é retratado de forma incrível e instigante. Entre os principais, estão esteganografia, composição, arredondamento, recursão, infinito, regresso infinito, lógica, código e muitos outros.

Os materiais supracitados são livros que apresentam narrativas que pretendem demonstrar de forma lúdica como os computadores funcionam. Para estabelecer relação entre a história e a área do conhecimento, é necessária a intervenção do adulto. A criança por si só provavelmente precisará dos educadores para mostrar como cada trecho das histórias está presente no cotidiano e no interior das máquinas. Os livros descritos dedicam um espaço para auxiliar os adultos no entendimento dos conceitos, para que possam mediar as descobertas das crianças, como glossários ou explicações mais avançadas dos conteúdos.

Alguns livros, ainda que apresentem uma linguagem mais técnica, não deixam de ser um incentivo para que as crianças explorem o universo computacional, como por exemplo os materiais “Brincar e aprender: computadores e programação” (2015) e “Abra e descubra! Como funciona o computador?” (2016). Ambos são compostos de um material gráfico visualmente agradável aos olhos dos pequenos leitores. Cada página está recheada com “janelas”, que, ao serem abertas, apresentam de forma lúdica e com personagens divertidas o que são computadores, os diferentes tipos de máquina, como pensam, funcionam e quais as possibilidades de atuação.

Além da literatura, podemos contar com currículos de outras nacionalidades, como o currículo australiano (ACARA, 20152 AUSTRALIAN CURRICULUM, ASSESSMENT AND REPORTING AUTHORITY (ACARA). Australian curriculum: technologies. Australian Curriculum, Assessment and Reporting Authority, 2015. Disponível em: https://www.acara.edu.au/curriculum/learning-areas-subjects/technologies. Acesso em: 16 jan. 2023.
https://www.acara.edu.au/curriculum/lear...
). O conhecimento é apresentado em duas categorias: pensando em design e tecnologias; e tecnologias digitais. O currículo contempla experiências pessoais das crianças com as tecnologias em suas casas e na sala de aula, com destaque a mais uma forma de raciocínio, o design thinking, ou pensamento em design. As crianças têm a oportunidade de conhecer diferentes visões de plano, formas de planejamento, avaliação e de utilizar os recursos tecnológicos digitais para suas necessidades de comunicação. Seu principal intuito é promover o ensino de conteúdos oriundos de áreas diferentes do conhecimento para que as crianças aprendam em atividades práticas a ler, comparar, escrever, desenhar, pesquisar, construir e pensar criticamente. O conhecimento tecnológico envolve jogos e atividades colaborativos em grupo, para criar soluções de design e desafios que tenham sentido real, garantindo a motivação necessária em qualquer área curricular (ACARA, 20152 AUSTRALIAN CURRICULUM, ASSESSMENT AND REPORTING AUTHORITY (ACARA). Australian curriculum: technologies. Australian Curriculum, Assessment and Reporting Authority, 2015. Disponível em: https://www.acara.edu.au/curriculum/learning-areas-subjects/technologies. Acesso em: 16 jan. 2023.
https://www.acara.edu.au/curriculum/lear...
).

No âmbito das tecnologias digitais, ainda sobre o currículo australiano, as crianças aprendem a identificar dados e informações em sistemas digitais e as formas como são transmitidos, além de conhecimentos práticos sobre os principais componentes dos sistemas, como são utilizados e quais são suas funções, utilizando terminologias simples para descrevê-los. As crianças devem estar envolvidas em atividades de uso comum dos sistemas, com o intuito de atender a suas próprias necessidades ou a de seus familiares (ACARA, 20152 AUSTRALIAN CURRICULUM, ASSESSMENT AND REPORTING AUTHORITY (ACARA). Australian curriculum: technologies. Australian Curriculum, Assessment and Reporting Authority, 2015. Disponível em: https://www.acara.edu.au/curriculum/learning-areas-subjects/technologies. Acesso em: 16 jan. 2023.
https://www.acara.edu.au/curriculum/lear...
).

Seguindo a perspectiva do currículo australiano, Fleer (2016)8 FLEER, M. Technologies for children. Cambridge: Cambridge University Press, 2016. apresenta em seu estudo Technologies for Children variados exemplos de como ensinar design e tecnologia para crianças de 0 a 12 anos de idade. Alinhado ao eixo tecnologia do currículo australiano, o principal foco de seu trabalho está nas tecnologias de design, com referência especial às tecnologias digitais. O estudo apresenta diferentes abordagens para o ensino de tecnologias e elementos para criar bons planejamentos, gerenciamento de projetos que podem ser facilmente aplicados em sala de aula e subsidiem o ensino de design e a educação em tecnologias.

As tecnologias digitais entram em cena para auxiliar na elaboração do projeto inicial (design brief). Quando estão diante de um desafio, as crianças podem pesquisar sobre o tema proposto pelos professores, visualizar imagens relativas ao assunto e captar informações por meio de vídeos e fotografias feitos por elas próprias. As tecnologias digitais são utilizadas como ferramentas para a construção de produtos, que variam desde um suporte para coletar pipoca, uma nova casa para a história dos três porquinhos, um chapéu ou um cartão para um amigo. As atividades apresentadas por Fleer (2016)8 FLEER, M. Technologies for children. Cambridge: Cambridge University Press, 2016. foram aplicadas em salas de aula e ilustram como o eixo tecnologias do currículo australiano pode ser executado com atividades simples.

De acordo com o que foi exposto neste tópico, a realidade aumentada é um bom exemplo para o uso das tecnologias digitais no âmbito escolar, pois possibilita ampliar a experiência das crianças com os conteúdos que já estão sendo propostos em sala de aula. Por sua vez, a computação desplugada é uma excelente estratégia de ensino de como as máquinas pensam e funcionam, além de possibilitar brincadeiras que apresentam conceitos como memória e algoritmo. Já o currículo australiano apresenta um norte de como inserir atividades práticas e lúdicas que desafiam as crianças e estimulam sua criatividade, em projetos de resolução de problemas que envolvem questões de design e tecnologia.

Conclusões

Neste estudo, propusemo-nos a responder como fornecer às crianças conhecimentos que as levem de simples usuárias passivas das tecnologias a pensadoras, por meio do pensamento computacional, de como o universo digital em seu entorno funciona e como o ensino de ciência e tecnologia pode ampliar sua capacidade de resolver problemas simples da vida cotidiana.

Defendemos a ideia de que, com a computação desplugada, é possível ampliar as possibilidades de uso social da língua, quando as crianças são apresentadas às linguagens de programação e de interação. Mostramos as variadas possibilidades de interação entre os usuários e seus computadores, com o intuito de ampliar as interações das crianças com os dispositivos.

Discutimos sobre o ensino por meio do design e da intencionalidade de auxiliar as crianças a interagir como usuárias ativas diante das tecnologias ao seu redor. Com o aporte das teorias da computação, especialmente dos estudos da área de IHC, trabalhamos com um amplo conceito de tecnologia, que vai além da utilização dos smartphones, tablets e laptops, com atividades que permitam às crianças perceber como as máquinas pensam e são programadas para executar suas funções.

Partimos da premissa de que as informações a respeito das tecnologias adquiridas durante as atividades precisam ter o propósito de instigar e desafiar as crianças a pensar com criticidade e criatividade acerca dos produtos de consumo. Essa é a importância do trabalho acerca das questões de usabilidade.

Faz-se necessário ensinar os impactos que o uso incorreto das tecnologias pode causar na vida das pessoas. Nesse sentido, as questões concernentes ao consumo e à sustentabilidade precisam fazer parte do planejamento dos professores desde a educação infantil. Para além do ensino das formas e dos espaços geométricos, as crianças podem aprender a pensar em como os objetos podem ser mais bem projetados, em novas soluções em design.

Para que todas essas questões em torno da usabilidade, da sustentabilidade e das questões de design sejam ensinadas, é relevante considerar que nem todas as informações que as crianças possuem acerca dos produtos que consomem foram adquiridas no ambiente escolar.

Devemos considerar, conforme ressalta ARCE (2018)1 ARCE, A. Educação infantil: alimentação, neurociência e tecnologia. Campinas: Alínea, 2018., que as tecnologias digitais e a mídia estão presentes no cotidiano das crianças, trazendo distração, lazer e, principalmente, formando pequenos consumidores. Por isso, é necessário que os adultos no entorno das crianças estabeleçam um diálogo quanto ao papel das propagandas, alertando-as sobre os perigos do marketing das indústrias, pois muitas informações propagadas podem mostrar algo muito além do real.

Diante do que foi exposto no decorrer deste estudo, percebe-se que é possível realizar bons trabalhos a respeito da ciência e das tecnologias, para formar crianças conscientes acerca dos produtos que consomem, para que tenham subsídios para resolver problemas simples do cotidiano, conheçam e experimentem materiais extraídos dos ambientes naturais e artificiais.

Agradecimentos

Não se aplica.

Disponibilidade de Dados da Pesquisa

Todos os dados foram gerados/analisados no presente artigo.

Referências

  • 1
    ARCE, A. Educação infantil: alimentação, neurociência e tecnologia. Campinas: Alínea, 2018.
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Editores Associados:

Ana Clara Bortoleto Nery https://orcid.org/0000-0001-6316-3243 e Eduardo Alessandro Kawamura https://orcid.org/0000-0002-0209-2282

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2022
  • Aceito
    01 Mar 2023
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