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POLICIAMENTO OSTENSIVO E DESIGUALDADES EM SÃO PAULO E MINAS GERAIS

OSTENSIVE POLICING AND INEQUALITIES IN SAO PAULO AND MINAS GERAIS

MAINTIEN DE L’ORDRE OSTENSIBLE ET INÉGALITÉS À SÃO PAULO ET MINAS GERAIS

Resumos

Este artigo analisa relações entre o modelo de policiamento ostensivo e a seletividade da ação policial baseada em atributos dos suspeitos de crimes, em São Paulo e Minas Gerais. A coleta e a análise de dados atenderam a distintos procedimentos. Dados quantitativos sobre prisões em flagrante e mortes em decorrência de ação policial foram extraídos de bases oficiais de registros de ocorrências policiais. Dados qualitativos foram obtidos por meio de entrevistas com oficiais das polícias militares paulista e mineira. Os resultados apontam a existência de tratamento desigual dos públicos branco e negro, tendo como evidência os cálculos de razão de chance de ser preso em flagrante ou ser vítima fatal de ocorrência policial. As conclusões indicam que o vínculo entre policiamento e racismo é aprofundado por mudanças no papel no policiamento ostensivo nas estratégias do controle do crime.

Policiamento Ostensivo; Filtragem Racial; Inquisitorialidade; São Paulo; Minas Gerais


This article analyzes relations between ostensible policing model and selectivity of police action based on attributes of criminal suspects in São Paulo and Minas Gerais. Data collection and analysis taken different procedures. Figures on arrests and police killings were extracted from official police records. Qualitative data were obtained through interviews with military police graduated officers of São Paulo and Minas Gerais. The results indicate unequal treatment of white and black publics, having as evidence the calculations of odds ratio of being arrested or being a fatal victim of police occurrence. The findings indicate that the link between policing and racism is deepened by changes in the role of military policing in crime control strategies.


Cet article analyse les relations entre le modèle de maintien de l’ordre ostensible et la sélectivité de l’action de la police basée sur les attributs des suspects criminels à São Paulo et Minas Gerais. La collecte et l’analyse des données ont suivi différentes procédures. Des données quantitatives sur les arrestations en flagrant délit et les décès dus à l’intervention de la police ont été extraites des bases de données officielles des dossiers d’incidents de la police. Des données qualitatives ont été obtenues grâce à des entrevues avec des officiers de police militaire à São Paulo et à Minas Gerais. Les résultats indiquent l’existence de traitement inégal des publics blanc et noir, ayant comme preuve les calculs du rapport de cotes d’être arrêté en flagrant délit ou d’être une victime d’un incident fatal impliquant la police. Les conclusions indiquent que le lien entre le maintien de l’ordre et le racisme est approfondi par les changements dans le rôle de la patrouille ostensible dans les stratégies de contrôle du crime.

Maintein de l’ordre; Profilage racial; Inquisitorialité; São Paulo; Minas Gerais


INTRODUÇÃO

Em 2020, uma grande onda de protestos antirracistas ocorridos em mais mil cidades nos Estados Unidos passou a questionar não apenas os métodos de policiamento, e o uso da violência, mas também os custos e a própria existência da polícia nos moldes atuais. No Brasil, o tema da violência policial é um assunto recorrente nas mídias jornalísticas e tema de atuação de organizações sociais e movimentos populares. Durante o período da pandemia de covid-19, o Supremo Tribunal Federal foi interpelado por uma Ação de Descumprimento de Preceito (ADPF635), tendo a regulação da violência policial e sua relação com o racismo como questão central. O vínculo entre policiamento e racismo vem sendo abertamente debatido e, no intuito de contribuir nesse debate, este artigo apresenta resultados de uma pesquisa em rede realizada em quatro localidades, explorando as comparações possíveis nos contextos dos estados de São Paulo (SP) e Minas Gerais (MG).

O objetivo é analisar dados que ajudem a compreender resultados efetivos do policiamento ostensivo e as expressões de seletividade racial da ação policial observadas em registros de prisão em flagrante e mortes em decorrência de ação policial. A opinião dos oficiais das polícias militares de São Paulo e Minas Gerais também foi tomada como um resultado que expressa os sentidos tanto do que é o policiamento como as percepções dos seus planejadores e supervisores sobre a seletividade racial e racismo institucional.1 1 Este artigo é uma versão modificada de paper apresentado no 19º Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia.

O artigo apresenta uma discussão teórica a respeito da mudança do papel exercido pelo policiamento ostensivo no controle do crime nos estados enfocados. Em seguida são apresentados dados quantitativos sobre a razão de chance de negros e brancos serem presos em flagrante no policiamento ostensivo em São Paulo e Minas Gerais. A percepção dos oficiais das polícias militares paulista e mineira sobre policiamento ostensivo e questões raciais é apresentada a seguir.

POLICIAMENTO OSTENSIVO: EM BUSCA DE UM MANDATO

O modelo de policiamento ostensivo é aquele exercido pelas Polícias Militares (PM), conforme o artigo 144 da Constituição Federal. Nenhuma legislação define seus objetivos, métodos e limites, sendo do âmbito da prática institucional o desenho de seu modelo. A primeira descrição etnográfica deste policiamento em São Paulo foi feita por Heloisa Fernandes ainda nos anos 1970, num texto em que só veio a publicar após o fim da ditadura (Fernandes, 1989FERNANDES, H. R. Rondas à cidade: uma coreografia do poder. Tempo Social, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 121-134, dec., 1989.). Nele, analisa a criação, em São Paulo, das “rondas” da polícia criada pelo regime militar. Na mesma cidade e ano da publicação, Paulo Sérgio Pinheiro e colaboradores descreveram os resultados do policiamento em termos da letalidade policial, identificando territórios, métodos e principais alvos, que naquela época já eram os jovens negros de bairros periféricos (Pinheiro et al., 1991). Embora muita coisa tenha se alterado na profissionalização da Polícia Militar durante o período democrático (Sinhoretto et al., 2020), os principais resultados que abordaremos a seguir já eram evidentes nas pesquisas pioneiras.

Na ausência de regulamentação do policiamento ostensivo, descrever suas características é uma das tarefas dos pesquisadores de polícia (Muniz et al., 2018). Temos apurado que ele é baseado em operações e atividades que visam policiar espaços públicos, principalmente mediante rondas e atendimento de chamadas. Está orientado para a identificação de “atitudes suspeitas”, através do estabelecimento de perfis de “suspeitos” que orientam abordagens policiais e revistas pessoais. As ações ocorrem no espaço das ruas, em estabelecimentos de circulação pública (escolas, bares, lojas, veículos coletivos, etc.), já que para o ingresso de policiais em locais privados (residências, escritórios, edifícios, condomínios, escolas e hospitais privados) é necessária autorização, de proprietários ou judicial. A justificativa jurídica da existência desse modelo é a prevenção e repressão de delitos (Nascimento; Nascimento, 2018NASCIMENTO, N. R. B.; NASCIMENTO, P. R. T. B. Policiamento ostensivo como ferramenta de prevenção a ilícitos. Revista Eletrônica Casa de Makunaima, Boa Vista, v. 1, n. 1, p. 93-101, 29 ago. 2018.), o que autoriza policiais a levantarem suspeição sobre um indivíduo, grupos de indivíduos, atitudes e comportamentos; e agir para averiguar os suspeitos.

Tem sido enfatizado no debate sociológico do policiamento ostensivo que a competência atribuída pela Constituição à Polícia Militar não possui um mandato circunscrito (Muniz; Proença Jr., 2014), uma vez que os termos constitucionais que o balizam não são definidos por legislação ou outros diplomas normativos, como é o caso das noções de ordem pública (Costa e Lima, 2014COSTA, A. T. M.; LIMA, R. S. Segurança pública. In: LIMA, R. S.; RATTON, J. L.; AZEVEDO, R. G. (org.). Crime, polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.), assim como não estão definidos os termos “fundada suspeita”. Na ausência de uma doutrina legal para definir os limites do policiamento ostensivo, a pesquisa sociológica tem procurado compreender os sentidos atribuídos aos termos por seus atores profissionais (Schlittler, 2020SCHLITTLER, M. C. “Matar muito, prender mal”: a produção da desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo. Rio de Janeiro: Autografia, 2020.; Macedo, 2022; Souza, 2013) e pelos sujeitos que sofrem a sua ação.

O policiamento é alocado por decisão do comandante de uma área, usualmente em função de análises de risco de ocorrência de crimes numa determinada localidade, por iniciativa de policiais em patrulhamento, ou em função de chamados emergenciais, realizados através das centrais de atendimento 190. Uma das formas de avaliação da produtividade desse modelo de policiamento ostensivo são os números de prisões efetuadas, pessoas e veículos abordados e objetos apreendidos (como armas, drogas ilícitas, objetos “suspeitos”).

Análises anteriores do perfil das pessoas presas em flagrante já demonstraram que a cor da pele e demais características raciais influenciam na decisão do policial em “suspeitar” da atitude de uma pessoa e realizar a abordagem policial (Sinhoretto et al., 2014; Barros, 2008BARROS, G. S. Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, 3. ed., p. 134-155, jul./ago. 2008.; Jesus, 2014JESUS, C. H. M. A relação estigma-desvio como elemento norteador no uso da força ou da violência na atividade policial. Dissertação (Mestrado em Sociologia) — Universidade Federal de Alagoas, Alagoas, 2014.; Terra, 2010TERRA, L. M. Identidade bandida: a construção social do estereótipo marginal e criminoso. Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP, Marília, v. 6, n. 6, p. 196-208, 2010.; Silva, 2009SILVA, G. A. Lógica da PMDF na Construção do Suspeito. Dissertação (Mestrado em Sociologia) — Universidade Federal de Brasília, Brasília, 2009.; Schlittler, 2020SCHLITTLER, M. C. “Matar muito, prender mal”: a produção da desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo. Rio de Janeiro: Autografia, 2020.). Os resultados apresentados as complementam na descrição de como é operada a filtragem racial e sua centralidade para o policiamento ostensivo.2 2 Este artigo é parte de uma pesquisa em rede financiada pelo CNPq, realizada nos estados de SP, MG, RS e no DF, contando com o apoio do INCT-InEAC Agradecemos a parceira no desenvolvimento do projeto a: André Cedro, Henrique Macedo, Luís Felipe Zilli, Vinícius de Assis Couto, Haydée Caruso, Luísa Dutra e Rodrigo G. de Azevedo

MUDANÇAS NAS ESTRATÉGIAS DE CONTROLE DO CRIME NO BRASIL

Nos últimos dez anos, os marcos da cidadania e da democracia no Brasil estão sendo atacados. Iniciado ao final dos anos 1970, o processo de democratização da sociedade brasileira impulsionou mudanças nas instituições estatais em um ciclo que foi de 1984 a 2016. A Constituição de 1988 foi um marco, seguido de reformas legais e institucionais que apontaram para mudanças de concepções da cidadania, emergência de novas práticas e inclusão de amplas camadas, historicamente subalternizadas, à gramática dos direitos.

Se de um lado a cidadania orientou as reformas da saúde (com a criação do SUS), da previdência social (com a inclusão dos trabalhadores rurais e domésticos), da educação (com LDB) e até do acesso à justiça, de outro, o setor de segurança pública praticamente não conheceu reformas mais profundas durante o ciclo de democratização. Costa e Lima (2014)COSTA, A. T. M.; LIMA, R. S. Segurança pública. In: LIMA, R. S.; RATTON, J. L.; AZEVEDO, R. G. (org.). Crime, polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014. abordaram as consequências disso e das mudanças “incrementais” na segurança pública.

Já foi apontado que as permanências autoritárias persistem, apesar de ter havido renovação geracional, o que trouxe tensões de concepções e práticas, investimento crescente em capacitação, técnicas de gestão e monitoramento. Avaliou-se que os conflitos internos, sem as reformas institucionais de fundo, levaram a um quadro em que os dilemas entre autoritarismo e democratização foram aprofundados (Sinhoretto; Lima, 2015SINHORETTO, J.; LIMA, R. S. Narrativa autoritária e pressões democráticas na segurança pública e no controle do crime. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar, São Carlos, v. 5, p. 119-141, 2015.; Batitucci, 2019BATITUCCI, E. C. Gerencialismo, estamentalização e busca por legitimidade: o campo policial militar no Brasil. Revista Brasileira de Ciencias Sociais, São Paulo, v. 34, n. 101, 2019.).

Ao observar como tem sido operado o controle do crime no Brasil, sobressai o crescente protagonismo das Polícias Militares no campo da segurança, com poder de selecionar a clientela do sistema penal e definir tipos de delitos e de pessoas que sofrem maior controle, por meio de técnicas de filtragem racial e social (Sinhoretto; Lima, 2015SINHORETTO, J.; LIMA, R. S. Narrativa autoritária e pressões democráticas na segurança pública e no controle do crime. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar, São Carlos, v. 5, p. 119-141, 2015.). Este protagonismo das PMs – e mais recentemente o protagonismo do Exército Brasileiro – são um indicador de mudanças mais profundas nas estratégias de controle do crime. O sucateamento da Polícia Civil (PC), com o desprestígio do modelo de polícia investigativa, não é apenas uma crise corporativa, é parte de uma mudança mais ampla nas formas de produção da verdade e no exercício do poder punitivo.

Para São Paulo, o declínio da Polícia Civil em favor da Polícia Militar tem significado a mudança no exercício do controle do crime, que migra de investigações policiais orientadas pelo modelo do inquérito policial para investigações sigilosas (e possivelmente ilegais), realizadas por um consórcio entre a Polícia Militar, o Ministério Público e a administração penitenciária. O resultado das investigações realizadas neste modelo não é a produção da incriminação judicial, mas a execução de “suspeitos” (Silveste, 2018; Macedo, 2015MACEDO, H. “Confrontos” de ROTA: a intervenção policial com “resultado morte” no estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Sociologia) — Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2015.).

A representação dos agentes policiais e judiciais sobre as mudanças nas dinâmicas criminais dos últimos anos é a de um quadro de guerra diante do qual os modelos clássicos de controle do crime (investigação, judicialização e tratamento penitenciário) teriam atingido seu limite, sendo necessário – na visão majoritária – abrir mão de garantias e direitos dos acusados para fazer frente à violência do crime (Silvestre, 2018SILVESTRE, G. Controle do crime e seus operadores: política e segurança pública em São Paulo. São Paulo: Annablume, 2018.).

Para Minas Gerais, a despeito da manutenção de um cenário tradicional de pulverização de grupos e gangues de jovens no controle local do mercado das drogas (Beato; Zilli, 2012BEATO, C.; ZILLI, L. F. A estrutura das atividades criminosas: um estudo de caso. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 27, n. 80, 2012.), a Polícia Militar vêm evidenciando, nos últimos 20 anos, clara evolução do seu domínio institucional, concomitante à incorporação do conhecimento gerencial como linguagem policial, apontando para a possível prevalência do “staff officer” (oficial de Estado Maior), em detrimento de trajetórias profissionais com experiência operacional (Batitucci, 2019BATITUCCI, E. C. Gerencialismo, estamentalização e busca por legitimidade: o campo policial militar no Brasil. Revista Brasileira de Ciencias Sociais, São Paulo, v. 34, n. 101, 2019.). Mediante depoimentos de 141 oficiais no último posto da carreira, verificou-se que apenas 20,6% tinham perfil ligado à atividade operacional. Em contrapartida, 15,6% dos oficiais tinham perfil voltado exclusivamente a tarefas administrativas, e 22% dos oficiais apresentavam trajetória no Estado Maior.

Este perfil profissional fortaleceu a dissociação entre o planejamento e atividade operacional, na medida em que a elite policial vem aprofundando a lacuna entre a concepção e a ação, ao elaborar institucionalmente aspectos acadêmicos e técnicos da atividade policial, reforçando os instrumentos de assessoria interna, sem desenvolver mecanismos substantivos de ligação entre teoria e prática. Como consequência, são reduzidos a abrangência e o impacto que políticas específicas poderiam ter (tais como a de policiamento comunitário), tanto do ponto de vista da mudança organizacional como de sua efetividade substantiva.

Em Minas Gerais, esse insulamento se aprofundou com a restrição do ingresso na carreira de oficial da Polícia Militar a bacharéis em Direito, em 2010, com a criação da “carreira jurídica militar do Estado”. Além das questões corporativas, essa modificação contribui para elitizar ainda mais a atividade do oficial, tornando-a exclusiva a um perfil profissiográfico, com repercussões sobre o mandato do oficial da Polícia Militar, diferenciando-o substantivamente do policial de linha. Essa mudança tornou-se mais objetiva com a lei de 2016 que autorizou a Polícia Militar a lavrar os termos circunstanciados de ocorrências – TCO, até então restritos a delegados da Polícia Civil.

Parte substantiva dessas mudanças aponta para novos princípios de diferenciação interna no corpo policial e, deste, frente aos seus equivalentes institucionais, especialmente frente à competição com os delegados das Polícia Civil, que se enfraquece institucionalmente.

Essa mudança nas estratégias do controle do crime, de um modelo clássico em direção a um modelo que chamamos de militarizado, significa que o sistema acusatorial da justiça criminal passa a ser cada vez mais confrontado com o fortalecimento da inquisitorialidade.

Como já estudado por Roberto Kant de Lima (1995LIMA, R. K. A polícia da cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos. Rio de Janeiro: Forense, 1995., 2008LIMA, R. K. Ensaios de Antropologia e de Direito: acesso à justiça e processos institucionais de administração de conflitos e produção da verdade jurídica em uma perspectiva comparada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.), os Códigos Penal e de Processo Penal brasileiros datam de 1940-1, sendo orientados por um modelo híbrido. As investigações preliminares são de caráter inquisitorial, a cargo da Polícia Civil, por meio do inquérito policial. A fase judicial é orientada pelos princípios da ampla defesa, presunção de inocência, paridade de armas entre acusação e defesa, caracterizando-a como acusatorial. Em razão dessa particularidade, há uma ligação da inquisitorialidade com aspectos autoritários do funcionamento da polícia. Antonio Luiz Paixão (1982)PAIXÃO, A. L. A Organização Policial numa Área Metropolitana. Dados. Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 25 (1), p. 63-85, 1982. foi um dos primeiros a observar a construção da incriminação ocorrendo “de trás pra frente”, isto é, com a identificação de tipos sociais alvos da “suspeição”. Guaracy Mingardi (1992)MINGARDI, G. Tiras, gansos e trutas: cotidiano e reforma na polícia civil. São Paulo: Scritta, 1992. descreveu como, apesar das tentativas de democratização e reforma da polícia nos anos 1980, a suspeição e o “inquérito de trás pra frente” ainda eram procedimentos que reforçavam tanto a violência como a corrupção. Assim, a Polícia Civil podia obter vantagens financeiras (e pode até hoje obter vantagens políticas) com a ameaça da violência e do exercício arbitrário do seu poder de incriminação.

Kant de Lima (1995)LIMA, R. K. A polícia da cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos. Rio de Janeiro: Forense, 1995. chamou a atenção para o caráter liminar que a Polícia Civil acabou adquirindo. Seu método de produção inquisitorial da verdade (sem a participação, portanto, do acusado ou de seus advogados) é sistematicamente colocado em xeque na fase judicial, na qual o acusado pode exercer sua defesa. Isto cria distorções estruturais para a legitimidade do trabalho de investigação policial, enfraquece o “caráter técnico” esperado da investigação e, ao mesmo tempo, reforça a percepção social de que “a polícia prende e a justiça solta”.

Ocorre que, durante os anos 2000, alguns elementos se transformaram nessa equação clássica descrita pelos pioneiros dos estudos de polícia no Brasil. A Polícia Militar passou a ser um ator cada vez mais relevante na formulação e execução de políticas de segurança. Isto decorre, de um lado, da alavancagem política de deputados dela oriundos, geralmente no espectro da extrema direita (Macedo, 2015MACEDO, H. “Confrontos” de ROTA: a intervenção policial com “resultado morte” no estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Sociologia) — Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2015.), em Minas Gerais e São Paulo. Decorre, de outro, do crescimento do número de prisões em flagrante efetuadas pela Polícia Militar, que leva ao distrito policial o “inquérito pronto”, isto é, o delito e o delinquente já identificados, e testemunho dos policiais. O sucesso do mecanismo da prisão em flagrante como principal método de controle do crime comum decorre da introdução de princípios gerenciais na segurança pública, que passa a incorporar a gramática da produtividade. Uma prisão em flagrante significa um caso “resolvido” com menor dispêndio de tempo e energia, contabilizado como sucesso para a polícia ostensiva (PM), mas também para a polícia de investigação (PC), pois o caso entra pela porta do distrito policial com delito, acusado e testemunhas, todos identificados.

Desta forma, os critérios de suspeição operados pela Polícia Militar em sua atividade de polícia ostensiva nas ruas passaram a ser muito importantes para todo o sistema de controle do crime e punição. De um lado, os grandes casos, como, por exemplo, os ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) – com o destaque para grupos como a ROTA e as atividades sigilosas, resultando em mortes e prisões em flagrante. De outro lado, a rotina do cotidiano sendo administrada pelos mecanismos de filtragem e suspeição, com o objetivo de produzir prisões em flagrante.

Em decorrência disso, o número de pessoas encarceradas no Brasil cresceu vertiginosamente, impulsionado pelos estados de São Paulo e Minas Gerais. As prisões concentram-se nos delitos enfocados pelo policiamento ostensivo: patrimoniais e ligados ao comércio ilegal de drogas. Embora, no início dos anos 2000, São Paulo tivesse um número escandaloso de homicídios, as prisões em flagrante não se concentraram sobre este tipo de delito.

O número de presos provisórios (isto é, pessoas detidas em flagrante e aguardando o julgamento) esteve entre 40% e 30% da população carcerária ao longo dos anos em São Paulo, e acima de 50% em Minas Gerais. Isto indica que os recortes de suspeição da Polícia Militar desenharam não só o trabalho da Polícia Civil, mas também do Judiciário e do sistema penitenciário. O Judiciário, em geral, mantém as prisões processuais efetuadas pelo policiamento ostensivo, apesar de uma ligeira mudança introduzida com a realização de audiências de custódia.

A DESIGUALDADE RACIAL EM NÚMEROS

A questão racial emergiu fortemente nesse contexto. Com o crescimento do número de presos e do número de mortes cometidas por policiais – decorrente das mudanças de estratégia no controle do crime, de um modelo clássico em direção ao modelo militarizado – a desigualdade racial é notória entre pessoas presas e mortas pela polícia.

Em nossa pesquisa, foram monitorados dados sobre desigualdades raciais produzidas pelo policiamento nas abordagens, nas prisões em flagrante e nas mortes cometidas em ações policiais, utilizando os dados, os registros de ocorrências policiais, tendo sido construídas as bases de dados sobre prisões em flagrante e sobre mortes em decorrência de ação policial, de 2013 a 2018.3 3 Para o detalhamento metodológico da coleta e tratamento de dados, ver (Sinhoretto, 2020). Os resultados são contundentes em comprovar que os policiais associam as pessoas negras a atitudes “suspeitas”.

A razão entre a taxa de pessoas negras detidas em flagrante é de duas a seis vezes maior na comparação com o indicador para brancos, considerando que a taxa pondera o número de brancos e negros detidos em flagrante sobre as respectivas populações residentes nos estados. As pessoas negras são ainda os alvos mais frequente de uso letal da força.

Em Minas Gerais, a despeito de declínio das prisões em flagrante na série analisada (2013 a 2018), a desproporção de prisões de negros e de não negros se mantém. A diferença é de 71,5% nas taxas em 2013 (21,2 para negros e 12,3 para não negros), para 73,2% em 2018 (17,5 para negros e 10,11 para não negros).

Para as estatísticas referentes a todo o estado, as pessoas negras apresentam, durante a série, entre 3 e 2,3 vezes mais chance de serem sancionadas que as pessoas brancas, com tendência de queda. De outro lado, a diferença na razão de chance entre negros e não negros permanece mais ou menos estável durante a série, em torno de 1,7 vezes. A razão de chance entre pretos e pardos evidencia queda, variando de 2 para 1,5 durante o período, mas ainda evidenciando um valor bastante alto.

A situação na cidade de Belo Horizonte é ainda mais grave. Não há uma tendência de queda nas taxas de prisão, e a diferença para negros e não negros é bem maior. Em 2013, a taxa de prisões em flagrantes entre pessoas negras era de 23,2 prisões em flagrante para cada grupo de 100 mil habitantes, enquanto entre as pessoas não negras a taxa foi de apenas 7,64 prisões. A diferença era de 203%. Em 2018, a diferença entre as taxas se manteve mais ou menos a mesma (21,2 entre as pessoas negras, contra 7,09 entre as pessoas não negras), o que perfazia uma diferença de 199%.

Em Belo Horizonte, a razão de chance entre negros e não negros aponta valores em torno de 3, atingindo 3,3 em 2017.

Considerando São Paulo, a taxa de pessoas negras presas em flagrante (5 por 100 mil em 2014; 4,85 em 2017) é mais de duas vezes maior do que de pessoas não negras (2,09 em 2014; 2,22 em 2017). Essa diferença entre as taxas tende a aumentar quando se considera apenas os dados para a capital: 9,52 no caso de negros e 3,26 no caso de não negros, em 2014; variando a 8,75 para negros e 3,55 para não negros em 2017). Importante destacar que o ano de 2016 apresenta uma queda fora dos padrões no número global de prisões em flagrante, o que tende a significar um problema de registros mais do que alguma diferença na realidade da atuação da polícia neste ano.

No que tange a letalidade policial, os estados de São Paulo e de Minas Gerais seguiram a mesma tendência, com maior frequência de morte pela polícia de pessoas negras do que de não negras. Em Minas Gerais, considerando uma série de cinco anos (2013 a 2017), a média é de uma taxa de letalidade policial por 100 mil pessoas negras cinco vezes maior do que a taxa de letalidade policial por 100 mil pessoas não negras.

Em São Paulo, considerando os dados entre 2008 e 2018, a taxa de letalidade policial por 100 mil habitantes negros é três vezes maior do que a taxa por 100 mil habitantes não negros. Ao analisar de forma detalhada, a razão de chance entre negros e não negros em 2014 foi 3,49 maior que aqueles que são não negros. Em 2015 e 2106 esta diferença aumentou para 3,93, reduzindo em 2017 para 2,79.

Considerando apenas a cidade de São Paulo, em 2016 a razão de chance de um negro ser morto pela polícia foi 6,45 vezes maior que a de um não negro, com variação de 4,24 em 2014 e 3,35 em 2018.

O conceito de racismo institucional, trabalhado na literatura internacional das ciências sociais, permite a compreensão de como as relações raciais operam a ordenação social das desigualdades raciais em uma instituição na qual se constroem subjetividades, experiências e tipos de interação marcadas pela racialização. De um lado, o racismo institucional no policiamento considera a existência do racismo como uma estruturante que perpassa todas as relações, enfocando, no funcionamento específico das instituições policiais, as formas pelas quais concepções, saberes e práticas materializam a racialização dos sujeitos. Dela decorre uma prescrição de conduta, a gradação do uso da força e a decisão de sua aplicação no caso concreto.

De outro lado, escapa-se de opor o resultado da desigualdade racial na ação policial aos atributos de negritude dos acusados de delito ou dos policiais. O racismo institucional pode ser operado para além e apesar das opiniões individuais dos policiais, uma vez que também opera para formá-las, especialmente em instituições que educam seus próprios integrantes e são bastante fechadas à crítica social ou a qualquer forma de participação cidadã.

Parece haver uma afinidade eletiva (Weber, 2004WEBER, M. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.) entre o papel que o policiamento ostensivo passou a ocupar no campo do controle do crime e o aprofundamento das desigualdades raciais no campo da segurança pública.

POLICIAMENTO OSTENSIVO SEGUNDO SEUS OPERADORES

O policiamento ostensivo é baseado em uma técnica de distribuição do efetivo segundo as “manchas criminais”, isto é, os pontos da cidade onde há mais registros de crimes escolhidos pelos comandantes de uma área para serem monitorados. Decisões de política de segurança também podem determinar seus objetivos e enfoques. O policiamento ainda é alocado para atender ocorrências dos chamados telefônicos ao número 190. É esperado que os delitos monitorados sejam prevenidos pela presença policial ou reprimidos pelos policiais em constante movimento pelas ruas.

Pudemos observar que uma característica fundamental do policiamento ostensivo é a capacidade do policial de “suspeitar” da “atitude” de um indivíduo em seu trabalho de patrulhamento das ruas. A essa habilidade dá-se o nome de “tirocínio”.

Embora se esforcem muito para descrever a natureza técnica do trabalho de polícia, com instrumentos de medição e mapeamento, os policiais atribuem ao tirocínio um papel central para a operação do policiamento ostensivo.

A autorização para um policial abordar qualquer pessoa sem estar de posse de um mandado judicial está na “fundada suspeita”, mencionada no Código de Processo Penal. Na prática, a “fundada suspeita” baseia-se na habilidade do policial para identificar “atitudes suspeitas”. É um saber compartilhado e adquirido, mas também uma habilidade que pode ser inata e desenvolvida no ambiente do trabalho policial nas ruas.

O tirocínio leva os policiais a buscar traços padronizados do que consideram característico da delinquência: formas de olhar, vestimentas, cortes de cabelo e gestos. Isto é, o tirocínio leva a enfocar a ação policial em um conjunto de características estereotipadas trazidas sobretudo pela observação do corpo.

Faixa etária jovem e desempenho masculino de gênero são marcadores relevantes para a sensibilidade do tirocínio, mas não são os únicos signos que contam. Os policiais descreveram uma rotina de abordagens em que elementos da desigualdade estão presentes. A prevalência de marcadores que nomeiam como “sociais”, tais como vestimenta, idade, corte de cabelo e postura, é que seria o mais importante na orientação de sua atividade. E, com isso, o discurso padrão dos policiais é o de que, se existem eventuais discriminações nas abordagens, elas se refeririam a marcas “sociais” e nunca “raciais”. Os interlocutores se referem a desigualdade de renda e território como marcadores de pertença de classe e não de pertença racial, como se a hierarquia de classe fosse objetivamente distinguível da hierarquia racial (Schlittler, 2020SCHLITTLER, M. C. “Matar muito, prender mal”: a produção da desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo. Rio de Janeiro: Autografia, 2020.; Sinhoretto et al., 2014).

PERCEPÇÕES DOS POLICIAIS MILITARES – SÃO PAULO

As entrevistas mencionadas a seguir foram colhidas entre 2018 e 2019 junto a oficiais da Polícia Militar de São Paulo, em seus locais de trabalho, mediante autorização obtida oficialmente. Dessa forma, embora cada entrevista tenha sido dada com o consentimento do entrevistado, todas as condições foram controladas pela instituição, desde a escolha de quem seria entrevistado até o local e o horário.4 4 Dado o controle institucional sobre o discurso dos oficiais de polícia, optou-se, neste caso, por não reproduzir trechos de entrevistas de modo a preservar o anonimato dos entrevistados, tendo sido incluídos apenas trechos de frases para não permitir a identificação pessoal.

A primeira coisa que chama a atenção é o alto grau de padronização das respostas obtidas. Todos os entrevistados verbalizam um discurso institucional para as questões sobre a desigualdade nos resultados do policiamento. Em poucos momentos das entrevistas questões pessoais foram mobilizadas e, por isso, a análise deu muito peso a elas. Histórias pessoais contadas, gestos mais turbulentos, lágrimas disfarçadas, silêncios, constrangimentos. Quando as palavras estão reguladas, presta-se atenção ao que emerge de emocionalidade nas entrevistas.

A acusação de racismo institucional emociona os oficiais da Polícia Militar. Eles não ficam indiferentes à defesa da neutralidade e do caráter técnico da atuação policial. Para alguns, ser visto como racista é algo que ofende e magoa. Nenhum deles quer se ver nessa pele.

A negação dos efeitos discriminatórios e racistas do policiamento dá o tom geral de todas as entrevistas realizadas, com a exceção de um grupo minoritário de policiais negros, e isso tem chamado a atenção para a análise da eficácia do mito da democracia racial (Guimarães, 1999) entre os policiais. O mito tanto sustenta negar a existência do racismo deliberado quanto conforma uma consciência que se declara antirracista. E isso não é sem importância num contexto político em que afirmar a violência e negar o reconhecimento das diferenças tornou-se possível no espaço público, com a ascensão do bolsonarismo.

O racismo é visto como um mal, uma característica negativa que “infelizmente” ainda está presente na sociedade brasileira e que deve ser combatida com educação e políticas sociais para redução de desigualdades. O racismo é recriminado pelos policiais ouvidos e, por isso mesmo, negado enquanto prática institucional da polícia.

Por outro lado, ninguém nega que a sociedade brasileira seja racista. Nenhum policial recusou reconhecer que exista desigualdade da população negra em relação à branca, o que é visto como injustiça. Não obstante, nega-se o papel da polícia ou das técnicas de policiamento para a produção do quadro de desigualdade e opressão da população negra.

A explicação padrão da desigualdade mobiliza a noção de racismo estrutural da sociedade brasileira, sem necessariamente valer-se do termo. Ao falar da dimensão estrutural do racismo é quando os policiais mais se emocionam. Atribuem a reprodução das condições de vida desiguais de negros e brancos especialmente ao mercado de trabalho, à configuração desigual da cidade, ao desemprego e aos bloqueios de acesso à educação.

Admitem que o racismo estrutural conforma a subjetividade dos próprios policiais: “existe racismo na sociedade. E de onde vem o policial?”. Por isso, consideram importante abordar as questões de desigualdade e formação histórica do Brasil nos cursos de formação. Os oficiais mencionam os currículos dos cursos preparatórios, com os conteúdos de direitos humanos, igualdade e ações afirmativas. Mas eles se dividem sobre a efetividade dos cursos para formar uma consciência antirracista nos policiais. Alguns consideram que, diante da alta tecnificação do trabalho policial atual não há como sustentar vieses, pois a técnica assegura que as preferências pessoais dos operadores na rua sejam colocadas em segundo plano em nome da “objetividade” dos procedimentos. O foco estaria na “atitude” suspeita ou na ocorrência do delito e não na pessoa do suspeito, garantem. Nesse caso, o alto número de prisões em flagrante comprovaria que não há viés, pois as pessoas foram presas no cometimento de crimes.

Outros já consideram que o trabalho de formação profissional realizado pela polícia é insuficiente para desconstruir o racismo entranhado nos indivíduos. Esse trabalho é visto como ingrato, pois os oficiais teriam apenas um ano para reverter tendências cultivadas ao longo de toda a vida anterior do policial ingressante. Neste caso, o problema é considerado mais amplo, um problema “social”, cuja intervenção da corporação seria muito limitada. “A sociedade é racista, não a polícia”, afirmam os interlocutores, admitindo que pessoas racistas possam ter se tornado policiais, dado que “a polícia é o retrato da sociedade”. Novamente a tecnificação do trabalho é acionada como método para contornar as preferências pessoais. Na medida em que existem procedimentos operacionais, os policiais teriam que cumpri-los, independentemente de suas inclinações e opiniões.

Em seu discurso oficial, os policiais tendem a opor racismo estrutural a racismo institucional. Se não é negado que a sociedade seja racista e produza indivíduos racistas que serão recrutados pela polícia, é sempre negado que as técnicas de policiamento produzam opressão racial. A polícia é vista majoritariamente como um corpo técnico que opera em condições dadas, sobre as quais não tem poder de mudança.

A maioria dos policiais detém-se aí: a existência do racismo e das precárias condições de vida da população negra, o que impulsionaria este segmento à prática de crimes, o que não pode ser culpa da polícia. Alguns demonstram um sofrimento subjetivo diante dessa constatação. As condições de vida da população negra são vistas como injustas, mas essa injustiça estaria fora do alcance de ação da polícia, que lidaria apenas com as consequências desse quadro social.

“A polícia não prende pessoas negras, a polícia prende criminosos”. Então há mais criminosos entre os negros? Sim, por uma questão social. Os interlocutores não mobilizaram justificativas biologicistas de raça para atribuir aos negros a propensão ao crime. De fato, os interlocutores rechaçam essa visão. Acreditam que isso se dê por uma condicionante histórica do mercado de trabalho à qual os negros teriam sido relegados, o que os levaria a buscar alternativas no crime. Por isso, haveria muito mais negros entre os assaltantes e traficantes que são o alvo do seu trabalho. Não consideram que mudar este quadro estaria entre as responsabilidades da polícia, a qual se limita a tentar impedir o cometimento de crimes.

Os momentos mais emocionais das entrevistas trazem reflexões sobre a visão estereotipada dos negros como suspeitos. Os oficiais lembram que os chamados da população ao serviço 190 são orientadores da ação policial, são os cidadãos que telefonam à polícia quando sentem medo ou ameaça e descrevem as características do suspeito que os ameaça. Nesse momento, quase todos admitem que os estereótipos sobre o negro podem, por essa via, influenciar a atividade policial. Especialmente os policiais negros se emocionam muito ao tocar no tema, sendo um dos poucos momentos das entrevistas em que falaram antes como negros do que como policiais, com olhos úmidos, mãos trêmulas, corpo em agitação.

Contudo, mais uma vez, para eles, é a técnica que salva a igualdade de tratamento, pois ao realizar a abordagem dos “suspeitos”, indicados pela população via telefone, os policiais podem liberar aqueles que nada devem. Mas, se com eles houver drogas, armas ou produtos de roubo, então a suspeita se confirma.

A polícia que opera numa sociedade marcada por racismo estrutural se limita a operar os instrumentos de que dispõe. Instrumentos vistos como, em si mesmos, neutros e objetivos. Este aspecto das representações merece um comentário mais detido, pois revela uma concepção de política pública de segurança marcada politicamente, ainda que o discurso afirme o caráter neutro da instituição.

Na medida em que o policiamento ostensivo é central – ainda que o discurso oficial obrigue a declarar que todo o policiamento paulista é “comunitário” – não se vê na descrição dos policiais sobre o seu trabalho nada que aponte a preocupações com ações integradas de prevenção da violência ou do delito, integração com outras políticas públicas ou discussão interna sobre dilemas de operar numa sociedade que é reconhecidamente desigual. O trabalho de polícia é todo focado em dissuasão e o foco são os crimes patrimoniais, como enfatizam os exemplos espontâneos oferecidos em entrevistas. A grande preocupação da polícia são os ladrões, especialmente os que andam armados. Não se fala em homicídios, não se fala em violência doméstica.

A postura neutra e reativa é paradoxal para uma corporação que aumentou progressivamente seu peso político na gestão da segurança pública e que dispõe de representantes eleitos em seu nome nas casas legislativas. Também são numerosos os oficiais que saíram da corporação para ocupar cargos em prefeituras e no governo do Estado. Os oficiais da Polícia Militar são bastante influentes na política convencional, mas se limitam a falar sobre uma corporação que é apenas receptora de influências políticas, das quais estaria tentando se proteger com o auxílio das técnicas.

Há um componente interessante na formação do ponto de vista dos policiais negros que negam a existência do racismo institucional. Na medida em que reconhecem que o racismo estrutural produz condições degradadas para a população negra, a polícia aparece como uma oportunidade de carreira promissora. Mencionam que a Polícia Militar absorve muitos trabalhadores negros, dando-lhes a oportunidade de um emprego valorizado socialmente, com um salário superior ao de outras carreiras públicas, como magistério, por exemplo. A polícia assegura a formação de seus oficiais até a obtenção do título de doutorado, cursado no interior da própria instituição, em horário de trabalho. Propicia a circulação dos oficiais negros por espaços de poder e privilégio onde são, muitas vezes, as únicas pessoas negras com direito a fala e prestígio. Atualmente a Polícia Militar alavanca carreiras políticas dos seus gestores mais destacados, o que inclui os poucos oficiais superiores negros. Poucos, mas incluídos.

Como acusar de racismo uma corporação que propiciou formação, renda e prestígio, além da inserção em espaços de poder, aos policiais negros? Eles trouxeram para a situação de entrevista a comparação com a trajetória de seus familiares e amigos que não realizaram a mobilidade social propiciada pelo emprego público estável. Eles comparam a sua presença à ausência de negros em outras instituições públicas, como a magistratura e o Ministério Público e até a universidade. E sabemos bem que não estão falseando a realidade.

O tema da letalidade policial é o mais espinhoso de todos. Ninguém quer ser acusado de racista ou de violento. Assim, os policiais reiteram as justificativas institucionais para o crescimento de pessoas mortas pela polícia nos últimos anos. Nenhuma palavra sobre a politização da violência policial nos anos recentes, ou sobre o uso que políticos como Bolsonaro, Witzel ou Dória têm feito disso. Reiteram de modo uníssono que as mortes aumentam porque aumentam os confrontos. “Quem escolhe a reação policial é o criminoso”. “Quem escolhe a intensidade da força policial é quem opta pelo confronto”.

Mas por que a discrepância na cor das vítimas da letalidade policial? “O policial não tem tempo de ver a cor de quem ameaça a sua vida, ele tem uma fração de segundo para se defender ou morrer”. Não houve qualquer espaço nas entrevistas para a discussão de situações de abuso da força. A defesa corporativa é unânime. Ainda que comentem as punições rigorosas aplicadas aos policiais nas situações em que se constata erro e abuso.

Se nos últimos anos a letalidade policial conheceu uma taxa de crescimento constante, isto se deve ao fato de os criminosos estarem muito mais violentos, no discurso dos oficiais da Polícia Militar. A emergência do PCC afetou profundamente a percepção dos policiais sobre seu trabalho. Este é um outro momento das entrevistas em que as reações emocionais se intensificam. Os oficiais falam do assassinato dos seus subordinados. Recordam onde e como estavam no dia em que receberam a notícia de que um subordinado havia sido morto. Ir ao local, presenciar a cena de morte violenta, lidar com a revolta dos outros subordinados, todo o moral da tropa abalado, dar a notícia à família do falecido, assistir ao enterro, tratar os distúrbios emocionais dos que ficaram. Presenciar a morte de um colega de trabalho é visto como a situação mais tensa que um policial pode passar. E não há como não se emocionar com os relatos feitos entre lágrimas.

Os policiais sempre relembram que após 1992, ano do Massacre do Carandiru, e após 1997, ano em que um policial foi filmado torturando moradores na entrada da favela Naval, em Diadema, a polícia teve que mudar em razões de críticas da sociedade. Falam com orgulho sobre essas mudanças, marcos a partir dos quais a polícia adotou o policiamento comunitário e o respeito aos direitos humanos como princípios. Na narrativa oficial, o passado violento da polícia foi revisto e a crise foi aproveitada para produzir aperfeiçoamentos técnicos, desenvolver protocolos, estudos.

A autoimagem da Polícia Militar se reordenou – como técnica, qualificada, estudiosa, científica – em resposta aos conflitos de 1997. Todavia, o alto grau de letalidade do presente não produz o mesmo grau de reflexão. E não gerou a produção de uma nova geração de oficiais com mentalidade renovada. Os oficiais que ingressaram nos fins dos anos 1990 estão em vias de deixar a corporação. Eles se orgulham de terem reestruturado a Polícia Militar, introduzindo a tecnificação do trabalho, melhorando os controles internos, adotando modelos de sucesso internacional, como Koban japonesa ou o departamento de polícia de Nova Iorque.

Contudo, não revelam a disposição de discutir as críticas do presente. 2006, ano dos ataques a policiais atribuídos ao PCC, abriu um ciclo de autoproteção e fechamento à crítica interna. Não obstante o quadro colhido nas entrevistas, o tema do racismo institucional na atuação policial é espinhoso, incômodo. Fala-se dele com temor, medindo as palavras, controlando as condições de discurso. Em quase todas as entrevistas os dados apresentados pelos pesquisadores tiveram sua validade questionada. Foram feitas críticas aos dados oficiais oferecidos pela Secretaria de Segurança Pública. Foi estranhado o procedimento de calcular taxas populacionais. A junção das categorias preto e pardo para formar a categoria negro é vista como indevida, feita para prejudicar a imagem pública da polícia, culminando com a pergunta: “Quantos policiais sua pesquisa já matou ao jogar a população contra a polícia?”

PERCEPÇÕES DOS POLICIAIS MILITARES – MINAS GERAIS

Em Minas Gerais as entrevistas com os oficiais foram colhidas em 2018, junto aos alunos e alunas do Curso de Especialização em Gestão Estratégica de Segurança Pública, que a Fundação João Pinheiro (FJP) oferecia aos oficiais do nível estratégico da PMMG. As entrevistas foram realizadas nas dependências da FJP, em horários combinados com os policiais, em ambiente controlado, e de forma totalmente voluntária.

Dos 28 oficiais que concordaram em ser entrevistados, 18 (64%) eram tenentes- coronéis e 10 (36%) majores; 15 (53%) se percebiam como brancos, 12 (43%) como pardos e apenas 1 se autodefiniu como negro; 13 oficiais (46%) detinham, à época, comando de unidade operacional em nível de batalhão, 10 (35%) estavam em funções de assessoria (estado-maior), e 5 (18%) cumpriam funções administrativas.

Uma primeira constatação é a espantosa similaridade de percepções e concepções entre os oficiais mineiros e os oficiais de São Paulo.

Nesse sentido, o racismo institucional é negado por todos os oficiais como prática institucional. Em sua visão, a instituição não promove desigualdade através das características e processos do policiamento. Muitos deles recebem a pergunta com surpresa e até desânimo. Como seus colegas de São Paulo, os oficiais da PMMG se mostram zelosos a respeito do desenvolvimento do conhecimento institucional e 100% deles fazem referência a um conjunto de documentos doutrinários que tematizariam a questão, como os manuais de Direitos Humanos e os Manuais que regulam a atividade operacional, especialmente os procedimentos operacionais de abordagem e regulação do uso da força e prevenção da letalidade policial. A maioria destes oficiais entende que os documentos existentes tratam desta questão, seja pelo viés dos Direitos Humanos, da vulnerabilidade5 5 A PMMG tem normas específicas para grupos vulneráveis como mulheres em situação de violência, populações de rua, idosos, crianças e adolescentes. Entretanto, a questão racial não é percebida como uma questão de vulnerabilidade, em nenhuma destas normas. de grupos sociais específicos, ou pelos procedimentos operacionais padrão de policiamento e abordagem.

A despeito disso, 20 oficiais (71%) entendem que estas normas poderiam ser mais detalhadas ou que deveria se desenvolver uma norma ou treinamento específico para a questão racial. Da mesma forma, 8 oficiais (29%) entenderam que existe um problema de filtragem racial que se evidencia nas práticas dos policiais militares no policiamento cotidiano. Entretanto, para todos eles, estes problemas, como acontece em São Paulo, não são problemas da instituição, da formação policial militar, dos treinamentos ou das normas operacionais. Em sua visão, são problemas da sociedade brasileira, que o policial ecoa no seu meio social:

[...] entendo que a sociedade brasileira ainda discrimina bastante os não brancos. E isso, por óbvio, se reflete na postura dos policiais, afinal o profissional de segurança pública é recrutado no seio da sociedade e vem para a instituição trazendo um conjunto de valores já assimilado no convívio social (E28).

[...] não se trata de uma orientação institucional a externalização de qualquer forma de discriminação. Entretanto, entendo que as questões raciais são, sim, consideradas no momento em que o policial decide abordar um cidadão. As raízes deste olhar estão na sociedade brasileira, que habitualmente enxerga os não brancos como cidadãos de 5ª categoria (E10).

Há, entretanto, oficiais que entendem que a polícia deveria discutir abertamente a questão, justamente para não se omitir frente aos valores “individuais”:

[...] como o tema não é discutido internamente de forma aberta, não há atenção para o tema. A consciência é mais ligada às questões pessoais do que às oriundas da instituição. Os modelos acabam se reproduzindo ao longo do tempo, pelo que se perpetuam, diante da ausência de modelos alternativos (E5).

Por outro lado, se há aqueles que percebem que a instituição pode se posicionar de forma mais explícita, a maioria dos oficiais entende que a PMMG já faz o seu papel para evitar a filtragem racial e o racismo institucional:

[...] a instituição trabalha todo o tempo no sentido de minimizar os efeitos do preconceito social, especialmente em relação aos grupos mais vulneráveis socialmente, tais como os LGBTS e os pretos (E14).

[...] durante a formação, o policial em Minas Gerais recebe a orientação clara de que o tratamento com o público deve ser impessoal, independentemente de raça, situação social, sexo, ideologias (E03).

E da mesma forma como é percebido em São Paulo, em Minas Gerais também é afirmada pelos policiais a potencial mobilidade social que o emprego policial representa:

[...] a PMMG é uma instituição extremamente democrática desde o seu ingresso. Tudo é possível para todos, desde que se esforce para tal. Vim de uma família humilde, estudei em escolas públicas a minha vida toda e sempre fui muito estudiosa. Considero-me uma vitoriosa, mas nada foi fácil para mim. O acesso na PM é livre e amplo, mas tem que querer (E11).

A despeito, portanto, de reconhecerem que a sociedade é desigual, quando confrontados com a possibilidade de cotas para o ingresso na corporação, apenas um policial, de todos os entrevistados, concorda que há necessidade de cota para negros.

A letalidade policial não é percebida pelos entrevistados como um problema institucional. De fato, a letalidade policial na PMMG, a despeito de estar em crescimento contínuo há vários anos, ainda é apenas uma fração da letalidade existente em São Paulo ou Rio de Janeiro.

As características percebidas pelos oficiais da PMMG sobre a abordagem policial se mostraram, por outro lado, bastante interessantes. Em primeiro lugar, 100% afirma conhecer (e cita) os procedimentos operacionais padrão que regulam a abordagem policial. Entretanto apenas 20 oficiais (71%) entendem que há critérios claros para a abordagem policial na corporação, evidenciando que as normas nem sempre permitem uma interpretação adequada, ou nem sempre remetem às imponderabilidades da vida operacional.

Quando perguntados sobre quais critérios prevalecem, a partir da sua experiência em atividades operacionais, as respostas que chamam atenção para os elementos da “fundada suspeita”:

O entrevistado que afirma que a raça é o principal critério que define a abordagem explica a questão da seguinte forma:

[...] inegavelmente ocorre uma maior suspeição nos casos em que envolvem questões de raça nas abordagens policiais, hoje menos do que no passado, mas anda existe (E10).

Quando perguntados das questões que influenciam o policial na abordagem, 7 oficiais (25%) reconhecem que a raça é uma das questões que influencia a abordagem de suspeitos.

Assim, foi solicitado que os oficiais apontassem, a partir de sua experiência operacional, as categorias e situações nas quais a abordagem se torna mais provável. A Tabela 2 detalha a percepção dos entrevistados sobre a abordagem policial e suas características:

Tabela 2
: Percepção dos entrevistados sobre a abordagem na PMMG

A despeito de confirmar muitas das descobertas e estereótipos que a bibliografia já apontou sobre a abordagem policial, as percepções dos oficiais da PMMG também chamam a atenção para os dilemas que se colocam para a Polícia Militar no Brasil contemporâneo, tal como ressaltado no caso paulista. Dos 28 entrevistados, 8 (29%) entendem que a abordagem policial na PMMG é mais comum entre pretos e pardos; 10 oficiais (35%) entendem que a abordagem policial é mais comum em áreas vulneráveis do que em áreas comerciais, e a maioria (15 oficiais) percebe que a abordagem é mais comum entre jovens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A desigualdade racial nos resultados do policiamento não constitui tema de reflexão para os oficiais mais graduados da PMESP. Ainda que a sociedade civil construa argumentos, trabalhe com dados, demonstração, estatísticas e casos com rosto, a polícia se recusa a discutir o assunto com profundidade.

Se para os oficiais de Minas Gerais, de outro modo, é percebida alguma complexidade nas dimensões de raça e juventude, mesmo assim, o racismo é visto pelos policiais como um traço negativo da sociedade brasileira, mas jamais como culpa da polícia. E, na medida em que o racismo é crime, nega-se qualquer possibilidade de discutir o impacto da ação policial na produção da desigualdade racial, pois isso seria admitir conduta criminosa.

A mobilização da técnica policial, do uso de ferramentas de análise criminal, de protocolos de abordagem, a institucionalização de diretrizes de Direitos Humanos, o fato de policiais realizarem cursos de formação, tudo isso é visto como garantia líquida e certa de que a técnica é suficiente para colocar em segundo plano as preferências pessoais dos policiais que eventualmente sejam racistas, mesmo que haja algum reconhecimento de que elas existem. Se há racismo, trata-se de um defeito individual de pessoas que foram recrutadas já com essas concepções. A polícia como instituição, ao contrário, é um meio de ascensão social e prestígio aos policiais negros.

A afirmação da neutralidade, contudo, deixa de considerar a grande influência política que a Polícia Militar como corporação, assim como egressos de suas fileiras, passou a ter sobre a formulação da política de segurança pública em São Paulo e em Minas Gerais.

Trata-se de um protagonismo crescente não apenas na definição de recursos como também de objetivos, e uma crescente autonomia na transformação das atividades centrais para o controle do crime: de um lado os flagrantes, de outro a letalidade policial, as investigações sigilosas.

Vimos chamando a atenção para as afinidades eletivas entre as mudanças nas estratégias de controle do crime e os resultados da ação policial em termos da desigualdade racial. Conforme as estratégias de controle do crime se distanciam de um modelo clássico de operação das polícias e do judiciário e vão se tornando mais inquisitoriais, baseadas em violência institucional, discurso de “guerra contra o crime”, “eliminação dos bandidos”, mais aumenta a disparidade entre negros e brancos entre os presos em flagrante e entre os mortos em ação policial.

Embora afirmem a técnica e sua neutralidade, os procedimentos de filtragem racial – com a mobilização do tirocínio – ganham centralidade no modo de realizar o controle do crime. Seria estranho conceber que uma instituição como a Polícia Militar, que controla tão minuciosamente os aspectos da vida e do trabalho dos policiais, influenciando sua subjetividade e sua cosmovisão, tenha deixado ao plano individual a escolha de quem deve ser abordado ou a quem dirigir a suspeição.

O tirocínio policial, a discricionariedade do policial de linha, é valorizado nas Polícias Militares – e não combatido – por ser a instância de ação em que o policial aciona estereótipos de suspeição. Com isso, a instituição faz o discurso condizente e esperado de igualdade de tratamento e de antirracismo cerimonial, enquanto a prática policial cotidiana concentra progressivamente sua vigilância sobre o segmento jovem negro, utilizando contra este a força letal.

O mito da democracia racial opera de modo a oferecer um discurso sobre “classe” para admitir a desigualdade de tratamento, enquanto a negação do racismo é obrigatória como discurso público. E os oficiais da polícia asseguram-se de sua capacidade de distinguir nitidamente essas formas de hierarquização, as quais os sociólogos consideram indissociáveis.

Tabela 1
De acordo com a sua experiência operacional, qual é o principal critério que orienta a abordagem policial?

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  • 1
    Este artigo é uma versão modificada de paper apresentado no 19º Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia.
  • 2
    Este artigo é parte de uma pesquisa em rede financiada pelo CNPq, realizada nos estados de SP, MG, RS e no DF, contando com o apoio do INCT-InEAC Agradecemos a parceira no desenvolvimento do projeto a: André Cedro, Henrique Macedo, Luís Felipe Zilli, Vinícius de Assis Couto, Haydée Caruso, Luísa Dutra e Rodrigo G. de Azevedo
  • 3
    Para o detalhamento metodológico da coleta e tratamento de dados, ver (Sinhoretto, 2020).
  • 4
    Dado o controle institucional sobre o discurso dos oficiais de polícia, optou-se, neste caso, por não reproduzir trechos de entrevistas de modo a preservar o anonimato dos entrevistados, tendo sido incluídos apenas trechos de frases para não permitir a identificação pessoal.
  • 5
    A PMMG tem normas específicas para grupos vulneráveis como mulheres em situação de violência, populações de rua, idosos, crianças e adolescentes. Entretanto, a questão racial não é percebida como uma questão de vulnerabilidade, em nenhuma destas normas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2020
  • Aceito
    10 Maio 2023
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