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Crimes estatais-corporativos e violações de direitos humanos: um ensaio sobre a relação simbiótica entre Estados e corporações

Crímenes estatales-corporativos y violaciones a los derechos humanos: un ensayo sobre la relación simbiótica entre Estados y corporaciones

Resumo

Nesse ensaio buscamos ampliar a compreensão dos crimes estatais-corporativos que violam direitos humanos por meio de uma aproximação da literatura do crime-estatal corporativo com campo dos estudos organizacionais. Argumentamos que crimes corporativos violadores de direitos humanos são (re)produzidos com a participação do Estado, em função das lacunas de governança estabelecidas pela globalização, criando uma relação simbiótica que potencializa a normalização de tais infrações. Nossa argumentação é a de que tal problema resulta de uma articulação deliberadamente organizada e constituída, historicamente, por meio de relações de poder, que visam garantir uma ordem social centrada na manutenção dos interesses capitalistas, modo de produção em que vida, morte e violência são normalizadas.

Palavras-chave:
Crime estatal-corporativo; Violência; Corporações

Resumen

En este ensayo buscamos ampliar la comprensión de los crímenes estatales-corporativos que violan los derechos humanos a través de una aproximación de la literatura sobre delitos estatales-corporativos al campo de los estudios organizacionales. Defendemos el argumento de que los crímenes corporativos violatorios de los derechos humanos se producen y reproducen con la participación del Estado, debido a las brechas de gobernabilidad establecidas por la globalización, en una relación simbiótica que potencia su normalización. Nuestro argumento es que dicho problema resulta de una articulación deliberadamente organizada e históricamente constituida a partir de relaciones de poder, que pretende garantizar un orden social centrado en el mantenimiento de los intereses capitalistas, un modo de producción en el que la vida, la muerte y la violencia están normalizadas.

Palabras clave:
Crimen estatal-corporativo; Violencia; Corporaciones

Abstract

In this essay, we seek to expand the understanding of state-corporate crimes that violate human rights by approximating the literature on state-corporate crime with the field of organizational studies. We argue that corporate crimes that violate human rights are produced and reproduced with the state’s participation in the governance gaps established by globalization in a symbiotic relationship that enhances their normalization. Our argument advances toward unveiling the problem as a configuration resulting from a deliberately organized and historically constituted articulation based on power relations, which aims to guarantee a social order centered on maintaining capitalist interests in which the exploration of life, death, and violence are normalized.

Keywords:
State-corporate crime; Violence; Corporations

INTRODUÇÃO

O grande número de notícias sobre o envolvimento de organizações em condutas criminosas expressa a condição endêmica dos crimes corporativos na contemporaneidade (Van Erp, 2018Van Erp, J. (2018). The organization of corporate crime: Introduction to special issue of administrative sciences. Administrative Sciences, 8(3), 6. https://doi.org/10.3390/admsci8030036
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). Em parte, isto resulta dos esforços empreendidos por governos e corporações para invisibilizar tais crimes e seus danos (Barak, 2015Barak, G. (2015). Introduction. On the invisibility and neutralization of the crimes of the powerful and their victims. In G. Barak (Ed), The Routledge international handbook of the crimes of the powerful. (pp. 1-36). Routledge.), uma vez que são amparados por uma ordem jurídica que não os penaliza e por uma retórica de que a acumulação de capital favorece o bem-estar dos cidadãos (Barak, 2017Barak, G. (2017). Why capitalist states “fail” to control the crimes of the powerful. In G. Barak (Ed), Unchecked Corporate Power (pp. 42-65). Routledge.).

Até mesmo acadêmicos e economistas que se dedicam a análises do desenvolvimento econômico e dos negócios internacionais reconhecem a ausência de estruturas conceituais integradas e multidisciplinares que deem conta das complexas e abrangentes consequências dos negócios internacionais sobre a economia e a sociedade (Giuliane & Macchi, 2014Giuliani, E., & Macchi, C. (2014). Multinational corporations economic and human rights impacts on developing countries: a review and research agenda. Cambridge Journal of Economics, 38(2), 479-517. https://www.jstor.org/stable/24694939
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). Ao analisar o processo de globalização e seus impactos sobre as economias em desenvolvimento, economistas têm alertado sobre o descompasso entre os incentivos privados e os custos e benefícios sociais (Stiglitz, 2006Stiglitz, J. E. (2006). Making globalisation work. Norton & Company, Inc. https://garevna.ucoz.com/metod-mat/books/Joseph_Stiglitz.pdf
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), bem como sobre os efeitos distributivos da globalização e seu potencial para o agravamento da pobreza (Rodrick, 2017Rodrik, D. (2017). Is Global Equality the Enemy of National Equality? (Harvard Kennedy School Working Paper No. RWP17-003). Harvard University, Cambridge, MA, EUA. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2910603
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
).

As corporações transnacionais, personificação mais visível da globalização, são atores poderosos, com influência para moldar a agenda de governança global (Ruggie, 2007Ruggie, J. G. (2007). Business and human rights: the evolving international agenda. American Journal of International Law, 101(4), 819-840. https://www.jstor.org/stable/40006320
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), pois usam a base legal e a infraestrutura oferecida pelos Estados para exercer sua função de instituição primária por meio da qual o capitalismo se reproduz, apesar de seus efeitos nocivos sobre a vida humana (Tombs & Whyte, 2020Tombs, S., & Whyte, D. (2020). The shifting imaginaries of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 16-23. https://doi.org/10.1177/2631309X19882641
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).

Nas últimas duas décadas, cresceram os litígios contra corporações por violações de direitos humanos, mas a compensação raramente foi alcançada (Schrempf-Stirling & Wettstein, 2017Schrempf-Stirling, J., & Wettstein, F. (2017). Beyond guilty verdicts: Human rights litigation and its impact on corporations’ human rights policies. Journal of Business Ethics, 145(3), 545-562. https://doi.org/10.1007/s10551-015-2889-5
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). No âmbito das iniciativas de soft law, desde o Pacto Global da ONU foram definidos os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos [UNGPs] (ONU, 2011United Nations. (2011). Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations “Protect, Respect and Remedy” Framework. https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/publications/guidingprinciplesbusinesshr_en.pdf
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), uma iniciativa pioneira em direção a um amplo consenso em relação à existência de uma responsabilidade corporativa de respeitar os direitos humanos (Schrempf-Stirling et al., 2022Schrempf-Stirling, J., Van Buren III, H. J., & Wettstein, F. (2022). Human Rights: A Promising Perspective for Business & Society. Business & Society, 61(5), 1282-1321. https://doi.org/10.1177/00076503211068425
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). No entanto, a fragilidade desse viés está na falta de efeito vinculante ou na incapacidade de aplicação de penalidades, o que transfere a responsabilidade de sua implementação aos Estados e à boa vontade corporativa (Baneerje, 2014; Bernaz, 2013Bernaz, N. (2013). Enhancing corporate accountability for human rights violations: is extraterritoriality the magic potion?Journal of Business Ethics, 117(3), 493-511. https://doi.org/10.1007/s10551-012-1531-z
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).

Frequentemente, ao priorizar os objetivos de seus acionistas e o lucro máximo em suas operações, as corporações transnacionais apoiam-se na confluência do capitalismo global para investir estrategicamente em economias emergentes - caracterizadas, em sua maioria, por uma governança fraca e pela corrupção -, nas quais as corporações apenas serão penalizadas por violarem direitos humanos se suas ações forem reconhecidas como crimes internacionais (Bernaz, 2013Bernaz, N. (2013). Enhancing corporate accountability for human rights violations: is extraterritoriality the magic potion?Journal of Business Ethics, 117(3), 493-511. https://doi.org/10.1007/s10551-012-1531-z
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; Ullah et al., 2021Ullah, S., Adams, K., Adams, D., & Attah-Boakye, R. (2021, Feburary 15). Multinational corporations and human rights violations in emerging economies: Does commitment to social and environmental responsibility matter? Journal of Environmental Management, 280, 111689. https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2020.111689
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). Por sua vez, em benefício da economia e do investimento direto estrangeiro, os governos anfitriões são coniventes com os abusos, ao se absterem de exigir de tais corporações atenção aos padrões de respeito aos direitos humanos (Chu, 2005Chu, Y.J.N. (2005). Competing for FDI Through the Creation of Export Processing Zones: the Impact on Human Rights (Global Law Working Paper no. 01/05). NYU School of Law, New York, NY, EUA.; Ratner, 2001Ratner, S. R. (2001). Corporations and human rights: a theory of legal responsibility. The Yale Law Journal, 111(3), 443-545. https://doi.org/10.2307/797542
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).

Neste ensaio, a concepção de corporações transnacionais que nos interessa é aquela explorada pela literatura pós-colonialista, que as considera atores centrais para a promoção e difusão do capitalismo e de práticas econômicas imperialistas (Banerjee, 2008Banerjee, S. B. (2008). Necrocapitalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
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; Mir et al., 2008Mir, R., Banerjee, S. B., & Mir, A. (2008). Hegemony and its discontents: A critical analysis of organizational knowledge transfer. Critical perspectives on international business, 4(2-3), 203-227. https://doi.org/10.1108/17422040810869990
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). Desse modo, localizamos as corporações como parte da classe impulsionadora do capitalismo (Sklair, 2002Sklair, L. (2002). The transnational capitalist class and global politics: deconstructing the corporate-state connection. International political science review, 23(2), 159-174. https://www.jstor.org/stable/1601254
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, 2016Sklair, L. (2016). The transnational capitalist class, social movements, and alternatives to capitalist globalization. International Critical Thought, 6(3), 329-341. https://doi.org/10.1080/21598282.2016.1197997
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) e cujos poderes não reconhecem fronteiras, configurando-se, por vezes, como máquinas de criação de riqueza desgovernadas e potencialmente prejudiciais à sociedade (Bakan, 2004Bakan, J. (2004). The Corporation. The Pathological Pursuit of Profit and Power. Society and Business Review, 1(3), 281-282. https://doi.org/10.1108/17465680610706355
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), dentre as quais estão inseridas as necrocorporações, cujas ações e omissões concretizam crimes corporativos contra a vida (Medeiros & Silveira, 2017Medeiros, C. R. O., & Silveira, R. A. (2017). Organizações que matam: Uma reflexão a respeito de crimes corporativos. Organizações & Sociedade, 24(80), 39-52. https://doi.org/10.1590/1984-9230802
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).

Os arranjos de criminalidade entre Estados e corporações têm sido acompanhados pela literatura criminológica, na qual categorias surgiram como ferramentas teóricas para compreensão dos crimes de alto escalão e como uma resposta à falta de reparação legal para os danos causados por atores poderosos que, historicamente, conseguiram escapar da criminalização e estigmatização (Barak, 2015Barak, G. (2015). Introduction. On the invisibility and neutralization of the crimes of the powerful and their victims. In G. Barak (Ed), The Routledge international handbook of the crimes of the powerful. (pp. 1-36). Routledge.). Nessa literatura, o conceito de state-corporate crime, termo traduzido literalmente por crime estatal-corporativo, coloca no centro de suas preocupações a compreensão de como o Estado ou participa ou facilita a produção de crimes corporativos (Whyte, 2014Whyte, D. (2014). Regimes of permission and state-corporate crime. State Crime Journal, 3(2), 237-246. https://doi.org/10.13169/statecrime.3.2.0237
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).

No processo de constituição das organizações modernas e de suas formas de controle, uma parcela significativa das regiões empobrecidas na atualidade teve suas riquezas expropriadas pelas potências coloniais, que também foram responsáveis por implementar, em suas colônias, um discurso homogeneizador que negava a legitimidade do conhecimento e dos modos de organização dessas localidades (Mir et al., 2003Mir, R., Mir, A. & Upadhyay, P. (2003). ‘Toward a postcolonial reading of organizational control’. In Anshuman Prasad(Ed.), The Gaze of the Other: Postcolonial Theory and Organizational Analysis. (pp. 47-75). Palgrave Macmillan.). O pensamento pós-colonial estabelece novas compreensões sobre a história desse processo nas sociedades pós-coloniais com a crítica às relações desiguais estabelecidas entre o Norte e o Sul globais (Oliveira & Silveira, 2021Oliveira, C. R., & Silveira, R. A. (2021). Um Ensaio sobre Crimes Corporativos na Perspectiva Pós-Colonial: Desafiando a Literatura Tradicional. Revista de Administração Contemporânea, 25(4), e190144. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021190144.por
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).

Considerando a relevante ameaça dos crimes corporativos cometidos por corporações e Estados à manutenção e reprodução da vida, e a crescente banalização e normalização da morte subentendida na ordem capitalista, neste ensaio, argumentamos que os crimes corporativos violadores de direitos humanos são produzidos e reproduzidos com a participação do Estado, nas lacunas de governança estabelecidas pela globalização, em uma relação simbiótica entre Estados e corporações, possibilitando sua normalização. Esse fenômeno é relevante para o campo dos estudos organizacionais, visto que a literatura internacional tem mostrado interesse em relação ao tema; porém, em âmbito nacional, é recente a produção acadêmica na área de Administração, especialmente Administração Pública, sobre crimes corporativos e state-corporate crime (Medeiros et al., 2020Medeiros, C. R. de O., Silveira, R. A. da, & Paganini, P. F. (2020). State-Corporate Crime: por uma agenda de pesquisa no campo da Administração Pública. Cadernos Gestão Pública E Cidadania, 25(81), e-80981. https://doi.org/10.12660/cgpc.v25n81.80981
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; Whyte, 2014Whyte, D. (2014). Regimes of permission and state-corporate crime. State Crime Journal, 3(2), 237-246. https://doi.org/10.13169/statecrime.3.2.0237
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). Assim, a contribuição desta pesquisa, para além de discutir conceitualmente a produção de crimes corporativos com a participação do Estado, está em chamar a atenção para um fenômeno organizacional discutido de forma individualizada, o que não contribui para o entendimento de sua complexidade.

Inicialmente, oferecemos o contexto teórico que envolve as relações simbióticas entre Estados-corporações; em seguida, com base na perspectiva pós-colonialista, buscamos ampliar a compreensão do crime estatal-corporativo nas violações de direitos humanos. Por fim, apresentamos nossas conclusões e sugestões de pesquisas.

A RELAÇÃO SIMBIÓTICA ENTRE ESTADOS E CORPORAÇÕES

A afirmativa de que a escala de danos causada por crimes corporativos supera a de todos os demais crimes não pode ser facilmente contraposta (Tombs & Whyte, 2020Tombs, S., & Whyte, D. (2020). The shifting imaginaries of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 16-23. https://doi.org/10.1177/2631309X19882641
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). No entanto, as definições de crime corporativo, em geral, estão centralizadas nos desvios cometidos por corporações em relação às normas legais. A concepção mais aceita de crime corporativo é orientada de uma perspectiva legalista, em que o termo é definido como atividades corporativas que violam leis penais e cujo processo resulta na condenação da empresa (Baucus & Dworkin, 1991Baucus, M. S., & Dworkin, T. M. (1991). What is corporate crime? It is not illegal corporate behavior. Law & Policy, 13(3), 231-244. https://doi.org/10.1111/j.1467-9930.1991.tb00068.x
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; Schlegel, 1990Schlegel, K. (1990). Just deserts for corporate criminals. Northeastern University Press.; Shapiro, 1990Shapiro, S. P. (1990). Collaring the crime, not the criminal: Reconsidering the concept of white-collar crime. American sociological review, 55(33), 346-365. https://doi.org/10.2307/2095761
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).

Dentro desse espectro, crimes corporativos envolvem uma ampla tipologia de atos ilegais ou omissões por organizações e seus atores em benefício destas, na medida em que exploram brechas legais presentes na economia global e se utilizam da conformidade criativa (Van Erp, 2018Van Erp, J. (2018). The organization of corporate crime: Introduction to special issue of administrative sciences. Administrative Sciences, 8(3), 6. https://doi.org/10.3390/admsci8030036
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; Van Erp & Huisman, 2017Van Erp, J., & Huisman, W. (2017). Corporate crime. In A. Brisman, E. Carrabine, & N. South, Routledge companion to criminological theory and concepts(pp. 248-252). Routledge.). Não obstante, as ideias principais sobre a temática, bem como as práticas regulamentadas sobre o crime e seu controle são orientadas por interesses econômicos e necessidades do capitalismo. Com isso, uma parte significativa de condutas danosas praticadas por pessoas e grupos que detêm poder político e econômico é tratada como atividade não criminosa (Bernat & Whyte, 2019Bernat, I., & Whyte, D. (2019). State-Corporate Crimes. In M. Rorie. The Handbook of White-Collar Crime(pp.127-138). Jonh Wiley & Sons.).

Particularmente, o paradigma do state-corporate crime, cunhado por Kramer e Michalowski na década de 1990Kramer, R., & Michalowski, R. (1990). Toward an integrated theory of state-corporate crime. American society of criminology, 93(2), 406-439. https://www.jstor.org/stable/2779590
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, apresenta uma estrutura conceitual madura e potente, com uma história de mais de oito décadas de esforços teóricos para compreensão dos crimes dos poderosos, desde o trabalho desenvolvido por Sutherland (1949) sobre os crimes do colarinho branco até as noções de crime político e crime organizacional (Griffin & Spillane, 2016Griffin, O. H., & Spillane, J. F. (2016). Confounding the process: Forgotten actors and factors in the state-corporate crime paradigm. Crime, Law and Social Change, 66(4), 421-437. https://doi.org/10.1007/s10611-016-9634-6
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; Rothe & Medley, 2019Rothe, D. L., & Medley, C. (2019). Beyond State and State-Corporate Crime Typologies: The Symbiotic Nature, Harm, and Victimization of Crimes of the Powerful and Their Continuation. In M. Rorie (Ed.), The Handbook of White-Collar Crime(pp. 81-94). John Wiley & Sons.).

A versão revisada do conceito define como crime estatal-corporativo “[...] ações ilegais ou socialmente lesivas que ocorrem quando uma ou mais instituições de governança política perseguem um objetivo em cooperação direta com uma ou mais instituições de produção e distribuição econômica” (Kramer & Michalowski, 1990Kramer, R., & Michalowski, R. (1990). Toward an integrated theory of state-corporate crime. American society of criminology, 93(2), 406-439. https://www.jstor.org/stable/2779590
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, p. 4). Como parte do amadurecimento do modelo teórico proposto para análise do fenômeno, duas alternativas analíticas foram propostas; o crime estatal-corporativo “iniciado pelo Estado”, quando corporações empregadas pelo governo estão envolvidas em desvio organizacional, seja por direção ou aprovação tácita do governo; e o crime estatal-corporativo “facilitado pelo Estado”, quando instituições estatais reguladoras falham em restringir atividades econômicas desviantes, por conluio direto entre corporações e governos, ou em virtude de adesão a objetivos compartilhados que poderiam ser dificultados por uma regulamentação mais rígida (Kramer et al., 2002Kramer, R., & Michalowski, R. (1990). Toward an integrated theory of state-corporate crime. American society of criminology, 93(2), 406-439. https://www.jstor.org/stable/2779590
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).

O arcabouço teórico sobre crime estatal-corporativo é relevante por destacar os efeitos danosos e, por vezes, mortais das iniciativas cooperativas estabelecidas entre Estados e corporações, em razão de seus interesses comuns (Bradshaw, 2014Bradshaw, E. A. (2014). State-corporate environmental cover-up: The response to the 2010 Gulf of Mexico oil spill. State Crime Journal, 3(2), 163-181. https://doi.org/10.13169/statecrime.3.2.0163
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; Friedrichs & Rothe, 2014Friedrichs, D. O., & Rothe, D. L. (2014). State-corporate crime and major financial institutions: Interrogating an absence. State Crime Journal, 3(2), 146-162. https://doi.org/10.13169/statecrime.3.2.0146
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) e da existência de um sistema legal paralelo. Isso leva à discussão sobre a deficiência de regulação estatal, ocasionada não só internamente, mas, também, por fatores exógenos ao Estado (Medeiros et al., 2020Medeiros, C. R. de O., Silveira, R. A. da, & Paganini, P. F. (2020). State-Corporate Crime: por uma agenda de pesquisa no campo da Administração Pública. Cadernos Gestão Pública E Cidadania, 25(81), e-80981. https://doi.org/10.12660/cgpc.v25n81.80981
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). Ademais, tal arcabouço busca compreender como, na interseção dos interesses corporativos e estatais, certos comportamentos nocivos e socialmente danosos são considerados como não criminosos, seja por falta de previsões legais ou regulatórias, seja pela inércia daqueles que deveriam fazer cumprir as leis (Kramer et al. 2002Kramer, R. C., Michalowski, R. J., & Kauzlarich, D. (2002). The origins and development of the concept and theory of state-corporate crime. Crime & Delinquency, 48(2), 263-282. https://doi.org/10.1177/0011128702048002005
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).

Um aspecto comum aos crimes estatais corporativos reside no fato de que todos eles são convencionalizados e normalizados por meio da lei e de processos regulatórios, ou seja, na maioria dos crimes analisados, os danos causados ocorrem porque o Estado foi obedecido (Tombs & Whyte, 2020Tombs, S., & Whyte, D. (2020). The shifting imaginaries of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 16-23. https://doi.org/10.1177/2631309X19882641
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). Os crimes cometidos por Estados e grandes corporações envolvem sempre, em alguma medida, a interação e cooperação, implícita ou explicita, entre essas duas instituições. Desse modo, desvincular os interesses estatais dos corporativos torna-se problemático pela coincidência das agendas dos atores que estão nas hierarquias organizacionais e estatais e pelas múltiplas conexões estabelecidas no fluxo de ocupação de altos cargos nas esferas corporativa e estatal (Friedrichs & Rothe, 2014Friedrichs, D. O., & Rothe, D. L. (2014). State-corporate crime and major financial institutions: Interrogating an absence. State Crime Journal, 3(2), 146-162. https://doi.org/10.13169/statecrime.3.2.0146
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; Rothe & Medley, 2019Rothe, D. L., & Medley, C. (2019). Beyond State and State-Corporate Crime Typologies: The Symbiotic Nature, Harm, and Victimization of Crimes of the Powerful and Their Continuation. In M. Rorie (Ed.), The Handbook of White-Collar Crime(pp. 81-94). John Wiley & Sons.).

Três dimensões do conceito conferem sua função sensibilizadora. Primeiro, no conceito de crime estatal-corporativo, rejeita-se a noção de desvio organizacional como uma ação discreta; segundo, destaca-se o caráter relacional horizontal entre instituições políticas e econômicas; e, terceiro, ressalta-se o seu caráter relacional, que configura relações verticais nos níveis individual, institucional e político-econômico da ação organizacional (Kramer et al., 2002Kramer, R. C., Michalowski, R. J., & Kauzlarich, D. (2002). The origins and development of the concept and theory of state-corporate crime. Crime & Delinquency, 48(2), 263-282. https://doi.org/10.1177/0011128702048002005
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).

A contribuição significativa da literatura sobre o state-corporate crime foi a de retornar à participação do Estado nos estudos sobre os danos sociais causados por corporações, centralizando as discussões na compreensão de como o Estado produz, participa ou auxilia a produção do crime corporativo (Whyte, 2014Whyte, D. (2014). Regimes of permission and state-corporate crime. State Crime Journal, 3(2), 237-246. https://doi.org/10.13169/statecrime.3.2.0237
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). Ao evidenciar a profundidade da relação entre o Estado e as corporações e sua natureza simbiótica (Tombs, 2012Tombs, S. (2012). State-corporate symbiosis in the production of crime and harm. State Crime Journal, 1(2), 170-195. https://www.jstor.org/stable/41937906), o conceito de crime estatal-corporativo permitiu o reconhecimento das inúmeras configurações por meio das quais governos e corporações tornam-se parceiros no crime, o que colocou em questão se grupos e instituições privados ou de “fora” do Estado podem ser mobilizados para projetar o poder estatal; além disso, passou-se, também, a questionar a visão unidimensional da regulação como atividade estatal capaz de controlar as corporações (Tombs & Whyte, 2020Tombs, S. (2020). Home as a site of state-corporate violence: Grenfell Tower, aetiologies and aftermaths. The Howard Journal of Crime and Justice, 59(2), 120-142. https://doi.org/10.1111/hojo.12360
https://doi.org/10.1111/hojo.12360...
).

Ao analisar o contexto transnacional em que as corporações atuam, Michalowski e Kramer (2007Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-corporate crime and criminological inquiry. In H. N. Pontell, & G. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime (pp. 200-219). Springer.) defenderam uma expansão do conceito de crime estatal-corporativo, de modo que passe a abranger diversos danos causados por corporações transnacionais. Com o espectro da globalização, o reconhecimento das dimensões transnacionais e globais do crime corporativo propiciou a formação de um novo corpo na literatura focado na criminologia global, cujo foco está na compreensão dos impactos da globalização em crimes e na justiça criminal (Friedrichs, 2007Friedrichs, D. O. (2007). White-collar crime in a postmodern, globalized world. In H. N. Pontell & G. Geis(Ed), International handbook of white-collar and corporate crime(pp. 163-184). Springer., Rothe & Friedrichs, 2014Rothe, D. L., & Friedrichs, D. (2014). Crimes of globalization. Routledge.).

Sem deixar de reconhecer a importância dos avanços da literatura, Tombs (2012Tombs, S. (2012). State-corporate symbiosis in the production of crime and harm. State Crime Journal, 1(2), 170-195. https://www.jstor.org/stable/41937906) destaca, no conceito de crime estatal-corporativo, uma contradição potencial limitante, qual seja, enfatizar os aspectos relacionais entre Estado e corporações e, ao mesmo tempo, as ações desviantes. Com isso, permitiu-se que estudos relacionados ao conceito priorizassem a compreensão de eventos discretos, em vez de examinar a natureza e a dinâmica das relações Estado-corporação (Tombs, 2012Tombs, S. (2012). State-corporate symbiosis in the production of crime and harm. State Crime Journal, 1(2), 170-195. https://www.jstor.org/stable/41937906).

Um problema recorrente nas pesquisas sobre o termo é a falta de clareza em relação às fronteiras entre o Estado e as entidades corporativas, o público e o privado (Rothe & Medley, 2020Rothe, D. L. (2020). Moving beyond abstract typologies? Overview of state and state-corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 7-15. https://doi.org/10.1177/2631309X19872438
https://doi.org/10.1177/2631309X19872438...
). Diante do cenário de estreita ligação entre Estado e atividade corporativa, a ponto de as corporações sempre existirem dentro e fora das regras estabelecidas por ele, estudos mais recentes sobre o tema têm alertado para a necessidade de ampliação desse paradigma rumo a uma compreensão mais aprofundada da relação simbiótica entre o Estado e as corporações (Rothe & Medley, 2019; Tombs, 2012Tombs, S. (2012). State-corporate symbiosis in the production of crime and harm. State Crime Journal, 1(2), 170-195. https://www.jstor.org/stable/41937906; Whyte, 2014Whyte, D. (2014). Regimes of permission and state-corporate crime. State Crime Journal, 3(2), 237-246. https://doi.org/10.13169/statecrime.3.2.0237
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).

São as organizações que fornecem as oportunidades para o uso do conhecimento especializado necessário à execução do crime; portanto, merecem mais atenção da ciência organizacional (Van Erp, 2018Van Erp, J. (2018). The organization of corporate crime: Introduction to special issue of administrative sciences. Administrative Sciences, 8(3), 6. https://doi.org/10.3390/admsci8030036
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). Muitos dos estudos desenvolvidos por criminologistas e sociólogos sobre as causas e consequências do crime corporativo apoiaram-se nas teorias organizacionais existentes para buscar explicações mais específicas do contexto organizacional (Glebovskiy, 2019Glebovskiy, A. (2019). Inherent criminogenesis in business organisations. Journal of Financial Crime, 26(2), 432-446. https://doi.org/10.1108/JFC-01-2018-0010
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; Oliveira, 2015Oliveira, C. R. (2015). Crimes corporativos e estudos organizacionais: uma aproximação possível e necessária. Revista de Administração de Empresas, 55(2), 202-208. https://doi.org/10.1590/S0034-759020150209
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). No entanto, o que os criminologistas consideram como crime corporativo é compreendido, não raras vezes, como fenômeno fora do domínio dos estudos organizacionais. Há, nesse sentido, uma falta de priorização do campo sobre os danos provocados às vítimas dos desvios organizacionais que extrapolam a intencionalidade individual (Van Erp, 2018Van Erp, J. (2018). The organization of corporate crime: Introduction to special issue of administrative sciences. Administrative Sciences, 8(3), 6. https://doi.org/10.3390/admsci8030036
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).

A (RE)PRODUÇÃO DO CRIME ESTATAL-CORPORATIVO QUE VIOLA DIREITOS HUMANOS

Como um corpo de conhecimento diverso e organizado que se orienta por uma visão crítica sobre a ordem econômica, política e cultural dos regimes coloniais, neocoloniais e do imperialismo, a perspectiva pós-colonialista visa à compreensão da complexa condição pós-colonial resultante dos encontros coloniais em seus diferentes contextos e resultados (Banerjee & Prasad, 2008Banerjee, S. B. (2008). Necrocapitalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
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; Westwood & Jack, 2007Westwood, R. I., & Jack, G. (2007). Manifesto for a post-colonial international business and management studies: A provocation. Critical Perspectives on International Business, 3(3), 246-265. https://doi.org/10.1108/17422040710775021
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). Para além da extração e exploração de riquezas, o colonialismo ocidental moderno, em sua estrutura complexa de trocas e industrialização, estabeleceu, de forma única, uma relação de dependência entre as colônias e as nações coloniais. Nessa relação, os colonizadores buscaram concretizar a hegemonia ocidental nas dimensões econômica, política, militar, cultural e ideológica (Prassad, 2003; Westwood & Jack, 2007Westwood, R. I., & Jack, G. (2007). Manifesto for a post-colonial international business and management studies: A provocation. Critical Perspectives on International Business, 3(3), 246-265. https://doi.org/10.1108/17422040710775021
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).

Para a compreensão dos crimes estatais-corporativos como resultado de práticas que visam à acumulação e à reprodução do capitalismo neoliberal, tem relevância o conceito de necrocapitalismo (Banerjee, 2008Banerjee, S. B. (2008). Necrocapitalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
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), que localiza a operacionalização do imperialismo nas estruturas institucionais e nos processos que permeiam as relações de Estados-nação, instituições e corporações multinacionais. Esse conceito está voltado aos diferentes tipos de poder: institucional, econômico e discursivo, que amparam as noções normalizadas e incontestadas de desenvolvimento, atraso e economias de subsistência, as quais impedem o surgimento de outras narrativas (Banerjee, 2008Banerjee, S. B. (2008). Necrocapitalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
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). Ancorado em perspectivas teóricas da filosofia política, Banerjee (2008Banerjee, S. B. (2008). Necrocapitalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
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) realiza uma reflexão para desenvolver o seguinte conceito de necrocapitalismo: “[...] práticas capitalistas específicas de acumulação que envolvem violência, desapropriação e morte” (Banerjee, 2008Banerjee, S. B., & Prasad, A. (2008). Introduction to the special issue on “Critical reflections on management and organizations: a postcolonial perspective”. Critical perspectives on international business, 4(2-3), 90-98. https://doi.org/10.1108/17422040810869963
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, p. 1543).

Como o termo necrocapitalismo é potente para o avanço da compreensão do crime estatal-corporativo, resgatamos concepções teóricas envolvidas na sua formulação. A definição de estado de exceção proposta por Agamben (1998Agamben, G. (1998). Homo sacer: Sovereign power and bare life. Stanford University Press.) tem como ponto de partida os trabalhos de Michel Foucault e Hanna Arendt e a noção de soberania de Carl Schmitt para argumentar que “[...] soberano é quem decide sobre o estado de exceção” (Agamben, 2002Agamben, G. (2002). Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua. Editora UFMG., p. 7). Agamben (1998Agamben, G. (1998). Homo sacer: Sovereign power and bare life. Stanford University Press.) explora a noção de homo sacer e vida nua para situar a condição do sujeito que ocupa “[...] um espaço tanto fora (e, portanto, dentro) do direito divino e do direito jurídico” (Banerjee, 2008Banerjee, S. B. (2008). Necrocapitalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
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, p. 1544). Na posição de homo sacer, o sujeito é despido da qualidade de cidadão (bíos), e, uma vez sem direitos, o valor de sua vida é reduzido a sua qualidade biológica (zoé), o que a torna, portanto, descartável (Agamben, 2002Agamben, G. (2002). Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua. Editora UFMG.).

Com base na configuração do Estado-nação moderno, Agamben (2004Agamben, G. (2004). Estado de exceção: Homo Sacer, II, I. Boitempo Editorial., p. 13) problematiza o fato de que o “[...] o estado de exceção tende cada vez mais a se apresentar como o paradigma de governo dominante na política contemporânea”. Nesse recorrente estado de exceção, uma prática para tratar de eventos excepcionais configura-se como técnica de governo habitual. Emerge daí, então, o poder de decidir o valor da vida (Banerjee, 2008Banerjee, S. B. (2008). Necrocapitalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
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), visto que, ao ser capturada pelo estado de exceção, a vida assume sua dimensão nua, ou seja, aquela em que se pode matar sem cometer homicídio (Agamben, 2017Agamben, G. (2002). Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua. Editora UFMG.).

Ao analisar o exercício da soberania nos contextos de colonialismo e apartheid, Mbembe (2003Mbembe, J. A(2003). Necropolitics. Public culture, 15(1), 11-40. https://doi.org/10.1215/08992363-15-1-11
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, p.123) parte da crítica ao conceito de biopolítica proposta por Foucault (2008Foucault, M. (2008). Nascimento da Biopolítica. Curso no Collège de France (1978-1979). Martins Fontes.) para propor que“[...] o exercício do direito de matar, deixar viver ou expor à morte”, para propor a necropolítica, que envolve a subjugação da vida ao poder da morte e à criação de “[...] mundos de morte, novas e únicas formas de existência social em que vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o status de mortos-vivos” (Mbembe, 2003Mbembe, J. A(2003). Necropolitics. Public culture, 15(1), 11-40. https://doi.org/10.1215/08992363-15-1-11
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, p. 146).

Na inversão entre vida e morte operada pela necropolítica, a soberania significa o poder de fabricar uma multidão de pessoas que, ao longo de sua existência, vivem no limite da vida e enfrentam continuamente a morte, perante as quais há pouco ou nenhum sentimento de responsabilidade e justiça (Mbembe, 2003Mbembe, J. A(2003). Necropolitics. Public culture, 15(1), 11-40. https://doi.org/10.1215/08992363-15-1-11
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). Em guerras genocidas e de limpeza étnica, nos desastres ambientais, na pobreza em nível global, a morte como uma fonte de valor inaugura um espaço novo, no qual, o capital avança seus limites anteriores, convertendo a morte em fonte de lucro (Chamayou, 2013Chamayou, G. (2013). Théorie du Drone. La Fabrique.; Fontes, 2017Fontes, V. (2017) Capitalismo, crises e conjuntura. Serviço Social e Sociedade, 1(30), 409-425. http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.116
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; Haskaj, 2018Haskaj, F. (2018). From biopower to necroeconomies: Neoliberalism, biopower and death economies. Philosophy & Social Criticism, 44(10), 1148-1168. https://doi.org/10.1177/0191453718772596
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).

Na economia política contemporânea, o relacionamento entre Estados, corporações, órgãos supranacionais e agências multilaterais possibilita a privatização necrocapitalista de uma soberania que cria estados de exceção em contextos (pós)coloniais, nos quais o necropoder obtém lucro por meio de práticas de acumulação que envolvem a gestão da violência e da morte (Barnejee, 2008). Nesse contexto, a necrocorporação é a dimensão do lado mais sombrio da corporação “[...] aquele espaço em que a morte é produzida pela subjugação da vida pelo poder da morte” (Medeiros & Silveira, 2017Medeiros, C. R. O., & Silveira, R. A. (2017). Organizações que matam: Uma reflexão a respeito de crimes corporativos. Organizações & Sociedade, 24(80), 39-52. https://doi.org/10.1590/1984-9230802
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, p. 50).

Mediante a concepção de necrocapitalismo, o imperialismo, ainda vigente, torna-se mais bem compreendido na esteira da globalização do modo de produção capitalista. As práticas imperialistas, em sua dinâmica específica de exploração, possibilitam que a apropriação da mais-valia ocorra pelo deslocamento do locus de exploração para determinadas áreas geográficas em benefício de outras (Banerjee et al., 2009Banerjee, S. B., Chio, V. C., & Mir, R. (2009). The imperial formations of globalization. In S. B. Banerjee, V. C. Chio, & R. Mir (Eds.), Organizations, markets and imperial formations: Towards an anthropology of globalization. Edward Elgar Publishing, Inc.). Somam-se a isso as políticas econômicas neoliberais, por meio das quais as relações entre mercado, Estado e sociedade são reorganizadas; com isto, uma nova divisão internacional do trabalho é estabelecida e programas de ajuste estrutural são impostos aos países em desenvolvimento, para garantir um clima favorável aos investimentos e aos negócios (Alamgir & Banerjee, 2018Agamben, G. (1998). Homo sacer: Sovereign power and bare life. Stanford University Press.).

Novas práticas de acumulação por espoliação (Harvey, 2007Harvey, D. (2007). A brief history of neoliberalism. Oxford University Press.) possibilitam, ao capitalismo, a exploração de novas áreas, de modo que o capital global avança cada vez mais na esfera pública, operando regimes capitalistas extrativistas por meio do poder institucional (Fundo Monetário Internacional [FMI], Organização Mundial do Comércio [OMC], Banco Mundial) e econômico (corporações, Estados-nação), para submeter as populações locais à dominação privada, mediante arranjos institucionais em que normas, crenças, práticas e discursos sustentam e normalizam as condições opressivas (Martí & Fernández, 2013Martí, I., & Fernández, P. (2013). The institutional work of oppression and resistance: Learning from the Holocaust. Organization Studies, 34(8), 1195-1223. https://doi.org/10.1177/0170840613492078
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).

Com a intensificação do processo de globalização, o poder flui pela estruturação das redes de comunicação, que permitem a interconectividade global. No entanto, isso não implica a extinção de formas mais antigas de poder sobre as populações que existem nos territórios nacionais (Slater, 2004Slater, D. (2004). Geopolitics and the post-colonial. Blackwell Publishing Ltd.). Na medida em que novos espaços de governança surgem, novas questões e articulações entre atores são mobilizadas para expandir formas de controle e influência. No âmbito dos estudos sobre a governança transnacional e suas discussões, a visão de que a globalização ampliou os mercados para atuação das corporações é acompanhada pela ideia de um processo de erosão do status do Estado-nação enquanto responsável pela organização espacial das relações e transações sociais (Kourula et al., 2019Kourula, A., Moon, J., Salles-Djelic, M. L., & Wickert, C. (2019). New roles of government in the governance of business conduct: Implications for management and organizational research. Organization Studies, 40(8), 1101-1123. https://doi.org/10.1177/0170840619852142
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).

No entanto, no interior dessas relações de poder, para justificar a atuação do Estado na governança da conduta empresarial, a globalização tem sido mobilizada tanto para explicar a falta de autoridade e fragilidade dos governos na regulação dos negócios, quanto para justificar a ampliação das configurações de governança privada, intergovernamental ou multissetorial em áreas problemáticas como de regulamentação trabalhista e meio-ambiente (Kobrin, 2015Kobrin, S.J. (2015). Is a global nonmarket strategy possible? Economic integration in a multipolar world order. Journal of World Business, 50(2), 262-272. https://doi.org/10.1016/j.jwb.2014.10.003
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; Kourula et al., 2019Kourula, A., Moon, J., Salles-Djelic, M. L., & Wickert, C. (2019). New roles of government in the governance of business conduct: Implications for management and organizational research. Organization Studies, 40(8), 1101-1123. https://doi.org/10.1177/0170840619852142
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; Pattberg, 2005Pattberg, P. (2005). The institutionalization of private governance: How business and nonprofit organizations agree on transnational rules. Governance, 18(4), 589-610. https://doi.org/10.1111/j.1468-0491.2005.00293.x
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). Desse modo, uma parcela significativa da regulação dos negócios é realizada por instituições privadas, público-privadas, multissetoriais ou da sociedade civil (Bartley, 2022Bartley, T. (2022). Power and the practice of transnational private regulation. New political economy, 27(2), 188-202. https://doi.org/10.1080/13563467.2021.1881471
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) e os processos de regulação, em certa medida, podem refletir a capacidade dos grupos de interesse reguladores em capturar o Estado (Djankov et al. 2002Djankov, S., La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., & Shleifer, A.(2002). The regulation of entry. The quarterly Journal of economics, 117(1), 1-37. https://scholar.harvard.edu/files/shleifer/files/reg_entry.pdf
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).

Numa perspectiva pós-colonial, na configuração das sociedades globalizadas, há o reconhecimento do deslocamento do poder do nível nacional (Estado-nação) para o global (capital e corporações), com a cumplicidade e apoio dos estados do Norte e Sul do globo, onde as formas imperiais de dominação euro-americana assumem novas configurações, por exemplo, quando realizam a manutenção da dependência dos países do Sul global e seus governos impõem a mudança neoliberal a suas populações (Amin-Khan, 2012Amin-Khan, T. (2012). The post-colonial state in the era of capitalist globalization: Historical, political and theoretical approaches to state formation(Routledge Studies in Social and Political Thought). Routledge.). Nessa configuração, um impasse de difícil solução consiste em encontrar uma maneira de preservar a autonomia individual vis-à-vis a liberdade de mercado, a fim de garantir, simultaneamente, a suficiência econômica e a dignidade social para todos, ainda que o direito internacional considere esses dois objetivos como centrais em seu regime de direitos humanos (Michalowski, 2008Michalowski, S. (2008). Sovereign debt and social rights-legal reflections on a difficult relationship. Human Rights Law Review, 8(1), 35-68. https://doi.org/10.1093/hrlr/ngm042
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).

Em um contexto de compartilhamento ambíguo de responsabilidades, como a literatura de Negócios e Direitos Humanos (NDH) argumenta, configuram-se as lacunas de governança (Ruggie, 2008Ruggie, J. G. (2008). Protect, respect and remedy: A framework for business and human rights. Innovations: Technology, Governance, Globalization, 3(2), 189-212. https://doi.org/10.1162/itgg.2008.3.2.189
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) em que violações de direitos humanos acontecem. Em alguma medida, o conceito de necrocapitalismo (Banerjee, 2008Banerjee, S. B., & Prasad, A. (2008). Introduction to the special issue on “Critical reflections on management and organizations: a postcolonial perspective”. Critical perspectives on international business, 4(2-3), 90-98. https://doi.org/10.1108/17422040810869963
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) permite-nos olhar essas lacunas como uma configuração específica de estado de exceção, criada com base em uma soberania compartilhada entre Estados e corporações em suas ambições capitalistas.

Enquanto a regulação das relações econômicas globais e seus problemas inerentes, como as violações de direitos humanos cometidas por corporações, parecem exigir um novo quadro regulatório de referência sobre o qual ainda não existe consenso (Porumbescu & Pogan, 2019Porumbescu, A., & Pogan, L. D. (2019). Transnational Corporations, as Subjects of International Law in the Globalization Context. Revista de Stiinte Politice, 64, 65-80. https://journals.indexcopernicus.com/api/file/viewByFileId/846007
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), iniciativas como Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos (UNGPs) (United Nations, 2011United Nations. (2011). Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations “Protect, Respect and Remedy” Framework. https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/publications/guidingprinciplesbusinesshr_en.pdf
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) falham em reconhecer e incorporar a maximização do lucro como imperativo que sustenta o sistema capitalista (Bittle & Snider, 2013Bittle, S., & Snider, L. (2013). Examining the Ruggie Report: can voluntary guidelines tame global capitalism? Critical Criminology, 21(2), 177-192. https://doi.org/10.1007/s10612-013-9177-4
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) e subestimam a centralidade das relações de poder envolvidas na implementação desse sistema (Rosser et al., 2022Rosser, A., Macdonald, K., & Setiawan, K. M. (2022). Implementing the United Nations Guiding Principles on Business and Human Rights: Insights from Indonesia. Human Rights Quarterly, 44(1), 56-80. https://doi.org/10.1353/hrq.2022.0002
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).

Nesse contexto contraditório, uma reflexão pertinente, no âmbito da criminologia, sobre o papel do Estado na governança corporativa defende que, em sua história concreta, a globalização, com a participação dos Estados capitalistas avançados, propiciou a construção de um regime jurídico internacional favorável às empresas, em que corporações multinacionais operam em um contexto cada vez mais internacional e de forma cada vez mais livre (Tombs, 2007Tombs, S. (2007). Globalisation, neoliberalism and the trajectories of public policy: closing (and reopening?) political possibilities. International Journal of Management Concepts and Philosophy, 2(4), 299-316. https://doi.org/10.1504/IJMCP.2007.015127
https://doi.org/10.1504/IJMCP.2007.01512...
). Na esteira desse processo, o direito assume uma dimensão cada vez mais ambivalente nas análises criminológicas, por sua capacidade, nas formas leves e duras, de controlar ou facilitar os crimes corporativos (Haines & Macdonald, 2021Haines, F., & Macdonald, K. (2021). Grappling with injustice: Corporate crime, multinational business and interrogation of law in context. Theoretical Criminology, 25(2), 284-303. https://doi.org/10.1177/1362480619872267
https://doi.org/10.1177/1362480619872267...
).

A produção capitalista do século XXI está cada vez mais organizada em cadeias internacionais de valor controladas por corporações transnacionais, nas quais a transferência de valor econômico percorre a fragmentação da produção em diversos níveis e conecta a produção, principalmente do Sul global, ao consumidor final e aos cofres financeiros das corporações, localizadas no Norte global (Suwandi et al., 2019Suwandi, I., Jonna, R. J., & Foster, J. B. (2019). Global commodity chains and the new imperialism. Monthly Review, 70(10), 1-24. https://monthlyreview.org/2019/03/01/global-commodity-chains-and-the-new-imperialism/). As corporações transnacionais aproveitam os privilégios que possuem no regramento jurídico nacional e internacional para maximizar os lucros por meio de sua mobilidade de sua produção e explorar as condições de mercado mais propícias dos países anfitriões, onde a lei e a regulamentação são limitadas e os custos de conformidade são menores (Marmo & Bandiera, 2022Marmo, M., & Bandiera, R. (2022). Modern Slavery as the New Moral Asset for the Production and Reproduction of State-Corporate Harm. Journal of White Collar and Corporate Crime, 3(2), 64-75. https://doi.org/10.1177/2631309X211020994
https://doi.org/10.1177/2631309X21102099...
).

As alterações significativas nas relações entre mercado, Estado e sociedade, e a divisão internacional do trabalho (Alamgir & Banerjee, 2019Alamgir, F., & Banerjee, S. B. (2019). Contested compliance regimes in global production networks: Insights from the Bangladesh garment industry. Human Relations, 72(2), 272-297. https://doi.org/10.1177/0018726718760150
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) possibilitam que o nexo mercado-estado continue a pavimentar o caminho para práticas de acumulação que resultam em violência (Banerjee, 2018Banerjee, S. B. (2008). Necrocapitalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
). Em contrapartida, desde meados da década de 1970, o Estado atua, cada vez mais, como espectador, facilitador e conspirador na materialização do crime estatal-corporativo (Tombs & Whyte, 2020Tombs, S., & Whyte, D. (2020). The shifting imaginaries of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 16-23. https://doi.org/10.1177/2631309X19882641
https://doi.org/10.1177/2631309X19882641...
), um fenômeno que permanece em contínua produção e reprodução, amparado na banalidade da vida cotidiana neoliberal, cujas condições estão articuladas para facilitar e legitimar sua ocorrência (Rothe, 2020Rothe, D. L. (2020). Moving beyond abstract typologies? Overview of state and state-corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 7-15. https://doi.org/10.1177/2631309X19872438
https://doi.org/10.1177/2631309X19872438...
).

Como a criminologia crítica argumenta, apesar da resistência organizada frente à regulação das atividades econômicas, as corporações sempre reconheceram os processos regulatórios como mecanismos capazes de ameaçar ou facilitar a acumulação de capital, na medida em que todo regulamento é, simultaneamente, uma proibição e uma permissão (Michalowski, 2020Michalowski, R. (2020). The necropolitics of regulation. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(2), 83-85. https://doi.org/10.1177/2631309X20922150
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). Nesse sentido, o apelo para compreensão do crime estatal-corporativo, para além da fragilidade coercitiva dos Estados e dos momentos de ruptura na relação público-privada, aponta para o entendimento da natureza das relações entre Estados e corporações mediante suas fronteiras borradas e seus interesses sobrepostos, reconhecendo a atuação do Estado como facilitador da lucratividade dos negócios (Whyte, 2014Whyte, D. (2014). Regimes of permission and state-corporate crime. State Crime Journal, 3(2), 237-246. https://doi.org/10.13169/statecrime.3.2.0237
https://doi.org/10.13169/statecrime.3.2....
).

Como pontuam Medeiros et al. (2020Medeiros, C. R. de O., Silveira, R. A. da, & Paganini, P. F. (2020). State-Corporate Crime: por uma agenda de pesquisa no campo da Administração Pública. Cadernos Gestão Pública E Cidadania, 25(81), e-80981. https://doi.org/10.12660/cgpc.v25n81.80981
https://doi.org/10.12660/cgpc.v25n81.809...
), os termos “state crime” e “state-corporate crime” podem ser equivocadamente confundidos, no entanto, o primeiro restringe-se à sobreposição de dois fenômenos: quando ocorrem violações dos direitos humanos e o desvio organizacional do Estado, enquanto o segundo agrega o envolvimento de corporações.

No âmbito das violações de direitos humanos por corporações, não há dados empíricos relevantes que indiquem que as corporações beneficiam-se de um bom histórico de direitos humanos ou mesmo que as empresas que os violaram são economicamente desvantajosas, o que reflete uma lógica racional de mercado, na qual os riscos financeiros e comerciais relacionados às violações dos direitos humanos são superados pelo lucro (Banerjee, 2014Banerjee, S. B. (2014). A critical perspective on corporate social responsibility: Towards a global governance framework. Critical perspectives on international business, 10(1-2), 84-95. https://doi.org/10.1108/cpoib-06-2013-0021
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).

Apesar de a noção de “direitos humanos” atual pressupor que “humano” é uma categoria universal que faz justiça a todos, de forma recorrente a mobilização do conceito de humano, em conversas gerais, pela mídia, em seminários e conferências universitárias, deixa fora da humanidade uma parcela significativa da população global (Mignolo, 2011Mignolo, W. D. (2011). Who speaks for the “human” in human rights? Cadernos de Estudos Culturais, 3(5), 157-175. https://periodicos.ufms.br/index.php/cadec/article/view/4554
https://periodicos.ufms.br/index.php/cad...
; Sen, 2004Sen, A. (2004). Elements of a Theory of Human Rights. Philosophy & Public Affairs, 32(4), 312-356. https://www.jstor.org/stable/3557992
https://www.jstor.org/stable/3557992...
). Assim, é preciso reconhecer que as violações podem sinalizar, em alguns casos, um consenso geral entre políticos e sociedade, que normaliza a ideia de que algumas vidas humanas importam menos do que outras (Mayblin et al., 2020Mayblin, L., Wake, M., & Kazemi, M. (2020). Necropolitics and the slow violence of the everyday: Asylum seeker welfare in the postcolonial present. Sociology, 54(1), 107-123. https://doi.org/10.1177/0038038519862124
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).

Ainda que os debates sobre direitos humanos tenham alterado, de forma significativa, a forma como elites políticas globais, ativistas transnacionais e alguns líderes nacionais falam sobre política e justiça, a mensuração e percepção dos impactos reais é mais difícil de discernir, considerando as variações substanciais entre regiões, em suas diferentes histórias coloniais e pós-coloniais e diferentes processos que condicionam as relações estado-sociedade (Hafner-Burtonron & Ron, 2007Hafner-Burton, E. M., & Ron, J. (2007). Human rights institutions: Rhetoric and efficacy. Journal of Peace Research, 44(4), 379-384. https://www.jstor.org/stable/27640535
https://www.jstor.org/stable/27640535...
). Uma reforma do sistema global de ordenação dos direitos humanos precisa considerar uma noção mais emancipatória de dignidade humana e a organização de um sistema de justiça global e compensação material dentro de e entre o Norte e Sul globais (Regilme, 2019Regilme, S. S. F. Jr. (2019). The global politics of human rights: From human rights to human dignity? International Political Science Review, 40(2), 279-290. https://doi.org/10.1177/0192512118757129
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).

No contexto das violações dos direitos humanos cometidas por corporações, quando colocamos em cena a escravização moderna e seu recorrente flagrante, estamos diante não só de um crime corporativo, mas, também, de uma prática de gestão viável e lucrativa criada no regime colonial e que permanece operando no sistema político-econômico atual (Banerjee, 2021Banerjee, S. B. (2021). Modern slavery is an enabling condition of global neoliberal capitalism: Commentary on modern slavery in business. Business & Society, 60(2), 415-419. https://doi.org/10.1177/0007650319898478
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). A escravidão moderna está inserida em um processo de normalização da morte e dos danos infligidos aos trabalhadores como efeito inevitável das formas capitalistas de trabalho e de organização econômica (Tombs & Whyte, 2020Tombs, S., & Whyte, D. (2020). The shifting imaginaries of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 16-23. https://doi.org/10.1177/2631309X19882641
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).

Supostamente, para combater a escravização, a partir da defesa de um sistema de governança humanitária, Estados e corporações articulam mecanismos de soft law e responsabilidade corporativa, para se posicionarem como atores benevolentes que atuam de forma engajada no combate à escravidão. No entanto, na prática, iniciativas de legislações nacionais sobre o tema, não só mantêm as condições que permitem que a escravização aconteça nas cadeias de suprimento do Sul global, como apoiam a elaboração de um consentimento frente ao problema, ao desviar a atenção das corporações como ator responsável por esse crime (Marmo & Bandiera, 2022Marmo, M., & Bandiera, R. (2022). Modern Slavery as the New Moral Asset for the Production and Reproduction of State-Corporate Harm. Journal of White Collar and Corporate Crime, 3(2), 64-75. https://doi.org/10.1177/2631309X211020994
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).

Ao permitir a incorporação das contribuições funcionais do trabalho escravizado, a globalização neoliberal permite que determinadas populações colham os benefícios de um sistema econômico global pós-colonial moldado por histórias de dominação e exploração (Strecker, 2022Strecker, D. (2022). The political economy of social integration: Understanding the relation of global capitalism and state politics from a postcolonial perspective on contemporary slavery. In A. Bueno, M. Teixeira, & D. Strecker (Eds.). De-Centering Global Sociology (pp. 144-160). Routledge.). Assim, o avanço na direção da erradicação da escravização moderna passa pelo reconhecimento de que a origem do problema está em um modelo de negócio que persegue de forma incansável a fabricação de baixo custo para maximização dos lucros (Banerjee, 2021Banerjee, S. B. (2021). Modern slavery is an enabling condition of global neoliberal capitalism: Commentary on modern slavery in business. Business & Society, 60(2), 415-419. https://doi.org/10.1177/0007650319898478
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).

Na indústria extrativa global, inúmeros conflitos violentos entre corporações e populações locais acontecem, majoritariamente, em países que foram colonizados (Banerjee, 2018Banerjee, S. B. (2018). Markets and violence. Journal of Marketing Management, 34(11-12), 1023-1031. https://doi.org/10.1080/0267257X.2018.1468611
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), onde muitas violações de direitos humanos são materializadas. Inserida em uma economia política centrada no desenvolvimento, a extração de recursos naturais e a desapropriação de terras para fins econômicos são caracterizadas por relações mutáveis entre atores estatais e corporativos. Em suas relações, esses atores determinam os arranjos de governança de acesso, controle e direitos de propriedade sobre recursos e terras e, nesse processo, negam às comunidades locais os meios de subsistência derivados da terra (Banerjee et al., 2023Banerjee, S. B., Maher, R., & Krämer, R. (2023). Resistance is fertile: Toward a political ecology of translocal resistance. Organization, 30(2), 264-287. https://doi.org/10.1177/1350508421995742
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). Até mesmo quando monopolizada por Estados, a extração de recursos recorre ao discurso de desenvolvimento, para justificar e reforçar os modos de produção capitalistas baseados na destruição da natureza e promover desempoderamento político das comunidades indígenas (Torres-Wong, 2021Torres-Wong, M. (2021). Resource Nationalism and the Violation of Indigenous Rights in Mexico’s Oil Industry: The Case of a Chontal Community in Tabasco. Journal of White Collar and Corporate Crime, 4(1), 56-67. https://doi.org/10.1177/2631309X211051992
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).

Em caso de conflitos nos contextos de extração de recursos, os processos deliberativos de governança implementados por meio de políticas de responsabilidade social corporativa podem ser incapazes de acomodar legitimidades concorrentes que estão presentes, por conduzir uma busca por consenso deliberativo que oculta processos de dominação e desautoriza espaços de diferença e convivência (Banerjee et al., 2023Banerjee, S. B., Maher, R., & Krämer, R. (2023). Resistance is fertile: Toward a political ecology of translocal resistance. Organization, 30(2), 264-287. https://doi.org/10.1177/1350508421995742
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). De forma consonante, a criminologia crítica tem alertado para as limitações das abordagens de regulação centradas na formação de consenso que não consideram os sistemas mais amplos de desigualdade e poder envolvidos em um contexto cujas estratégias regulatórias emergem e são aplicadas (Davies & Malik, 2021Davies, J., & Malik, H. (2022). Challenging Existing Regulatory Approaches for White-Collar and Corporate Crimes. Journal of White Collar and Corporate Crime, 3(1), 3-6. https://doi.org/10.1177/2631309X211056378
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).

Desde a declaração de 1948, na imbricação entre negócios e direitos humanos, uma lacuna de responsabilização permanece delineada, até hoje ainda não foram definidas as instituições responsáveis por monitorar, prevenir e reparar as violações aos direitos humanos cometidas por organizações corporativas (Santoro, 2015Santoro, M. A. (2015). Business and human rights in historical perspective. Journal of Human Rights, 14(2), 155-161. https://doi.org/10.1080/14754835.2015.1025945
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). Nos últimos anos, cada vez mais corporações transnacionais têm respondido a processos legais em suas nações de origem, por estarem envolvidas em violações de direitos humanos e danos ambientais cometidos nos países anfitriões (Lindt, 2020Lindt, A. (2020). Transnational Human Rights Litigation: A Means of Obtaining Effective Remedy Abroad?Journal of Legal Anthropology, 4(2), 57-77. https://doi.org/10.3167/jla.2020.040204
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).

Em defesa da efetivação de um tratado sobre negócios e direitos humanos, Bilchitz (2016Bilchitz, D. (2016). The necessity for a business and human rights treaty. Business and Human Rights Journal, 1(2), 203-227. https://doi.org/10.1017/bhj.2016.13
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) argumentou que o instrumento poderia estabelecer dispositivos para soluções jurídicas que atendam a uma série de lacunas, ambiguidades e doutrinas engessadas do atual quadro de direito internacional que afeta negativamente os direitos das pessoas impactadas por atividades corporativas.

De fato, a legislação de estados nacionais sobre o envolvimento de empresas em violações de direitos humanos ainda é incipiente. Apesar de os sistemas jurídicos nacionais, em sua maioria, já estabelecerem alguns dispositivos eficazes de resposta, como o conceito de responsabilidade corporativa e parâmetros de culpabilidade corporativa, bem como mecanismos de acusação e sanção, os Estados não têm atuado de forma proativa quando ocorre o envolvimento corporativo em abusos grosseiros dos direitos humanos. No que se refere ao direito internacional público, as complexidades doutrinárias precisam ser enfrentadas para regulação de atores não estatais (McConnell, 2017McConnell, L. (2017). Assessing the feasibility of a business and human rights treaty. International & Comparative Law Quarterly, 66(1), 143-180. https://doi.org/10.1017/S0020589316000476
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).

As discussões sobre o desenvolvimento de novas normas jurídicas internacionais relativas a negócios e direitos humanos foram impulsionadas por diferentes suposições empíricas (Kirkebo & Langford, 2018Kirkebo, T. L., & Langford, M. (2018). The commitment curve: Global regulation of business and human rights. Business and Human Rights Journal, 3(2), 157-185. https://doi.org/doi.org/10.1017/bhj.2018.11
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), como a crença de que Estados e corporações veem os direitos humanos e a responsabilidade social como compromissos de custo e alcance zero em termos materiais, cuja adesão possibilita o fortalecimento da imagem e o desvio da atenção à necessidade de regulações nacionais sobre o tema (Simmons, 2009Simmons, B. A. (2009). Mobilizing for human rights: international law in domestic politics. Cambridge University Press.). Em contrapartida, na área do Direito, o desenvolvimento de mecanismos legais de forma vinculativa, conhecidos como hard law, é reforçado por uma posição de neutralidade, mas guiado pela lógica de que, se a iniciativa implica uma diminuição do poder das corporações, um novo espaço abre-se para que novos atores possam exercer influência (Kirkebo & Langford, 2018Kirkebo, T. L., & Langford, M. (2018). The commitment curve: Global regulation of business and human rights. Business and Human Rights Journal, 3(2), 157-185. https://doi.org/doi.org/10.1017/bhj.2018.11
https://doi.org/10.1017/bhj.2018.11...
).

Avaliando a possibilidade de concretização de um tratado vinculativo internacional, McConnel (2017) identificou alguns desafios que precisam ser resolvidos. Primeiro, as obrigações internacionais devem ser conceituadas e definidas de forma convincente e clara no que se refere ao respeito, à identificação dos titulares de deveres e à atribuição de responsabilidades. Segundo, dada a natureza bilateral da responsabilização na esfera internacional, a atribuição de condutas infratoras aos Estados precisa estabelecer disposições de cumplicidade e a devida diligência. Assim, sob uma abordagem holística, é possível definir uma distinção conceitual entre os diferentes atos ilícitos cometidos pelos múltiplos atores, bem como avaliar as contribuições causais de múltiplos atores na implementação de um sistema de remediação baseado na ideia de responsabilidade solidária. Por fim, as dificuldades de delimitação das obrigações internacionais dirigidas aos atores empresariais e os modos de cumprimento envolvem questões de natureza política de resolução difícil e demorada (Maritan & Oliveira, 2020Maritan, R. F., & Oliveira, C. R. de. (2022). Negócios e direitos humanos: uma análise das tentativas de neutralizar as denúncias de violações contra os direitos humanos. Cadernos EBAPE.BR, 20(2), 193-206. https://doi.org/10.1590/1679-395120210021
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).

Não obstante, a existência de um quadro jurídico regulatório não impede a ampliação e o reforço de outras ações em curso baseadas em mecanismos de regulação não vinculativos, realizadas por Estados nacionais para melhorar o respeito corporativo pelos direitos humanos (Maritan & Oliveira, 2020Maritan, R. F., & Oliveira, C. R. de. (2022). Negócios e direitos humanos: uma análise das tentativas de neutralizar as denúncias de violações contra os direitos humanos. Cadernos EBAPE.BR, 20(2), 193-206. https://doi.org/10.1590/1679-395120210021
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; Nolam, 2016). As normas jurídicas são importantes por estimular o desenvolvimento de ferramentas e instrumentos regulatórios mais brandos, que, ajustados, podem alcançar uma gama de empresas e setores produtivos (Ganesan, 2016Ganesan, A. (2016). Towards a business and human rights treaty? In D. Baumann-Pauly & J. Nolan (Ed), Business and human rights: from principles to practice(pp. 73-76). Routledge.), bem como oferecer um meio útil para criticar as ações danosas cometidas pelos poderosos (Paine, 2013Paine, J. K. (2013). Legal Normativity, and Formal Justice. International Relations. Leiden Journal of International Law, 26(4), 1037-1053. https://doi.org/10.1017/S092215651300054X
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). A forma como a regulação da prática dos atores não estatais é endossada tem implicações diretas teoricamente no nível operacional prático, e, na ausência de fiscalização, fundamentos teóricos mais robustos já contribuem fornecendo um ponto de partida para futuros desenvolvimentos normativos (McConnell, 2017McConnell, L. (2017). Assessing the feasibility of a business and human rights treaty. International & Comparative Law Quarterly, 66(1), 143-180. https://doi.org/10.1017/S0020589316000476
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).

Apesar dos avanços e debates promissores realizados no âmbito da responsabilidade social corporativa (RSC), negócios e direitos humanos no que tange à responsabilidade das transnacionais sobre violações, é importante ampliar as discussões sobre a temática considerando as teorizações sobre as concepções hierárquicas do valor humano, já que as violações de direitos humanos podem sinalizar, em alguns casos, um consenso geral, entre políticos e sociedade, de que algumas vidas humanas importam menos do que outras (Mayblin, 2020Mayblin, L., Wake, M., & Kazemi, M. (2020). Necropolitics and the slow violence of the everyday: Asylum seeker welfare in the postcolonial present. Sociology, 54(1), 107-123. https://doi.org/10.1177/0038038519862124
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). Diante disso, é preciso considerar que o discurso soberano vigente em relação aos direitos humanos emergiu durante o período colonial, e, para além dos direitos formulados e reconhecidos, também é necessário entender a materialidade desse discurso e como ele condiciona e limita o campo das violações (Azoulay, 2015Azoulay, A. (2015) What are human rights? Comparative Studies of South Asia, Africa and the Middle East, 35(1), 8-20. https://doi.org/10.1215/1089201X-2876056
https://doi.org/10.1215/1089201X-2876056...
).

As configurações que antecedem as violações de direitos humanos por corporações são complexas e, conforme a literatura percorrida, há obstáculos de difícil transposição para a superação do problema. Ao analisar o fenômeno sob a perspectiva pós-colonialista, inserimos a questão como parte dos graves problemas da ordem social neoliberal compartilhada, na qual os regimes neoliberais, visando manter o consentimento dos governados, permanecem administrando as contradições que emergem entre o impulso para acumulação do capital e a busca permanente por novos modos de extração de lucro (Snider, 2020Snider, L. (2020). Beyond Trump: Neoliberal capitalism and the abolition of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(2), 86-94. https://doi.org/10.1177/2631309X20920837
https://doi.org/10.1177/2631309X20920837...
). Assim, a discussão teórica realizada procurou avançar na compreensão do problema como consequência de um sistema amplo de desigualdade e poder, que se apoia em relações simbióticas e dialéticas (Rothe, 2020Rothe, D. L. (2020). Moving beyond abstract typologies? Overview of state and state-corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 7-15. https://doi.org/10.1177/2631309X19872438
https://doi.org/10.1177/2631309X19872438...
).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este ensaio é fruto de nossas reflexões sobre a produção e reprodução de crimes corporativos que violam os direitos humanos. Com o amparo da literatura crítica criminológica (Tombs & Whyte, 2020Tombs, S., & Whyte, D. (2020). The shifting imaginaries of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 16-23. https://doi.org/10.1177/2631309X19882641
https://doi.org/10.1177/2631309X19882641...
), exploramos de que forma Estados e corporações, em suas relações imbricadas e cotidianas, articulam as condições necessárias à materialização de crimes corporativos que violam direitos humanos, o que explica, em parte, a falta de avanços significativos para a responsabilização corporativa sobre tais violações, mesmo já sendo reconhecidas pela literatura de responsabilidade social corporativa e negócios e direitos humanos e problematizadas na produção sobre irresponsabilidade corporativa.

O ensaio traz contribuições para o campo da Administração, especialmente aos de Estudos Organizacionais e Administração Pública, pois, ao adicionar um olhar pós-colonialista, para a compreensão do problema (Banerjee, 2008Banerjee, S. B., & Prasad, A. (2008). Introduction to the special issue on “Critical reflections on management and organizations: a postcolonial perspective”. Critical perspectives on international business, 4(2-3), 90-98. https://doi.org/10.1108/17422040810869963
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), reconhecemos que a insistência na responsabilização dos Estados em detrimento das corporações não só representa um desafio para reparação dos danos às pessoas cujos direitos são violados, mas, também, indica uma articulação deliberadamente organizada e constituída historicamente para garantir a manutenção de uma ordem mais ampla centrada na manutenção dos interesses capitalistas (Rothe, 2020Rothe, D. L. (2020). Moving beyond abstract typologies? Overview of state and state-corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 7-15. https://doi.org/10.1177/2631309X19872438
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). Nossa discussão conduz ao questionamento sobre a concepção de direitos humanos e sua regulação se constituírem em uma forma de reproduzir os interesses privados do capitalismo, bem como pavimenta a construção da desresponsabilização das corporações. Ainda, buscamos contribuir com a discussão sobre a atuação do Estado na atividade corporativa, tanto em termos de participação como de facilitação. A interdependência política e econômica entre Estados e corporações evidencia que os processos corporativos tornam os crimes possíveis. Portanto, o valor das discussões sobre o crime estatal-corporativo reside na possibilidade de servir de lente para a análise de diversos setores industriais e identificação de fatores de vulnerabilidade do setor, ou seja, aqueles que estão estruturalmente incorporados e que levam ao crime e a danos como parte dos processos corporativos.

Ao afirmar que os crimes corporativos violadores de direitos humanos são produzidos e reproduzidos com a participação do Estado nas lacunas de governança estabelecidas pela globalização, em uma relação simbiótica entre Estados e corporações, a qual possibilita a normalização dessas práticas criminosas, avançamos no diálogo entre o campo dos Estudos Organizacionais e o campo da Criminologia que trata de crimes corporativos. Não se trata de uma novidade em si, visto que o poder das corporações e os danos causados por elas são problematizados de forma consistente, em ambos os corpos teóricos. No entanto, trazer esse fenômeno para ser discutido no campo dos Estudos Organizacionais contribui para a compreensão da natureza multidisciplinar das violações de direitos humanos cometidas por corporações, não cabendo ao campo negligenciar a temática.

A aproximação dos dois campos de estudos ampliou nossa visão sobre a dinâmica das corporações e de suas consequências para a sociedade, o que nos fez vislumbrar questões de pesquisa que podem beneficiar o desenvolvimento do campo, a saber: investigar os casos de violações de direitos humanos no Brasil cometidas por corporações, por meio de análises centradas nas relações interorganizacionais entre Estados e corporações envolvidas no contexto dos crimes, bem como nos processos regulatórios estabelecidos; explorar os repertórios mobilizados por cidadãos comuns em redes sociais online e nos veículos da imprensa nacional para neutralizar as violações de direitos humanos cometidas por corporações, a fim de avançar a compreensão sobre a normalização dessa prática criminosa no contexto brasileiro; avançar na crítica às origens dos direitos humanos, analisando sua abrangência e suas exclusões.

Nossas reflexões provocadas pelos valiosos comentários nos pareceres recebidos levaram-nos ao entendimento de que soluções são possíveis. Por exemplo, a abolição de modelos de negócios do tipo “empresas guarda-chuva” (Elliot, 2014Elliott, J. (2014). The umbrella company con-trick. UCATT.), ou, ainda, regulamentações mais severas sobre operações com riscos de violações contra os direitos humanos e o meio ambiente. Em termos de regulamentações, há de se considerar a ausência de apoio político para leis mais severas, dado que as “bancadas” têm forte apoio setorial para defender as demandas da indústria.

Uma lacuna identificada durante esta pesquisa foi a falta de articulação entre as literaturas que abordam os investimentos transnacionais em países com vazios institucionais e as que tratam dos crimes corporativos decorrentes do aproveitamento, por parte das corporações transnacionais, das fragilidades relativas aos marcos legais destes países. Desenvolver essas articulações teóricas com base em pesquisas empíricas pode, potencialmente, beneficiar o campo na compreensão desses fenômenos. Por fim, tendo como base uma estrutura teórica pós-colonialista, faz-se necessário, ainda, explorar como as políticas de desenvolvimento regionais no Brasil têm incorporado a temática dos direitos humanos no que se refere às políticas de fomento aos negócios.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil pelo apoio aos projetos de pesquisa 423009/2021-4 e 313900/2021-3. Bolsista Produtividade do CNPq Cíntia Rodrigues de Oliveira.

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  • DISPONIBILIDADE DE DADOS

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PARECERISTAS

  • 6
    Os dois revisores não autorizaram a divulgação de suas identidades.

RELATÓRIO DE REVISÃO POR PARES

Editado por

Hélio Arthur Reis Irigaray (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9580-7859
Fabricio Stocker (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6340-9127

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2023
  • Aceito
    16 Jun 2023
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