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Aceitar ou recusar órgão doado para transplante: o dilema do Dr. Jonas

Aceptar o rechazar órganos donados para trasplante: el dilema del Dr. Jonas

Resumo

O caso apresenta o dilema enfrentado pelo Doutor Jonas, médico responsável pela decisão de aceitar ou recusar um rim para transplante do paciente Carlos. O médico é norteado pela racionalidade e pela ciência, quer não apenas o melhor para seu paciente, como também manter seus bons índices de sucesso em transplantes. Carlos está ansioso por “voltar à vida” com o transplante, livrando-se da terrível rotina de diálises ao longo de cinco anos na fila de espera por um rim. Com a morte de Sebastião, um rim fica disponível para Carlos. No entanto, trata-se de um doador com 68 anos de idade. Doutor Jonas hesita em aceitar o órgão não ideal para seu paciente de 40 anos. O caso promove a discussão de processos de Julgamento e Tomada de Decisão (JTD), especialmente a fuga da racionalidade por meio de heurísticas comportamentais simplificadoras e os consequentes vieses delas advindos. O caso foi desenvolvido para ser usado em disciplinas de JTD ou gestão na área de Saúde e Healthcare, com destaque para o papel das pessoas na prestação de serviços, em programas de pós-graduação lato ou stricto sensu. Com a discussão do caso, espera-se que os alunos desenvolvam habilidades para estruturar processos de decisão e evitar armadilhas comportamentais comuns.

Palavras-chave:
Julgamento e Tomada de Decisão; Heurísticas de Julgamento; Heurísticas Comportamentais; Transplante de Órgãos

Resumen

El caso presenta el dilema al que se enfrenta el doctor Jonas, médico responsable de la decisión de aceptar o rechazar un riñón para trasplante del paciente Carlos. El doctor Jonas se guía por la racionalidad y la ciencia, quiere lo mejor para su paciente, además de mantener sus buenos índices de éxito en trasplantes. Carlos está ansioso por “volver a la vida” con el trasplante, librándose de la terrible rutina de diálisis de los últimos cinco años en la lista de espera de un riñón. Con la muerte de Sebastião, queda disponible un riñón para Carlos, pero es un donante de 68 años y el doctor Jonas duda en aceptar el órgano no ideal para su paciente, que tiene 40 años. El caso es oportuno para discutir los procesos de Juicio y Toma de Decisiones (JTD), especialmente la fuga de la racionalidad a través de la simplificación de las heurísticas conductuales y los consecuentes sesgos que surgen de ellas. El caso fue desarrollado para ser utilizado en JTD o disciplinas de gestión en el área de Salud y Cuidado de la Salud, enfocándose en el papel de las personas en la prestación de servicios, en programas de posgrado lato o stricto sensu. Con la discusión del caso, se espera que los estudiantes desarrollen habilidades para estructurar procesos de decisión y evitar trampas comunes de comportamiento.

Palabras clave:
Juicio y toma de decisiones; Heurística del juicio; Heurísticas del Comportamiento; Trasplante de órganos

Abstract

The case presents the dilemma faced by Dr. Jonas, the physician responsible for the decision to accept or refuse a kidney for transplant for his patient, Carlos, who has been waiting for a kidney for five years. Dr. Jonas is guided by rationality and science and wants the best for his patient. However, he wants to maintain his excellent success rates in transplants. Carlos is eager to “come back to life” with the transplant, getting out of the terrible dialysis routine. With the death of Sebastião, a kidney is available for Carlos, but he is a 68-year-old donor, and Dr. Jonas is hesitant to accept the non-ideal organ for his 40-year-old patient. The case proves to be opportune to discuss Judgment and Decision Making (JTD) processes, especially the escape from rationality by simplifying behavioral heuristics and their consequent biases. The case was developed to be used in JTD or management disciplines in Health and Healthcare services in lato or stricto sensu postgraduate programs. By discussing the case, students are expected to develop skills to structure decision-making and avoid common behavioral pitfalls.

Keywords:
Judgment and Decision Making; Judgment Heuristics; Behavioral Heuristics; Organ transplantation.

Eram 21h de uma quinta-feira chuvosa quando o doutor Jonas Andrade terminou o jantar com sua família. Ao checar o celular, viu cinco chamadas perdidas e uma mensagem da Central de Transplante de Santa Catarina (CET-SC). A informação deixou Jonas muito feliz: havia a disponibilidade de um rim para doação! Seria finalmente possível fazer o transplante de Carlos, paciente com saúde deteriorada e na fila de espera ao longo de cinco anos para receber um “novo” rim. O médico entrou em contato com a CET-SC para pedir informações sobre o órgão doado. Soube, então, que pertencera a um homem que, após subir em uma escada para consertar o telhado, caiu de dois metros de altura. O traumatismo craniano evoluiu para morte encefálica depois de três dias de internação. Era um paciente previamente saudável e com exames laboratoriais normais. Sua família concordara com a doação de seus órgãos. Mas havia um detalhe a ser considerado: ele já passara dos 68 anos.

Jonas desligou o telefone enquanto largava seu corpo na cadeira da sala. A animação inicial do médico se esvaíra: tanta espera e o órgão não era ideal. Carlos tinha apenas 40 anos de idade... Como aceitar um órgão de um doador quase trinta anos mais velho? Por um lado, era quase certo que Carlos voltaria a ter problemas em alguns anos. Por outro lado, o paciente estava ansioso para “voltar à vida”, como costumava dizer, e isso só seria possível com um transplante de rim. Outros médicos transfeririam a decisão para o paciente, sem hesitar; entretanto, Jonas acreditava firmemente que Carlos não teria condições de decidir. Além de leigo, encontrava-se diretamente envolvido no caso. Desse modo, não chegaria à melhor decisão baseada na ciência e na razão. Não... Jonas teria que assumir a responsabilidade de aceitar ou recusar o rim oferecido, ainda que o consentimento do paciente fosse obrigatório1 1 No Brasil, a doação de órgãos é tratada na Portaria de Consolidação No 4, de 28 de setembro de 2017. O documento inclui a Portaria Nº 2.600, de 21 de outubro de 2009, que aprova o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes. Na Seção I, Módulo de Rim, consta o Art. 59. “Para oferecer outras opções ao atendimento à lista única de potenciais receptores de rim poderão ser utilizados doadores com critérios expandidos, devendo, neste caso, ser obedecido o estabelecido no art. 40. § 1º A manifestação expressa de que trata o caput deste artigo deverá ser baseada em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a respeito do uso de órgãos de doador com critério expandido, firmado pelo receptor. § 2º Os doadores com critérios expandidos de rim podem ser utilizados a critério da equipe transplantadora [...]”. A decisão é tomada dentro dos critérios técnicos, expandidos ou não. O Código de Ética Médica brasileiro, com relação a transplantes, trata no capítulo VI especificamente de condutas vedadas aos médicos, como comercialização de órgão ou tecido humano (Conselho Código de Ética Médica, 2019). . Qual seria a escolha mais sensata?

ANTECEDENTES

Na segunda-feira da semana em que o doutor Jonas recebeu a notícia da disponibilidade do rim, alheio ao que o futuro traria, Sebastião acordara bem-disposto. Decidira finalmente encarar a tarefa de trocar algumas telhas rachadas do telhado; tipo de serviço que já fizera inúmeras vezes em seus anos de trabalho na construção civil. Há alguns meses, porém, Sebastião sofria com dores no joelho e, por isso, subir em escadas tornara-se uma empreitada mais complicada. No entanto, nos últimos dias passara a chover dentro de sua casa e as telhas precisavam ser trocadas o quanto antes. Sebastião ignorou as dores e subiu na escada para fazer o serviço com a facilidade habitual. Na descida, entretanto, desequilibrou-se e despencou de uma altura de dois metros. Desacordado, foi socorrido por vizinhos que o levaram para o hospital público da região. Rapidamente atendido, Sebastião foi encaminhado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com o diagnóstico de traumatismo craniano.

Às 4h da madrugada de quinta-feira, foi confirmada sua morte encefálica. A família foi comunicada no hospital às 8h da manhã. Tião, como era carinhosamente chamado por quem o amava, era uma pessoa generosa, dedicado à família e aos amigos. Trabalhou a vida toda como pedreiro e, apesar dos ganhos modestos, sempre proveu as necessidades da família. Sua morte repentina foi um duro golpe para sua esposa, Dona Nena. “Tião tinha uma saúde de ferro”, ela balbuciava, ainda em choque com a ideia de que um acidente em casa tivesse tirado a vida de seu marido antes de completar 70 anos.

Sentados em cadeiras colocadas em um dos corredores do hospital, Dona Nena e seus dois filhos tentavam assimilar a notícia quando foram chamados pela enfermeira e pelo médico de plantão. Ambos foram didáticos e explicaram que Sebastião havia evoluído para morte encefálica, um quadro irreversível, mas que permitiria que seus órgãos fossem doados para transplante. Dona Nena e Tião nunca haviam conversado sobre doação de órgãos, mas ela conhecia o coração generoso do marido. Ajudar a salvar a vida de outros era algo que tinha certeza que o marido aprovaria. Assim, a família decidiu-se pela doação.

A CET-SC foi notificada sobre o potencial doador e os exames necessários começaram a ser realizados. Era importante identificar o quanto antes quais pacientes na lista de espera seriam compatíveis com os órgãos, para que estes pudessem ser ofertados. Cada paciente em lista de espera está vinculado a uma equipe de transplante, a qual é contatada quando há órgãos disponíveis para doação. Em geral, o contato é feito com os médicos transplantadores, uma vez que possuem maior experiência na equipe e têm o poder de decidir se aceitam ou não os órgãos ofertados. No caso dos rins de Tião, o primeiro contato foi feito às 13h da própria quinta-feira, com a equipe do paciente Ricardo, diabético, com 24 anos, mas a oferta foi recusada dada a condição da saúde de Ricardo e a idade considerada avançada do doador. Cesar, de 65 anos, era o segundo do ranking. Seu médico foi contatado e se interessou pelo órgão, mas o paciente estava fora do estado e não conseguiria retornar a tempo. A CET-SC voltou à lista, contatando a equipe de Dona Vera, uma mulher de 67 anos, há vários anos na fila de espera. Por encontrar-se internada com pneumonia naquele momento, não poderia receber o transplante.

Já era noite quando a CET-SC tentou localizar o doutor Jonas, médico transplantador responsável por Carlos, paciente de 40 anos, o próximo no ranking para receber um rim. Depois de várias ligações e uma mensagem não respondida, quando a central já se preparava para passar para o próximo na lista, o médico finalmente fez contato, embora parecesse indeciso sobre aceitar ou não o órgão ofertado.

A ROTINA DE CARLOS

Carlos desenvolvera problema renal grave aos 30 anos e, desde os 35, estava na fila de espera por um rim. Ele sobrevivia fazendo tratamento de diálise três vezes por semana. A cada ida à clínica, ficava de três a quatro horas ligado à máquina que filtrava seu sangue, fazendo o trabalho que seus rins já não conseguiam. Livrar-se dessa rotina só seria possível com um transplante. Entre as diálises, Carlos sentia os sintomas graves da doença renal, como falta de ar, fadiga, cãibras musculares e náuseas. Esperava ansiosamente por um rim compatível para poder voltar a ter uma vida mais próxima da normalidade. Carlos não viajava e se resguardava à espera do grande momento. A cada vez que o telefone tocava, tinha esperança de ser a oferta de um rim. Ao longo dos cinco anos de espera, houve algumas ofertas de órgãos, mas nenhuma deu certo. Uma vez, estava doente e não pôde fazer o transplante; em outra ocasião, viajava com a esposa quando recebeu a oferta e não conseguiu voltar a tempo (depois disso, nunca mais se afastou de Santa Catarina). Na terceira vez, tudo parecia que ia funcionar, mas o rim foi inviabilizado durante a cirurgia de retirada do doador. Nessa ocasião, Carlos já estava até internado quando recebeu a notícia de que “haviam danificado o órgão”. Entrou em processo de depressão. Não conseguia compreender sua falta de sorte, pois fora informado de que 80% dos pacientes conseguiam um rim até o segundo ano na fila. “Acho que sou o um de cinco”, pensava ele quando tentava se consolar. Se soubesse que menos de 4% dos pacientes estavam em sua situação, há pelo menos cinco anos na fila por um rim, aí teria certeza de que o universo conspirava contra sua saúde. Afinal, sorte ou azar consistem em estatísticas interpretadas sob o ponto de vista pessoal.

Carlos tinha uma boa relação com o doutor Jonas, a quem se queixava de que “sua vida estava parada” à espera de um órgão. O médico costumava dizer para ele que “não adiantava se desesperar” e que precisava conseguir “o rim certo para ele”. Carlos achava o doutor Jonas um pouco fechado, um homem de poucas palavras. Parecia também ser um tanto vaidoso por alardear seu orgulho dos “bons resultados” alcançados com os transplantes que realizava. Carlos temia que o médico fosse excessivamente criterioso na escolha dos órgãos para não manchar seus indicadores de transplante.

Carlos questionava seu médico se não seria possível trabalhar com uma gama maior de órgãos para o transplante. Em uma conversa, o doutor Jonas fora enfático na resposta: “Trata-se de uma decisão técnica, que deve ser tomada pelo médico. O paciente não tem nem o conhecimento nem o distanciamento emocional necessários para fazer a melhor escolha. Fique tranquilo com a minha decisão.”

A DOAÇÃO DE ÓRGÃOS

No caso de pacientes com insuficiência renal terminal, como Carlos, que necessitam de diálise regular, o transplante renal constitui a melhor terapia, pois proporciona maior sobrevida e qualidade de vida. Além de serem mais efetivos, implicam menores custos para os sistemas de saúde no longo prazo quando comparados a opções como diálise e hemodiálise (Silva et al., 2016Silva, S., Caulliraux, H., Araujo, C., & Rocha, E. (2016). Uma comparação dos custos de transplante renal em relação às diálises no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 32(6), e00013515. https://doi.org/10.1590/0102-311X00013515
https://doi.org/10.1590/0102-311X0001351...
).

Em vários países do mundo, como o Brasil, há muito mais demanda por órgãos para transplante do que oferta de doações. O sucesso dos transplantes de órgãos é um dos fatores que explicam a escassez crítica dos órgãos. Outro fator importante é o “desperdício” de potenciais doadores, que ocorre por diversos motivos, como a supervalorização de contraindicações, a recusa da família em autorizar a doação, falhas durante a retirada ou a manutenção dos órgãos. O transplante renal é o que apresenta melhor desempenho, no entanto, menos de 50% dos transplantes necessários são realizados2 2 Foram realizados 6.283 transplantes renais em uma demanda de 12.510 rins. Esses são os dados numéricos da doação de órgãos e transplantes realizados por estado e instituição no período de janeiro a dezembro de 2019 (Registro Brasileiro de Transplantes [RBT], 2019). . No Brasil, segundo dados oficiais, constavam mais de 50 mil pacientes da lista de espera em 2021.

Com o envelhecimento da população (e, portanto, do pool de doadores), muitos especialistas apontam que se poderia aproveitar muito mais órgãos com a adoção de critérios expandidos. Por exemplo, em 2015, mais de 50% dos doadores na Espanha tinham idade superior ou igual a 60 anos ao falecer. Esses doadores são classificados como doadores de critério expandido, segundo critérios da Rede Unida para Compartilhamento de Órgãos (United Network for Organ Sharing [UNOS]). Dentre estes, 30% tinham mais de 70 anos, e 10%, mais de 80 anos. Esse grupo de pacientes acima de 60 anos contribuiu com 41% dos transplantes renais por falecimento do doador, com 51% de doadores de fígado e 24% de doadores de pulmão (Matesanz et al., 2009Matesanz, R., Marazuela, R., Domínguez-Gil, B., Coll, E, Mahillo, B. & De la Rosa, G. (2009). The 40 donors per million population plan: an action plan for improvement of organ donation and transplantation in Spain. Transplantation Proceedings, 41(8), 3453-3456. https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2009.09.011
https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2...
).

Há barreiras para a doação de órgãos por pessoas com idade superior a 60 anos. Pacientes receptores de órgãos com critérios expandidos precisam de mais cuidados após os transplantes, o que aumenta os custos. Também existe falta de padronização nos processos decisórios, o que resulta em contraindicação médica para a doação desse tipo de órgão, percebido como de menor “qualidade” e com maior risco de resultar em transplante malsucedido. Médicos como o doutor Jonas não gostam de correr riscos adicionais em um procedimento já tão incerto por natureza.

A DECISÃO DO DR. JONAS

O doutor Jonas participava de uma equipe de transplante conhecida pelo conservadorismo na escolha dos órgãos: só aceitava órgãos muito bons e de pacientes com até 60 anos. Essa postura rendia à equipe bons indicadores de desempenho, fator fundamental para obter o credenciamento do Ministério da Saúde e manter a autorização para realizar transplantes. As equipes estão vinculadas a uma instituição que, anualmente, fornece dois indicadores de desempenho para o Ministério analisar: taxa de sobrevida dos pacientes (percentual de pacientes que permanecem vivos após um ano de transplante) e taxa de sobrevida do enxerto (percentual dos órgãos transplantados que permanecem funcionando após um ano). Quanto maiores as taxas, melhor para a instituição e para a equipe por ter proporcionado bons resultados. Há pressão dos hospitais para que os indicadores de suas equipes sejam muito bons, pois o credenciamento para a realização de transplante significa recursos financeiros para a instituição e para a equipe, já que se trata de um procedimento de alta complexidade e bem remunerado. Entretanto, o Ministério da Saúde não especifica o que é um “bom” ou um “mau” indicador, mas há uma pressão contínua para o “alcance do melhor indicador possível”. A equipe do doutor Jonas realizara apenas 58 transplantes entre 2018 e 2021, com taxa de sobrevida do paciente de 94% e de sobrevida do enxerto de 95% no período.

Apesar disso, havia a pressão do coordenador da CET-SC para aumentar o aproveitamento dos órgãos doados, ou seja, aceitar órgãos que, embora considerados não ideais, ajudariam a salvar vidas. Ele havia acabado de convocar uma reunião em que mostrara dados bastante desalentadores sobre o aproveitamento de órgãos no estado: dos 618 rins ofertados ao longo de 2021, 376 (60,8%) haviam sido recusados pelas equipes de transplante. Essa situação foi considerada “inaceitável”, já que pessoas morrem todos os anos à espera de um órgão.

Doutor Jonas tinha conhecimento de experiências internacionais bem-sucedidas com o aproveitamento de órgãos de doadores idosos. Havia lido recentemente um estudo da Espanha sobre o transplante de órgãos de pessoas de 85 anos em pacientes também idosos, no âmbito de uma política chamada “Old for Old”. Mas esse não era o caso de Carlos, cuja idade era 40 anos apenas e cuja opção era um rim de um doador de 68 anos. Não era uma decisão simples! Jonas tinha conhecimento de outra equipe de transplante mais “arrojada”, que aceitava rins de pacientes com mais de 60 anos. Assim, entrou em contato com um colega dessa equipe para saber sobre os indicadores. Ficou positivamente surpreso: em 2020, a taxa de sobrevida dos pacientes foi de 81% e dos enxertos de 93%. Não eram números ruins, mas não tão bons como os seus.

Jonas estava envolto em pensamentos quando foi interrompido pelo toque de seu celular. Era a CET-SC novamente, solicitando uma posição imediata. Um rim só poderia ficar fora do corpo, sem a circulação de sangue, por 36 horas, no máximo. E aquele era um órgão de um paciente idoso, mais perecível. O processo de consultar os pacientes acima de Carlos na fila de espera havia consumido muito tempo. Restavam apenas 12 horas para que o transplante fosse realizado. Caso contrário, o rim de Sebastião estaria irreversivelmente perdido. Mas o que seria melhor para Carlos? Aceitar ou recusar o rim agora? Haveria uma oferta de um órgão ideal em um horizonte próximo? Um rim ideal depende de vários fatores relacionados ao doador, como tempo de internação, idade, ausência de comorbidades significativas e ausência de processos infecciosos. Além de serem muitas as variáveis, é muito difícil prever quando todas serão atendidas.

Jonas sentia falta de indicadores que ajudassem nessa decisão, algo do tipo “órgãos não ideais em média duram X% menos anos e resultam em qualidade de vida Y% pior”. Tais dados, no entanto, não existiam. Informações a esse respeito vinham da literatura médica. Um artigo muito citado estimara alguns indicadores para pacientes dos Estados Unidos (Ojo et al., 2001Ojo, A. O., Hanson, J. A., Meier-Kriesche, H.-U., Okechukwu, C. N., Wolfe, R. A., Leichtman, A. B., Agodoa, L. Y., Kaplan, B., & Port, F. K. (2001). Survival in recipients of marginal cadaveric donor kidneys compared with other recipients and wait-listed transplant candidates. Journal of the American Society of Nephrology, 12(3), 589-597. https://doi.org/10.1681/asn.v123589
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). O estudo comparou resultados de pacientes que não foram transplantados e permaneceram em diálise (Di), com pacientes que receberam rim limítrofe (TRL) e com pacientes que receberam um rim ideal (TRI). Os pacientes que receberam o órgão não ideal tiveram, em cinco anos, taxa de sobrevida de 74%, enquanto a sobrevida dos enxertos nesse período foi de 53%. Os pacientes que receberam o rim ideal no mesmo período tiveram sobrevida de 67% e os enxertos, 80%3 3 O estudo teve significância estatística adequada, com p<0,001. . A taxa de mortalidade anual ajustada foi de 6,3% para pacientes em diálise, 4,7% para pacientes que receberam o órgão não ideal e 3,3% para os receptores de rim ideal. Já o tempo de vida restante estimado foi de cerca de 15 anos para os pacientes em diálise e de 20 e 29 anos para os receptores de rins não ideais e ideais respectivamente. Esses resultados indicavam que o transplante de um rim limítrofe está associado a um benefício não somente significativo na sobrevida quando comparado à diálise de manutenção, como também o mais relevante: a qualidade de vida do paciente.

AGORA

Sob o aspecto legal, Jonas poderia realizar o transplante, desde que o paciente também desse seu aval. O médico tinha certeza absoluta de que Carlos iria concordar e ficar bastante entusiasmado ao vislumbrar uma rotina diferente para sua vida. Mas, pensava o médico, Carlos não tinha ciência de todas as implicações técnicas conhecidas por ele. Nesse caso, estaria ele preocupado demais com indicadores e deixando de empatizar com seu paciente?

Jonas tentava ponderar as variáveis, mas a voz insistente que saía do celular interrompia sua linha de pensamento: “Doutor Jonas, qual sua posição: aceita ou não este órgão? Precisamos de sua resposta para dar andamento no processo e não perder este rim. Temos outras pessoas na fila, caso o senhor não aceite. Doutor Jonas, está na linha?”

NOTAS DE ENSINO

Objetivos educacionais

Trata-se de um Armchair case, escrito com base em dados fictícios, embora realistas, originados da experiência dos autores na gestão de casos da área da Saúde. O objetivo pedagógico está em discutir em sala de aula conceitos de julgamento e tomada de decisão (JTD) em casos de transplante de órgãos. O ponto de vista priorizado é o do transplantador, ou seja, dos profissionais de saúde responsáveis pela decisão de aceitar ou recusar um órgão para transplante. Espera-se que os critérios considerados em tal decisão sejam discutidos pelos alunos, com suas diferentes interpretações. O caso pode ser programado em disciplinas de pós-graduação dedicadas aos temas de JTD (até mesmo não relacionadas ao setor de saúde), gestão de serviços de saúde, ou gestão de serviços públicos.

Fontes de informação

Foram utilizados dados primários e secundários para a elaboração deste caso. Os dados primários foram obtidos com a experiência de vários anos de um dos autores, que é coordenador de uma central de transplantes no Brasil. Os dados primários, que permitiram principalmente entender o processo de decisão sobre o aceite de órgãos doados, foram complementados por dados secundários sobre a doação de órgãos, os quais podem ser acessados e verificados nas notas ao final do texto do próprio caso.

PLANO DE ENSINO

O caso se beneficiará da adoção de um processo de ensino centrado no participante, conforme será esclarecido no plano de ensino apresentado nesta sessão. Não existe uma maneira única de utilizá-lo; ele poderá ser complementado por leituras prévias ou posteriores. O caso visa trazer conceitos da área de JTD para a discussão dos alunos em um contexto de uma decisão crítica (visto que pode resultar em vida ou morte para um paciente) e com diferentes stakeholders. Tais conceitos estão apresentados de modo didático em diversos livros. Duas boas indicações são Bazerman e Moore (2012Bazerman, M., & Moore, D. (2012). Judgment in managerial decision making(8a ed.). New Jersey: Wiley.) e Kahneman (2013Kahneman, D. (2013). Thinking fast and slow. New York: Farrar, Strauss and Giroux.). Outras indicações de leitura surgirão a seguir, à medida que diferentes temas de discussão forem abordados.

É recomendável que o professor oriente uma preparação prévia individual para a sessão na qual o caso será abordado, na medida em que essa prática sempre enriquece a discussão do caso em sala de aula. Diante do exposto, as seguintes questões de preparação (assignment questions) são sugeridas:

  1. Como você avalia a hesitação do doutor Jonas sobre o órgão a ser transplantado?

  2. Se você estivesse no lugar do médico, abordaria a situação de modo diferente? Por quê?

  3. Quais critérios deveriam influenciar a decisão de aceitar ou não um órgão para transplante? É possível evitar o “desperdício” de órgãos para doação?

Antes do início da sessão plenária, os alunos devem ser organizados em grupos para discussão. O número de alunos por grupo depende do tamanho de cada turma. Idealmente, grupos de quatro até sete alunos funcionam bem. Considerando que os alunos já tenham lido previamente o caso (e idealmente tenham refletido sobre as questões de preparação), esta discussão pode ser agendada para ter duração de 20 a 30 minutos. O professor pode passar por cada grupo para estimular a discussão, reforçar as questões de preparação e manter o foco dos alunos. Em seguida, o caso será discutido por todos em plenária e o tempo planejado para isso pode variar de 70 a 90 minutos, de acordo com o tempo disponível para a sessão e os interesses didáticos do professor. A seguir, será sugerida subdivisão do tempo de acordo com os temas discutidos.

Abertura da discussão do caso em plenária (15 minutos)

A abertura da discussão deve ser utilizada para que os alunos percebam que, embora o tema seja delicado, precisa ser discutido e tratado. Possivelmente, falar ou pensar sobre o assunto seja difícil para algumas pessoas, de modo que elas não gostem de fazê-lo. Alguns alunos podem trazer experiências pessoais marcantes (conhecer alguém na fila de espera por um transplante; ter vivido a situação de doação de órgão de algum familiar próximo) e compartilhar seus sentimentos e receios. Também deve ficar clara a dificuldade de se chegar a uma decisão “ótima” segundo diferentes pontos de vista. Existem diferentes fatores que devem ser considerados, bem como diferentes objetivos por parte dos stakeholders. Para iniciar a discussão, o professor pode fazer algumas das seguintes perguntas:

  1. Qual sua opinião sobre a doação de órgãos?

  2. Devemos aproveitar órgãos de pacientes idosos para transplantes?

O professor perceberá que uma entre duas posturas pode ser adotada pelos alunos. Embora conflitantes, propiciam excelente “aquecimento” para a discussão do caso:

  1. Manter distanciamento da situação e ser mais “racional”, o que geralmente leva à escolha pelo aproveitamento de órgãos de pacientes idosos, a fim de fazer “andar a fila” e salvar mais vidas.

  2. Colocar-se na posição do médico (ou até do paciente). Para os que se colocam na posição do médico, a tendência é hesitar em aceitar um órgão que não seja o ideal. Na posição do paciente, as opiniões ficam mais divididas, a depender das preferências individuais (“quero diminuir a incerteza” versus “o ótimo é inimigo do bom”).

No caso raro (em nossa experiência) de a turma manifestar, de início, unanimidade em relação a alguma das posições acima, cabe ao professor fazer o papel de “advogado do diabo” e defender a outra posição.

Existem ainda duas excelentes alternativas para iniciar a discussão do caso visando a maior engajamento, especialmente para turmas mais jovens:

  1. Pedir, de antemão, que um aluno faça o papel do médico (“Dr. Jonas”) e outro, do paciente (“Carlos”). No momento da plenária, tais alunos podem encenar um diálogo sobre a decisão a ser tomada. O professor pode instruir, de antemão, a interpretação dos papéis por cada aluno.

  2. Dividir a turma em duplas, para que a conversa entre o Dr. Jonas e Carlos aconteça simultaneamente em cada dupla. Orientar os alunos a falar baixo é uma boa maneira de garantir que a turma esteja falando ao mesmo tempo, de modo ordenado. Alguns alunos podem ainda fazer o papel de observadores da conversa.

Caso se opte por este tipo de dinâmica (role playing game), o professor deve adicionar, pelo menos, cinco a dez minutos para essa etapa.

Ao final da abertura, devem estar (idealmente) listados no quadro (ver Apêndice A) os prós e contras do aceite de órgãos por critérios expandidos e as motivações dos principais stakeholders (o cirurgião e o paciente). Os apêndices ao final destas notas de ensino podem constituir o plano do quadro da sala de aula durante a discussão do caso em plenária.

Questões para discussão

São apresentadas agora as questões (discussion questions) que irão guiar o restante da discussão em plenária. Elas serão respondidas pelos alunos por meio de debate coordenado pelo professor, que pode propor questões de transição (transition questions) para guiá-los nesta discussão.

  1. Como tomamos decisões?

  2. Quais são e como funcionam as principais heurísticas de decisão?

  3. Quais vieses podem surgir na decisão de aceitar um órgão por critérios expandidos?

  4. Como ter um processo decisório aprimorado?

Análise do caso com suporte da literatura

A análise do caso evidencia a decisão que precisa ser tomada pelo médico Jonas: aceitar ou recusar um rim de um doador falecido, já idoso, para transplante em seu paciente, Carlos, que espera na fila de doação há cinco anos. Este é o foco do caso de ensino e envolve entender como nossos cérebros se desviam com muita facilidade de processos racionais quando há incerteza envolvida. Ressaltando-se que sempre haverá incerteza.

Questão 1: Como tomamos decisões (20-25 minutos)

JTD é um campo formal, cujos princípios e descobertas são aplicáveis a uma ampla gama de setores (como Saúde, Direito ou Contabilidade, entre outros). Na Administração e nos Negócios, processos de JTD são onipresentes em situações de gestão, como em planejamento estratégico, marketing, finanças ou operações. Buchanan e O’Connell (2006Buchanan, L., & O Connell, A. (2006). A brief history of decision-making. Harvard Business Review, 84(1), 32. https://hbr.org/archive-toc/BR0601
https://hbr.org/archive-toc/BR0601...
) oferecem uma visão evolutiva histórica do campo.

O estudo de JTD tem duas abordagens principais: normativa e descritiva. A abordagem normativa centra-se em como as decisões devem ser tomadas e segue, muitas vezes, modelos prescritivos da Economia Clássica, baseando-se no princípio de que tomadores de decisão são seres sempre “racionais” (ou “maximizadores” de utilidade). A abordagem descritiva visa compreender como as decisões são efetivamente tomadas e se baseia na Economia Comportamental, que incorpora muitos conceitos da psicologia para analisar o comportamento humano. Consulte, por exemplo, Bazerman e Moore (2012Bazerman, M., & Moore, D. (2012). Judgment in managerial decision making(8a ed.). New Jersey: Wiley.), Kahneman (2013Kahneman, D. (2013). Thinking fast and slow. New York: Farrar, Strauss and Giroux.), e Thaler (2015Thaler, R. (2015). Misbehaving: The making of behavioral economics. W.W. Norton & Company.).

Este caso permite a discussão de ambas as abordagens e seu foco recai nas questões comportamentais da tomada de decisão, fundamentais para entender um processo complexo como o de doação e transplante de órgãos. Para que os alunos possam iniciar a discussão sobre a decisão do doutor Jonas de aceitar ou não o órgão disponível, pode ser feita a seguinte questão de transição.

[QT1]: O doutor Jonas está seguindo um processo “racional” de decisão?

Como precisamos tomar diversas decisões diariamente, as demandas sistemáticas e demoradas de um processo de decisão absolutamente racional não são viáveis. As decisões mais significativas são feitas por julgamento pessoal e, não, por um modelo prescritivo definido (Bazerman & Moore, 2012Bazerman, M., & Moore, D. (2012). Judgment in managerial decision making(8a ed.). New Jersey: Wiley.). Kahneman (2013Kahneman, D. (2013). Thinking fast and slow. New York: Farrar, Strauss and Giroux.) introduz o conceito de dualidade dos processos mentais para um público mais amplo, chamando de Sistema 1, nosso pensamento “rápido”, intuitivo e mais sujeito a erros; e de Sistema 2, nosso pensamento “lento”, laborioso e mais confiável. Embora exista um debate continuado sobre tal proposição (De Neys, 2021De Neys, W. (2021). On dual- and single-process models of thinking. Perspectives on Psychological Science, 16(6), 1412-1427. https://doi.org/10.1177/1745691620964172
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), a divisão em dois tipos de pensamento é considerada dominante na Psicologia e na Economia Comportamental (Evans & Stanovich, 2013Evans, J., & Stanovich, K. (2013). Dual-process theories of hgher cognition: Advancing the debate. Perspectives on Psychological Science, 8(3), 223-241. https://doi.org/10.1177/1745691612460685
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; Grayot, 2020Grayot, J. (2020). Dual process theories in behavioral economics and neuroeconomics: A critical review. Review of Philosophy and Psychology, 11, 105-136. https://doi.org/10.1007/s13164-019-00446-9
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).

Os Sistemas 1 e 2 estão ativos quando estamos acordados. O Sistema 1 é executado automaticamente, enquanto o Sistema 2 permanece em um modo confortável de baixo esforço. O Sistema 1 gera continuamente sugestões para o Sistema 2, que, se endossadas, tornam impressões, sentimentos e intuições em crenças, e impulsos, em ações. Em contexto normal, o Sistema 2 adota as sugestões do Sistema 1 com pouca modificação - você geralmente acredita em suas impressões e age de acordo com seus desejos e isso é, normalmente, positivo. O Sistema 2 sempre é mobilizado quando surge uma pergunta para a qual o Sistema 1 não oferece uma resposta rápida ou quando você fica surpreso. O Sistema 2 também monitora o seu próprio comportamento e geralmente tem a última palavra. Em suma, agindo em conjunto, os Sistemas 1 e 2 gerenciam nossa tomada de decisão e sua divisão de trabalho tende a ser eficiente para minimizar nosso esforço e nos permitir lidar com a complexidade do mundo e a necessidade de tomar decisões a cada instante. O problema é que o Sistema 1, para ganhar tempo, tende a substituir perguntas mais complexas por outras mais simples, as heurísticas, e acaba cometendo erros sistemáticos, os vieses (Kahneman, 2013Kahneman, D. (2013). Thinking fast and slow. New York: Farrar, Strauss and Giroux.).

Para o doutor Jonas seguir um processo absolutamente racional de tomada de decisão, teria de ser capaz de (1) definir o problema com absoluta precisão, (2) identificar todos os critérios, (3) ponderar os critérios, (4) gerar alternativas, (5) avaliar cada alternativa de acordo com cada critério e, finalmente, (6) calcular a solução ideal (Bazerman & Moore, 2012Bazerman, M., & Moore, D. (2012). Judgment in managerial decision making(8a ed.). New Jersey: Wiley.). Entretanto, ele não dispõe de todas as informações relevantes para seguir esse processo. Por exemplo, Carlos pode encarar o problema e os critérios de decisão de modo diferente dele. Qual peso Carlos atribuiria a um rim mais “usado” comparado ao peso atribuído pelo médico? O quão útil será para ele um rim ideal em comparação com um rim com critério expandido? Como comparar a vida de Carlos pós-transplante (se bem-sucedido), com sua qualidade de vida atual na rotina das diálises? Além disso, Jonas não sabe exatamente quando um órgão ideal estará disponível ou se não ocorrerá um novo problema, como anteriormente, no momento de fazer o transplante. Ao longo desta discussão, o professor pode colocar no quadro as incertezas existentes no processo e esboçar uma árvore para esta decisão, enfatizando que o futuro é imprevisível (ver Apêndice B). A respeito de incerteza, Weisberg (2014Weisberg, H. (2014). Willful Ignorance: the mismeasure of uncertainty. Wiley.) elaborou um texto instigante.

Questão 2: Quais são e como funcionam as principais heurísticas de decisão? (20-25 minutos)

Quando o Sistema 1 não encontra uma resposta satisfatória para uma pergunta difícil, nosso cérebro irá encontrar uma pergunta relacionada que é mais fácil e a responderá em substituição. Ou seja, a pergunta alvo é a avaliação que pretendíamos produzir, enquanto a pergunta heurística é a pergunta mais simples que acabamos por responder. Por exemplo, uma pergunta difícil seria “Você é feliz?”. Precisaríamos começar tentando definir o que é felicidade; depois, se nos encaixamos em todos os quesitos para podermos nos considerar felizes. No entanto, a sensação de felicidade é fluida. Desse modo, é mais fácil responder à pergunta: “Você está feliz com sua vida atualmente?” (Kahneman, 2013Kahneman, D. (2013). Thinking fast and slow. New York: Farrar, Strauss and Giroux.).

Assim, podemos pensar em uma questão de transição para estimular o debate deste tópico:

[QT2]: No que pode estar pensando o doutor Jonas para tomar a decisão de aceitar ou não o rim de Tião? O que Carlos pode pensar de diferente sobre a mesma decisão?

No caso do doutor Jonas, podemos relacionar seu pensamento a duas das heurísticas mais comuns: a da disponibilidade e a da representatividade (Tversky & Kahneman, 1974Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131. https://www.science.org/doi/10.1126/science.185.4157.1124
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). Outra heurística a ser considerada é a Heurística do Afeto (Kahneman, 2013Kahneman, D. (2013). Thinking fast and slow. New York: Farrar, Strauss and Giroux.). Aqui o professor pode trazer um quadro (ver Quadro A no Apêndice C) em uma transparência, com a coluna da direita em branco para ser preenchida pelos alunos em sala de aula.

A Heurística da Disponibilidade leva médicos a fazerem julgamento da probabilidade de um evento acontecer com base em sua experiência anterior em situação semelhante, resultando em uma geração de hipótese com confiança distorcida. A Heurística da Representatividade é o aumento da probabilidade de os médicos utilizarem um protocolo para o diagnóstico com ênfase exagerada em aspectos particulares de sua avaliação, de modo a apoiar sua hipótese, levando à classificação incorreta por excesso de confiança na prevalência de algumas condições como explicativas do fenômeno observado. Já a presença de emoções fortes afeta bastante a cognição dos tomadores de decisão.

Questão 3: Quais vieses podem aparecer na decisão de aceite de um órgão por critério expandido? (20-25 minutos)

Uma heurística é uma regra, estratégia ou atalho mental que se pode usar a fim de achar uma solução para um problema. Heurísticas podem nos ajudar a entender o mundo de uma forma confiável e reduzir nossa carga mental. No entanto, elas nem sempre são perfeitas e há uma tendência de usá-las inadequadamente para formar crenças. Um erro sistemático que resulta do uso de uma heurística é chamado de viés cognitivo (Kahneman, 2013Kahneman, D. (2013). Thinking fast and slow. New York: Farrar, Strauss and Giroux.).

Vale notar, com a ressalva de não se tratar de um repositório com rigor acadêmico, que a Wikipedia traz uma lista abrangente e continuamente atualizada de centenas de vieses cognitivos, com referências e exemplos (Wikipédia, 2024Wikipédia. (2024). List of cognitive biases. https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_cognitive_biases
https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_co...
).

Uma questão de transição para aprofundar a discussão seria:

[QT3]: Quais erros o doutor Jonas estaria cometendo ao tomar esta decisão? E Carlos?

Novamente recomendamos que o professor traga um quadro (ver Quadro B no -D) que apresente alguns vieses que podem ser discutidos neste caso, deixando a coluna da direita em branco para ser preenchida pelos alunos em sala de aula. Existem múltiplas possibilidades de vieses e nossas sugestões não são exaustivas.

Questão 4: Como ter um processo decisório aprimorado? (20-25 minutos)

Finalmente, é hora de os alunos discutirem como evitar erros em uma decisão desse tipo e como aprimorar o processo como um todo. Uma questão de transição seria:

[QT4]: É possível estabelecer uma política geral para casos como este? Qual seria?

A educação é um caminho mais amplo para mitigar o impacto de vieses. São passos importantes aprender sobre vieses e seus riscos e identificar situações em que eles são mais prováveis de ocorrer ou em quais situações as consequências serão mais graves. Kahneman (2013Kahneman, D. (2013). Thinking fast and slow. New York: Farrar, Strauss and Giroux.) apontou que o foco no erro não deprecia a inteligência, assim como a atenção às doenças nos textos médicos não é contrária à boa saúde. Para realizar um bom diagnóstico, um médico precisa adquirir um grande conjunto de rótulos de doenças, pois cada um deles vincula uma ideia da doença com seus sintomas, possíveis antecedentes e causas, possíveis desenvolvimentos e intervenções para curar ou mitigar a doença. Aprender medicina consiste, em parte, em aprender a linguagem da medicina. Já erros sistemáticos são vieses que se repetem de forma previsível em circunstâncias específicas. A maioria de nossos julgamentos e ações é, geralmente, apropriada, mas a confiança em uma heurística produz um viés previsível nos julgamentos. A ideia de que nossas mentes são suscetíveis a vieses é usualmente aceita, porém, é mais fácil identificar e rotular os erros dos outros do que reconhecer os próprios. Assim os alunos irão apontar com muito mais facilidade o que o doutor Jonas e Carlos podem fazer de errado, mas terão mais dificuldade na hora de se colocar no papel de alguém que deverá evitar tais erros.

Uma discussão que pode surgir envolve a dicotomia entre (1) deixar a responsabilidade com o médico transplantador e (2) criar um protocolo aprimorado para informar a tomada de decisão. Acreditamos ser difícil no curto prazo tirar o poder de decisão do médico e, até mesmo, indesejável. No entanto, conhecer (e informar aos tomadores de decisão) parâmetros de utilização com bons resultados de órgãos não ideais é um caminho promissor para reduzir desperdícios de órgãos, salvar vidas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Autores como Marewski e Gigerenzer (2012Marewski, J., & Gigerenzer, G. (2012). Heuristic decision making in medicine. Dialogues in Clinical Neuroscience, 14(1), 77-89. https://doi.org/10.31887/DCNS.2012.14.1/jmarewski
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) defendem que médicos utilizem de heurísticas de simples aplicação para terem resultados melhores em diferentes tratamentos. Aliás, é importante não confundir o tratamento que alguns autores, como o próprio Gigerenzer (1991), dão a tais heurísticas com os efeitos negativos possíveis das heurísticas apontadas por Kahneman (2013Kahneman, D. (2013). Thinking fast and slow. New York: Farrar, Strauss and Giroux.). Simplificar decisões frente à incerteza é inevitável para os seres humanos, de modo que heurísticas sempre ocorrerão. Deve-se ter cuidado, nesse caso, para que elas não produzam erros sistemáticos (os vieses). Assim, a recusa sistemática de órgãos não ideais parece ser um viés ainda comum na comunidade médica.

Uma discussão de caso não sugerirá, ao final, a decisão “certa”, em virtude de todos os fatores incertos que podem afetá-la. Entretanto, os alunos saem com diversos caminhos de aprendizagem sobre o tema e de aprimoramento do seu processo decisório (mesmo que sejam alunos de áreas que não pertençam à gestão de saúde). Talvez, o mais importante é que os alunos saiam da sessão refletindo sobre o caso e seus dilemas, pois este é um sinal de que a discussão do tema transcendeu a sala de aula.

Opcionalmente, pode ser incluído um “encerramento”, dependendo do tempo restante da sessão. Ele pode ser usado pelo professor para revisitar de modo mais estruturado os principais conceitos abordados durante a discussão. Entretanto, assim como ocorre na discussão de um caso, é preciso advertir que estas próprias notas de ensino terminam por apontar caminhos, sem, no entanto, esgotá-los.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo financiamento.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    No Brasil, a doação de órgãos é tratada na Portaria de Consolidação No 4, de 28 de setembro de 2017. O documento inclui a Portaria Nº 2.600, de 21 de outubro de 2009, que aprova o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes. Na Seção I, Módulo de Rim, consta o Art. 59. “Para oferecer outras opções ao atendimento à lista única de potenciais receptores de rim poderão ser utilizados doadores com critérios expandidos, devendo, neste caso, ser obedecido o estabelecido no art. 40. § 1º A manifestação expressa de que trata o caput deste artigo deverá ser baseada em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a respeito do uso de órgãos de doador com critério expandido, firmado pelo receptor. § 2º Os doadores com critérios expandidos de rim podem ser utilizados a critério da equipe transplantadora [...]”. A decisão é tomada dentro dos critérios técnicos, expandidos ou não. O Código de Ética Médica brasileiro, com relação a transplantes, trata no capítulo VI especificamente de condutas vedadas aos médicos, como comercialização de órgão ou tecido humano (Conselho Código de Ética Médica, 2019Código de Ética Médica - Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e n o 2.226/2019. (2019). Conselho Federal de Medicina. https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf
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    ).
  • 2
    Foram realizados 6.283 transplantes renais em uma demanda de 12.510 rins. Esses são os dados numéricos da doação de órgãos e transplantes realizados por estado e instituição no período de janeiro a dezembro de 2019 (Registro Brasileiro de Transplantes [RBT], 2019Registro Brasileiro de Transplantes. (2019). RBT. http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2019/RBT-2019-completo.pdf
    http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/fi...
    ).
  • 3
    O estudo teve significância estatística adequada, com p<0,001.
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS

    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

PARECERISTAS

  • 14
    Eduardo Guedes Villar (Instituto Federal de Santa Catarina / Caçador, SC - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5005-4099
  • 15
    Gilnei Luiz de Moura (Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria / RS - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4359-0365

RELATÓRIO DE REVISÃO POR PARES

  • 16
    O relatório de revisão por pares está disponível neste URL: https://periodicos.fgv.br/cadernosebape/article/view/90536/85321

APÊNDICE A - ABERTURA (EXEMPLO DO QUADRO, NÃO EXAUSTIVO)

PRÓS do aceite de órgãos por critérios expandidos:

  • Reduziria a fila de espera por um transplante.

  • Salvaria vidas.

  • Indicadores de sobrevivência são melhores do que diálise.

  • Qualidade de vida é melhor do que diálise.

CONTRAS do aceite de órgãos por critérios expandidos

  • Órgãos podem ter vida útil menor.

  • Aumenta o risco de o transplante fracassar.

  • Possibilidade de piorar histórico das equipes de transplantes - impacto no credenciamento.

  • Probabilidade de aumentar custos posteriores para o sistema de saúde do país.

APÊNDICE B

Anatomia da Decisão

  • Qual o problema => Salvar (e melhorar a qualidade de) vida de Carlos.

  • Quais os critérios para a decisão => Anos adicionais para Carlos, qualidade desses anos, indicadores da equipe de transplante, custos do sistema de saúde. Outros?

  • Quais critérios são mais importantes? Para quem?

  • Quais as alternativas? Esboçar árvore de decisão.

  • Como avaliar alternativas? Qual a solução ideal?

Incertezas deste processo

  • Qual a chance de sucesso de transplante feito com órgão ideal versus não ideal?

  • Qual a qualidade de vida pós-transplante? Como se compara com diálise?

  • Quão bom será o órgão de Tião para Carlos?

Esboço de Árvore de Decisão (a ser pensada pelo instrutor antes da aula, caso tenha interesse em abordar também este tema, que está fora do escopo destas notas de ensino)

  • Nó de decisão inicial: aceitar ou não o rim de Sebastião.

  • Se aceitar: nó de incerteza com diferentes cenários (rim funciona muito bem, rim funciona pior que um órgão ideal, rim funciona mal). Cada cenário implica diferentes anos de vida restantes e suas probabilidades podem ser discutidas baseando-se na literatura disponível (ver referências específicas sobre Transplante de Órgãos com Critérios Expandidos sugeridas anteriormente). Acreditamos que este ponto só será relevante para turmas com especialização avançada na área da Saúde.

  • Se não aceitar: nó de incerteza com diferentes cenários (rim ideal fica disponível por até um ano; rim ideal fica disponível entre 1 e x anos; rim ideal não fica disponível). Como cada cenário também implica diferentes anos de vida restantes, pode-se tentar estimar suas probabilidades.

  • É importante notar que uma Árvore de Decisão, neste caso, jamais irá indicar uma solução ótima inequívoca, mas apenas informar melhor o tomador de decisão sobre as incertezas de todo o processo e os dados que deveriam ser considerados.

  • Analisando a situação sob a ótica tanto da sociedade quanto do paciente, parece ser claro que o transplante deveria ser feito. Entretanto, é importante ponderar as considerações médicas do Dr. Jonas, embora se possa questionar a preocupação talvez excessiva com seus índices de sucesso.

APÊNDICE C

Quadro A
Principais heurísticas de decisão

APÊNDICE D

Quadro B
Possíveis vieses

Editado por

Hélio Arthur Reis Irigaray (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9580-7859
Fabricio Stocker (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6340-9127

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2023
  • Aceito
    11 Set 2023
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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