Acessibilidade / Reportar erro

Moral tributária e o cidadão brasileiro: estudo empírico

La moral tributaria y el ciudadano brasileño: estudio empírico

Resumo

Este estudo analisa a moral tributária do cidadão brasileiro, almejando quantificá-la, bem como identificar se existe diferença na moral tributária no que tange às características sociodemográficas. A moral tributária é um importante determinante do cumprimento da legislação fiscal, portanto, aferi-la e avaliar cada aspecto que a determina possibilita traçar estratégias e assegurar melhor conformidade fiscal. O período compreendido foi de maio a agosto de 2017 e a pesquisa teve 679 participantes. O questionário, adaptado de Torgler, Schaffner e Macintyre (2007), com perguntas objetivas de múltipla escolha, possibilitou a coleta de dados de pessoas físicas e foi aplicado indiretamente, de maneira eletrônica, e validado com base no coeficiente alfa de Crombach. Os resultados evidenciaram, em termos médios, uma percepção neutra ou parcialmente contrária à prática da evasão fiscal. No que diz respeito ao gênero, os resultados indicam que, em geral, as mulheres têm maior moral tributária do que os homens; já em relação à religião, restou demonstrado que os espíritas têm maior moral tributária em comparação com os participantes que declararam outras religiões; no que concerne à educação, percebeu-se que quanto maior a instrução formal, maior a moral tributária. Conclui-se que os resultados obtidos são pertinentes e significativos e, certamente, ajudam a compreender o desafio do compliance tributário, assim como podem subsidiar novas investigações acerca do tema, dada sua relevância teórica e social e o pioneirismo desta iniciativa de pesquisa no Brasil.

Palavras-chave:
Moral tributária; Conformidade fiscal; Evasão fiscal

Resumen

Este estudio analiza la moral tributaria del ciudadano brasileño, con el objetivo de cuantificarla, así como para identificar si hay una diferencia en la moral tributaria en lo que respecta a las características sociodemográficas. La moral tributaria es un determinante importante del cumplimiento de la legislación fiscal, por lo tanto, cotejarla y evaluar cada aspecto que la determina, permite elaborar estrategias y garantizar una mejor conformidad fiscal. El período de la encuesta fue entre los meses de mayo y agosto del año 2017, con 679 participantes. El cuestionario adaptado de Torgler, Schaffner y MacIntyre (2007), con preguntas objetivas de elección múltiple, permitió la recolección de datos de personas físicas, se aplicó indirecta y electrónicamente, y se validó por el uso del coeficiente alfa de Crombach. Los resultados mostraron, en términos medios, una percepción neutra o parcialmente contraria a la práctica de la evasión fiscal. En lo que se refiere al género, los resultados indican que las mujeres generalmente tienen una mayor moral tributaria que los hombres. Por otro lado, con relación a la religión, se ha demostrado que los espiritistas tienen una mayor moral tributaria en comparación con los participantes que han declarado otras religiones; En lo que respecta a la educación, se ha observado que cuanto más alta es la educación formal, mayor es la moral tributaria. Se concluye que los resultados obtenidos son relevantes y significativos, y sin duda ayudan a comprender mejor el reto del cumplimiento tributario, así como pueden contribuir a nuevas investigaciones sobre el tema, dada la relevancia teórica y social y el carácter inédito en Brasil.

Palabras clave:
Moral tributaria; Cumplimiento fiscal; Evasión fiscal

Abstract

This study analyzes the tax morals of the Brazilian citizen, aiming to measure its level, as well as if there is a difference of the tax morals in the sociodemographic characteristics. Tax morale is an important determinant of compliance with tax legislation, so measuring it and evaluate each aspect that determines it allows to strategize and ensure better fiscal conformity. The research period was between May and August 2017, with 679 participants. The questionnaire adapted from the work of Torgler, Schaffner, and MacIntyre (2007), with multiple choice objective questions allowed the collection of data from individuals and was applied indirectly, electronically, validated by the use of the Cronbach’s alpha. The results showed in medium terms a neutral or partially contrary perception of the practice of tax evasion. As far as gender is concerned, the results indicate that women generally have higher tax morals than men. Regarding religion it has been demonstrated that spiritualists have higher tax morals compared to participants from other religions. As for education, the higher the formal education, the higher the tax moral. The results are relevant and meaningful, and help to better understand the challenge of tax compliance, as well as offer elements to insire future research on the subject, considering its theoretical and social relevance, and the fact that it is little studied in Brazil.

Keywords:
Tax morals; Fiscal compliance; Tax evasion

INTRODUÇÃO

Este estudo se propõe a analisar a moral tributária do cidadão brasileiro. Seu objetivo essencial é oferecer um instrumento para quantificá-la e traçar um diagnóstico preliminar dessa mesma moral, no que tange às características sociodemográficas.

Gerstenblüth, Melgar, Pagano et al. (2012GERSTENBLÜTH, M. et al. How do inequality affect tax morale in Latin America and Caribbean? Revista de Economía del Rosario, v. 15, n. 2, p. 123-135, 2012.), Doerrenberg e Peichl (2013DOERRENBERG, P.; PEICHL, A. Progressive taxation and tax morale. Public Choice, v. 155, n. 3-4, p. 293-316, 2013.), Luttmer e Singhal (2014LUTTMER, E. F. P.; SINGHAL, M. Tax morale. Journal of Economic Perspectives, v. 28, n. 4, p. 149-168, 2014.), Alm e McClellan (2012ALM, J.; McCLELLAN, C. Tax morale and tax compliance from the firm’s perspective. Kyklos, v. 65, n. 1, p. 1-17, 2012.), Filippin, Fiorio e Viviano (2013FILIPPIN, A.; FIORIO, C. V.; VIVIANO, E. The effect of tax enforcement on tax morale. European Journal of Political Economy, v. 32, p. 320-331, 2013.) e Horodnic (2018HORODNIC, I. A. Tax morale and institutional theory: a systematic review. International Journal of Sociology and Social Policy, v. 38, n. 9-10, 2018.) são alguns dos autores que, por meio de seus estudos, apontam a moral tributária como importante determinante do cumprimento fiscal, de sorte que a análise desse construto pode ajudar a compreender melhor o comportamento do contribuinte. É percebido o posicionamento de diversos pesquisadores no que concerne à importância da moral tributária, definida como motivação para o pagamento de tributos, um fator determinante que afeta tanto a evasão quanto o cumprimento fiscal (DOERRENBERG e PEICHL, 2013DOERRENBERG, P.; PEICHL, A. Progressive taxation and tax morale. Public Choice, v. 155, n. 3-4, p. 293-316, 2013.).

O Dicionário Priberam da língua portuguesa (PRIBERAM, 2017PRIBERAM. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. ENT#091;2017ENT#093;. Disponível em:<Disponível em:https://www.priberam.pt/dlpo/moral >. Acesso em: 12 jun. 2017.
https://www.priberam.pt/dlpo/moral...
) define moral como aquilo que procede com justiça, que é correto, decente, honesto, íntegro, justo e probo. Pode ser descrita, ainda, como um conjunto de valores de conduta humana e de bons costumes. Luttmer e Singhal (2014LUTTMER, E. F. P.; SINGHAL, M. Tax morale. Journal of Economic Perspectives, v. 28, n. 4, p. 149-168, 2014.) definem a moral tributária como o cumprimento voluntário da legislação fiscal, abrangendo motivações não pecuniárias. Gerstenblüth, Melgar, Pagano et al. (2012GERSTENBLÜTH, M. et al. How do inequality affect tax morale in Latin America and Caribbean? Revista de Economía del Rosario, v. 15, n. 2, p. 123-135, 2012.) explicam o termo como uma motivação intrínseca dos indivíduos para o pagamento de tributos. Doerrenberg e Peichl (2013DOERRENBERG, P.; PEICHL, A. Progressive taxation and tax morale. Public Choice, v. 155, n. 3-4, p. 293-316, 2013.) ratificam tal definição, indicando que essa motivação inerente surge de uma obrigação moral de pagar impostos, a fim de contribuir com a sociedade. Outrossim, Filippin, Fiorio e Vivianno (2013FILIPPIN, A.; FIORIO, C. V.; VIVIANO, E. The effect of tax enforcement on tax morale. European Journal of Political Economy, v. 32, p. 320-331, 2013.) apresentam a moral tributária como um fator não monetário e não relacionado com o sistema de recompensas e sanções. Estudos preliminares conceituam a moral tributária como uma obrigação interiorizada de pagar impostos (BRAITHWAITE e AHMED, 2005BRAITHWAITE, V.; AHMED, E. A threat to tax morale: the case of Australian Higher Education policy. Journal of Economic Psychology, v. 26, n. 4, p. 523-540, 2005.) ou um compromisso para com o dever cívico (ORVISKA e HUDSON, 2003ORVISKA, M.; HUDSON, J. Tax evasion, civic duty and the law abiding citizen. European Journal of Political Economy, v. 19, n. 1, p. 83-102, 2003.).

Torgler (2005TORGLER, B. Tax morale in Latin America. Public Choice, v. 122, n. 1-2, p. 133-157, 2005.) destaca, inclusive, a existência de uma correlação negativa entre a evasão fiscal e a moral tributária. O autor defende a ideia de que a evasão fiscal é um meio pelo qual os contribuintes podem manifestar sua insatisfação e antipatia para com o governo, seja pelo desempenho deficiente da administração pública, seja pela implementação de estruturas tributárias complexas. A concepção de que uma melhor gestão dos recursos públicos promove o aumento da moral tributária é objeto de estudo de Barone e Mocetti (2011BARONE, G.; MOCETTI, S. Tax morale and public spending inefficiency. International Tax Public Finance, v. 18, n. 732, p. 1-29, 2011.).

Ainda nesse contexto, Nichita e Batrâncea (2012NICHITA, R.-A.; BATRÂNCEA, L.-M. The implications of tax morale on tax compliance behavior. Annals of the University of Oradea: Economic Science Series, v. 21, n. 1, p. 739-744, 2012.) argumentam que existe uma correlação positiva entre a moral tributária e o cumprimento fiscal: a conformidade fiscal aumenta proporcionalmente conforme aumenta o grau de moral fiscal. Pope e Mohdali (2010POPE, J.; MOHDALI, R. The role of religiosity in tax morale and tax compliance. Australian Tax Forum, v. 25, n. 4, p. 565-596, 2010.) enfatizam, inclusive, que a cultura de um país e o comportamento individualizado de seus cidadãos são fatores sociológicos que contrabalanceiam com outros modelos econômicos, necessários para o estudo da moral tributária e, consequentemente, das causas que levam a não conformidade fiscal.

A relevância deste estudo se traduz no fato de que é necessária a compreensão de que a moral tributária pode ser destacada como um condicionante da conformidade fiscal, dentro de um contexto socioeconômico (NICHITA e BATRÂNCEA, 2012NICHITA, R.-A.; BATRÂNCEA, L.-M. The implications of tax morale on tax compliance behavior. Annals of the University of Oradea: Economic Science Series, v. 21, n. 1, p. 739-744, 2012.). Ademais, Doerrenberg e Peichl (2013DOERRENBERG, P.; PEICHL, A. Progressive taxation and tax morale. Public Choice, v. 155, n. 3-4, p. 293-316, 2013.) abordam a existência de fortes evidências, indicando que a moral tributária afeta o comportamento do cidadão no que tange ao pagamento de tributos. Reconhecer as determinantes da moral fiscal pode contribuir com o combate à evasão fiscal. Destarte, a discussão sobre a moral tributária tem ganhado cada vez mais relevância no cenário internacional, de sorte que pode ajudar a compreender quais fatores interferem na moral tributária do povo brasileiro.

Este estudo busca apropriar-se da realidade e difundir conhecimento, uma vez que a discussão sobre a moral tributária se revela importante para as observações de âmbito fiscal (SANTIAGO, 2015SANTIAGO, J. C. Moralidade tributária: um projeto de estudos para a fundamentação da tributação no Brasil. Revista de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento, v. 3, n. 3, p. 1-45, 2015.). Nesse sentido, busca contribuir com o fluxo de informações abordado pela literatura, na linha tributária. Trata-se de estudo inédito, no Brasil, que aplica, em um projeto piloto, um survey desenvolvido e aplicado por Torgler, Schaffner e Macintyre (2007TORGLER, B.; SCHAFFNER, M.; MACINTYRE, A. Tax compliance, tax morale and governance quality. St. Louis: Center for Research in Economics, Management and the Arts, 2007. (Working Paper Series, 2007-17).) para quantificar o conceito de moral tributária. Apesar dos resultados serem preliminares, há indícios de que a metodologia pode ser aplicada no Brasil, pois os resultados se mostraram claros e apresentam tendências que serão analisadas sob essa perspectiva.

REFERENCIAL TEÓRICO

Pesquisadores analisaram, em nível de detalhamento mais profundo, sofisticados modelos econômicos que buscavam explicar os motivos pelos quais os contribuintes evitavam pagar tributos, mas que não explicavam os altos graus de conformidade fiscal (LUTTMER e SINGHAL, 2014LUTTMER, E. F. P.; SINGHAL, M. Tax morale. Journal of Economic Perspectives, v. 28, n. 4, p. 149-168, 2014.; WILLIAMS e KRASNIQI, 2017WILLIAMS, C. C.; KRASNIQI, B, Evaluating the individual- and country-level variations in tax morale: evidence from 35 Eurasian countries. Journal of Economic Studies, v. 44, n. 5, 2017.).

Um deles, o modelo econômico do crime, elaborado por Becker (1968BECKER, G. S. Crime and punishment: an econometric approach. Journal of Political Economy, v. 76, p. 169-217, 1968.), destacou-se na abordagem inicial sobre a moral tributária. Sua pesquisa considerou a sanção o principal elemento de cerceamento da sonegação fiscal. Entretanto, a partir dessa exposição, a menção de tal variável viria a suscitar a necessidade de considerar a existência de fatores intrínsecos para a conformidade fiscal, uma vez que as abordagens padrão eram insuficientes para explicar os comportamentos de evasão fiscal (TORGLER, 2002TORGLER, B. Speaking to theorists and searching for facts: tax morale and tax compliance in experiments. Journal of Economic Surveys, v. 16, n. 5, p. 657-683, 2002.).

Outro modelo seria o padrão de análise da sonegação fiscal, criado por Allingham e Sandmo (1972ALLINGHAM, M. G.; SANDMO, A. Income tax evasion: a theoretical analysis. Journal of Public Economics, v. 1, n. 3-4, p. 323-338, 1972.), pelo qual o ponto de análise principal seria a dissuasão da sonegação pela imposição de penalidades.

Em que pese ser importante considerar outras variáveis como fatores culturais, comportamentais e sociológicos, a influência da moral tributária deve ser levada em conta para a análise do nível de conformidade tributária (MOLERO e PUJOL, 2012MOLERO, J.; PUJOL, F. Walking inside the potential tax evader’s mind: tax morale does matter. Journal of Business Ethics, v. 105, n. 2, p. 151-162, 2012.).

Torgler, Schaffner e Macintyre (2007TORGLER, B. Tax compliance and tax morale: a theoretical and empirical analysis. Cheltenham: Edward Elgar, 2007.) buscaram diagnosticar as razões por trás da conformidade fiscal, reforçando a perspectiva de que é necessária a investigação dos aspectos determinantes da moral tributária. A pesquisa a apontou como importante condicionante do cumprimento fiscal, já que os resultados indicaram forte correlação negativa entre a moral fiscal e a evasão fiscal. Os autores identificaram que em países onde a corrupção é sistêmica e os gastos do governo não têm transparência ou responsabilidade, os cidadãos não se sentem incentivados a pagar tributos. O trabalho evidenciou que quanto mais avançada a idade, mais se evita a sonegação. Na contrapartida, pessoas divorciadas e separadas têm a moral tributária mais baixa, assim como os trabalhadores autônomos. Enquanto isso, o comprometimento com a igreja revelou correlação com maior moral tributária. Concluiu-se, portanto, que a moral tributária é um aspecto relevante na determinação da conformidade fiscal e da evasão fiscal.

Luttmer e Singhal (2014LUTTMER, E. F. P.; SINGHAL, M. Tax morale. Journal of Economic Perspectives, v. 28, n. 4, p. 149-168, 2014.) traçam um paralelo entre a moral fiscal e a preocupação com a aplicação da lei. O estudo aponta uma tendência de crescimento das políticas que pressupõem que fatores não pecuniários são importantes em decisões de cumprimento da legislação fiscal. A título de exemplo, cita-se a iniciativa da Índia e de diversos estados dos Estados Unidos da América (EUA), que passaram a divulgar o nome dos principais devedores do governo em sites públicos, suscitando, com essa iniciativa, a promoção da vergonha do contribuinte inadimplente. Desse modo, indicaram que o termo moral tributária pode estar associado tanto com a motivação intrínseca para o pagamento de tributos quanto com a culpa ou a vergonha por não fazê-lo. Nesse sentido, fica claro que o reconhecimento social ou o julgamento dos pares pode influenciar o cumprimento fiscal.

Pope e Mohdali (2010POPE, J.; MOHDALI, R. The role of religiosity in tax morale and tax compliance. Australian Tax Forum, v. 25, n. 4, p. 565-596, 2010.) reforçam o conceito de que a maneira como outros contribuintes lidam com suas questões tributárias influencia as decisões dos demais. Torgler, Schaffner e Macintyre (2007TORGLER, B.; SCHAFFNER, M.; MACINTYRE, A. Tax compliance, tax morale and governance quality. St. Louis: Center for Research in Economics, Management and the Arts, 2007. (Working Paper Series, 2007-17).) argumentam, inclusive, que a culpa e o remorso podem acometer cidadãos na forma de sanções internas, ante a violação das normas sociais. A percepção que o contribuinte tem sobre como os recursos públicos são gastos, correlacionada ao dever cívico, bem como fatores sociológicos, culturais e psicológicos, podem interferir positiva ou negativamente sobre o nível de conformidade fiscal (NICHITA e BATRÂNCEA, 2012NICHITA, R.-A.; BATRÂNCEA, L.-M. The implications of tax morale on tax compliance behavior. Annals of the University of Oradea: Economic Science Series, v. 21, n. 1, p. 739-744, 2012.; RODRIGUEZ-JUSTICIA e THEILEN, 2018RODRIGUEZ-JUSTICIA, D.; THEILEN, B. Education and tax morale. Journal of Economic Psychology, n. 64, p. 18-48, 2018.). Do mesmo modo, Alm e McClellan (2012ALM, J.; McCLELLAN, C. Tax morale and tax compliance from the firm’s perspective. Kyklos, v. 65, n. 1, p. 1-17, 2012.) reforçam a tese de que a inclinação para pagar ou não impostos sofre influência de fatores culturais - que diferem entre países.

Torgler (2005TORGLER, B. Tax morale in Latin America. Public Choice, v. 122, n. 1-2, p. 133-157, 2005.) analisou como a carga tributária, uma vez correlacionada a altos níveis de corrupção, pode interferir nas percepções dos indivíduos sobre a conformidade tributária e contribuir para o aumento da evasão fiscal. Seu estudo revela que a discricionariedade do ente administrativo sobre a alocação dos recursos públicos reforça a possibilidade de desvios e, consequentemente, aumenta a corrupção. Destarte, alguns contribuintes utilizam a evasão como uma forma de demonstrar sua insatisfação. Barone e Mocetti (2011BARONE, G.; MOCETTI, S. Tax morale and public spending inefficiency. International Tax Public Finance, v. 18, n. 732, p. 1-29, 2011.) corroboram esse pensamento ao relatar o aumento da moral tributária quando o contribuinte tem a percepção de que a verba pública é bem gerida e utilizada de maneira eficiente.

Em contrapartida, Nichita e Batrâncea (2012NICHITA, R.-A.; BATRÂNCEA, L.-M. The implications of tax morale on tax compliance behavior. Annals of the University of Oradea: Economic Science Series, v. 21, n. 1, p. 739-744, 2012.) discorrem sobre outro fator determinante da moral tributária: a crença pessoal do contribuinte. O estudo aponta que a religiosidade pode ser um importante determinante da percepção do contribuinte sobre o cumprimento fiscal. A ideia se reforça pela concepção de que quanto maior o grau de religiosidade do indivíduo, maior sua inclinação para a conformidade fiscal, já que as doutrinas eclesiásticas tendem a direcionar o homem a uma reflexão moral sobre o que é certo e o que é errado. Nesse sentido, Pope e Mohdali (2010POPE, J.; MOHDALI, R. The role of religiosity in tax morale and tax compliance. Australian Tax Forum, v. 25, n. 4, p. 565-596, 2010.) também discutem o papel que a crença desempenha sobre as obrigações tributárias, já que é esperado que pessoas religiosas tenham altos valores morais. Aliás, é importante destacar que, já na década de 1960, Hirschi e Stark (1969HIRSCHI, T.; STARK, R. Hellfire and delinquency. Social Problems, v. 17, n. 2, p. 202-313, 1969.) apontaram que a religião pode inibir o comportamento ilegal, uma vez que atua como um sistema de sanção que legitima e reforça os valores sociais.

A evasão fiscal reduz a capacidade do ente público suprir serviços adequados e implementar investimentos necessários para melhor desempenho de sua gestão (TORGLER, 2005TORGLER, B. Tax morale in Latin America. Public Choice, v. 122, n. 1-2, p. 133-157, 2005.). Dados apontam, inclusive, que o aumento da economia paralela é outro importante indicador que ajuda a compreender a evasão fiscal, uma vez que, embora importantes no desenvolvimento de países emergentes, as atividades informais evidenciam as dificuldades na legalização do negócio e a possibilidade de isenção ou redução da carga tributária. Com isso, os governos têm redobrado sua preocupação com a possibilidade dos contribuintes evadirem impostos, seja por meio da subavaliação de receitas ou da superestimação de despesas (POPE e MOHDALI, 2010POPE, J.; MOHDALI, R. The role of religiosity in tax morale and tax compliance. Australian Tax Forum, v. 25, n. 4, p. 565-596, 2010.; BERDIEV e SAUNORIS, 2018BERDIEV, A. N.; SAUNORIS, J. W. What drives entrepreneurs underground? The role of tax morale. Applied Economics Letters, p. 1-5, 2018.).

Nesse contexto, Filippin, Fiorio e Viviano (2013FILIPPIN, A.; FIORIO, C. V.; VIVIANO, E. The effect of tax enforcement on tax morale. European Journal of Political Economy, v. 32, p. 320-331, 2013.) destacam que maior imposição legal, por meio de sanções para o cumprimento das normas tributárias, pode moldar o comportamento dos contribuintes, uma vez que a fiscalização tem potenciais efeitos sobre a moral tributária. Assim, torna-se comum a adoção de auditorias e penalidades mais severas como política de coação ante a evasão fiscal, pois, com isso, nota-se que, com o aumento da inclinação para punir violações, há o aumento da motivação para declarar os rendimentos de forma justa e fidedigna. Contudo, Nichita e Batrâncea (2012NICHITA, R.-A.; BATRÂNCEA, L.-M. The implications of tax morale on tax compliance behavior. Annals of the University of Oradea: Economic Science Series, v. 21, n. 1, p. 739-744, 2012.) alertam o fato de que é necessária a adoção de estratégias diferentes da dissuasão quando se deseja aumentar a moral tributária. Aspectos econômicos, como auditorias e sanções, por exemplo, não são os únicos fatores que interferem na conformidade fiscal - como já dito.

Há de se considerar, entretanto, que a moral e a fiscalização interagem, uma vez que estão correlacionadas. Ao se cogitar um ambiente extremamente fiscalizado e punitivo, não há espaço para a moral dos impostos. Em contrapartida, se não houver vigilância alguma, a moral tributária fica prejudicada, pois a ausência de esforços de fiscalização indica que o cumprimento não é importante (LUTTMER e SINGHAL, 2014LUTTMER, E. F. P.; SINGHAL, M. Tax morale. Journal of Economic Perspectives, v. 28, n. 4, p. 149-168, 2014.).

Mensurar e avaliar cada aspecto que compõe a moral tributária possibilita traçar estratégias e compreender melhor a conformidade fiscal. É certo que alguns indivíduos valorizam a ética e sua integridade moral, que é pessoal e intransferível, independentemente de considerarem o sistema tributário adequado ou não. Contribuintes que percebem a injustiça sobre o quanto pagam de tributos em comparação a quanto a sociedade recebe em retorno por serviços prestados pelo ente público ajudam a responder questões de tomadas de decisão e fornecem evidências de seu comportamento (POPE e MOHDALI, 2010POPE, J.; MOHDALI, R. The role of religiosity in tax morale and tax compliance. Australian Tax Forum, v. 25, n. 4, p. 565-596, 2010.).

Apresentamos, a seguir, os procedimentos metodológicos para a coleta e a análise dos dados deste estudo.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Este estudo empírico recorre ao método quantitativo em sua abordagem, uma vez que utiliza instrumentos estatísticos para a interpretação dos dados. No que tange aos objetivos, trata-se de pesquisa exploratória.

Quanto aos procedimentos científicos, este trabalho se valeu da pesquisa com survey. O questionário, adaptado de Torgler, Schaffner e Macintyre (2007TORGLER, B.; SCHAFFNER, M.; MACINTYRE, A. Tax compliance, tax morale and governance quality. St. Louis: Center for Research in Economics, Management and the Arts, 2007. (Working Paper Series, 2007-17).), com perguntas objetivas de múltipla escolha, possibilitou a coleta de dados de pessoas físicas e foi aplicado indiretamente, de maneira eletrônica. Nenhum participante foi identificado, de modo que essa premissa conferiu liberdade para a exposição de suas opiniões, bem como sigilo quanto à sua identificação. Utilizou-se a base de dados de alunos da Fucape Business School (unidades situadas no Espírito Santo, no Rio de Janeiro e no Maranhão) e também se encaminhou, via e-mail, o link para acesso ao formulário aos discentes da Universidade Vale do Rio Doce (Univale), localizada em Governador Valadares-MG.

Do mesmo modo, o link para acesso ao formulário foi difundido por meio de outras mídias sociais, como o Facebook e o WhatsApp, sendo solicitado aos participantes que ele fosse replicado aos seus contatos, a fim de atingir o maior número possível de usuários no período estabelecido para a compilação das informações.

Tal coleta se deu entre maio e agosto de 2017, com formulário estruturado, composto de dois segmentos (videAnexo). O primeiro - parte A - contemplou questões objetivas, com enfoque social e demográfico (necessárias para comparar, a título de exemplo, se o gênero interfere na moral tributária). O mesmo raciocínio serviu para a idade, a faixa de renda, o território domiciliar, a crença religiosa e o estado civil. O segundo segmento - parte B - abrangeu 10 perguntas de opinião, que versaram especificamente sobre a moral tributária, com 5 alternativas válidas como resposta, variando entre a plena concordância e a plena discordância1.

O modelo do questionário proposto foi elaborado na plataforma eletrônica Google Forms2 e devidamente validado por meio da utilização do coeficiente alfa de Crombach. De acordo com Hair Junior, Anderson, Tatham et al. (2005HAIR JUNIOR, J. F. et al. Análise multivariada de dados. 5. ed.Porto Alegre: Bookman, 2005.), os valores variam no intervalo de 0 e 1 - quanto mais próximo de 1, maior consistência entre os indicadores (perguntas), sendo os valores de 0,60 a 0,70 considerados os limites mínimos aceitáveis. A estatística citada apresentou alfa de Crombach 0,884 - resultado bem acima do limite mínimo.

O nível de moral tributária foi mensurado com a utilização de questionário composto por 10 perguntas, cujas respostas podem indicar maior ou menor moral tributária. O objeto de estudo foi avaliado com base no juízo dos entrevistados, com o propósito de estimar a moral tributária e correlacionar suas percepções com os aspectos sociodemográficos. A fase objetiva foi atendida por intermédio do método quantitativo, que buscou traçar, ante o questionário de múltipla escolha plenamente respondido, o apontamento do comportamento na forma de índices numéricos.

Desse modo, foi possível, nesta pesquisa, considerar e associar as variáveis por meio das perguntas, cada uma delas com 5 níveis de resposta possíveis, que indicaram maior ou menor conformidade fiscal e, consequentemente, o nível de moral tributária, a saber: 1, quando o participante concordou plenamente com a assertiva; 2, quando o participante concordou parcialmente com a assertiva; 3, quando foi neutro, ou seja, não concordou nem discordou da assertiva; 4, quando o participante discordou parcialmente da assertiva; e 5, quando o participante discordou totalmente da assertiva. Destarte, quanto mais próximo de 1 forem as respostas dos participantes, haverá uma tendência para baixa moral tributária; do contrário, quanto mais próximo de 5, maior será a moral tributária.

A fim de levantar o maior número de informações sobre a moral tributária, no Brasil, foram efetuadas consultas no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações do governo federal; não obstante, o resultado não revelou nenhuma publicação. Respostas idênticas foram obtidas nas seguintes plataformas de pesquisa acadêmica: EBSCOhost Research Detabases, Scientific Periodicals Electronic Library (SPELL) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Isso ratifica a informação de que se trata de pesquisa pioneira em território brasileiro.

A análise estatística dos dados foi realizada por meio do software Stata, versão 13.0, e o modelo de regressão linear múltipla foi representado pela equação abaixo:

M T i = β 0 + β 1 G ê n e r o i + β 2 F a i x a I d a d e i + β 3 E s t a d o C i v i l i + β 4 G r a u I n s t r u ç ã o i + β 5 F a i x a R e n d a i + β 6 R e l i g i ã o i + β 7 E s t a d o D o m i c í l i o i + β 8 S e t o r V í n c u l o i + ε i Equação (1)

O MTi é o índice de moral tributária e os betas são os coeficientes. Já as variáveis aleatórias avaliadas no modelo são apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1
Variáveis independentes

A memória de cálculo do índice que representou a moral tributária (MTi) se deu por meio do questionário adaptado de Torgler, Schaffner e Macintyre (2007TORGLER, B.; SCHAFFNER, M.; MACINTYRE, A. Tax compliance, tax morale and governance quality. St. Louis: Center for Research in Economics, Management and the Arts, 2007. (Working Paper Series, 2007-17).), composto por 10 indicadores em escala Likert para cada afirmativa, com as seguintes dimensões: 1 - Concordo plenamente; 2 - Concordo parcialmente; 3 - Neutro (não concordo nem discordo); 4 - Discordo parcialmente; e 5 - Discordo plenamente (vide Anexo, Parte B). O índice foi constituído pela soma das respostas de cada por respondente, com valores variando entre um mínimo de 10 (concordo plenamente = baixa moral tributária) e um máximo de 50 pontos (discordo plenamente = alta moral tributária).

No que se refere às questões metodológicas, tem-se uma série de reflexões que precisam ser tratadas, ainda sob a perspectiva do ineditismo e das escolhas a adotar, à medida que surgem os desafios. O primeiro grande desafio foi adaptar o questionário de Torgler, Schaffner e Macintyre (2007TORGLER, B.; SCHAFFNER, M.; MACINTYRE, A. Tax compliance, tax morale and governance quality. St. Louis: Center for Research in Economics, Management and the Arts, 2007. (Working Paper Series, 2007-17).) à realidade brasileira. É evidente que a cultura local, os processos de percepção, a representação e a significação simbólica, o modo de vida e as contingências do cotidiano do brasileiro são muito peculiares, assim, formatar um questionário inteligível e adequado à realidade brasileira se mostrou um desafio. Entretanto, entendemos por bem mantê-lo na integra, ajustando apenas a moeda para reais e fazendo referência a tributos nacionais.

Ainda em relação à questão metodológica, é perceptível uma série de limitações, porém, estas não invalidam ou negam o trabalho feito e realizado, mas, em um movimento de autocrítica, assumem uma relevância a ser problematizada. Por se tratar de questionário virtual de preenchimento espontâneo do participante sobre valores e comportamentos em relação a questões fiscais, emerge a discussão sobre quem são os participantes que se voluntariaram a responder o questionário:

  • Será que alguns começaram a responder e abortaram em razão de ter de expressar sua imoralidade fiscal?

  • Será que alguns nem consideraram responder para não ter de correr o risco de expressar seus comportamentos inadequados?

Essas são questões que apontam uma limitação específica do trabalho em relação à amostra. Elas devem ser repensadas por pesquisadores em futuras pesquisas.

Outras limitações metodológicas se apresentam diante da forma como esses participantes foram convidados a participar da pesquisa e responder o questionário. Para o intento de quantificar a moral tributária do cidadão brasileiro, a amostra se mostra limitada e não compreende a realidade da diversidade brasileira. Entretanto, apesar de tais limitações de ordem metodológica, o trabalho apresenta resultados de uma amostra pequena, sim, e de participantes voluntários, sim, mas que foram validados e refletem, sim, a realidade, ainda que parcial, em razão dessas limitações, da moral tributária de parte dos cidadãos brasileiros.

RESULTADOS E ANÁLISES

As análises dos resultados observados enfocaram a aferição de possíveis diferenças na moral tributária em relação às características sociodemográficas e a avaliação da regressão das respostas do questionário por modelos probit ordinal (por questão) e de regressão linear com todos os resultados.

A subseção a seguir expõe as frequências absoluta e relativa das variáveis, representando as características socioeconômicas associadas aos respondentes e a estatística descritiva da moral tributária associada a elas.

Estatística descritiva: perfil da amostra versus índice de moral tributária

As tabelas 1 e 2 permitiram distinguir o perfil dos respondentes quanto aos dados sociodemográficos, nos quais predominaram as seguintes características: sexo masculino (52,9%); em relação à faixa de idade, 39,6% dos respondentes têm entre 25 a 34 anos e 19,90% têm entre 35 e 44 anos; quanto ao estado civil, 50,2% da amostra são solteiros. Em termos de escolaridade, 68,0% têm, no mínimo, o Ensino Superior; 56,6% dos participantes residem em Minas Gerais; 43,7% deles são católicos e 20,6% são evangélicos; 60,5% recebem, no máximo, 5 salários mínimos; e, por fim, 51,4% deles trabalham no setor privado.

Também por meio dessas tabelas é possível fazer uma análise exploratória utilizando as medidas descritivas - média, desvio padrão e mediana, comparando-as por característica sociodemográfica. Ao analisar a estatística do nível de moralidade tributária por gênero, notou-se que tanto a média quanto a mediana apresentaram resultados superiores entre as mulheres.

No que se refere à faixa etária a menor média foi observada na faixa de até 18 anos de idade, resultado idêntico para a mediana. A maior média da moralidade tributária foi observada na faixa etária acima de 64 anos (12 respondentes). Resultados similares foram apresentados por Torgler, Demir, Macintyre et al. (2008TORGLER, B. et al. Causes and consequences of tax morale: an empirical investigation. Economic Analysis & Policy, v. 38, n. 2, p. 313-339, 2008.), em pesquisa empírica na qual se analisou as causas e consequências da moral fiscal: os autores chegaram à conclusão de que, tanto nos EUA quanto na Turquia, as mulheres apresentam evasão fiscal significativamente menor do que os homens e, somente nos EUA, os idosos têm maior conformidade fiscal se comparados aos indivíduos mais jovens.

Tabela 1
Estatísticas descritivas - variáveis sociodemográficas versus moral tributária (1)

Em pesquisa realizada na Alemanha (FELD, TORGLER e DONG, 2008FELD, L. P.; TORGLER, B.; DONG, B. Coming closer? Tax morale, deterrence and social learning after German unification. Basel: Center for Research in Economics, Management and the Arts, 2008. (CREMA Working Paper Series, 2008-09).), a idade e o gênero também demonstraram exercer forte influência sobre a moral tributária: quanto mais velhas as pessoas, maior a moral dos impostos. Outrossim, também nesse país, as mulheres apresentaram conformidade fiscal significativamente maior.

No que diz respeito ao estado civil, o maior nível médio de moralidade tributária incidiu entre os casados e a menor entre os respondentes em união estável. Quando se explorou a média do índice por escolaridade, verificou-se que quanto maior o nível de escolaridade, maior é a média do nível de moralidade tributária. Essa mesma lógica foi observada para a mediana.

Dentre os 5 estados - Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro - onde residem os entrevistados (quase 90,0% da amostra), a maior média do índice foi observada no Rio de Janeiro (35,9) e a menor média em São Paulo (30,1).

No quesito religião versus moral tributária, a maior média foi verificada entre os espíritas e a menor média para aqueles que acreditam em Deus, mas não têm religião. Nesse sentido, a religião também apresentou impactos significativamente positivos entre os cidadãos da Alemanha (FELD, TORGLER e DONG, 2008FELD, L. P.; TORGLER, B.; DONG, B. Coming closer? Tax morale, deterrence and social learning after German unification. Basel: Center for Research in Economics, Management and the Arts, 2008. (CREMA Working Paper Series, 2008-09).), reforçando a ideia de que a religiosidade exerce uma influência sistemática sobre a moral dos tributos, sendo, portanto, uma restrição ao envolvimento dos cidadãos em evasão fiscal (TORGLER, 2007TORGLER, B.; SCHAFFNER, M.; MACINTYRE, A. Tax compliance, tax morale and governance quality. St. Louis: Center for Research in Economics, Management and the Arts, 2007. (Working Paper Series, 2007-17).).

Analisando os resultados por faixa de renda, notou-se uma lógica semelhante à do nível de escolaridade, ou seja, quanto maior a faixa de renda do indivíduo, maior foi evidenciado o nível médio (e a mediana) de moralidade tributária. Por fim, quando se avaliou a média da moral tributária por setor de vínculo profissional, incidiram com o menor resultado os trabalhadores do setor privado e aqueles que responderam que “não se aplica” e a maior média foi para os trabalhadores do setor público.

Tabela 2
Estatística descritiva - variáveis sociodemográficas versus moral tributária (2)

De modo geral, por meio dos resultados expostos nas tabelas 2 e 3, notou-se que, para algumas características, em uma análise exploratória, parece existir diferença quanto ao nível da moral tributária. E o objetivo deste estudo tem por finalidade avaliar, exatamente, se as diferenças expostas são ou não significativas.

Ao avaliar as estatísticas associadas ao índice de moral tributária, representado pela soma dos indicadores, notou-se que a média resultou em 34,5, gerando um resultado médio que pode ser interpretado entre a resposta neutro e discordo parcialmente, em analogia à escala Likert delineada nesta pesquisa. Cabe-nos informar que o percentil 75 resultou em 43, valor este que pode ser interpretado como 25% dos respondentes discordam parcial ou totalmente quanto ao índice de moral tributária. É importante ressaltar que quanto mais próximo de 50, melhor é o índice de moral tributária do indivíduo.

Estatísticas do modelo de regressão

Nesta pesquisa, aplicou-se o modelo de regressão múltipla, uma vez que a variável dependente assume o índice de moralidade tributária (MT). Quando a variável dependente foi representada por um dos indicadores, optou-se pelo modelo de regressão probit. Em ambos se buscou comprovar estatisticamente possíveis diferenças entre as variáveis sociodemográficas e o índice MT, bem como as diferenças dessas características em cada um dos indicadores que representa o índice. A Tabela 3 apresenta as estimativas das regressões.

Analisando as estatísticas para a variável dependente MT, notou-se no nível de significância de 10% que, em média, a moral tributária das mulheres é superior à dos homens. Na faixa de idade não houve diferenças significativas no que diz respeito à moral tributária. No estado civil, evidenciou-se diferença significativa (1%) e coeficiente negativo para os respondentes em união estável, ou seja, na média, a moral tributária desses respondentes foi menor quando comparada aos respondentes solteiros, casados, divorciados ou separados/viúvos.

Ao avaliar a diferença da moral tributária por grau de instrução no nível de significância de 1%, concluiu-se que quanto mais instruído educacionalmente for o respondente, maior o nível de moralidade tributária. No que tange ao estado de domicílio da amostra medida, observou-se que a moral tributária dos respondentes que residem em São Paulo é menor quando comparada aos demais respondentes; o mesmo ocorre para a Bahia, mas com diferença inferior ao coeficiente estimado de São Paulo.

Quanto à religião, no nível de significância de 5%, observou-se uma moral tributária superior nos respondentes que disseram ser espíritas; já para as demais crenças religiosas não houve diferenças significativas. A faixa de renda não apresentou diferenças significativas para a moral tributária. No que tange à variável que representa o setor de vínculo profissional, notou-se uma moral tributária mais elevada entre os servidores públicos, quando comparados aos demais respondentes.

Tabela 3
Efeitos dos dados sociodemográficos na moral tributária (MT) - estimativa dos modelos

CONCLUSÕES

Este estudo procurou, de forma inédita no país, quantificar a moral tributária do brasileiro. Para tanto, partiu dos conceitos de moral tributária definidos em pesquisas anteriores por uma série de pesquisadores, como explanado no referencial teórico.

Ao fazer uma análise de todo o processo de pesquisa, desde o referencial teórico e as escolhas metodológicas até os resultados apresentados, emerge uma série de reflexões e possibilidades da ordem de três esferas distintas, quais sejam: a teórica; a metodológica; e a relevância social ao qual passamos respectivamente.

Do ponto de vista teórico, a proposta de tentar identificar e quantificar a moral tributária do brasileiro se mostra uma iniciativa de extrema vanguarda, pois busca aplicar no país avanços da pesquisa científica e da teorização acerca das questões fiscais e tributárias obtidos por pesquisadores de renome ao redor do mundo. Ainda sob essa perspectiva, abrem-se caminhos para que tais conceitos e perspectivas científicas acerca das questões fiscais e tributárias sejam adotados no Brasil.

O fato de ser uma pesquisa inédita neste país traz consigo uma série de desafios, haja vista que andar por trilhas desconhecidas envolve imprevistos. Surgem diversas questões que acabam cobrando uma série de escolhas e decisões no percurso, bem como a incerteza de estar ou não no caminho correto. Além de tudo isso, propôs-se quantificar de modo objetivo percepções e comportamentos de um valor moral, o que confere uma complexidade peculiar ao que foi proposto. Desvendar esse caminho e introduzir esses conceitos e essas perspectivas, no Brasil, torna-se extremamente relevante sob o ponto de vista teórico, pois amplia o campo das ciências fiscais e tributárias. Certamente, futuros estudos e projetos desenvolvidos nessa seara encontrarão um solo mais firme após esta trajetória de pesquisa.

O que é certo é que, apesar de eventuais limitações metodológicas, esta pesquisa apresenta uma série de resultados válidos, analisados em detalhe e trabalhados em modelos estatísticos que, de fato, apresentam relevância. A grande questão, sob o ponto de vista metodológico, é que as limitações apresentadas possam ser levantadas em novas pesquisas sobre o tema, de modo a ser superadas, fazendo com que a ciência avance nesse caminho ora desvendado. Os resultados e as análises realizadas indicam dados relevantes, ainda que parciais e limitados, e eles devem ser considerados, seja do ponto de vista científico, metodológico ou da relevância social.

Em relação à relevância social, tem-se historicamente, no Brasil, uma relação de certo modo complicado entre cidadãos e o Estado, mas, mesmo com essas tensões e esses conflitos, a obrigação tributária é uma constante que permeia a vida dos cidadãos e o adimplemento de tal obrigação faz parte do cotidiano do brasileiro - quer queira, quer não. Tentar quantificar a moral tributária do cidadão brasileiro consiste em abrir caminhos para o estabelecimento de políticas públicas específicas e eficazes de educação fiscal, conscientização e ressignificação de processos sociais na relação entre sujeito, Estado e tributo.

Por fim, depois de toda a análise e reflexão, reconhecendo as limitações de ordem metodológica, mas compreendendo as dificuldades e os desafios decorrentes do pioneirismo desta iniciativa de pesquisa, além de considerar sua relevância teórica e social e a veracidade e confiabilidade dos dados obtidos e dos métodos estatísticos aplicados, espera-se que novas pesquisas sejam desenvolvidas no Brasil e que a ciência avance continuamente, a fim de aprimorar seus conceitos, métodos e modelos, mas sobretudo, transformar a realidade social. Este é um primeiro passo de uma grande caminhada.

REFERÊNCIAS

  • ALLINGHAM, M. G.; SANDMO, A. Income tax evasion: a theoretical analysis. Journal of Public Economics, v. 1, n. 3-4, p. 323-338, 1972.
  • ALM, J.; McCLELLAN, C. Tax morale and tax compliance from the firm’s perspective. Kyklos, v. 65, n. 1, p. 1-17, 2012.
  • BARONE, G.; MOCETTI, S. Tax morale and public spending inefficiency. International Tax Public Finance, v. 18, n. 732, p. 1-29, 2011.
  • BECKER, G. S. Crime and punishment: an econometric approach. Journal of Political Economy, v. 76, p. 169-217, 1968.
  • BERDIEV, A. N.; SAUNORIS, J. W. What drives entrepreneurs underground? The role of tax morale. Applied Economics Letters, p. 1-5, 2018.
  • BRAITHWAITE, V.; AHMED, E. A threat to tax morale: the case of Australian Higher Education policy. Journal of Economic Psychology, v. 26, n. 4, p. 523-540, 2005.
  • DOERRENBERG, P.; PEICHL, A. Progressive taxation and tax morale. Public Choice, v. 155, n. 3-4, p. 293-316, 2013.
  • FELD, L. P.; TORGLER, B.; DONG, B. Coming closer? Tax morale, deterrence and social learning after German unification. Basel: Center for Research in Economics, Management and the Arts, 2008. (CREMA Working Paper Series, 2008-09).
  • FILIPPIN, A.; FIORIO, C. V.; VIVIANO, E. The effect of tax enforcement on tax morale. European Journal of Political Economy, v. 32, p. 320-331, 2013.
  • GERSTENBLÜTH, M. et al. How do inequality affect tax morale in Latin America and Caribbean? Revista de Economía del Rosario, v. 15, n. 2, p. 123-135, 2012.
  • HAIR JUNIOR, J. F. et al. Análise multivariada de dados. 5. ed.Porto Alegre: Bookman, 2005.
  • HIRSCHI, T.; STARK, R. Hellfire and delinquency. Social Problems, v. 17, n. 2, p. 202-313, 1969.
  • HORODNIC, I. A. Tax morale and institutional theory: a systematic review. International Journal of Sociology and Social Policy, v. 38, n. 9-10, 2018.
  • LUTTMER, E. F. P.; SINGHAL, M. Tax morale. Journal of Economic Perspectives, v. 28, n. 4, p. 149-168, 2014.
  • MOLERO, J.; PUJOL, F. Walking inside the potential tax evader’s mind: tax morale does matter. Journal of Business Ethics, v. 105, n. 2, p. 151-162, 2012.
  • NICHITA, R.-A.; BATRÂNCEA, L.-M. The implications of tax morale on tax compliance behavior. Annals of the University of Oradea: Economic Science Series, v. 21, n. 1, p. 739-744, 2012.
  • ORVISKA, M.; HUDSON, J. Tax evasion, civic duty and the law abiding citizen. European Journal of Political Economy, v. 19, n. 1, p. 83-102, 2003.
  • POPE, J.; MOHDALI, R. The role of religiosity in tax morale and tax compliance. Australian Tax Forum, v. 25, n. 4, p. 565-596, 2010.
  • PRIBERAM. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. ENT#091;2017ENT#093;. Disponível em:<Disponível em:https://www.priberam.pt/dlpo/moral >. Acesso em: 12 jun. 2017.
    » https://www.priberam.pt/dlpo/moral
  • RODRIGUEZ-JUSTICIA, D.; THEILEN, B. Education and tax morale. Journal of Economic Psychology, n. 64, p. 18-48, 2018.
  • SANTIAGO, J. C. Moralidade tributária: um projeto de estudos para a fundamentação da tributação no Brasil. Revista de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento, v. 3, n. 3, p. 1-45, 2015.
  • TORGLER, B. Speaking to theorists and searching for facts: tax morale and tax compliance in experiments. Journal of Economic Surveys, v. 16, n. 5, p. 657-683, 2002.
  • TORGLER, B. Tax morale in Latin America. Public Choice, v. 122, n. 1-2, p. 133-157, 2005.
  • TORGLER, B. Tax compliance and tax morale: a theoretical and empirical analysis. Cheltenham: Edward Elgar, 2007.
  • TORGLER, B.; SCHAFFNER, M.; MACINTYRE, A. Tax compliance, tax morale and governance quality. St. Louis: Center for Research in Economics, Management and the Arts, 2007. (Working Paper Series, 2007-17).
  • TORGLER, B. et al. Causes and consequences of tax morale: an empirical investigation. Economic Analysis & Policy, v. 38, n. 2, p. 313-339, 2008.
  • WILLIAMS, C. C.; KRASNIQI, B, Evaluating the individual- and country-level variations in tax morale: evidence from 35 Eurasian countries. Journal of Economic Studies, v. 44, n. 5, 2017.

ANEXO

QUESTIONÁRIOS

PARTE A:
Perguntas de levantamento sociodemográfco

PARTE B:
Perguntas de opinião

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2018
  • Aceito
    17 Jan 2019
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernosebape@fgv.br