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Uma “estética de lances” de uma “heroína ordinária”: o reorganizar de práticas de resistências de uma artesã

Una “estética de las pasadas” de una “heroína ordinaria”: el reorganizar de prácticas de resistencias de una artesana

Resumo

Este artigo articula uma perspectiva feminista necessária aos Estudos Organizacionais à análise das práticas de resistência de caráter infrapolítico. O estudo teve por objetivo compreender o organizar da malha de práticas cotidianas que envolvem a estética de lances e as táticas e estratégias de resistência, inclusive de caráter infrapolítico, por meio da arte de uma artesã e das ações de uma rede de mulheres da qual ela faz parte. A metodologia de pesquisa se baseou na abordagem qualitativa, com enfoque em estudo de caso, respaldada por observação direta, pesquisa documental, diário de campo e entrevista em profundidade. A análise dos relatos identificou o organizar de diferentes práticas de resistência, da artesã e da rede de mulheres, que têm como base o reúso de materiais descartados por grandes empresas. No contexto da “estética de lances”, tais materiais surgem como fonte de suprimento, geração de renda e inspiração para a recriação artística de elementos simbólicos da cultura nordestina. No âmbito da rede de mulheres, a análise aponta, ainda, os laços de afeto e ressonância como elos de um movimento infrapolítico que mobiliza as mulheres em torno de objetivos de luta e resistência em diferentes espaços. A articulação teórica promove avanços no campo dos Estudos Organizacionais ao construir uma proposição que alia os estudos do cotidiano e da estética de Certeau (2014) às questões de resistência discutidas por Spicer e Böhm (2007) e aos debates feministas.

Palavras-chave:
Feminismo; Práticas; Estética; Resistência; Arte

Resumen

Este estudio articula una perspectiva feminista, necesaria para los estudios organizacionales, con el análisis de las prácticas de resistencia, de carácter infrapolítico. El estudio tuvo como objetivo comprender el organizar de la red de prácticas cotidianas que envuelve la “estética de las pasadas” y las tácticas y estrategias de resistencia, incluso de carácter infrapolítico, por medio del arte de una artesana y de las acciones de una red de mujeres de la que forma parte. La metodología de la investigación se basó en el enfoque cualitativo, con el abordaje del estudio de caso, respaldado por observación directa, estudio documental, diario de campo y entrevista en profundidad. El análisis de los relatos identificó el organizar de diferentes prácticas de resistencia, de la artesana y de la red de mujeres, que se basan en la reutilización de materiales desechados por grandes empresas. En el contexto de la “estética de las pasadas” tales materiales surgen como fuente de suministro, generación de ingresos e inspiración para la recreación artística de elementos simbólicos de la cultura nordestina. En el marco de la red de mujeres, el análisis apunta todavía los lazos de afecto y resonancia como enlaces de un movimiento infrapolítico que moviliza a las mujeres en torno a objetivos de lucha y resistencia en diferentes espacios. La articulación teórica promueve avances en el campo de los estudios organizacionales al construir una proposición que combina los estudios de la vida cotidiana y de la estética de Certeau (2014) a las cuestiones de resistencia discutidas por Spicer y Böhm (2007) y a los debates feministas.

Palabras clave:
Feminismo; Prácticas; Estética; Resistencia; Arte

Abstract

This article adopts a feminist perspective in the analysis of the infra-political resistance practices, a perspective that is needed in organization studies. The study aimed to understand the organization of everyday practices that involves “bid aesthetics” and resistance tactics and strategies, of an infra-political character, observing the art of an artisan and actions from a women’s network which she is a member of. The research methodology used the qualitative approach, focusing on case study, supported by direct observation, documentary research, field diary, and in-depth interviews. The narrative analysis identified the organization of different practices both from the artisan and the women’s network, which are based on the reuse of materials discarded by large companies. In the “bid aesthetics” context such materials emerge as a source of supply, income generation, and inspiration for the recreation of symbolic elements of the northeastern culture. In the context of the women’s network, the analysis also points to the bonds of affection and resonance as links of an infra-political movement that mobilizes women around objectives of struggle and resistance in different spaces. The theoretical articulation promotes advances in the field of Organization Studies by constructing a proposition that combines the studies of everyday life and aesthetics of Certeau (2014) with the questions of resistance discussed by Spicer and Böhm (2007) and the feminist debate.

Keywords:
Feminism; Practices; Aesthetics; Resistance; Art.

INTRODUÇÃO

As práticas cotidianas têm sido objeto de pesquisa nos Estudos Organizacionais, com interesse crescente dos pesquisadores nas questões do dia a dia que compõem os acontecimentos da vida e os significados que os atores sociais vão construindo, transformando e organizando (p. ex., BARROS e CARRIERI, 2015BARROS, A.; CARRIERI, A. P. O cotidiano e a história: construindo novos olhares na administração. Revista de Administração de Empresas, v. 55, n. 2, p. 151-161, 2015.; LASATER-WILLE, 2018LASATER-WILLE, A. Apresentação do chef na vida cotidiana: socialização dos chefs em Lima, Peru. Revista de Administração de Empresas, v. 58, n. 3, p. 233-243, 2018.). Ademais, o interesse percorre todo o sentido social e político de práticas que se expressam subjetivamente, em um emaranhado organizado carregado de contradições. Tais práticas são constituídas por movimentos cotidianos, fruto do conjunto de atividades exercidas pelos atores sociais. Tais atividades se desdobram em eventos que provocam mudanças na malha dos acontecimentos.

A partir dessa percepção se tem as “maneiras de fazer” apregoadas por Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) em A invenção do cotidiano, no qual são sugeridas maneiras de compreender as práticas, entendidas como do tipo tático e estratégico. Para o autor, o homem comum ou “ordinário” exerce suas práticas, resiste e desafia as práticas estratégicas em uma ordem social vigente, por meio das astúcias, táticas e bricolagens que podem ser respostas de uma inteligência imemorial.

Em sua sociologia do cotidiano, Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) destaca a sensibilidade do homem “ordinário” diante dos materiais descartados pelo sistema industrial: a sucata. Os objetos que formam a sucata, dispostos ao acaso, instigam a prática de uma arte “ordinária” do artista comum, no que o autor define como uma estética de “golpes” ou de “lances”, que possibilita visualizar novos usos para o descarte. A estética de “lances” apresenta, assim, um caráter transgressor ao se colocar contra um poder dominante ou uma ordem estabelecida. Segundo Giard (2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29., p. 19), nessa prática estética “se insinuam um estilo de trocas sociais, um estilo de invenções técnicas e um estilo de resistência moral” em prol da valorização da cultura ordinária, praticada pelo homem comum.

Neste estudo, ao invés do “homem comum”, a ênfase recaiu sobre a “mulher comum”, que no meio das opressões sociais resiste e reconstrói significados em meio à busca pela sobrevivência. Na contemporaneidade, a “arte de fazer” da mulher está mais evidente, já que, como posto por Hall (2005HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.), houve um descentramento do sujeito na modernidade tardia, fruto do movimento feminista das últimas décadas do século XX (PERROT, 2007PERROT, M. Minha história sobre as mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.; SCOTT, 1992SCOTT, J. História das mulheres. In: BURKE, P. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. 4. ed. São Paulo: Ed. Unesp, 1992. p. 63-96.).

No âmbito dos Estudos Organizacionais, Calás e Smircich (2010CALÁS, M. B.; SMIRCICH, L. Do ponto de vista da mulher: abordagens feministas em estudos organizacionais. In: CALDAS, M.; FACHIN, R.; FISCHER, T. (Org.). Handbook de Estudos Organizacionais: modelos de análise e novas questões em Estudos Organizacionais. São Paulo: Atlas 2010. p. 273-327., p. 300) apontam que “os feminismos pós-modernos/pós-estruturalistas permitem interseções mais complexas de gênero e outras categorias sociais, que tanto desconstroem posições analíticas tradicionais [...] quanto abrem espaço para diferentes engajamentos políticos que reconhecem relações assimétricas de poder”.

Em consonância com as transformações sociais da contemporaneidade, Spicer e Böhm (2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.) examinam as práticas das organizações sob a perspectiva dos movimentos de resistência e ressaltam que as emoções coletivas e o sentimento de solidariedade têm papel relevante na estruturação dos movimentos cotidianos, por meio de padrões semelhantes de afeto e ressonância. Para os autores, as práticas de resistência se apresentam de múltiplas formas, no contexto do trabalho ou da sociedade civil, podendo ser de natureza política ou infrapolítica, estes últimos organizados de modo muito informal, envolvendo lutas por reconhecimento cultural e justiça.

A partir dessas proposições iniciais se realizou um levantamento das publicações em 5 dos principais periódicos brasileiros no âmbito dos Estudos Organizacionais, ao longo dos últimos 5 anos, para identificar como as articulações teóricas propostas nesta pesquisa têm sido tratadas.

Em relação às mulheres comuns, que se aproximam do herói “ordinário” de Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.), apenas as pesquisas de (i) Teixeira, Saraiva e Carrieri (2015TEIXEIRA, J. C.; SARAIVA, L. A. S.; CARRIERI, A. P. Os lugares das empregadas domésticas. Organizações & Sociedade, v. 22, n. 71, p. 161-178, 2015.), com uma discussão sobre a identidade das empregadas domésticas, e (ii) Corcetti e Loreto (2017CORCETTI, E.; LORETO, M. D. S. O discurso político sobre a qualificação profissional de mulheres desfavorecidas: emancipação ou hegemonia? Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 364-376, 2017.), que examinam os discursos políticos sobre a qualificação profissional de mulheres desfavorecidas, são realizadas junto a mulheres com perfil socioeconômico próximo ao da nossa artesã ou das mulheres que compõem a rede.

O tema “resistência” foi examinado em 10 artigos, dos quais 8 utilizam a perspectiva das organizações tradicionais, envolvendo a relação com os trabalhadores (p. ex., SOUZA e LEMOS, 2016SOUZA, F. A. S.; LEMOS, A. H. C. Terceirização e resistência no Brasil: o Projeto de Lei n. 4.330/04 e a ação dos atores coletivos. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 1035-1053, 2016.) ou abordagens teóricas que relacionam poder e resistência nas organizações (p. ex., SEGNINI e ALCADIPANI, 2014SEGNINI, L.; ALCADIPANI, R. Poder e resistências nas organizações: a propósito das contribuições de Fernando C. Prestes Motta. Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 3, p. 341-347, 2014.). Foram identificadas apenas duas publicações mais próximas às discussões de resistência propostas nesta pesquisa: (i) Naves e Reis (2017NAVES, F.; REIS, Y. Desenhando a resistência: estética e contra-hegemonia no movimento agroecológico no Brasil. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 309-325, 2017.), com uma discussão sobre estética e resistência no contexto do movimento agroecológico; e (ii) Barcellos, Dellagnelo e Salles (2017BARCELLOS, R. M. R.; DELLAGNELO, E. H. L.; SALLES, H. K. Reposicionando conceitos: a organização fora dos eixos. Revista de Administração de Empresas, v. 57, n. 1, p. 10-21, 2017.), tratando das ações de resistência conduzidas por organizações alternativas.

A lacuna representada pela articulação teórico-empírica entre os debates feministas que têm como protagonista a mulher “ordinária” inserida em seu cotidiano, a estética de “lances” e “golpes” e os movimentos de resistência, inclusive de natureza infrapolítica (CALÁS e SMIRCICH, 2010CALÁS, M. B.; SMIRCICH, L. Do ponto de vista da mulher: abordagens feministas em estudos organizacionais. In: CALDAS, M.; FACHIN, R.; FISCHER, T. (Org.). Handbook de Estudos Organizacionais: modelos de análise e novas questões em Estudos Organizacionais. São Paulo: Atlas 2010. p. 273-327.; CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.) fornecem as bases para esta pesquisa. A partir de tal lacuna se definiu o seguinte objetivo:

  • Compreender o organizar da malha de práticas cotidianas que envolvem a estética de lances e as táticas e estratégias de resistência, inclusive de caráter infrapolítico, por meio da arte de uma artesã e das ações de uma rede de mulheres da qual ela faz parte.

A fim de atender ao objetivo proposto, a pesquisa foi realizada no ateliê de uma artesã, no bairro Serrinha, em Fortaleza-CE. No entanto, mostrou-se necessário extrapolar o espaço do ateliê, uma vez que as práticas artísticas cotidianas de resistências exercidas pela artesã envolvem uma rede de mulheres, sugerindo um espaço de natureza infrapolítica, ao se organizar de maneira muito informal em torno de objetivos de lutas por justiça, por meio do reconhecimento artístico cultural.

A metodologia se baseou na abordagem qualitativa, com enfoque em estudo de caso, respaldada pela observação direta, pela pesquisa documental, pelo diário de campo e pela entrevista em profundidade com sujeitos envolvidos nas práticas (GODOI, BANDEIRA-DE-MELLO e SILVA, 2010GODOI, C. K.; BANDEIRA-DE-MELLO, R.; SILVA, A. B. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2010.).

A elaboração de um pavão a partir da sucata foi escolhida para representar o trabalho de “reconstrução” artística da artesã em virtude dos aspectos simbólico e cultural envolvidos, por isso foi objeto de observação direta, a qual possibilitou, ainda, a compreensão de práticas da rede de mulheres, visto que a artesã é uma das principais articuladoras do movimento. Durante o período da pesquisa ocorreu uma exposição de telas, produção artística da artesã, com o tema Elas, que também foi objeto de observação.

O corpus empírico produzido ao longo da pesquisa foi examinado a partir da análise de relatos que, conforme Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 193), têm um poder culturalmente criador, visto que “existem relatos que marcham à frente das práticas sociais para lhes abrir caminho”. Em um segundo momento, o foco da análise se deslocou para o organizar de práticas de resistência infrapolítica a partir do movimento informal da rede de mulheres.

Após esta introdução se apresentam algumas abordagens sobre o feminismo e o descentramento do sujeito. Na seção seguinte se articulam as abordagens teóricas que constituem a questão das práticas de resistência por meio da estética de golpes e como está se articula a aspectos relacionados aos movimentos de resistência infrapolítica segundo Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) e Spicer e Böhm (2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.), dentre outros autores. Na sequência se apresentam a metodologia utilizada neste estudo, a contextualização do campo de estudo e a análise dos relatos; e, por fim, apresentam-se as considerações finais.

O Cotidiano da “Mulher Ordinária” e o Protagonismo da Heroína Comum nos Estudos Organizacionais

O uso da criatividade na construção de oportunidades, aproveitada em vários contextos, constitui as “maneiras de fazer” ou as práticas apresentadas na sociologia do cotidiano de Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) como as ações do homem comum para conviver, tirar vantagem, romper, resistir às práticas estratégicas de dominação nas quais se encontra circunscrito. Essas situações de dominação podem ser representadas por ação dos poderosos, mecanismos de opressão, doença, pobreza, ordem imposta por práticas machistas e sexistas ou violência.

Nesse cotidiano opressor, o herói “ordinário” de Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) está envolvido em uma luta constante contra as estruturas de dominação e, para isso, lança mão de práticas do tipo táticas, bricolagens, criatividade e arte que são movidas pelas astúcias de sua inteligência. Tais astúcias ou métis têm origens imemoriais, remontando à mitologia grega, e na definição dos historiadores Datienne e Vernant (2008DATIENNE, M.; VERNANT, J. P. Métis: as astúcias da inteligência. São Paulo: Odysseus, 2008., p. 11), “combinam o faro, a sagacidade, a previsão a sutileza de espírito, o fingimento, o desembaraço, a atenção vigilantes, o senso de oportunidade” e são utilizadas para construir pequenas vitórias dos fracos.

Então, o cotidiano é visto como uma esfera de criações e criatividade, “um reino no qual o carnaval do subversivo está continuamente sob a superfície” (BROWNLIE e HEWER, 2011BROWNLIE, D.; HEWER, P. Articulating consumers through practices of vernacular creativity. Scandinavian Journal of Management, v. 27, n. 2, p. 243-253, 2011., p. 248). Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) propõe a existência de forças antagônicas a esse poder que reprime, representadas por práticas de resistência, que são perpetradas nesse ambiente de controle e permitem a subversão do poder a partir dos agentes comuns, os heróis “ordinários” (ANDERSON, 2008ANDERSON, G. Mapping academic resistance in the managerial university. Organization Studies, v. 15, n. 2, p. 251-270, 2008.).

Na visão do mundo como literatura, esse homem “ordinário” é representado como o não herói ou o anti-herói. Na literatura brasileira, Macunaíma: o herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade (2000ANDRADE, M. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Garnier, 2000.), representa as raízes históricas, a síntese de um povo brasileiro nascido de um índio preguiçoso, mentiroso, controverso, que desde menino mostra sua falta de caráter e sua eterna preguiça, sendo capaz de deitar-se com Jiguê, a esposa de seu irmão, e desgostar sua mãe. O personagem reúne características dos heróis ordinários, nem deuses nem inspiração, mas homens comuns, que zombam, por meio das suas histórias ou da interpretação polissêmica permitida aos leitores, das muitas faces de uma cultura que oprime.

Representam a luta do fraco contra o forte, um forte que necessita ser combatido por táticas, astúcias e bricolagens. São heróis anônimos, vozes antigas, memoráveis, que abriram os campos científicos constituídos, fazendo deles sujeitos (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.).

Alinhados com a visão da movimentação da ciência, tratada por Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) ao apontar a inclusão do herói ordinário como sujeito de estudos dos campos científicos, este estudo propõe que a ênfase seja direcionada ao cotidiano da heroína, a mulher “ordinária”. Essa proposta articula questões postas pelo sociólogo Stuart Hall (2005HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.) acerca do descentramento do sujeito característico da modernidade tardia. De acordo com Hall (2005)HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005., as discussões sobre identidade, trazidas pelo movimento feminista e outros movimentos relacionados às minorias, como os gays e os negros, ao ser articuladas demarcam uma política de identidade, uma identidade para cada movimento, muitas vezes não excludentes ou contraditórias, que trazem à tona uma ciência que não é mais universal.

Importantes discussões sobre o gênero nestes últimos anos, no âmbito dos estudos culturais, envolvem as metáforas da “carne e do sangue” para propor a construção de teorias que possibilitem estabelecer uma ponte entre as contradições existentes dentro dos vários movimentos de identidade cotidianos. Tais contradições envolvem aspectos como cor da pele, sexualidade e posses, dentre outros; para tal, Moraga e Anzaldúa (2015MORAGA, C.; ANZALDÚA, G. This bridge called my back: writings by radical women of color. Albany: Suny, 2015.) propõem que a forma de alcançar essa construção é dar espaço para que as histórias das mulheres sejam contadas por meio de suas próprias palavras. Yarbro-Bejarano (1994YARBRO-BEJARANO, Y. G Anzaldúa’s Borderlands/La Frontera: cultural studies, “difference,” and the non-unitary subject. Cultural Critique, n. 28, p. 5-28, 1994., p. 6) aponta a necessidade de um novo paradigma teórico “que permita a expansão das categorias de análise de maneira a dar expressão à experiência vivida e compreender de que maneira raça, classe e gênero convergem”.

Com efeito, é importante compreender a história das relações de gênero como propõe Stearns (2007STEARNS, P. N. História das relações de gênero. São Paulo: Contexto, 2007.), ao esclarecer que, à medida que as sociedades desenvolveram os sistemas de gênero envolvendo o convívio entre homens e mulheres, os atributos e papéis também foram tomando forma. Ao fixar a posse da terra como domínio masculino, a sociedade nascente precisou definir as questões relacionadas aos direitos de herança, cujo interesse era que fossem transferidos aos herdeiros do sexo masculino. A partir desse contexto há a necessidade de controlar a sexualidade da mulher e, na medida em que os governos dominados por homens cresciam, mais e mais eram tolhidos os direitos das mulheres.

Mantido o contexto de dominação das moças de família, era esperada uma postura recatada, pois, preparadas para o casamento, deveriam comportar-se e manter a honra acima de tudo; das perdidas tudo se podia esperar ou conseguir. O teatrólogo Nelson Rodrigues (2004RODRIGUES, N. Otto Lara Resende ou Bonitinha, Mas Ordinária. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 2004.), em Bonitinha, Mas Ordinária, peça de 1962, retrata a situação de controle sobre as mulheres, ao contrapor os dramas de Maria Cecília e Ritinha, ficando a cargo do leitor, ao final de três atos, decidir quem seria a ordinária. À Ritinha, contudo, pode-se atribuir, ainda, a visão da heroína ordinária, mulher comum, do povo, oprimida pela falta de recursos e pela responsabilidade em relação à família: “caiu na vida” para sustentar a mãe doente e as irmãs.

Ao percorrer a história das mulheres, a filósofa feminista Simone Beauvoir (2016BEAUVOIR, S. O segundo sexo: fatos e mitos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.), em O segundo sexo, publicado originalmente em 1949, destaca o ingresso no mercado de trabalho como o grande propulsor das transformações do papel e da posição da mulher nos espaços públicos. A partir da existência da mulher no campo econômico é que ela se habilita a poder existir na esfera pública e a demandar o reconhecimento de sua identidade. O ingresso no mercado de trabalho representou a porta para a emancipação da mulher.

A busca por essa emancipação foi trazida à tona pela ativista do movimento feminista Betty Friedan (1971FRIEDAN, B. Mística feminina. Petrópolis: Vozes , 1971.), em A mística feminina, livro publicado originalmente em 1963. O movimento dirigido à contestação da posição social das mulheres entre as décadas de 1960 e 1970 buscou igualdade entre os gêneros respeitando as condições biológicas de homens e mulheres.

Essas discussões foram ampliadas e incorporadas a outras esferas, dentre elas os Estudos Organizacionais, que passaram a incorporar questões da identidade de gênero construídas nos diversos meios, assim como a tratar dos desafios para trazer à tona discursos marginalizados e não reconhecidos em um ambiente no qual o discurso é fonte de sustentação do poder.

A busca pela construção de espaços para discursos marginalizados cunha na prática feminista pós-moderna um engajamento de caráter político mais complexo em sua luta por espaços, posições e combate incansável contra as várias formas de machismo e sexismo oriundo do modelo patriarcal, que organiza vários aspectos das relações sociais (AHL, 2006AHL, H. Why research on women entrepreneurs needs new directions. Entrepreneurship: Theory and Practice, v. 30, n. 5, p. 595-621, 2006.; CALÁS e SMIRCICH, 2010CALÁS, M. B.; SMIRCICH, L. Do ponto de vista da mulher: abordagens feministas em estudos organizacionais. In: CALDAS, M.; FACHIN, R.; FISCHER, T. (Org.). Handbook de Estudos Organizacionais: modelos de análise e novas questões em Estudos Organizacionais. São Paulo: Atlas 2010. p. 273-327.; VACHHANI e PULLEN, 2019VACHHANI, S. J.; PULLEN, A. Ethics, politics and feminist organizing: writing feminist infrapolitics and affective solidarity into everyday sexism. Human Relations, v. 72, n. 1, p. 23-47, 2019.). Tais lutas envolvem questões do feminismo negro, do assédio, dos corpos, da sexualidade, da subalternidade e do local de fala, dentre muitas outras (DAVIES, 2016DAVIES, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.; RIBEIRO, 2017RIBEIRO, D. O que é lugar de fala?Belo Horizonte: Letramento, 2017.; ROTTENBERG, 2017ROTTENBERG, C. Neoliberal feminism and the future of human capital. Signs: Journal of Women in Culture and Society, v. 42, ,n. 2, p. 329-348, 2017.; SPIVAK, 2014SPIVAK, G. C. Pode o subalterno falar?Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2014.).

Contudo, uma importante lacuna relacionada a maior compreensão sobre o organizar cotidiano do feminismo enquanto prática vem sendo examinada por pesquisadoras feministas no âmbito dos Estudos Organizacionais. Trata-se da solidariedade afetiva, identificação oriunda de um sentimento de injustiça partilhado e um desejo de retificá-lo, um feminismo movido pelo desejo de narrar um mundo melhor (HEMMINGS, 2012HEMMINGS, C. Affective solidarity: feminist reflexivity and political transformation. Feminist Theory, v. 13, n. 2, p. 147-161, 2012.; RIBEIRO, OLIVEIRA e IPIRANGA, 2018RIBEIRO, R. C. L.; OLIVEIRA, F. F. T.; IPIRANGA, A. S. R. The organizing of solidarity resistance practices in a women’s network. In: GENDER, WORK & ORGANISATION CONFERENCE, 10., 2018, Sydney. Proceedings... Sydney: Macquarie University, 2018.; VACHHANI e PULLEN, 2019VACHHANI, S. J.; PULLEN, A. Ethics, politics and feminist organizing: writing feminist infrapolitics and affective solidarity into everyday sexism. Human Relations, v. 72, n. 1, p. 23-47, 2019.).

Para Vachhani e Pullen (2019VACHHANI, S. J.; PULLEN, A. Ethics, politics and feminist organizing: writing feminist infrapolitics and affective solidarity into everyday sexism. Human Relations, v. 72, n. 1, p. 23-47, 2019.) o Everyday Sexism Project constitui um marco para o exame de um novo organizar do feminismo, relacionado às práticas cotidianas e atento às opressões de grande e pequeno porte, para as quais a solidariedade afetiva emerge como elemento para superação do individualismo e um organizar solidário. Esse feminismo praticado, alicerçado na solidariedade e no afeto, compartilha uma “obrigação de dar”, fruto da situação de opressão que vivenciam, ninguém tem mais do que o outro, e o que eles possuem é compartilhado na necessidade da generosidade como revanche (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.).

Ao enfatizar as questões da mulher, a heroína “ordinária”, na malha de práticas que formam o cotidiano dos atores que sobrevivem em um mundo no qual predomina a “distribuição desigual de forças” (GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29., p. 18) se articulam conceitos relacionados às estratégias de dominação e ao organizar das práticas de resistência, construídas por meio das astúcias, a supremacia da métis (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) e da solidariedade afetiva como base para o feminismo enquanto prática (HEMMINGS, 2012HEMMINGS, C. Affective solidarity: feminist reflexivity and political transformation. Feminist Theory, v. 13, n. 2, p. 147-161, 2012.; RIBEIRO, OLIVEIRA e IPIRANGA, 2018RIBEIRO, R. C. L.; OLIVEIRA, F. F. T.; IPIRANGA, A. S. R. The organizing of solidarity resistance practices in a women’s network. In: GENDER, WORK & ORGANISATION CONFERENCE, 10., 2018, Sydney. Proceedings... Sydney: Macquarie University, 2018.; VACHHANI e PULLEN, 2019VACHHANI, S. J.; PULLEN, A. Ethics, politics and feminist organizing: writing feminist infrapolitics and affective solidarity into everyday sexism. Human Relations, v. 72, n. 1, p. 23-47, 2019.).

A próxima seção busca estabelecer a relação entre as práticas de resistência do cotidiano e a estética de “lances” conduzida pela heroína “ordinária”, bem como o organizar dos movimentos de resistência de natureza infrapolítica em suas interações com as teias de acontecimentos que conformam a cultura “ordinária”.

A “estética de lances” e as práticas de resistência

Na visão da historiadora feminista Michelle Perrot (2007PERROT, M. Minha história sobre as mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.), a história oficial pouco tem se dedicado à vida das mulheres no que tange ao trabalho realizado por elas, inclusive em relação às atividades artesanais. O trabalho exercido pela mulher foi geralmente relegado a segundo plano, ou era considerado uma espécie de suporte ao ofício principal dos homens. Sennett (2009SENNETT, R. O artífice. 2. ed. São Paulo: Record, 2009., p. 72), também sob uma perspectiva histórica, esclarece que “o homem do ofício artesanal não aceitava as mulheres como membros das guildas, embora [elas] cozinhassem e limpassem na casa das oficinas”.

Todavia, mesmo que a história oficial não tenha retratado o trabalho da mulher, ele foi narrado pelos contadores de histórias anônimos das comunidades nas quais elas estavam inseridas. Portanto, a oralidade da narrativa possibilitou que as práticas artísticas desenvolvidas pelas mulheres perpassassem as gerações. É sob essa perspectiva que o filósofo da história Walter Benjamin (1994BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994) ressalta que o trabalho artesanal das sociedades anteriores ao capitalismo ou à “modernidade” disponibilizava o tempo ocioso fundamental para ouvir e ser ouvido dentro da coletividade.

Para Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.), não é possível atar no passado, nas zonas rurais ou nos primitivos o modus operandi de uma cultura popular, já que eles ainda existem no centro do domínio da economia contemporânea. O autor ressalta o trabalho com as sucatas dentro do contexto histórico, cujo fenômeno se generaliza por toda parte, mesmo ainda não sendo valorizado pela sociedade. Porém, a reutilização dos restos provenientes da produção capitalista, nesse caso, não está ligada a um discurso ideológico, mas a uma ordem representada por uma arte.

A sensibilidade diante dos objetos por aqui e por ali dispostos instiga a prática livre e criativa que representa um saber-fazer do artista, no que Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) denominaria estética de “golpes” ou de “lances”. Tais práticas estéticas constituem um “desvio” que se infiltra na ordem estabelecida das coisas por meio de táticas populares e vão estabelecer uma ordem representada pela arte. Assim, o trabalhador/artista não está reproduzindo o modus operandi da ordem vigente, mas imprimindo sua identidade nos objetos por ele reconstruídos, ou seja, ele constrói uma nova narrativa, estética artística, ética moral, com conotações infrapolíticas. Obtém-se, desse modo, uma prática estética na qual se insinua “um estilo de trocas sociais, um estilo de invenções técnicas e um estilo de resistência moral” em prol da valorização da cultura ordinária (GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29., p. 19).

Para tanto, o trabalhador/artista precisa ter uma prática vigilante, sorrateira, deve estar no local que ninguém espera, ser astuto. As práticas de um trabalhador/artista astucioso são consonantes à métis grega que Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) e Datienne e Vernant (2008DATIENNE, M.; VERNANT, J. P. Métis: as astúcias da inteligência. São Paulo: Odysseus, 2008.) descrevem como um modo de operação que explica como os sujeitos resistem a ser reduzidos aos termos das práticas estratégicas da ordem dominante com sua ampla rede de disciplina.

Portanto, o que essas práticas de resistência a partir da reutilização da sucata pela arte revelam são “espaços de passagem” que constroem pontes entre diferentes fronteiras. Segundo Benjamin (2006BENJAMIN, W. Passagens. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 2006.), constituem uma reformulação dos espaços públicos, em que elementos das vidas privada e pública ganham novos limites, dados ao culto, à exposição e à valorização da visibilidade nas prateleiras e bancadas.

Dessa forma, a estética do produto descartado traz à baila algumas perspectivas relacionadas ao ciclo de uso-abandono-destinação, no tempo e espaço, e a necessidade de reutilizar de outras formas. Trata-se da desconstrução do status da materialidade. Isso altera o destino usual e corriqueiro dado às sobras do consumo, transformando-as em novas práticas em resposta a distintas solicitações de uso, muitas vezes completamente diferentes das originais e insuspeitas quando em sua concepção. Tais materialidades são imbuídas de outros sentidos, significados e valores, deslocando-se, ampliando-se e configurando novos espaços, organizando diferentes práticas de resistência, inclusive de caráter infrapolítico (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.).

Terdiman (2001TERDIMAN, R. The marginality of Michel de Certeau. The South Atlantic Quaterly, v. 100, n. 2, p. 399-421, 2001.), ao discutir a questão das margens em Michel de Certeau, enfatiza a importância das fronteiras para a sensibilidade histórica e interpretativa. Para o autor, as fronteiras estão em constante transformação, metamorfoseando topologias e moldando temporalidades. Encontra-se nas fronteiras o local no qual se materializam significados possíveis, sendo estes um efeito de tais fronteiras. As chamadas “maneiras de fazer” são formadas pelas diversas práticas que os usuários utilizam para se reapropriar de espaços organizados e controlados pela produção sociocultural das estruturas tecnocráticas por meio de uma multiplicidade de táticas e estratégias.

Por práticas se entende as operações comuns dos indivíduos no cotidiano e nelas estão inseridas as experiências particulares e as ações que perneiam o espaço onde tais práticas acontecem (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.). Em sua investigação sobre a construção do cotidiano, interessa descobrir quais práticas populares jogam contra os mecanismos estratégicos de disciplina e como a junção de astúcias, bricolagens, criatividade e arte vão construir e burlar a ordem imposta à cultura ordinária.

As práticas de resistência são entendidas como uma relação natural às formas de poder vigentes também na vida organizacional, a qual é tema de estudos como os que relacionam o significado dos objetos pessoais em escritórios e outros ambientes de trabalho (YU-KWAN NG e HÖPFL, 2011YU-KWAN NG, R.; HÖPFL, H. Objects in exile: the intimate structures of resistance and consolation. Journal of Organizational Change Management, v. 24, n. 6, p. 751-766, 2011); ou horas de expediente dedicadas a atividades não relacionadas ao trabalho (PAULSEN, 2015PAULSEN, R. Non-work at work: resistance or what? Organization, v. 20, n. 10, p. 351-367, 2015.).

Ainda no âmbito dos estudos organizacionais, Spicer e Böhm (2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.) destacam que essas práticas de resistência se apresentam de múltiplas formas no contexto do trabalho ou da sociedade civil, podendo ser de natureza política ou infrapolítica. Segundo os autores, os movimentos da sociedade civil de natureza infrapolítica são organizados de maneira muito informal e envolvem lutas por reconhecimento cultural e justiça, incluindo a econômica, de gênero, a racial e a ambiental, dentre outras. Os autores reforçam a importância de reconhecer tais discursos de resistência, que se opõem ao mainstream da administração (FLEMING e SPICER, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.).

Para Spicer e Böhm (2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.), dentre os tipos de estratégias de resistência no seio da sociedade civil está presente o aspecto da micropolítica, que envolve as ligações por afinidade. Sob essa perspectiva, os movimentos são ligados entre si por emoções e anseios coletivos, que têm um papel importante na união dos grupos sociais, pois estabelecem padrões semelhantes de afeto e ressonância que criam afinidades. As emoções coletivas mantêm os grupos reunidos, criam um senso de coletividade e estabelecem sentimentos de solidariedade entre os diferentes membros dos grupos.

Um exemplo de organização que utiliza estratégias de resistência por afinidade para se opor ao modelo cultural dominante é abordado por Barcellos, Dellagnelo e Salles (2017BARCELLOS, R. M. R.; DELLAGNELO, E. H. L.; SALLES, H. K. Reposicionando conceitos: a organização fora dos eixos. Revista de Administração de Empresas, v. 57, n. 1, p. 10-21, 2017.), ao realizar um estudo de caso sobre um agrupamento de coletivos de produção cultural independente. As autoras destacam que a análise de organizações que se encontram nas fronteiras da ordem social, em contraposição aos modelos tradicionais de organização e gestão, pode constituir um fecundo campo de desenvolvimento de novas abordagens para os estudos organizacionais.

METODOLOGIA

A pesquisa foi desenvolvida com base em uma abordagem qualitativa, por meio de estudo de caso. Em sua operacionalização, buscou-se a compreensão do organizar da malha de práticas cotidianas que envolvem a estética de lances e as táticas e estratégias de resistência, inclusive de caráter infrapolítico, por meio da arte de uma artesã e das ações de uma rede de mulheres da qual ela faz parte, com o menor afastamento possível de seu ambiente natural, para permitir a análise do que está subjacente aos acontecimentos em processo (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.).

O estudo de caso abarca o caminho metodológico dessa pesquisa, que foi suportado pela observação direta não participante e o diário de campo, a pesquisa documental e as entrevistas em profundidade (GODOI, BANDEIRA-DE-MELLO e SILVA, 2010GODOI, C. K.; BANDEIRA-DE-MELLO, R.; SILVA, A. B. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2010.).

A análise de relatos, segundo Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.), foi a técnica utilizada para examinar à luz da teoria os achados de campo que constituíram o corpus da pesquisa. Segundo o autor, os relatos apresentam três características ou formatos principais: (i) disseminação, que ocorre por conta dos heterogêneos elementos dos meios sociais onde são constituídos; (ii) miniaturização: reduz-se a um indivíduo ou a um pequeno grupo; e (iii) polivalência, a mistura dos vários microrrelatos lhes atribuir diferentes funções ao sabor dos grupos alcançados por eles. Assim, os fragmentos de relatos efetuam, sem cessar, operações de demarcação e estabelecem novas fronteiras ou práticas sociais.

A seleção do caso de estudo

Foram mapeadas 5 mulheres beneficiárias do Crediamigo com atuação no artesanato de reciclagem, a fim de selecionar um caso para a construção da pesquisa. O Crediamigo é um relevante programa de microcrédito com atuação no Nordeste que tinha, em dezembro de 2017, mais de 2 milhões de clientes ativos e emprestou mais de R$ 8 bilhões aos empreendedores da região no ano indicado (BANCO DO NORDESTE, 2018BANCO DO NORDESTE. Programas de Microfinanças do Banco do Nordeste: relatório2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.bnb.gov.br/documents/22492/23742/OS-2018050RELATO%CC%81RIO+DE+ MICROFINANC%CC%A7AS+2017+WEB.pdf/8ff13a3a-ae62-ef7d-da07-5843347dbdd2 >. Acesso em: 10 out. 2018.
https://www.bnb.gov.br/documents/22492/2...
).

A artesã escolhida realiza práticas artísticas relacionadas ao reaproveitamento de materiais como filtros de carro, lona de freio, vidros, disco e CDs, dentre outros. Ao iniciar as entrevistas, ainda nos primeiros contatos, com a finalidade de estabelecer qual caso seria estudado, identificou-se o o papel da artesã junto à rede de mulheres, o que possibilitou ampliar a malha de práticas sob investigação.

Assim, a escolha dessa artesã para o estudo decorreu do fato dela ser considerada um caso representativo do fenômeno de resistência infrapolítica diante da ordem hegemônica vigente, em virtude do organizar de diferentes práticas conduzidas por ela, já que se distanciava dos modelos de gestão recorrentes nas organizações (FLEMING e SPICER, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.).

A escolha se coaduna com premissas apresentadas por Godoy (2010GODOY, A. S. Estudo de caso qualitativo. In: GODOI, C. K.; BANDEIRA-DE-MELLO, R.; SILVA, A. B. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva , 2010. p. 115-146., p. 127), ao discutir os estudos de caso qualitativos, quando esclarece que estes podem surgir de situações cotidianas quando se deseja “explicar alguma situação a partir da prática”. Além disso, a autora aponta a pertinência da opção pelo caso único quando este representa uma situação rara que valha a pena documentar.

Também atende ao proposto por Moraga e Anzaldúa (2015MORAGA, C.; ANZALDÚA, G. This bridge called my back: writings by radical women of color. Albany: Suny, 2015.) quando defendem a necessidade de ampliação de espaços para que as histórias das mulheres sejam contadas em suas próprias palavras, ampliando as discussões de gênero para incorporar questões que envolvem identidade estabelecida por meio da cor da pele, posses etc. Nesse diapasão, a escolha da artesã contribui para a investigação do homem comum - no caso, da mulher comum, nossa heroína ordinária que, conforme Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.), só mais recentemente tem se tornado sujeito de estudos acadêmicos.

A rede de mulheres começou a se organizar, de modo muito informal, por volta de 2003, em práticas que envolviam a comunidade na produção de desfiles de moda nas ruas do bairro com a utilização de materiais reciclados para produção das peças. Posteriormente, nossa artesã, em conjunto com uma amiga, consideradas as fundadoras da rede, assumiu, durante duas administrações, a associação dos moradores do bairro.

Esse fato possibilitou a formação de parcerias e a ampliação das práticas voltadas à geração de renda para as mulheres da comunidade, sempre com o viés da sustentabilidade. A rede adquire, então, um caráter de movimento, sem uma coordenação definida, que reúne um conjunto de cerca de 75 mulheres do bairro, mas que atua em outras localidades de Fortaleza e em municípios do interior do estado, o que amplia o alcance de sua malha de práticas.

Os processos de observação, a identificação das práticas e a articulação dos relatos

A observação e a apreensão das práticas a partir da articulação dos relatos da artesã foi feita de modo descritivo e incorpora as características da pesquisa complexa, que desencaminha lógicas pré-estabelecidas (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.). Uma das principais características na abordagem que utiliza as práticas como ponto de partida é a visão de processo. Os estudos das práticas pressupõem a análise do acontecimento em processo. A estrutura de linguagem prioriza a ação e encara a realidade como processual, heterogênea e emergente. A organização das práticas, portanto, perde sua natureza estática para ganhar visão do espaço de interação entre indivíduos e artefatos que a formam (CARRIERI, PERDIGÃO e AGUIAR, 2014CARRIERI, A. P.; PERDIGÃO, D. A.; AGUIAR, A. R. C. A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais. Revista de Administração (São Paulo), v. 49, n. 4, p. 698-713, 2014.; CHIA, 1995CHIA, R. From modern to postmodern organizational analysis. Organization Studies, v. 16, n. 4, p. 579-604, 1995.; COOPER, 1976COOPER, R. The open field. Human Relations, v. 29, n. 11, p. 999-1017, 1976.; COOPER e BURREL, 2007COOPER, R.; BURREL, G. Modernismo, pós-modernismo e análise organizacional: uma introdução. In: CALDAS, M. P.; BERTERO, C. O. (Coord.). Teoria das organizações. São Paulo: Atlas , 2007. p. 312-334.).

Portanto, quanto ao procedimento de observação da malha de práticas relacionadas a uma estética de “lances” e a resistência, optou-se por focar o processo de produção artística de um pavão, em que foram empregados tipos distintos de filtros automotivos, provenientes da parceria da artesã com uma grande concessionária automotiva.

Esse processo de produção artística foi considerado representativo para este estudo. Primeiro, porque se estabelece interação com uma organização de grande porte do setor automotivo, o que configura uma forma de astúcia por parte da artesã e uma estratégia por parte da concessionária. No caso dessa relação, o objetivo da concessionária é dar uma destinação ao descarte de filtros; e o da artesã é o reaproveitamento desses resíduos como matéria-prima para sua prática artística. Segundo, porque a representação o pavão é encontrada em um dos principais cordéis nordestinos, O pavão misterioso, o qual traz uma interpretação de aspectos imemoriais inerentes à cultura dessa região do Brasil. A Figura 1 apresenta um pavão produzido a partir dos filtros, utilizados na base sobre a qual a ave repousa e em suas asas.

Figura 1
Pavão de filtros Fonte:

O campo estudado extrapola os espaços físicos no ateliê da artesã, uma vez que se almejou chegar ao que Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) denominou lógicas operatórias, nas quais se explicitam as combinatórias de operações que organizam as práticas cotidianas entre diferentes fronteiras espaciais ao elucidar as trajetórias das ações da mulher artesã.

Em um primeiro momento, as observações da pesquisa ocorreram no ateliê da artesã, situado no bairro Serrinha, em Fortaleza. O ateliê se localiza na própria casa da artesã, onde são realizadas as práticas artísticas de resistência, como oficinas de artes voltadas à comunidade e encontros das mulheres empreendedoras engajadas na rede - que atuam em organizações distintas.

A pesquisa de campo também envolveu a visita à exposição “Elas”, composta por vinte quadros artísticos de autoria da artesã retratando mulheres, organizada em uma instituição de Ensino Superior em Fortaleza. A Figura 2 apresenta uma das telas que compõem a exposição, a qual dá aos filtros automotivos uma reutilização diferente - representação das saias das bailarinas.

Figura 2
Tela da exposição “Elas” utilizando filtros automotivos

Para a análise do engajamento aos movimentos cotidianos de resistência, nesse caso decorrente de afinidade, observou-se a participação da artesã na rede de mulheres, movimento de natureza infrapolítica voltado a lutas que envolvem questões de gênero, que teve por objetivo abrir o campo de possibilidades para a observação de novas práticas do tipo estratégicas e táticas e suas interseções com um feminismo posto em prática.

Também se realizou pesquisa documental, por meio de sites, jornais, revistas e vídeos, com o fim de levantar informações sobre o caminhar da artesã no contexto de seu ateliê e em exposições e, ainda, na rede de mulheres. A artesã e a rede de mulheres utilizam como estratégia se manter presentes em exposições, eventos empresariais e feiras.

A pesquisa de campo foi realizada de setembro a dezembro de 2016, período no qual foram feitas 5 visitas ao ateliê da artesã, com duração entre 2 e 3 horas cada. Essas visitas foram realizadas aos sábados pela manhã, período de maior disponibilidade para a artesã, e em uma sexta-feira à noite, quando ocorreu a observação da prática artística de produção do pavão. Nas noites de sexta-feira o ateliê fica aberto para a realização de oficinas gratuitas com os moradores da comunidade, inclusive as mulheres da rede. A visita à exposição “Elas”, com duração aproximada de 1 hora, ocorreu em novembro de 2016.

O corpus foi constituído a partir de transcrição, organização das informações e articulação entre os relatos da artesã e de outras 2 mulheres que foram denominadas respondente 1 (R1) e respondente 2 (R2), membros da rede e outros 2 atores participantes dos trabalhos, 1 aluno das oficinas e 1 artista plástico. Também constituem o corpus: documentos, vídeos, fotografias, diário de campo e entrevistas em profundidade (gravadas em vídeo).

As questões iniciais se voltaram à compreensão dos relatos acerca do organizar de práticas cotidianas relacionadas à estética de “golpes” ou “lances”, acionadas por meio das astúcias da artesã. O mapeamento da malha de práticas a partir do corpus foi desdobrando-se nos seguintes processos de resistência: o aproveitar dos resíduos sólidos; o incorporar de elementos da cultura às práticas artísticas; o envolvimento de pessoas da comunidade nas oficinas e na rede de mulheres; o construir parcerias com os fornecedores de tais resíduos; e o construir espaços para divulgação da arte produzida a partir da sucata.

Posteriormente, as questões passaram a contemplar especificamente como ocorria o organizar da rede de mulheres, envolvendo o feminismo enquanto prática e o organizar de resistência e luta contra as diversas formas de opressão, bem como as práticas envolvidas na construção de laços de afeto e ressonância entre as participantes, característicos dos movimentos infrapolíticos de resistência (HEMMINGS, 2012HEMMINGS, C. Affective solidarity: feminist reflexivity and political transformation. Feminist Theory, v. 13, n. 2, p. 147-161, 2012.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.; VACHHANI e PULLEN, 2019VACHHANI, S. J.; PULLEN, A. Ethics, politics and feminist organizing: writing feminist infrapolitics and affective solidarity into everyday sexism. Human Relations, v. 72, n. 1, p. 23-47, 2019.).

Análise de relatos sobre o organizar de práticas

A análise dos relatos relacionados ao organizar de práticas foi estruturada em três seções: i) o Pavão misterioso, enfatizando sua reconstrução simbólica enquanto processo de microrresistência e discutindo os fragmentos de relatos articulados referentes às malhas de práticas observadas, quais sejam: ii) o organizar de práticas artísticas relacionadas à estética de lances e de resistência da artesã e iii) o organizar de práticas de resistência, de afeto e ressonância, de caráter infrapolítico, mapeadas nos processos da rede de mulheres.

O pavão misterioso: a microrresistência como reconstrução simbólica

No Nordeste, a tradição da oralidade na narrativa é identificada principalmente na literatura de cordel, a qual representa um importante meio de resguardar a memória popular com a transformação de temas cotidianos em canções rimadas a divulgar em feiras e folhetos de cordel (BRASILEIRO e SILVEIRA, 2013BRASILEIRO, O. J.; SILVEIRA, R. C. Literatura e oralidade no cordel: identidade e memória cultural nordestina. Nau Literária, v. 9, n. 2, p. 2-9, 2013.).

O pavão misterioso, um dos cordéis nordestinos mais conhecidos, é uma narrativa brasileira de cunho coletivo que vem sendo contada e recontada por inúmeros coautores anônimos e reflete a comunicação e a cultura do homem comum no decorrer do tempo e da história (BENJAMIN, 1994BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994). Apesar de sua primeira autoria ainda ser incerta, a adaptação mais conhecida foi escrita por José Camelo de Melo Rezende (2000REZENDE, J. C. M. O romance do pavão misterioso. In: ACADEMIA BRASILEIRA DE LITERATURA DE CORDEL - ABLC. 100 cordéis históricos segundo a Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Rio de Janeiro: ABLC, 2000. p. 54-56.). Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 61) ressalta que “o enfoque da cultura começa quando o homem ordinário se torna o narrador, quando define o lugar (comum) do discurso e o espaço (anônimo) de seu desenvolvimento”. Portanto, a narrativa não pertence ao narrador, uma vez que o extrapola e só faz sentido se assim for.

O cordel apresenta a narrativa dos desvios e resistências praticados pela astuta Crêuza e por seu pretendido noivo, Evangelista, representados na metamorfose do Pavão misterioso. Este é o produto artesanal concebido pelas práticas de um artesão que exuma sucatas e materiais mortos, atribuindo-lhes um novo significado, estabelecendo novas relações e, como desdobramento, construindo um pavão que voa.

José Camelo de Melo Rezende (2000REZENDE, J. C. M. O romance do pavão misterioso. In: ACADEMIA BRASILEIRA DE LITERATURA DE CORDEL - ABLC. 100 cordéis históricos segundo a Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Rio de Janeiro: ABLC, 2000. p. 54-56., p. 53-54) narra: “O grande artista Edmundo/Desenhou nova invenção/Fazendo um aeroplano/De pequena dimensão/Fabricado de alumínio/De importante amarração/ [...] Tinha cauda como leque/As asas como pavão/Pescoço, cabeça e bico/‘Lavanca’, chave e botão/Voava igualmente ao vento/Para qualquer direção”.

No campo aberto, incerto, das narrativas anônimas, onde transitam as histórias da “mulher ordinária”, têm-se as artimanhas tecidas por elas que se desdobram em invenções cotidianas, sendo estas um reflexo de sua personalidade, seu estilo de vida e o lugar que habitam. Assim, por meio dos relatos orais, o Pavão misterioso se torna um símbolo da cultura nordestina, cuja narrativa envolve os aspectos de disseminação e polivalência tratados por Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) e, assim, fornece inspiração para uma série de práticas.

Ao alcançar a artesã, tais relatos são ressignificados por meio de suas práticas artísticas criativas que, ao fazer uso de sua métis, mobilizam recursos insuspeitos para a construção de desvios e microrresistências à ordem social vigente e, assim, possibilitam à artesã assumir o protagonismo e a autoria da sua “arte de fazer”.

Desse modo, nossa artesã também se torna uma narradora a depositar na teia dos acontecimentos sua arte, produzida por meio de “golpes” e resistências a uma ordem imposta ao destinar a novos usos os objetos do descarte daqueles que detêm o poder. São metamorfoses e reconfigurações de fronteiras e margens que vão acabar sobrepondo-se aos mecanismos de opressão (BENJAMIN, 1994BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994; CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; TERDIMAN, 2001TERDIMAN, R. The marginality of Michel de Certeau. The South Atlantic Quaterly, v. 100, n. 2, p. 399-421, 2001.).

São as trocas sociais (por meio da constante ressignificação simbólica), as invenções técnicas (que permitem transformar a sucata em arte) e a resistência moral (contra a ordem das coisas) características da estética de golpes em ação na valorização da cultura ordinária (GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29.).

O organizar de práticas artísticas e de resistência da artesã

Nesta seção, analisamos as práticas artísticas da estética de “lances” e os processos de resistência da artesã, engendrados a partir do uso da métis, com base nos conceitos de Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.), Datienne e Vernant (2008DATIENNE, M.; VERNANT, J. P. Métis: as astúcias da inteligência. São Paulo: Odysseus, 2008.), Giard (2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29.) e Terdiman (2001TERDIMAN, R. The marginality of Michel de Certeau. The South Atlantic Quaterly, v. 100, n. 2, p. 399-421, 2001.).

Os fragmentos dos relatos selecionados para a análise oriundos do corpus empírico da pesquisa denotam que as práticas de resistência da artesã para a sobrevivência no campo econômico encontraram entraves oriundos dos reflexos das macropolíticas econômicas no cotidiano da mulher ordinária. A fim de superar tais entraves, a artesã iniciou o desenvolvimento de uma série de práticas relacionadas ao reaproveitamento dos resíduos sólidos (a sucata).

Na observação direta realizada no ateliê da artesã, percebemos que suas práticas artísticas advêm dos artesanatos produzidos a partir da reutilização de diversos tipos de materiais que são descartados, como CDs, potes de sorvete, antenas parabólicas, lona de banners etc. Mostram, assim, uma sensibilidade diante das possibilidades difusas e criativas que a “reconstrução” e transformação dos materiais proporcionam em meio ao “carnaval subversivo” (BROWNLIE e HEWER, 2011BROWNLIE, D.; HEWER, P. Articulating consumers through practices of vernacular creativity. Scandinavian Journal of Management, v. 27, n. 2, p. 243-253, 2011.).

O reúso dos materiais se mostra como fruto de uma prática astuciosa e atenta ao surgimento e captação de oportunidades, com o uso da métis (DATIENNE e VERNANT, 2008DATIENNE, M.; VERNANT, J. P. Métis: as astúcias da inteligência. São Paulo: Odysseus, 2008.), em um lance estético envolto em uma sagacidade ética moral (GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29.), como se percebe nesta fala:

Por um ano e meio eu fiquei assim parada e estava pensando, refletindo, mas trabalhando. E foi aí que eu falei: uma hora isso vai dar certo, eles estão pegando muito nessa parte da sustentabilidade, da preservação dos recursos naturais e é aí onde a gente vai começar, vai ter uma visibilidade maior, vai ser nosso trabalho, nosso ganho (Trecho de entrevista com a artesã gravada em vídeo).

Dentre os materiais reutilizados pela artesã estão os filtros automotivos, considerados por ela o “carro-chefe” de sua prática artístico-artesanal. Primeiro, as práticas foram voltadas à produção de bancos forrados com tecidos, bolsas e os mais diversos produtos artesanais.

Posteriormente, ao lançar mão dos elementos de reconstrução simbólica, a artesã capturou, em uma prática da estética de “lances” (GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29.), no filtro do carro, preso, cerceado, os contornos de um animal polimorfo, plebeu e nobre no recolher ou expandir de sua cauda e, junto com ele, a oportunidade de retirá-lo do mundo do descarte para trazê-lo ao mundo da arte e por meio dele resistir:

Toda vida que eu pegava um filtro eu achava que ficava bacana um pavão, essa ideia não me saía da cabeça. Ele [o filtro] vem todo montadinho assim. Quando a gente abre assim olha [abrindo um filtro de carro] só dá para gente imaginar um pavão. Só dá para visualizar um pavão. Aí, quando eu fiz, todo mundo gostou e eu também gostei (Trecho de entrevista com a artesã gravada em vídeo).

Durante os procedimentos de observação direta, identificamos que as práticas de criação do pavão envolvem 2 tipos de filtro e outros materiais, como: sabão, água sanitária, tinta para tecido etc. O processo artístico ocorre em 2 dias, uma vez que são utilizadas várias técnicas de tintura e colagem.

Tais práticas estético-artísticas representam, na definição de Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 46), “pequenos sucessos, artes de dar golpe [...] achados que provocam euforia, tanto poéticos quanto bélicos”. No organizar de tais práticas artísticas e de resistência, observou-se que há a necessidade de perceber a ocasião exata que vai permitir apreender a oportunidade, sempre fluida, ambígua, fugaz (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29.).

A fim de manter as práticas táticas utilizadas para resistência contra as forças de opressão, como as necessidades no campo econômico, a artesã buscou práticas de parceria com concessionárias automotivas em Fortaleza. Por meio das práticas de parcerias, a artesã recebe materiais descartados pela indústria automobilística e abre espaços para a realização de exposições e vendas de objetos artísticos artesanais. São viabilizadas, assim, formas de golpear tanto o sistema da cadeia industrial quanto o sistema de macropolíticas econômicas.

Esse jogar o jogo do outro, esse organizar de práticas artísticas de resistência, proporcionam à nossa artesã transformações ao ampliar as fronteiras, adentrando espaços que tradicionalmente não lhe pertenceriam, como revelado nas práticas de interação com grupos dominantes representadas por parcerias com as elites gerenciais do setor automobilístico (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; TERDIMAN, 2001TERDIMAN, R. The marginality of Michel de Certeau. The South Atlantic Quaterly, v. 100, n. 2, p. 399-421, 2001.).

As bricolagens dão forma às astúcias engendradoras de práticas artísticas e de resistência do tipo táticas e representam a resposta a um ambiente de dominação. Esse movimento é realizado a partir do campo do forte, o inimigo, e busca a ocupação do lugar do outro golpe por golpe, lance por lance (GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29.; CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.).

Tais táticas ou resistências são trazidas pelo mais fraco, desde tempos imemoriais, diante dos deuses mitológicos, as estratégias dos detentores de poder ou as batalhas contra forças como a violência, os poderosos, a doença ou a pobreza. No caso específico da mulher ordinária, representam o feminismo enquanto prática e também envolvem lutas contra forças de opressão oriundas de práticas machistas e sexistas, batalhas travadas no campo do outro, e possibilitam a conquista de vitórias fugazes (CALÁS e SMIRCICH, 2010CALÁS, M. B.; SMIRCICH, L. Do ponto de vista da mulher: abordagens feministas em estudos organizacionais. In: CALDAS, M.; FACHIN, R.; FISCHER, T. (Org.). Handbook de Estudos Organizacionais: modelos de análise e novas questões em Estudos Organizacionais. São Paulo: Atlas 2010. p. 273-327.; CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; DATIENNE e VERNANT, 2008DATIENNE, M.; VERNANT, J. P. Métis: as astúcias da inteligência. São Paulo: Odysseus, 2008.; VACHHANI e PULLEN, 2019VACHHANI, S. J.; PULLEN, A. Ethics, politics and feminist organizing: writing feminist infrapolitics and affective solidarity into everyday sexism. Human Relations, v. 72, n. 1, p. 23-47, 2019.), assim como o organizar infrapolítico por meio de uma rede de mulheres - como se analisa na próxima seção.

O feminismo enquanto prática: a resistência e o organizar infrapolítico da rede de mulheres

Esta seção discute o feminismo enquanto prática a partir do organizar de resistência e luta contra as diversas formas de opressão e as práticas envolvidas na construção dos laços de afeto e ressonância entre as participantes da rede, característicos do organizar dos movimentos infrapolíticos de resistência (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; FLEMING e SPICER, 2007FLEMING, P.; SPICER, A. Contesting the corporation: struggle, power and resistance in organizations. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.; VACHHANI e PULLEN, 2019VACHHANI, S. J.; PULLEN, A. Ethics, politics and feminist organizing: writing feminist infrapolitics and affective solidarity into everyday sexism. Human Relations, v. 72, n. 1, p. 23-47, 2019.).

As práticas de resistência são apresentadas por Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) e Spicer e Böhm (2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.) como uma constante ação de superar barreiras de dominação como, por exemplo, a exclusão das mulheres da produção artesanal apontada por Perrot (2007PERROT, M. Minha história sobre as mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.).

A rede de mulheres, na condição de movimento, visa a abrir uma miríade de novos espaços de passagens, ampliando margens e estabelecendo pontes entre diferentes fronteiras ao promover o organizar de práticas feministas de resistência. No caso da rede, o movimento envolve lutas por reconhecimento e justiça econômica e de gênero que são promovidas, por exemplo, pelo incentivo de práticas artísticas e empreendedoras com vários objetivos, dentre eles o de contribuir na geração de ocupação e renda para as mulheres do bairro da Serrinha, onde se localiza o ateliê (SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.; TERDIMAN, 2001TERDIMAN, R. The marginality of Michel de Certeau. The South Atlantic Quaterly, v. 100, n. 2, p. 399-421, 2001.). O trecho abaixo apresenta uma síntese de tais lutas:

A visão do coletivo impulsionou um movimento, não uma associação, de cerca de 75 mulheres na Serrinha. Nele estão envolvidos a consciência coletiva, o ensino, a geração de oportunidades de renda, o resgate da autoestima, a consciência do poder. Mulheres são convidadas a encontrar sua arte e produzir o que gostam, o que sabem: comida, pintura, bolsas, sabão, vida, renda, resgate (Diário de campo).

Essa busca pelo saber fazer (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) de cada uma das mulheres gera diferentes práticas dentro da rede, como R1 aponta:

[...] eu sou do grupo da reciclagem, somos quatro mulheres. Porque a reciclagem é muito rica, a pessoa tem que valorizar. Primeiro é o meio ambiente [...], segundo é uma fonte de renda que se você souber aproveitar dá para viver.

As táticas de luta pela sobrevivência vão, desse modo, mobilizando recursos insuspeitos e o uso da métis possibilita a reconfiguração de usos e a captura de oportunidades. A estética de “lances” assume, assim, uma diferente configuração na qual as trocas sociais advêm do pertencimento a um grupo, e a resistência moral contra a ordem das coisas é compartilhada (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; DATIENNE e VERNANT, 2008DATIENNE, M.; VERNANT, J. P. Métis: as astúcias da inteligência. São Paulo: Odysseus, 2008.; GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.).

Com o organizar das malhas de práticas feministas, a partir do movimento de conotação infrapolítica da rede de mulheres, estabelece-se uma força astuciosa e antagônica aos ambientes e estratégias de controle e poder (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.; VACHHANI e PULLEN, 2019VACHHANI, S. J.; PULLEN, A. Ethics, politics and feminist organizing: writing feminist infrapolitics and affective solidarity into everyday sexism. Human Relations, v. 72, n. 1, p. 23-47, 2019.). Ao mobilizar novas fronteiras para as práticas de resistência e criar oportunidades para que as mulheres, utilizando suas táticas e astúcias, possam tirar proveito de estratégias e espaços abertos pelos mais fortes, a rede assume uma condição de poder estratégico - ainda que informal.

Formular estratégias a partir do espaço do outro possibilita às heroínas ordinárias uma miríade de táticas utilizadas na construção de práticas de resistência. Dessa forma se adentra o espaço do forte e se constroem combinatórias de operações que jogam com a ordem estabelecida (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.). Verifica-se a apropriação do espaço do outro nesta fala:

Foi a [cita uma relevante empresa do setor automotivo], no ano passado a gente [a rede de mulheres] fez um evento lá, bom mesmo. Foi meio-dia, mas foi de conscientização e de vendas. […] a gente leva para fóruns, fóruns ambientais, […] a gente já foi para muitos lugares (Trecho de entrevista com a artesã gravada em vídeo).

Em conjunto com as práticas de resistência de caráter infrapolítico, enfatizamos os movimentos cotidianos que trazem em seu bojo as conexões por afinidade, fruto de padrões de afeto e ressonância, assumindo práticas que não são comuns no mainstream da administração (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; FLEMING e SPICER, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.), o que pode ser constatado nas práticas feministas da rede de mulheres.

A realização das oficinas, por exemplo, voltadas à produção de “arte” por meio da sucata, envolve outras mulheres e outros espaços em Fortaleza. Mais de 30 mulheres do bairro Tancredo Neves estão começando a construir os vínculos de ressonância com a rede e, segundo R2:

[...] o grupo está aumentando [...] o grupo está junto, está unido.

As oficinas da rede envolvem a esperança da justiça econômica, por meio de práticas de produção de uma “arte” que vai ser consumida, mas também a construção de vínculos, como destaca R2:

[...] o cuidar um do outro, não ser só o poder econômico que domina.

Para a artesã, é muito importante que as práticas de oficinas do grupo sejam presenciais para alcançar as mulheres de uma forma que as redes virtuais não conseguem:

Quer dizer, na internet tem como fazer sabão, mas as pessoas, elas querem o contato, elas querem a pessoa [...] principalmente pessoas que não têm muito esclarecimento. Por exemplo, eu, você, a gente vai e têm essa habilidade de lidar com o virtual, mas elas não. Muitas vezes a dona de casa não tem como fazer. Elas têm medo. Muitas vezes elas são analfabetas. Então, a gente chega lá é para levantar mesmo (Trecho de entrevista com a artesã gravada em vídeo).

Essas práticas de ressonância e afeto são essenciais para a criação de um sentimento de coletividade que propiciará a construção de uma solidariedade afetiva entre os membros do grupo (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; HEMMINGS, 2012HEMMINGS, C. Affective solidarity: feminist reflexivity and political transformation. Feminist Theory, v. 13, n. 2, p. 147-161, 2012.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.; VACHHANI e PULLEN, 2019VACHHANI, S. J.; PULLEN, A. Ethics, politics and feminist organizing: writing feminist infrapolitics and affective solidarity into everyday sexism. Human Relations, v. 72, n. 1, p. 23-47, 2019.). Assim, além das práticas voltadas às ações de empreender, a rede também é um espaço onde se compartilham as práticas de opressão enfrentadas especificamente pelas mulheres e envolvem a violência física e psicológica, o rebaixamento da autoestima, o sexismo, a violência doméstica:

Às vezes tem mulheres com problemas de depressão e às vezes chegam aqui desnorteadas. Marido desempregado, marido que bebe, casos de violência doméstica também e às vezes chegam assim sem esperança e a gente dá uma conversada tipo essa que a gente está fazendo aqui. Elas desabafam, choram, e a gente acaba envolvendo os pincéis e depois tudo acaba bem [risos]. E as vezes elas chegam e dizem: “eu até fico emocionada porque eu não sei nem o que é que eu digo quando chegar em casa, porque ninguém vai acreditar que eu fiz isso”. Eu acho assim, isso é a transformação, as pessoas precisam disso (Trecho de entrevista com a artesã gravada em vídeo).

Essas práticas não são exclusividade do ambiente em que a artesã e a Rede se inserem. Elas conformam mais uma característica da relação entre os gêneros, na qual o lado feminino geralmente é subordinado e marginalizado em relação ao lado masculino em diversos contextos, desde tempos imemoriais. Tal subordinação se reflete em práticas como a inferioridade de direitos, o tratamento desigual, o controle da sexualidade e a privação do acesso aos diversos espaços - inclusive o da produção e o da vida (CALÁS e SMIRCICH, 2010CALÁS, M. B.; SMIRCICH, L. Do ponto de vista da mulher: abordagens feministas em estudos organizacionais. In: CALDAS, M.; FACHIN, R.; FISCHER, T. (Org.). Handbook de Estudos Organizacionais: modelos de análise e novas questões em Estudos Organizacionais. São Paulo: Atlas 2010. p. 273-327.; STEARNS, 2007STEARNS, P. N. História das relações de gênero. São Paulo: Contexto, 2007.).

Diante dos relatos analisados e a partir das malhas de práticas evidenciadas no contexto da rede de mulheres, verifica-se que, ainda que de modo bastante informal, as táticas e estratégias da rede culminam na construção de espaços e fortalecem vínculos de apoio para as mulheres, envolvendo afetividade, solidariedade e reconhecimento. Esse olhar para o outro reforça as trocas sociais, construindo e fortalecendo práticas e conexões, contribuindo com a construção do auxílio mútuo, característico das organizações de natureza infrapolítica e representam o feminismo enquanto prática no cotidiano das mulheres (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; FLEMING e SPICER, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.; GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.; VACHHANI e PULLEN, 2019VACHHANI, S. J.; PULLEN, A. Ethics, politics and feminist organizing: writing feminist infrapolitics and affective solidarity into everyday sexism. Human Relations, v. 72, n. 1, p. 23-47, 2019.).

A artesã e as demais mulheres da rede capturam diversas oportunidades para romper com o poder e a ordem estabelecidos, descentrando e exercendo os múltiplos papéis de heroínas “ordinárias” (HALL, 2005HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.). Lançam mão de uma “política de astúcias”, a métis, por meio do estabelecimento de “alianças microscópicas, multiformes e inumeráveis entre manipular e gozar, realidade fugidia e massiva de uma atividade social que joga com a sua ordem” (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 51) que, ao mesmo tempo, é exercida e burlada pela arte.

Mesmo que alguns as julguem pertencentes à categoria de dominadas, a artesã e as demais mulheres da rede lutam contra a violência doméstica, a depressão, a pobreza, a ausência de renda e o casamento conturbado, em uma grande combinatória de operações que envolvem os mais diversos e insuspeitos matizes de atores e materiais. Lembram os usuários da cultura citados por Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) que levam o estatuto de dominados, mas que isso não quer dizer que sejam passivos e dóceis. Elas são astuciosas e encontram na sucata e em outros materiais descartados as asas de liberdade que as ajudam a resistir ao domínio e à opressão.

Tais espaços possibilitam o fortalecimento de práticas ligadas a emoção e anseios, características do organizar dos movimentos infrapolíticos cotidianos, que acabam estabelecendo conexões por ressonância. Um organizar baseado em laços de solidariedade e afeto que atua como uma ressonância às práticas de resistência com conotação infrapolítica, culminando na criação de microliberdades nos cotidianos das envolvidas e na construção de novos mundos de oportunidades (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; HEMMINGS, 2012HEMMINGS, C. Affective solidarity: feminist reflexivity and political transformation. Feminist Theory, v. 13, n. 2, p. 147-161, 2012.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo como base perspectivas feministas, este estudo teve por objetivo compreender o organizar da malha de práticas cotidianas que envolvem a estética de “lances” e as táticas e estratégias de resistência, inclusive de caráter infrapolítico, que constroem o feminismo enquanto prática, por meio da arte de uma artesã e das ações de uma rede de mulheres da qual ela faz parte.

Aliado a tal objetivo, este artigo traz aos Estudos Organizacionais um olhar descentrado sobre as heroínas ordinárias e as ações organizadas em rede, discussões estas articuladas às práticas de Certeau (2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) e aos conceitos de resistência infrapolítica adotados por Spicer e Böhm (2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.). Esse olhar é construído a partir de múltiplas abordagens, que dialogam entre si no contexto dos Estudos Organizacionais, envolvendo estudos da sociologia, história, cultura, organizações, feminismo e resistência, o que traz maior desafio ao desenvolvimento da pesquisa, mas a aproxima de modo mais efetivo das lógicas operatórias complexas (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.), visto que o cotidiano também possui esse caráter intrincado e multifacetado.

As discussões tecidas contribuem com o avanço de teorias organizacionais nos aspectos que enfatizamos a seguir. Em um primeiro momento, a compreensão de uma estética de “lances” e “golpes” que, por meio de práticas artísticas e da ação de práticas astuciosas (métis) do tipo táticas, de bricolagens, delineiam malhas de práticas de resistência que organizam o cotidiano de nossas heroínas ordinárias na convivência com os mecanismos de opressão do tipo estratégicos (CALÁS e SMIRCICH, 2010CALÁS, M. B.; SMIRCICH, L. Do ponto de vista da mulher: abordagens feministas em estudos organizacionais. In: CALDAS, M.; FACHIN, R.; FISCHER, T. (Org.). Handbook de Estudos Organizacionais: modelos de análise e novas questões em Estudos Organizacionais. São Paulo: Atlas 2010. p. 273-327.; CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29.; HALL, 2005HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.).

Grande parte dos esforços de pesquisa no âmbito dos Estudos Organizacionais se voltam às organizações tradicionais e/ou aos sujeitos com perfis alinhados ao mainstream. A apreensão do cotidiano e de seus movimentos, com suas múltiplas maneiras de fazer, constitui o delinear de um espaço de práticas instigantes ao pesquisador dos Estudos Organizacionais e que tem sido pouco explorado na literatura pertinente. Também é pequeno o espaço destinado ao exame das micro-histórias cotidianas e às questões que envolvam as heroínas “ordinárias”, o que pode configurar os Estudos Organizacionais como mais um espaço de opressão - o qual os estudos sobre essas mulheres têm dificuldade de adentrar.

Salientamos, ainda, as discussões sobre a compreensão do organizar das práticas de movimentos cotidianos em uma base afetiva e informal, com conotações infrapolíticas, que atuam à margem do mainstream, e de como esse tipo de organizar em rede estabelece conexões, laços de afeto e ressonância, performando práticas de resistência feminista (HEMMINGS, 2012HEMMINGS, C. Affective solidarity: feminist reflexivity and political transformation. Feminist Theory, v. 13, n. 2, p. 147-161, 2012.; SPICER e BÖHM, 2007SPICER, A.; BÖHM, S. Moving management: theorizing struggles against the hegemony of management. Organization Studies, v. 28, n. 11, p. 1667-1698, 2007.; VACHHANI e PULLEN, 2019VACHHANI, S. J.; PULLEN, A. Ethics, politics and feminist organizing: writing feminist infrapolitics and affective solidarity into everyday sexism. Human Relations, v. 72, n. 1, p. 23-47, 2019.).

A amplitude de práticas abarcadas por esse tipo de movimento, cujas estruturas são mais fluidas e multiformes, representa uma interessante oportunidade para a captura e compreensão de formas de atuação não tradicionais, cotidianas, que podem ser de extrema valia aos modelos do mundo organizacional. Além disso, as práticas de solidariedade e afeto e os vínculos construídos junto a esse tipo de movimento feminista cotidiano podem inspirar novas formas de atuação e relacionamento junto aos vários públicos alcançados pelas organizações tradicionais, sejam estas públicas e/ou privadas.

E, por fim, enfatizamos a compreensão do organizar de práticas cotidianas artísticas que se associam a uma estética de “lances” e “golpes” ao atuar no reúso de materiais descartados do sistema industrial, contribuindo para que organizações e usuários da cultura ordinária possam reconstruir novos espaços, relatos e narrativas, práticas e cotidianos (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; GIARD, 2014GIARD, L. Momentos e lugares. In: CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 17-29.).

Como limitações da pesquisa, revela-se uma lacuna teórica subjacente, que não foi explorada neste artigo, relacionada às conexões multifacetadas entre os temas tratados e suas associações com os estudos de empreendedorismo do tipo artísticos, culturais e emancipatórios.

Assim, não menos importante é continuar a busca pela compreensão da Invenção do cotidiano (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.), com múltiplos(as) práticas, atores, estéticas, éticas e significados políticos, compreendendo que a realidade não é fixa, mas está sempre em processo e o mesmo se dá com os campos do conhecimento.

REFERÊNCIAS

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  • ANDERSON, G. Mapping academic resistance in the managerial university. Organization Studies, v. 15, n. 2, p. 251-270, 2008.
  • ANDRADE, M. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Garnier, 2000.
  • BANCO DO NORDESTE. Programas de Microfinanças do Banco do Nordeste: relatório2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.bnb.gov.br/documents/22492/23742/OS-2018050RELATO%CC%81RIO+DE+ MICROFINANC%CC%A7AS+2017+WEB.pdf/8ff13a3a-ae62-ef7d-da07-5843347dbdd2 >. Acesso em: 10 out. 2018.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2018
  • Aceito
    31 Jan 2019
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