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Por uma compreensão do mundo material: uma biografia da marca Apple

Por una comprensión del mundo material: Una biografía de la marca Apple

Resumo

Este estudo reflete sobre como as coisas ou os objetos1 1 Os termos “coisas” e “objetos” são utilizados neste artigo de modo conceitualmente semelhante. , enquanto atores não humanos fundamentais nas experiências de consumo da vida cotidiana, que conectam os humanos mediante suas funções e simbolismos, podem ser caracterizados enquanto predicados da cultura. Essa discussão, ainda incipiente na consumer culture theory (CCT), merece a atenção dos pesquisadores do campo, pois acompanhar a vida desses objetos significa, em grande parte, entender seus efeitos na subjetividade individual e coletiva. O pressuposto teórico que sustenta a reflexão proposta neste artigo é a influência que o mundo material exerce na vida dos humanos, ou seja, como coisas ou objetos são determinantes na vida diária. As coisas - tangíveis ou intangíveis, tais como bens materiais, objetos, marcas, animais - têm uma capacidade de agir socialmente, são dotadas de poder de indução e de ação, uma propriedade que não pertence apenas aos humanos (LAW, 2001). Elas também têm uma vida social, que pode ser construída a partir de seus diversos usos e contextos, acumulando, desse modo, uma biografia cultural. Para a condução deste estudo, adotou-se uma perspectiva qualitativa-interpretativista e o caminho metodológico escolhido considera, ao final, escrever a biografia da marca Apple e apontar sua agência, apoiando-se na análise discursiva das peças publicitárias da marca, por meio da teoria da semiolinguística (TS), abordagem proposta pelo linguista francês Patrick Charaudeau.

Palavras-chave:
Cultura material; Consumo; Materialidade; Coisas; Biografia das coisas

Resumen

El objetivo de este estudio se centra en reflexionar sobre cómo las cosas o los objetos, como actores no humanos fundamentales en las experiencias de consumo de la vida cotidiana que conectan a los humanos mediante sus funciones y simbolismos, pueden caracterizarse como predicados de la cultura. Esta discusión, aún incipiente en la Consumer Culture Theory (CCT), merece atención de los investigadores del campo, pues, acompañar la vida de esos objetos es, en gran parte, entender sus efectos en la subjetividad individual y colectiva. El presupuesto teórico que sostiene la reflexión propuesta en este artículo es la influencia que el mundo material ejerce en la vida de los humanos, o sea, cómo las cosas u objetos son determinantes en la vida diaria. Las cosas -tangibles o intangibles, tales como bienes materiales, objetos, marcas, animales- poseen una capacidad de actuar socialmente, están dotadas de poder de inducción y de acción, una propiedad que no pertenece sólo a los humanos (LAW, 2001). Ellas también poseen una vida social que puede construirse a partir de sus diversos usos y contextos, acumulando, así, una biografía cultural. Para la conducción de este estudio se adoptó una perspectiva cualitativa-interpretativa y el camino metodológico escogido que considera, al final, escribir la biografía de la marca Apple e indicar su agencia, se apoya en el análisis discursivo de las piezas publicitarias de la marca, a través del abordaje teórico-metodológico de la Teoría de la Semiolinguística (TS), del lingüista francés Patrick Charaudeau.

Palabras clave:
Cultura material; Consumo; Materialidad; Cosas; Biografía de las cosas

Abstract

The purpose of this study is to reflect on how objects 1 1 The terms “things” and “objects” are used in this article in conceptually similar way. can be characterized as predicates of culture, considering that objects are fundamental nonhuman actors in the experiences of everyday life, connecting humans through their functions and symbolism. This discussion, still incipient in the Consumer Culture Theory (CCT), deserves attention from researchers since following the life of these objects means to understand their effects on individual and collective subjectivity. The theoretical assumption that supports the reflection presented in this article is the influence that the material world exerts on human life, as objects are determinant in daily life. Objects - tangible or intangible, such as material goods, brands, animals - have the capacity to act socially, are endowed with the power of induction and action, a property that does not belong only to humans (LAW, 2001). They also have a social life that can be built from their various uses and contexts, thus accumulating a cultural biography. This study adopts a qualitative-interpretative approach, and the methodology consistes of writing the biography of the brand ‘Apple’ and pointing out its agency. The discussion is based on the discursive analysis of the brand’s advertising pieces, through the theoretical approach of the Semiolinguistic Theory (ST) by French linguist Patrick Charaudeau.

Keywords:
Material culture; Consumption; Materiality; Objects; Biography of things.

INTRODUÇÃO

Um modo de contemplar e compreender a humanidade é direcionar a atenção para a materialidade fundamental, presente em cada vida (MILLER, 2013MILLER, D. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. São Paulo: Zahar, 2013.). Essa afirmação faz sentido não apenas pelas óbvias razões que as coisas ou os objetos preenchem nas funções práticas indispensáveis do cotidiano, mas, sobretudo, por possuírem funções simbólicas que sobrepõem suas condições estruturais. Igualmente, seja nos contextos sociais ou econômicos, nos rituais, nas coleções, nos acervos de museus, os objetos sempre estão presentes na vida cotidiana. “Esta condição lhes assegura o poder não só de se tornarem visíveis, mas de estabilizarem determinadas categorias socioculturais, demarcando fronteiras entre estas, consideradas como formas específicas de subjetividade individual e coletiva” (GONÇALVES, 2007GONÇALVES, J. R. S. Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro: Garamond, 2007., p. 7).

Vive-se cercado por uma variada e ampla quantidade de coisas ou objetos materiais que circulam significativamente na vida social e apresentam-se como uma extensa e diversificada “teia de objetos, que carregam sua relevância social e simbólica, assim como sua repercussão subjetiva em cada um, que termina por passar despercebidos em razão da proximidade, do aspecto familiar e do caráter de obviedade que assume” (GONÇALVES, 2007GONÇALVES, J. R. S. Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro: Garamond, 2007., p. 14). “Todos estão repletos de sentidos e significados e ressignificações por aqueles que lhes atribuem valores e simbolismos, frutos das experiências intersubjetivas e interativas dos indivíduos, entre si e com o resto do mundo” (DOHMANN, 2010DOHMANN, M. O objeto e a experiência material. Arte & Ensaios, v. 20, p. 70-77, 2010., p. 71-72).

Tendo em vista que os objetos transitam na vida social, mostra-se essencial acompanhá-los e descrevê-los, observar seus movimentos e alterações nos diversos contextos sociais e simbólicos, sejam as trocas mercantis, as trocas cerimoniais ou aqueles espaços institucionais e discursivos, tais como as coleções, os museus e os chamados patrimônios culturais. Acompanhar a vida dos objetos, por meio de seu deslocamento entre esses contextos, significa, em grande parte, entender a própria dinâmica da vida social e cultural, seus conflitos, ambiguidades e paradoxos, assim como seus efeitos na subjetividade individual e coletiva.

Os objetos também podem assumir a função de despertar lembranças de pessoas ou lugares, uma vez que conectam as pessoas entre si e com o mundo (GONÇALVES, 2007GONÇALVES, J. R. S. Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro: Garamond, 2007., p. 15). Assim, pode-se dizer que “existe uma alma nas coisas, remetendo a paisagens subjetivas em que se encontra os sujeitos [re]situados pelos objetos, mediante os aspectos memoriais que as coisas encerram enquanto expressão da materialidade da cultura de determinado grupo social” (DOHMANN, 2010DOHMANN, M. O objeto e a experiência material. Arte & Ensaios, v. 20, p. 70-77, 2010., p. 72). Com os argumentos tecidos pelos pensadores com os quais dialoga, Miller (2013MILLER, D. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. São Paulo: Zahar, 2013.) constrói um apoio para o que denominou humanidade das coisas, no qual conclui que os objetos são importantes não porque sejam evidentes, mas exatamente pelo contrário. A importância está na capacidade de eles serem invisíveis ou não mencionados. Quanto menos se tem consciência deles, mais eles conseguem determinar as expectativas, estabelecendo, de modo sutil, sua agência sobre os humanos.

Acreditar que os objetos têm uma vida social, como defendido por Appadurai (2010APPADURAI, A. (Org.). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Ed. UFF, 2010.), reforça a compreensão de que é possível atribuir-lhes uma biografia. Ao assumir essa condição, o olhar do pesquisador pode deslocar-se do consumidor para o bem consumido. Além disso, pode-se verificar a complexidade dessa questão que, em princípio, tem por finalidade a venda do produto anunciado, mas, também, o objetivo de disseminar valores e ideais. Embora todo esse debate esteja presente em pesquisas que trabalham com cultura material e cultura do consumo (BELK, 1988BELK. R. W. Possessions and the extended self. Journal of Marketing Research, v. 15, n. 2, p. 72-95, 1988.; MCCRACKEN, 2003MCCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.; MILLER, 2007MILLER, D. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, v. 13, n. 28, p. 33-63, 2007.) e em abordagens mais direcionadas da consumer culture theory (CCT) (CURASI, PRICE e ARNOULD, 2004CURASI, C. F.; PRICE, L. L.; ARNOULD, E. J. How individuals cherished possessions become families inalienable wealth. Journal of Consumer Research, v. 31, p. 609-622, 2004.; BORGERSON, 2005BORGERSON, J. Materiality, agency, and the constitution of consuming subjects: insights for consumer Research. Advances in Consumer Research, v. 32, p. 439-443, 2005.; EPP e PRICE, 2009EPP, A. M.; PRICE, L. L. The storied life of singularized objects: forces of agency and network transformation. Journal of Consumer Research, v. 36, p. 820-837, 2009.; BADJE, 2013BADJE, D. Consumer culture theory (re)visits actor-network theory: flattening consumption studies. Marketing Theory, v. 13, n. 2, p. 227-242, 2013.; JENKINS, MOLESWORTH e SCULLION, 2014JENKINS, R.; MOLESWORTH, M.; SCULLION, R. The messy social lives of objects: inter-personal borrowing and the ambiguity of possession and ownership. Journal of Consumer Behaviour, v. 13, n. 2, p. 131-139, 2014.) para citar alguns, ainda se identifica uma lacuna com a qual este estudo trabalha ao propor escrever a biografia de uma marca, recorrendo à análise de suas campanhas publicitárias ao longo de determinado período de tempo.

Como objeto de estudo foi eleita a marca Apple, um bem intangível, imaterial, que cria conexões e materializa-se na vida humana por meio de seus produtos. Observar sua trajetória de vida aponta sua capacidade de agência, pois, ao intercambiar subjetividades - com as pessoas e com outros bens - uma de suas características principais, ela (re)define o conceito de tecnologia, introduz novos padrões de consumo e design e acaba por modificar a relação entre as pessoas e os objetos tecnológicos. O caminho mais comum e frequente em estudos que tratam da questão parte necessariamente dos atores humanos para se chegar à compreensão das coisas; entretanto, a proposta prevista aqui é partir das coisas e observá-las em movimento para tentar compreender o humano.

Metodologicamente, o trabalho também traz contribuições ao campo da CCT ao utilizar a análise discursiva das peças publicitárias da marca, por meio da abordagem teórico-metodológica da teoria da semiolinguística (TS), de Patrick Charaudeau. Tal como exposto por Cardoso, Hanashiro e Barros (2016CARDOSO, M. A. F.; HANASHIRO, D. M. M.; BARROS, D. L. P. Um caminho metodológico pela análise semiótica de discurso para pesquisas em identidade organizacional. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 351-376, 2016.), ainda são incipientes as pesquisas nacionais e estrangeiras que adotam a perspectiva da semiótica discursiva de texto e imagem. A TS é uma vertente da análise do discurso (AD) de base interativa/comunicacional, segundo a qual a linguagem comporta várias dimensões, dentre elas a implícita e a explícita, e mantém estreita relação com o contexto psicossocial na qual ela se realiza, sendo possível, assim, trabalhar não somente com a configuração semiológica visível, mas também “com os saberes que são acionados pelos sujeitos durante os processos de produção e interpretação desse ato” (CHARAUDEAU, 1996CHARAUDEAU, P. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, A. D. (Org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996. p. 5-43.).

CONSUMO, CULTURA DO CONSUMO E CULTURA MATERIAL

Inicialmente é preciso considerar o forte vínculo entre consumo, cultura do consumo e cultura material, construtos teóricos presentes no extenso conjunto de temas de pesquisas que compõem a CCT. Ao estabelecer um diálogo com disciplinas como a antropologia, sociologia, linguística, mídia e discurso, estudos críticos, estudos de gênero, entre outros, a CCT impulsiona a expansão dos horizontes intelectuais do campo, fundamentalmente multidisciplinar, promovendo uma profusão de saberes e conhecimentos interdisciplinares. Nesse sentido, pode-se intuir que a CCT, “iluminou os aspectos contextuais, simbólicos e experienciais que englobam todas as etapas de consumo de um bem, seja ele tangível ou intangível, incluindo as perspectivas interpretativa, crítica, emancipatória e transformadora” (JOY e LI, 2012JOY, A.; LI, E. P. H. Studying consumption behaviour through multiple lenses: an overview of consumer culture theory. Journal of Business Anthropology, v. 1, n. 1, p. 141-173, 2012., p. 143-144) e tornou-se a grande lente que legitima os pesquisadores de marketing. Além disso, a CCT trouxe a possibilidade de utilizar outras múltiplas lentes para estudar o consumo e o comportamento do consumidor e, assim, gerar múltiplas estruturas de entendimento (JOY e LI, 2012JOY, A.; LI, E. P. H. Studying consumption behaviour through multiple lenses: an overview of consumer culture theory. Journal of Business Anthropology, v. 1, n. 1, p. 141-173, 2012.).

Dentre estas, destaca-se a cultura material, que direciona seu olhar sobre as construções e interpretações possíveis na relação entre os bens (objetos ou coisas) e as pessoas, com todas as suas complexidades e variações, o que converge com teorias antropológicas que defendem a intensa interação desses bens (MILLER, 2007MILLER, D. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, v. 13, n. 28, p. 33-63, 2007.). Os objetos são fundamentais para a definição da identidade e, em alguns casos, são a própria extensão dessa identidade (BELK, 1988BELK. R. W. Possessions and the extended self. Journal of Marketing Research, v. 15, n. 2, p. 72-95, 1988., 1989BELK, R. W. Extended self and extending paradigmatic perspective. Journal of Consumer Research, v. 16, n. 1, p. 129-132, 1989.; TIAN e BELK, 2005TIAN, K.; BELK, R. W. Extended self and possessions in the workplace. Journal of Consumer Research, v. 32, n. 2, p. 297-310, 2005.). Embora tais construções sejam complexas e, muitas vezes, repletas de ambivalências, o ímpeto de olhar para os bens se inaugura com Sherry Junior (1983SHERRY JUNIOR, J. F. Gift giving in anthropological perspective. Journal of Consumer Research, v. 10, n. 2, p. 157-168, 1983.), em seu seminal artigo gift giving, e com Belk (1988BELK. R. W. Possessions and the extended self. Journal of Marketing Research, v. 15, n. 2, p. 72-95, 1988.), no também seminal self estendido (JOY e LI, 2012JOY, A.; LI, E. P. H. Studying consumption behaviour through multiple lenses: an overview of consumer culture theory. Journal of Business Anthropology, v. 1, n. 1, p. 141-173, 2012.). Epp e Price (2009EPP, A. M.; PRICE, L. L. The storied life of singularized objects: forces of agency and network transformation. Journal of Consumer Research, v. 36, p. 820-837, 2009.), ao adotar a teoria da singularização, de Kopytoff (1986KOPYTOFF, I. The Cultural Biography of Things: commoditization as a process. In: A. Appadurai(Ed.). The Social Life of Things: commodities in cultural perspective. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.), mostram a agência de objetos de mobília de uma casa, na construção da identidade individual e coletiva de uma família.

Jenkins, Molesworth e Scullion (2014JENKINS, R.; MOLESWORTH, M.; SCULLION, R. The messy social lives of objects: inter-personal borrowing and the ambiguity of possession and ownership. Journal of Consumer Behaviour, v. 13, n. 2, p. 131-139, 2014.) discutem as ambiguidades e desordens manifestadas na vida social de objetos que circulam por meio de empréstimos interpessoais e utilizam em seu estudo o aporte teórico da vida social e da biografia das coisas. Badje (2013BADJE, D. Consumer culture theory (re)visits actor-network theory: flattening consumption studies. Marketing Theory, v. 13, n. 2, p. 227-242, 2013.) propõe uma discussão teórica entre a CCT e a teoria ator-rede (TAR), apontando os caminhos nos quais elas se sobrepõem, mas também divergem, nessa imensa teia de complexidade, multiplicidade e heterogeneidade da materialidade e da vida social das coisas. Ou seja, “estudos de cultura material trabalham através da especificidade de objetos materiais para que, em última instância, possa criar uma compreensão mais profunda da especificidade de uma humanidade inseparável de sua materialidade” (MILLER, 2007MILLER, D. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, v. 13, n. 28, p. 33-63, 2007., p. 47). Em Belk (1988BELK. R. W. Possessions and the extended self. Journal of Marketing Research, v. 15, n. 2, p. 72-95, 1988.), observa-se a relação entre os bens (objetos) e os consumidores (humanos) por meio do conceito de self estendido. Para o autor, a ligação que se estabelece entre o consumidor e o bem é tão forte que este passa a ser uma extensão do próprio eu e reflete sua própria identidade. Os bens, aqui, não se limitam às mercadorias tangíveis, eles também podem ser representados por pessoas, marcas, serviços, lugares e outros elementos intangíveis. As intensas relações entre os objetos e as pessoas podem chegar ao patamar de sacralidade, divindade.

Essa noção de culto à marca foi explorada por Belk e Tumbat (2005BELK, R.W.; TUMBAT, G. The cult of Macintosh. Consumption, Markets and Culture, v. 8, n. 3, p. 205-217, 2005.), que exploraram os aspectos cultuais à marca Apple e ao seu fundador, Steve Jobs, adotados por alguns consumidores da marca, os quais são identificados no estudo como evangelistas da marca. Essa arrebatadora fidelidade à marca a torna algo sagrado, profanando, inclusive, as demais marcas (BELK, WALLENDORF e SHERRY JUNIOR, 1989BELK, R. W.; WALLENDORF, M.; SHERRY JUNIOR, J. F. The sacred and the profane in consumer behavior: theodicy on the odyssey. Journal of Consumer Research, v. 16, p. 1-38, 1989.). Nesse sentido, o consumo pode ser considerado um aspecto do materialismo que reduz a humanidade e desloca seu foco sobre o objeto e o que se tem visto é que, por contraste, é precisamente essa abordagem, com foco sobre o objeto, que enriquece o senso de humanidade, já que este não pode ser mais separado de sua materialidade intrínseca (MILLER, 2007MILLER, D. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, v. 13, n. 28, p. 33-63, 2007.).

POR UMA COMPREENSÃO DO MUNDO MATERIAL

Ao direcionar o olhar para a compreensão do mundo material, contempla-se a intensa e vital presença dos objetos que inundam o cotidiano de todos: coisas ou objetos são considerados, aqui, atores não humanos fundamentais nas experiências de consumo da vida cotidiana, que conectam os humanos, mediante suas funções e simbolismos, caracterizando-os como verdadeiros predicados da cultura. Ao defender esse ponto de vista, Appadurai (2010APPADURAI, A. (Org.). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Ed. UFF, 2010.) se posiciona contra a corrente teórica que considerava o mundo material ou o mundo das coisas inanimado, inerte e mudo, que ganha vida e movimento apenas por intermédio dos humanos. De acordo com o autor, ao seguir as coisas em si, depara-se com seus significados, inscritos em suas formas, seus usos e trajetórias. Kopytoff (2010KOPYTOFF, I. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. In: APPADURAI, A. (Org.). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Ed. UFF , 2010.) defende a ideia de que é possível compreender a dinâmica do mundo material por meio da construção de suas biografias. O autor trabalha com uma abordagem que se detém em observar e acompanhar a circulação de objetos nas sociedades contemporâneas. Para ele, ao acompanhar o objeto em si e sua trajetória em um contexto social particular, já seria possível identificar uma questão central para construir sua abordagem biográfica.

Os humanos são capazes de fazer escolhas que têm um caráter eminentemente político e é nesse sentido que Appadurai (2010APPADURAI, A. (Org.). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Ed. UFF, 2010.) argumenta que as coisas, assim como as pessoas, têm uma vida social. Existe uma relação indissociável entre o mundo material e os seres humanos, de modo que, quando se mantém um olhar atento nos objetos, promove-se um efeito capaz de elucidar os contextos humanos e sociais de sua existência, tornando-os poderosas fontes de informação, como apontam as análises de Appadurai (2010)APPADURAI, A. (Org.). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Ed. UFF, 2010., Kopytoff (2010KOPYTOFF, I. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. In: APPADURAI, A. (Org.). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Ed. UFF , 2010.) e Gell (2010)GELL, A. Recém-chegados ao mundo dos bens: o consumo entre os Gonde Muria. In: APPADURAI, A. (Org.). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Ed. UFF , 2010.. A compreensão do mundo material, por meio da construção de biografias, importa-se em promover uma reflexão acerca das múltiplas atribuições de significados que se dão às coisas e do como as experiências humanas se projetam no decurso da vida social e do cotidiano.

Indo um pouco além nessa discussão, ao acompanhar suas trajetórias, vidas e biografias, depara-se também com a noção de agência, introduzida por Latour (2005LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network theory. Oxford/New York: Oxford University Press, 2005.), que entende que as coisas, ou os não humanos - tangíveis ou intangíveis, tais como bens materiais, objetos, imagens, marcas, animais - deixam de ser apenas artefatos e são capazes de agir socialmente. A agência diz respeito à capacidade de promover ações nas situações cotidianas capazes de provocar transformações (LAW, 2001LAWJ Ordering and obduracy. 2001. Disponível em: <Disponível em: http://www.comp.lancs.ac.uk/sociology/papers/Law-Ordering-andObduracy.pdf >. Acesso em: 30 nov. 2018.
http://www.comp.lancs.ac.uk/sociology/pa...
; LATOUR, 2005LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network theory. Oxford/New York: Oxford University Press, 2005.). O conceito de agência é concebido por Latour (2005)LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network theory. Oxford/New York: Oxford University Press, 2005. como a capacidade de ação que pode afetar ou influenciar outrem a realizar uma nova ação. Nessa perspectiva, um objeto não é compreendido apenas como algo dotado de alma, de vida, mas ele passa a ter a possibilidade de alterar, mediar ou subsidiar ações. Nessa visão, os não humanos deixam de ser apenas intermediários e assumem o lugar de mediadores, e, assim como os humanos, possuem a capacidade de afetar escolhas e possibilidades nos outros atores, sejam humanos ou não humanos.

PERCURSO METODOLÓGICO

Este artigo caracteriza-se como um estudo qualitativo, exploratório, alinhado a uma abordagem interpretativista (VERGARA e CALDAS, 2005VERGARA, S. C.; CALDAS, M. P. Paradigma interpretativista: a busca da superação do objetivismo funcionalista nos anos 1980 e 1990. Revista de Administração de Empresas, v. 45, n. 4, p. 53-57, 2005.; MORGAN, 2007MORGAN, G. Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações. In: CALDAS, M. P.; BERTERO, C. O. (Coord.). Teoria das organizações. São Paulo: Atlas, 2007. p. 12-33.). A estratégia de coleta de dados adotada foi a pesquisa documental, que permite “a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, entre outros” (CELLARD, 2008CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 295-316., p. 295). Esses documentos são utilizados como fontes de informações, indicações e esclarecimentos que trazem seu conteúdo para elucidar determinadas questões e servir de prova para outras, de acordo com o interesse do pesquisador (FIGUEIREDO, 2007FIGUEIREDO, N. M. A. Método e metodologia na pesquisa científica. São Caetano do Sul: Yendis, 2007.). Tais documentos foram coletados em ambiente virtual ou ciberespaço, por meio de consulta a sites especializados. “Cada vez mais existem bases de dados confiáveis que oferecem informações, assim como páginas especializadas em temáticas específicas, centros ou núcleos de pesquisa e blogs” (SANTOS, 2009SANTOS, T. S. From intellectual craft to the virtual context: methodological tools for social research. Sociologias, v. 11, n. 21, p. 120-156, 2009., p. 137-138, tradução nossa). Os diversossites, portanto, constituem valiosas fontes de informações para pesquisas, possibilitando o acesso mais rápido a documentos, assim como a divulgação e disponibilização de publicações científicas.

O corpus deste estudo consiste em dados documentais sobre a história da empresa Apple e material publicitário veiculado em mídia impressa. Diante do imenso acervo de imagens acumuladas em quarenta anos de história, mostrou-se necessário estabelecer um critério para selecionar os anúncios a analisar. Assim, para atender ao objetivo deste artigo - descrever a biografia da marca em questão - selecionamos os anúncios mais representativos em relação aos seus significados e [i]materialidades no período compreendido entre a década de 1970 até o ano de 2007. Essa seleção possibilitou uma comparação temporal das características do discurso e das manifestações da marca desde o lançamento de seu primeiro produto até a estreia do iPhone. Para analisar as imagens publicitárias em questão, este estudo adotou como aporte metodológico a TS de Patrick Charaudeau, uma vertente da AD de base interativa/comunicacional, segundo a qual a linguagem comporta várias dimensões. A raiz semio, de semiosis significa que a construção de sentido se faz por meio da relação forma/sentido nos diferentes sistemas semiológicos e o termo linguística se liga à linguagem. Seu pressuposto epistemológico é de que a “linguagem mantém uma estreita relação com o contexto no qual ela se realiza e no qual participam um emissor e um receptor que, por serem diferentes, atribuem diferentes interpretações” (CÔRREA-ROSADO, 2014CÔRREA-ROSADO, L. C. Teoria semiolinguística: alguns pressupostos. Memento - Revista de Linguagem, Cultura e Discurso, v.5, n.2, p. 1-18, 2014., p. 3).

A TS possui aderência a este estudo, visto que insere o discurso em um contexto que liga a linguagem aos fenômenos sociais, tais como a ação e a influência. É considerada uma proposta com grande potencial na análise de diversos discursos sociais, como o político, o midiático, o publicitário, o literário. Seu pressuposto é de que a linguagem mantém uma estreita relação com o contexto psicossocial na qual ela se realiza, considerando “o ato de linguagem como produto de um contexto do qual participam um emissor e um receptor diferentes entre si, resultando em uma dupla dimensão: a dimensão implícita e a dimensão explícita” (CÔRREA-ROSADO, 2014CÔRREA-ROSADO, L. C. Teoria semiolinguística: alguns pressupostos. Memento - Revista de Linguagem, Cultura e Discurso, v.5, n.2, p. 1-18, 2014., p. 3), sendo possível, assim, trabalhar não somente com a configuração semiológica visível representada na imagem, mas também com os saberes que são acionados pelos sujeitos durante os processos de produção e interpretação desse ato.

Para Charaudeau (2005)CHARAUDEAU, P. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, A. D. (Org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996. p. 5-43., o signo só existe no discurso. Desse modo, de acordo com a TS, o ato de linguagem fornece marcas semiológicas que funcionam como portadores de “instruções de sentidos sistematizadas”; a estes, que compõem uma espécie de núcleo semântico, acrescentam-se informações provenientes da situação de comunicação para que o signo possa efetivamente “significar” (CÔRREA-ROSADO, 2014CÔRREA-ROSADO, L. C. Teoria semiolinguística: alguns pressupostos. Memento - Revista de Linguagem, Cultura e Discurso, v.5, n.2, p. 1-18, 2014., p. 2). A construção do sentido se faz por meio de uma relação forma/sentido a qual pode ocorrer em diferentes sistemas semiológicos e é resultante de operações discursivas de entidades subjetivas (CHARAUDEAU, 1996CHARAUDEAU, P. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, A. D. (Org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996. p. 5-43.). Pelo menos 4 pressupostos teóricos inspiram e orientam a AD do autor: i) a relação entre os planos situacional e linguístico; ii) o modo como ele integra em seu modelo os planos macro e microssocial; iii) a importância atribuída às interações sociais; iv) o modo particular como o autor concebe a intencionalidade dos sujeitos envolvidos nos atos de linguagem (CHARAUDEAU, 2005CHARAUDEAU, P. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, A. D. (Org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996. p. 5-43.).

A condução do que foi aqui proposto utilizou a TS para suportar a análise das estratégias discursivas na condução da promoção de sua imagem por meio de sua publicidade, para compreender as escolhas linguísticas e os efeitos discursivos a elas relacionados e, por fim, para entender a articulação entre forma verbal e icônica na e para a constituição de sentidos do objeto em análise. Para que se chegue a uma compreensão adequada da trajetória da marca por meio da análise de sua publicidade, mostra-se necessário dedicar um tópico para descrever a história da marca: sua criação, seus fundadores, o contexto cultural de cada época, entre outros.

UMA BREVE HISTÓRIA DA APPLE

A Apple foi eleita como fonte do corpus deste estudo por ser uma marca emblemática, com notório sucesso de vendas, reconhecida como sinônimo de inovação, criatividade, design e originalidade. Além disso, a marca está constantemente presente na mídia, em programas de TV, documentários, filmes, estudos, artigos, dissertações e teses, principalmente nas áreas de tecnologia, marketing, comunicação, publicidade e propaganda. A história da Apple começou quando dois amigos colegiais, Steve Wozniak e Steve Jobs, perseguiam o sonho de desenvolver computadores pessoais menores e mais acessíveis. Em 1976, fundaram a Apple Computer Company na garagem da casa dos pais de Jobs. O primeiro produto lançado foi o computador pessoal Apple I, no entanto, somente um ano depois, com o lançamento do Apple II, a empresa alcançou notoriedade e conseguiu ultrapassar sua concorrente direta, a Microsoft (KAHNEY, 2008KAHNEY, L. A cabeça de Steve Jobs. Rio de Janeiro: Agir, 2008.; GALLO, 2010GALLO, C. A arte de Steve Jobs: princípios revolucionários sobre inovação para o sucesso em qualquer atividade. São Paulo: Lua de Papel, 2010., 2013GALLO, C. A experiência Apple: segredos para formar clientes incrivelmente fiéis. Rio de Janeiro: Leya, 2013.).

O Apple II ficou conhecido como o primeiro computador a ter CPU feita de plástico com designs gráficos coloridos. Três anos depois, o fracasso do lançamento do Apple III e o complicado fracasso do computador Lisa, assim chamado em homenagem à filha de Jobs, culminou com sua saída da empresa após desentendimento com o CEO da época. Nem o estrondoso lançamento do Macintosh, em 1984, foi capaz de conter a crise que havia se instalado na empresa (KAHNEY, 2008KAHNEY, L. A cabeça de Steve Jobs. Rio de Janeiro: Agir, 2008.). Em 1991, a Apple retomou as vendas com o lançamento do Power Book, um computador portátil que alcançou sucesso nas vendas e reconquistou o público. Apesar disso e de todas as ações tomadas, em 1995 a empresa continuava em crise, em função de problemas jurídicos envolvendo a questão da Microsoft e do Windows 95, que teria sido considerado uma cópia declarada da interface gráfica do Mac. Em meados dessa mesma década, a Apple protagonizou uma guinada com a volta de Steve Jobs à empresa, em 1996 (KAHNEY, 2008KAHNEY, L. A cabeça de Steve Jobs. Rio de Janeiro: Agir, 2008.; GALLO, 2010GALLO, C. A arte de Steve Jobs: princípios revolucionários sobre inovação para o sucesso em qualquer atividade. São Paulo: Lua de Papel, 2010., 2013GALLO, C. A experiência Apple: segredos para formar clientes incrivelmente fiéis. Rio de Janeiro: Leya, 2013.).

Após o período de crises vivenciadas pela empresa, uma onda de lançamentos de produtos, dentre eles, o iMac, o iPod, o iPhone e o iTunes, junto com a iTunes Store, uma loja virtual com milhões de músicas disponíveis para ser compradas on-line, despertou a atenção da mídia e de milhares de consumidores, contribuindo com a popularização da marca (KAHNEY, 2008KAHNEY, L. A cabeça de Steve Jobs. Rio de Janeiro: Agir, 2008.). Desde o final de 2011, com a morte de Steve Jobs, a Apple tem como desafio mostrar que pode manter viva sua inovação e sua capacidade de revolucionar o mercado e, assim, influenciar a sociedade. Sua trajetória, marcada por altos e baixos desde a fundação, transformou-a em uma marca rentável, com expressivo sucesso de vendas (KAHNEY, 2008KAHNEY, L. A cabeça de Steve Jobs. Rio de Janeiro: Agir, 2008.; GALLO, 2010GALLO, C. A arte de Steve Jobs: princípios revolucionários sobre inovação para o sucesso em qualquer atividade. São Paulo: Lua de Papel, 2010., 2013GALLO, C. A experiência Apple: segredos para formar clientes incrivelmente fiéis. Rio de Janeiro: Leya, 2013.).

A BIOGRAFIA DA MARCA APPLE POR MEIO DA ANÁLISE DISCURSIVA DE SUA PUBLICIDADE

As imagens publicitárias utilizadas neste estudo são compreendidas como fragmentos da biografia da marca Apple que contam sua história, evolução e transformação e apontam sua agência. Observa-se na Figura 1 o primeiro anúncio do computador Apple II, publicado em página dupla, no final dos anos 1970. A imagem à esquerda apresenta um homem utilizando o computador na mesa da cozinha, enquanto uma mulher lava a louça no segundo plano. Essa imagem, tipicamente doméstica, apela para a desconstrução do discurso hegemônico que pairava sobre aquela geração de que os computadores domésticos eram inacessíveis ao homem comum. Os modelos, que antes preenchiam o espaço de uma sala, como os supercomputadores, são substituídos pelos personal computer (PC), ou computadores de uso doméstico. A Apple é pioneira e torna-se responsável pela criação do primeiro PC, o Apple I, em 1976; a partir desse fato, a marca inaugura uma nova era dos PCs, a fase do computador acessível a qualquer um, em qualquer lugar, suficientemente pequeno para caber em casa e intuitivo o suficiente para ser utilizado por qualquer pessoa. A estratégia discursiva aponta como o anúncio cria um diálogo entre os planos macro e microssocial, previstos na TS de Charaudeau (1996CHARAUDEAU, P. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, A. D. (Org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996. p. 5-43.), ao abordar a discussão intencionalmente e tentar refratá-la.

Figura 1
Primeiro anúncio do Apple II

À direita do anúncio se observa a extensa descrição textual do produto. Na estrutura do anúncio predomina o gênero descritivo, pois o enunciador aponta exaustivamente os atributos e as características físicas do produto. Ao mesmo tempo, humaniza a máquina e aproxima-a do consumidor, ao defender com o título da página à direita que “o computador doméstico está pronto para trabalhar, brincar e crescer com você ”, além de indicar que o computador está pronto e acabado para ser utilizado, informação que fazia sentido, pois a primeira versão do Apple I se tratava apenas de uma placa mãe, cujos componentes precisavam ser adquiridos para montá-la. Ao dizer crescer com você, a marca cria uma clara conexão com o consumidor, indicando proximidade e parceria e, mais do que isso, se coloca como uma extensão de seu próprio self (BELK, 1988BELK. R. W. Possessions and the extended self. Journal of Marketing Research, v. 15, n. 2, p. 72-95, 1988.), pois, à medida que novas tecnologias são incorporadas, a marca expande suas potencialidades, levando o usuário consigo.

No início da década de 1980, a Apple lançou uma propaganda com o sloganQue tipo de homem é dono de seu próprio computador?”. Como se observa na Figura 2, a campanha utiliza personagens geniais que marcaram a história com suas incríveis invenções e/ou contribuições à humanidade, como Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, Henry Ford e Thomas Edison. A marca faz uma criativa comparação entre os grandes legados deixados por esses homens, em suas remotas gerações, e o homem contemporâneo comum. As sentenças associadas a cada um desses personagens se comprometem com a ideia de que é possível fazer mais e melhor, contanto que se tenha um Apple.

Observa-se no conjunto de anúncios um recurso semiológico previsto em Patrick Charaudeau, pois sua mensagem não pode ser compreendida apenas na configuração semiológica visível, representada nas imagens e nos textos, mas também se mostra necessário acessar “os saberes que são acionados pelos sujeitos durante os processos de produção e interpretação desse ato”. Ora, para compreender a mensagem que o emissor deseja transmitir é necessário reconhecer as histórias desses personagens, provenientes do contexto social no qual se insere a situação comunicacional, para que o signo ali representado possa efetivamente significar, ou seja, ser interpretado e reconhecido e fazer sentido para quem lê. As sentenças recordam os feitos desses emblemáticos personagens: “Jefferson tinha uma das melhores mentes de 1776, mas hoje você pode tomar decisões melhores com um Apple”; “Ford passou boa parte de 1903 aperfeiçoando os mesmos detalhes, você vai lidar com isso em minutos com um Apple” e “Edison teve mais de 1.800 patentes em seu nome, mas você pode ser tão inventivo quanto, com um Apple”.

Figura 2
Anúncios do Apple II

Em 1984, a Apple lançou a campanha “Think Different” para o lançamento do Macintosh, como se observa na Figura 3. Considerado o anúncio mais conhecido da Apple, foi inspirado no livro 1984, de George Orwell (KAHNEY, 2008KAHNEY, L. A cabeça de Steve Jobs. Rio de Janeiro: Agir, 2008.). Com peças impressas, mídia externa (outdoors, pinturas de parede, tetos de ônibus e pôsteres) e um vídeo exibido na televisão, com duração de um minuto, a campanha utilizou personalidades conhecidas por seus feitos políticos, econômicos e artísticos, como Albert Einstein, Mahatma Gandhi, Martin Luther King Junior, Pablo Picasso, Maria Callas, Thomas Edson, Miles Davis, Jim Henson, Ted Turner, John Lenon e Yoko Ono, Frank Sinatra e Muhammad Ali, entre outros.

Figura 3
Campanha Think Different

A temática do vídeo exibido na televisão aberta celebrava o “diferente”, aqueles que não se “encaixam” nas normas ou nos padrões, aqueles que ousam desafiar, que veem as coisas de modo diferente, “porque são essas pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo”. Tanto as peças de mídia impressa como o vídeo seguem o mesmo tom discursivo ao exaltar as características dos personagens que ousaram “pensar diferente” e, portanto, “fizeram a diferença”. Pensar diferente seria enxergar as coisas de modo diferenciado, não seguir regras, não se enquadrar no status quo. Pessoas que adotam essa atitude, segundo a Apple, são capazes de mudar e impulsionar o mundo a seguir adiante.

O diferencial dessa campanha é que a empresa rompe com o discurso explícito, enquadrado e objetivo. Ao fazer isso, evidencia a força da marca ao não precisar usar mais de uma linguagem para tentar persuadir o consumidor por meio dos atributos físicos e funcionais do produto. Ao colocar a imagem do personagem tomando toda a tela e sua logomarca pequena, como mero detalhe do anúncio, a marca assume um novo discurso, implícito, sutil e intersubjetivo, que passa a destacar suas características imateriais, abstratas.

Não há referência direta ou indireta ao produto Macintosh, nem em forma de texto, nem de imagem. Trata-se de um discurso retórico composto somente por uma imagem em preto e branco, em sua maioria com ângulo fechado, e por um título, representado pelo slogan que tem uma proposta provocativa e reflexiva: “Pense Diferente”, sugerindo ao leitor que associe a imagem ao texto e ao logotipo da marca. Percebe-se que a marca se valeu de um discurso pautado na imaterialidade, sustentado pelos recursos interdiscursivos para transmitir sua mensagem ao evocar os feitos e as trajetórias de vida daqueles personagens.

Observa-se claramente o jogo discursivo entre a dimensão implícita e a dimensão explícita nessa campanha, que foi conduzida por um discurso persuasivo que carrega em si pelo menos 3 narrativas implícitas: i) a trajetória de vida dos personagens, reconhecidos como personalidades que “fizeram a diferença” por meio de seus feitos, reproduzidos em escalas e contextos diferentes; ii) a narrativa da marca que se associa aos mesmos valores dos personagens e convoca seus leitores-consumidores a fazerem o mesmo: “pensar diferente”; e iii) a terceira narrativa é elaborada pelo leitor-consumidor, que reconhece a história dos personagens, associa-os à marca e sentem-se impelidos a compartilhar dos mesmos valores. As imagens das personalidades que foram capazes de (re)inventar reforçam o que está sendo dito no texto - “Pense Diferente” - e assume a forma de uma narrativa com a finalidade de despertar emoções e, assim, efetivar a persuasão.

Em 1998, dois anos após o retorno de Steve Jobs à companhia, a Apple lançou a campanha “iThink, therefore iMac”, que, em tradução livre, significa “Penso, logo iMac”, fazendo menção à célebre frase do filósofo francês René Descartes: “Penso, logo existo”. A campanha lança mais uma versão do Macintosh, agora chamado pela abreviação iMac, um computador sem disquetes (apenas CD), com entradas USB (primeiro computador a oferecer isso), design inovador, com várias opções de cores, como retrata a Figura 4.

Figura 4
Imagens da campanha de lançamento do iMac

Ao alterar a configuração do iMac, a marca introduz no mercado um novo conceito de PC: computadores coloridos, sem disquete, com entradas USB e CD. Era o início da era dos pen drives e o fim dos disquetes. A mudança acabou por promover alterações na forma de armazenamento e transporte dos dados dos usuários, o que reforça o poder de agência da marca. Destacam-se os títulos de alguns anúncios da campanha: i) Chic. Not Geek (chique, não nerd), que explicita a intencionalidade do emissor de alcançar um novo público, além dos geeks, ou seja, os aficionados em tecnologia. Ao enfatizar que é “chique” e ao investir em design e cores, a Apple almeja atingir um público que valorize estilo e beleza; ii) Sorry, no beige (desculpe, sem bege), que indica o modo particular como o autor da campanha concebe a intencionalidade dos sujeitos envolvidos nos atos de linguagem ao apagar o discurso predominante que outrora exaltava as potencialidades e funcionalidades do produto e a tentativa de construir um novo discurso que atribui um capital simbólico ao iMac, diferenciando-o dos demais.

Mais uma vez, não há referências ao iMac enquanto computador pessoal: o iMac é um iMac. Também merece análise o acréscimo do prefixo “i” à abreviação Mac, utilizado pela marca pela primeira vez, e que posteriormente foi adicionado aos demais produtos (como iPod, iPhone e iPad). Trata-se de uma ideia do próprio Jobs, como se vê no vídeo Steve Jobs Introduces the Original iMac, uma gravação do lançamento da campanha, realizada no Apple Special Event, em 1998 (COMPUTER HISTORY MUSEUM, 2016COMPUTER HISTORY MUSEUM. Steve Jobs Introduces the Macintosh. 2016. Disponível em: <Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1tQ5XwvjPmA >. Acesso em:06 dez. 2018.
https://www.youtube.com/watch?v=1tQ5Xwvj...
). O significado atribuído inicialmente à letra “i” seria a abreviação de “internet”, para indicar aos usuários que se tratava de uma máquina apropriada para navegar de modo simples e rápido, mas, também significaria “individual”, “instruir”, “informar” e “inspirar”.

A aparente decisão “despretensiosa” da Apple de acrescentar o “i” aos nomes de todos os seus produtos oferece a oportunidade de observar a linguagem em ação e os efeitos produzidos por meio de seu uso, pois, implicitamente, o prefixo “i” também pode ser compreendido como o pronome pessoal da primeira pessoa do singular, que em inglês, significa “eu”. A tradução literal para o português, embora cause estranhamento, seria “euPhone” e “euMac”, trazendo mais uma vez a ideia do self estendido de Belk (1988BELK. R. W. Possessions and the extended self. Journal of Marketing Research, v. 15, n. 2, p. 72-95, 1988.), apontando quase um hibridismo entre o produto e o consumidor. Esta última opção, embora não conste no discurso formal, é fruto de um imaginário discursivo criado por meio do intercâmbio que se estabelece entre emissor e receptor difundido na abordagem da TS.

O primeiro iPod foi lançado em 2001, com o discurso: “com o iPod, a Apple cria uma nova categoria de player que permite colocar mil músicas no seu bolso para ouvir em qualquer lugar. Ouvir música nunca mais será a mesma coisa”. O produto se destacou por dispensar o uso de mídia física e usar músicas digitais compradas na loja própria iTunes. Percebe-se o poder de agência da marca mais uma vez. Seu lançamento foi marcado por uma campanha que integra um conjunto de ações comunicacionais. Seus formatos eram de silhuetas na cor preta, representando rapazes e moças, em diferentes idades e estilos, sugerindo pertencerem a várias tribos urbanas, impressas em cores vivas e alegres, como retratam as imagens na Figura 5. Todas as silhuetas estão com o iPod na mão, conectado ao fone de ouvido, e apresentam movimentos que sugerem uma dança, por estarem ouvindo música. Em todas as peças, o produto aparece na cor branca, ganhando destaque. Nos rodapés dos anúncios se observa um pequeno texto, que diz: “Bem-vindo à revolução da música digital. 7.500 sons em seu bolso. Funciona com Mac ou PC. Mais de um milhão vendidos”. Os vídeos da campanha utilizam o mesmo formato, com a diferença de apresentarem os personagens em movimento, dançando ao som de vários ritmos musicais.

A estratégia discursiva que assume papel central nessa campanha é o apelo persuasivo: visual colorido, com um tom lúdico, jovial, descontraído e inovador, que tenta induzir seus leitores-consumidores a se identificar com esse “novo estilo de vida” inaugurado pela revolução da música digital. Ter um iPod significa estar na moda, estar conectado. Ganha destaque o clima de inovação, de novidade, que era o propósito do novo produto criado pela marca, que representava uma revolução no conceito dos players da época. Novamente, a marca não se vale dos atributos do produto para evidenciar a experiência que ela pode proporcionar, recorrendo ao discurso da [i]materialidade.

Figura 5
Imagens da campanha de lançamento do iPod

A Apple lançou o primeiro iPhone com o slogannós iremos reinventar o telefone” (Figura 6). Steve Jobs fez o lançamento oficial do produto na MacWorld 2007, com um discurso de 68 minutos pautado pela retórica. Repetiu o slogan da campanha diversas vezes: “Hoje a Apple vai reinventar o telefone e aqui está”, “então, nós reinventamos o telefone” e “hoje a Apple reinventou o telefone”, a fim de marcar a força e o posicionamento da marca para agenciar subjetividades e afetar a todos ao seu redor. Eis a transcrição dos primeiros 3 minutos e 11 segundos de seu discurso:

[...] de vez em quando aparece um produto revolucionário, que muda tudo. A Apple teve muita sorte. Ela teve a sorte de introduzir alguns desses no mundo. Em 1984, nós introduzimos o Macintosh, ele não mudou apenas a Apple, ele mudou toda a indústria de computadores. Em 2001, introduzimos o iPod, ele não apenas mudou a maneira como todos ouvem música, ele mudou a indústria musical inteira. Bem, hoje nós estamos introduzindo três produtos revolucionários dessa classe: o primeiro é um iPod widescreen com controles sensíveis ao toque; o segundo é um revolucionário telefone celular; e o terceiro é um dispositivo de comunicação de internet quebrador de barreiras. Então temos três coisas: um iPod, um celular e um comunicador de internet. Vocês estão entendendo? Estes não são três dispositivos separados. Este é um dispositivo. E nós o chamamos de iPhone. Hoje a Apple irá reinventar o telefone. E aqui está.

A “reinvenção” do telefone, de fato, ocorreu. Ou seja, a relação dos indivíduos com os aparelhos mudou consideravelmente a partir daí o que serve para evidenciar a agência da marca com os humanos.

Figura 6
Primeiro iPhone

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Resgatando as motivações que levaram à sua elaboração, este estudo se propôs a levantar a biografia da marca Apple por meio da análise de suas campanhas publicitárias, apontando sua circulação e suas transformações ao longo de um período de tempo representativo, bem como seus efeitos na vida dos humanos e dos não humanos. Para isso, retomamos as ideias de Miller (2007MILLER, D. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, v. 13, n. 28, p. 33-63, 2007.), de que a melhor maneira de compreender a humanidade é direcionar a atenção para a materialidade fundamental, intrínseca e presente na vida de cada um; de Appadurai (2010APPADURAI, A. (Org.). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Ed. UFF, 2010.) e Kopytoff (2010KOPYTOFF, I. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. In: APPADURAI, A. (Org.). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Ed. UFF , 2010.), ao defenderem que, além de deslocar o olhar para os objetos, também é preciso compreendê-los e entendê-los como possuidores de uma vida social; e por fim, de Latour (2005LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network theory. Oxford/New York: Oxford University Press, 2005.), que amplia essa ideia e caminha um pouco mais, outorgando às coisas a capacidade de agir, afetar e influenciar o mundo ao seu redor.

As marcas, por meio dos seus discursos publicitários, assumem o papel de instâncias significativas capazes de dotar um produto de um valor simbólico, não mensurável e prioritário em relação ao valor de troca da mercadoria. Percebe-se que, para construir o mundo imaginário e propor um universo de sentido organizado, as marcas se valem de mecanismos de sedução e persuasão, por meio de construções retóricas e semióticas, compostas por elementos racionais e construções emocionais. Nesse sentido, as leituras publicitárias servem como verdadeiras fontes que permitem acessar sua história, pois refletem valores, ideais sociais e culturais, construídos a partir de interações sociais, como em uma via de mão dupla. Além disso, permitem enxergá-los como receptores e produtores de valores nas experiências de consumo vivenciadas no cotidiano, mediante suas funções e simbolismos, na relação com as pessoas e com outros objetos. As imagens publicitárias têm a capacidade de narrar a historicidade da marca, de modo que as características funcionais de seus bens, por mais ressaltadas que sejam, só poderão ser comprovadas em seu uso. Verifica-se tal afirmação ao analisá-las e perceber que revelam os valores, o sentimento de conexão, o status, o estilo, a inovação, o design, a criatividade da marca.

Ao construir sua biografia, por meio da análise de seis anúncios representativos da marca, observam-se detalhes relevantes de sua história, como as estratégias utilizadas pela marca para criar uma conexão emocional com seus consumidores, suas transformações e seus posicionamentos. Percebe-se, por exemplo, que ela passou por uma transição na maneira como comunicava seus produtos, alterando seu posicionamento, passando de um discurso de persuasão predominantemente material, objetivo, explícito e textual, no qual seu interesse predominante era apenas a venda de seus produtos, para um discurso imaterial, subjetivo, sutil, implícito, focado nas características abstratas do produto, adotando, assim, um novo posicionamento: vender uma ideia, um conceito, um novo estilo de vida. Enquanto entre as décadas de 1970 a 1990 a empresa enfatizava a informação e as funcionalidades de seus produtos, a partir do ano 2000 passou a apresentar características imateriais, como nos anúncios do iMac e do iPod, onde se identifica que os valores da marca passaram a ser transmitidos por meio de construções retóricas léxico-visuais, baseadas em emoções e experiências, ancoradas em vertentes emocionais. A identidade da marca Apple, hoje reconhecida como singular, foi construída por meio de elementos que a individualizaram, tornando-a admirada e desejada, em alguns casos, sacralizada, convertendo seus usuários em evangelistas (BELK e TUMBAT, 2005BELK, R.W.; TUMBAT, G. The cult of Macintosh. Consumption, Markets and Culture, v. 8, n. 3, p. 205-217, 2005.).

É por meio das trocas e em sua circulação que os objetos adquirem atributos humanos e isso é percebido na Apple quando se observa sua capacidade de inserção cultural. Ou seja, à medida que os objetos compartilham cada vez mais da vida social, eles aumentam sua presença nas cenas do cotidiano e reforçam seu valor a partir do julgamento feito pelas pessoas que com eles convivem. Assim, duas questões devem ser enfatizadas. Em primeiro lugar, a marca evidencia sua agência com os não humanos quando [re]configura o mercado de tecnologia e comunicação, direcionando-o para novos conceito e valores, tais como: design, marketing, simplicidade, ergonomia, estética, facilidade de uso - incorporados ao próprio mercado de PCs (KAHNEY, 2008KAHNEY, L. A cabeça de Steve Jobs. Rio de Janeiro: Agir, 2008.). Por outro lado, e complementarmente, a marca evidencia sua agência com os humanos quando altera a relação das pessoas com a tecnologia, conectando-as, tornando-se indispensável ao modo de viver contemporâneo, promovendo experiências intersubjetivas e interativas dos indivíduos, entre si e com o resto do mundo.

Ao promover o consumo de seus produtos, a Apple cria intensas conexões entre as pessoas e esses objetos, expressas nessa inseparável materialidade, presentes em diferentes épocas e contextos sociais, evidenciando, desse modo, as convenções culturais, estéticas e tecnológicas dos diferentes contextos vividos pela marca (MILLER, 2007MILLER, D. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, v. 13, n. 28, p. 33-63, 2007.). Em sua trajetória social, a marca reforça hábitos, práticas e modos de identificação que moldam e constroem, oferece experiências e rompe com o convencional. Com o Apple I, ela rompe barreiras e torna acessível a qualquer um possuir um computador; o iMac enterra os disquetes e introduz cor e design aos computadores; o iPod revoluciona o mercado de músicas e o iPhone altera o mercado de telefonia. Sugere-se, para estudos futuros, explorar questões contemporâneas em relação à marca e sua agência na vida do consumidor, no mercado de tecnologia, entre outros. Também seria interessante explorar os aspectos simbólicos, hedônicos e experienciais do consumo dos produtos da marca: O que significa consumir um produto Apple? Que mensagem se deseja transmitir, quando se consome produtos da Apple? O que a Apple promete? O que ela cumpre?

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Os termos “coisas” e “objetos” são utilizados neste artigo de modo conceitualmente semelhante.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2017
  • Aceito
    29 Nov 2018
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