Acessibilidade / Reportar erro

Coordenação de coalizões de defesa utilizando mapas cognitivos

Coordinación de coaliciones de defensa utilizando mapas cognitivos

Resumo

Este artigo traz uma contribuição à análise de coalizões de defesa em processos de formulação ou mudança de políticas públicas, conjugando modelos de análise de políticas públicas e da pesquisa operacional (PO). Jenkins-Smith, Nohrstedt, Weible et al. (2014) observam, a partir dos resultados de algumas aplicações empíricas, que somente as crenças dos atores envolvidos não contam toda a história da mudança da política e ressaltam que o grau de conflito entre os atores ou as coalizões está relacionado às suas percepções quanto ao alcance das ameaças, dos objetivos ou das ações de outros atores, às suas crenças acerca de uma política. Diante do exposto, propõe-se uma abordagem para análise do grau de coordenação inter e intracoalizões políticas em processos de mudança institucional, a partir da identificação das crenças, dos objetivos declarados e das alternativas políticas dos atores, utilizando o pensamento focado no valor (value-focused thinking - VFT) associado aos mapas cognitivos causais. A partir da conjugação desses métodos, espera-se, por meio da comparação dos mapas cognitivos, identificar as coalizões políticas e caracterizar os ambientes colaborativos ou conflituosos, bem como identificar as agendas políticas com variados graus de cooperação ou conflito.

Palavras-chave:
Políticas públicas; Mudança institucional; Coalizões de defesa; Pensamento focado no valor; Mapas cognitivos

Resumen

Este ensayo teórico presenta una contribución al análisis de coaliciones de defensa en procesos de formulación o cambio de políticas públicas, conjugando modelos de análisis de políticas públicas y de la investigación operacional. Jenkins-Smith, Nohrstedt, Weible et al. (2014) observan, a partir de los resultados de algunas aplicaciones empíricas, que sólo las creencias de los actores involucrados no cuentan toda la historia del cambio de la política, y resaltan que el grado de conflicto, entre los actores o coaliciones, está relacionado con sus percepciones en cuanto al alcance de las amenazas, de los objetivos o acciones de otros actores, a sus creencias acerca de una política. Ante lo expuesto, se propone un enfoque para analizar el grado de coordinación inter e intracoaliciones políticas en procesos de cambio institucional, a partir de la identificación de las creencias, de los objetivos declarados y de las alternativas políticas de los actores, utilizando value-focused thinking asociado a los mapas cognitivos causales. A partir de la conjugación de estos métodos se espera, a través de la comparación de los mapas cognitivos, la identificación de las coaliciones políticas, la caracterización de ambientes colaborativos o conflictivos, así como la identificación de agendas políticas con variados grados de cooperación o conflicto.

Palabras clave:
Políticas públicas; Cambio institucional; Coaliciones de defensa; Value-focused thinking; Mapas cognitivos

Abstract

This theoretical essay contributes to the analysis of advocacy coalitions in processes of formulation or change of public policies, combining public policy analysis and operational research models. Jenkins-Smith, Nohrstedt, Weible et al. (2014) observe from the results of some empirical applications that the beliefs of actors alone do not tell the whole history of policy change. In addition, the authors emphasize that the degree of conflict among actors or coalitions is related to their perceptions of the extent of threats of the goals or actions of other actors, to their beliefs about a policy. The study used an approach to analyze the degree of inter and intra political coordination in institutional change processes, based on the identification of the beliefs, declared objectives and political alternatives of the actors, using Value-Focused Thinking associated to causal cognitive maps. From the combination of these methods and the comparison of cognitive maps, the expectation is to identify political coalitions, characterize collaborative or conflicting environments, and the identify political agendas with varying degrees of cooperation or conflict.

Keywords:
Public policies; Institutional change; Advocacy coalitions; Value-Focused thinking; Cognitive maps.

INTRODUÇÃO

O campo de estudo das políticas públicas tenta explicar como e por que os governos fazem ou deixam de fazer algo que repercutirá na vida dos indivíduos; logo, a análise de políticas públicas é certamente complexa e desafiadora.

Segundo Pierson (2006PIERSON, P. Public policies as institutions. In: SHAPIRO, I.; SKOWRONEK, S.; GALVIN, D. (Org.). Rethinking political institutions: the art of the state. New York: New York University Press, 2006. p. 114-137.), as políticas públicas podem ser definidas como um conjunto de instituições. As instituições são estruturas cognitivas, normativas e reguladoras que conferem estabilidade e sentido ao comportamento social e consistem em restrições informais e regras formais (NORTH, 1991NORTH, D. C. Institutions. Journal of Economic Perspectives, v. 5, n. 1, p. 97-112, 1991.; SCOTT, 1995SCOTT, W. R. Institutions and organizations. Thousand Oaks: Sage, 1995.).

As alterações dessas regras e restrições são definidas como mudança institucional, quando instituições são criadas ou reinterpretadas. Segundo Streek e Thelen (2005STREEK, W.; THELEN, K. Introduction: institutional change in advanced political economies. In: STREEK, W.; THELEN, K. (Org.). Beyond continuity: institutional change in advanced political economics. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 1-39.), esse processo de mudança pode ser incremental ou abrupto e apresentar como resultados a continuidade ou descontinuidade das instituições, sendo empreendido por atores capazes de influenciar o contexto institucional. Segundo Mahoney e Thelen (2010MAHONEY, J.; THELEN, K. A theory of gradual institutional change. In: MAHONEY, J.; THELEN, K. (Org.). Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power. New York: Cambridge University Press, 2010. p. 1-37.), o sucesso desses atores em efetuar a mudança institucional depende de sua capacidade de formar coalizões.

Quanto à formação de coalizões, dentre os modelos de análise de políticas públicas disponíveis na literatura, destaca-se o modelo de coalizões de defesa (advocacy coalition framework - ACF) (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1988SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. An advocacy coalition model of policy change and the role of policy orientated learning therein. Policy Sciences, v. 21, n. 2, p. 129-168, 1988.), estruturado em torno da noção de que os atores se organizam em coalizões a partir de crenças comuns e atuam em defesa de determinados aspectos da política pública.

Diante do exposto, tentativas de mudança de políticas (institucionais) resultam em processos complexos e conflituosos. O grau de complexidade desses processos de mudança é influenciado, ainda, pelos seguintes fatores: 1) a racionalidade limitada dos atores, expressa em heurísticas simplificadoras, vieses cognitivos e ambiguidades; 2) a existência de múltiplos atores, coalizões e arenas institucionais; 3) a coexistência de múltiplos objetivos e alternativas políticas, muitas vezes conflitantes entre si; e 4) a natureza cooperativa ou competitiva dos ambientes, com variados graus de conflito (MARCH, 2009MARCH, J. G. Como as decisões realmente acontecem. São Paulo: Leopardo, 2009.; MAHONEY e THELEN, 2010MAHONEY, J.; THELEN, K. A theory of gradual institutional change. In: MAHONEY, J.; THELEN, K. (Org.). Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power. New York: Cambridge University Press, 2010. p. 1-37.; ALMEIDA, MORAIS, COSTA et al., 2012ALMEIDA, A. T. et al. Decisão em grupo e negociação: métodos e aplicações. São Paulo: Atlas, 2012.; KAHNEMAN, 2012KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.; VIEIRA e GOMES, 2014VIEIRA, D. M.; GOMES, R. C. Mudança institucional gradual e transformativa: a influência de coalizões de advocacia e grupos de interesse em políticas públicas. Organizações & Sociedade, v. 21, n. 71, p. 679-694, 2014.).

A importância das ideias, crenças e concepções dos atores a respeito de determinada política pública é destacada pelo ACF. No entanto, Jenkins-Smith, Nohrstedt, Weible et al. (2014) JENKINS-SMITH, H. C. et al. The advocacy coalition framework: foundations, evolution and ongoing research. In: SABATIER, P. A.; WEIBLE, C. M. (Org.). Theories of the policy process. 3. ed. Boulder: Westview. 2014. p. 183-223.ressaltam, a partir dos resultados de algumas aplicações empíricas, a necessidade de repensar a teoria de formação e manutenção da coalizão, de compreender a estrutura da coalizão e as razões para a deserção e estabilidade ao longo do tempo. Somente as crenças não contam toda a história da mudança de política.

Segundo Jenkins-Smith, Nohrstedt, Weible et al. (2014)JENKINS-SMITH, H. C. et al. The advocacy coalition framework: foundations, evolution and ongoing research. In: SABATIER, P. A.; WEIBLE, C. M. (Org.). Theories of the policy process. 3. ed. Boulder: Westview. 2014. p. 183-223., o grau de conflito diz respeito ao alcance das ameaças, percebidas pelos atores, dos objetivos ou ações de seus oponentes, às suas crenças fundamentais acerca da política pública. Os autores expõem, ainda, que a sobrevalorização pelos atores do poder e da astúcia de seus oponentes resulta na delonga dos conflitos.

Diante desse contexto, os processos de mudança de políticas são percebidos como uma situação-problema com variados graus de conflito e reduzida cooperação e coordenação entre os atores ou as coalizões de determinado subsistema político, sob influência das crenças, dos objetivos e das alternativas políticas (MARCH, 2009MARCH, J. G. Como as decisões realmente acontecem. São Paulo: Leopardo, 2009.; MAHONEY e THELEN, 2010MAHONEY, J.; THELEN, K. A theory of gradual institutional change. In: MAHONEY, J.; THELEN, K. (Org.). Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power. New York: Cambridge University Press, 2010. p. 1-37.; JENKINS-SMITH, NOHRSTEDT, WEIBLE et al., 2014JENKINS-SMITH, H. C. et al. The advocacy coalition framework: foundations, evolution and ongoing research. In: SABATIER, P. A.; WEIBLE, C. M. (Org.). Theories of the policy process. 3. ed. Boulder: Westview. 2014. p. 183-223.; VIEIRA e GOMES, 2014VIEIRA, D. M.; GOMES, R. C. Mudança institucional gradual e transformativa: a influência de coalizões de advocacia e grupos de interesse em políticas públicas. Organizações & Sociedade, v. 21, n. 71, p. 679-694, 2014.).

Entre um dos seus pressupostos, o ACF ressalta a racionalidade limitada dos atores. Em relação às estruturas cognitivas, Simon (1959SIMON, H. A. Theories of decision-making in economics and behavioral science. The American Economic Review, v. 49, n. 3, p. 253-283, 1959.) expõe que o ser humano apresenta uma capacidade cognitiva limitada, ou seja, tem limitações para compreender todos os sistemas ao seu redor e/ou processar todas as informações que recebe. Já Kahneman (2012KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.) apresenta novos elementos para compreensão dos processos de julgamento e escolha, bem como os tipos de heurísticas e de vieses que condicionam nosso comportamento cotidiano.

Nesse sentido, nas últimas décadas, várias pesquisas, que recepcionam algumas das questões expostas por Simon (1959SIMON, H. A. Theories of decision-making in economics and behavioral science. The American Economic Review, v. 49, n. 3, p. 253-283, 1959.) e Kahneman (2012KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.), têm sido realizadas na área da pesquisa operacional (PO), para melhor entender os aspectos cognitivos do ser humano, com o propósito de apoiar os processos decisórios, individuais ou em grupo, bem como as negociações de conflitos, uma vez que os tradicionais métodos da PO se revelaram, isoladamente, insuficientes para resolução de problemas complexos. Essas metodologias, entre elas os mapas cognitivos, não se caracterizam como métodos de otimização. Na verdade, permitem estruturar os problemas a partir das diferentes percepções dos atores envolvidos (CLÍMACO, CARDOSO e SOUZA, 2004CLÍMACO, J. N.; CARDOSO, D. M.; SOUZA, J. E. Reflexões sobre o ensino da pesquisa operacional. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 36., 2004, São João Del-Rei. Anais... São João Del-Rei: Sobrapo, 2004.; ALMEIDA, MORAIS, COSTA et al., 2012ALMEIDA, A. T. et al. Decisão em grupo e negociação: métodos e aplicações. São Paulo: Atlas, 2012.).

Em relação aos métodos de apoio à decisão, geralmente, estes têm foco na avaliação das alternativas disponíveis, quando o foco deveria ser dado à forma como essas alternativas são ou podem ser estabelecidas, e a melhor maneira de conseguir isso é pensar em valores e objetivos. O método denominado pensamento focado no valor (value-focused thinking - VFT) enfoca os valores dos tomadores de decisão que podem ser explicitados por meio de objetivos. A criação de melhores alternativas de decisão é um dos principais benefícios desse método que consiste em duas atividades: decidir o que se deseja e, então, descobrir como alcançar isso (KEENEY, 1992KEENEY, R. L. Value-focused thinking: a path to creative decision-making. Cambridge: Harvard University Press, 1992.).

Assim, o objetivo deste estudo é propor uma abordagem para caracterizar o grau de coordenação inter e intracoalizões políticas nos processos de mudança institucional, em determinado subsistema político, segundo a materialização das crenças em objetivos declarados e alternativas políticas.

Desse modo, este artigo se justifica pela necessidade de: 1) repensar a teoria de formação e manutenção da coalizão, de compreender a estrutura da coalizão e as razões para a deserção e estabilidade ao longo do tempo (JENKINS-SMITH, NOHRSTEDT, WEIBLE et al., 2014JENKINS-SMITH, H. C. et al. The advocacy coalition framework: foundations, evolution and ongoing research. In: SABATIER, P. A.; WEIBLE, C. M. (Org.). Theories of the policy process. 3. ed. Boulder: Westview. 2014. p. 183-223.); 2) identificar as crenças e os valores dos atores de modo mais bem definido em pesquisas empíricas que abordam o ACF; e 3) identificar e delimitar de modo claro e preciso a situação-problema em determinado subsistema político, uma vez que a compreensão da realidade, que não é fácil nem consensual, influencia o desenho e, por conseguinte, a efetividade dos resultados da política pública.

Além disso, este estudo almeja contribuir com a análise de coalizões políticas em processos de formulação ou mudança de políticas públicas, por meio da proposição de uma abordagem alternativa para identificação das coalizões de advocacia, indo além da determinação de uma estrutura de crenças, mas também incorporando os objetivos declarados e as alternativas políticas desses atores em um subsistema político.

Primeiro, são apresentados os conceitos relativos às instituições, às mudanças institucionais, ao ACF e às estruturas cognitivas; em seguida, são descritos o VFT e os mapas cognitivos; e, por fim, a abordagem proposta para a análise do grau de coordenação de coalizões políticas em processos de mudança institucional é apresentada e discutida.

INSTITUIÇÕES E MUDANÇAS INSTITUCIONAIS

Segundo Vieira e Gomes (2014VIEIRA, D. M.; GOMES, R. C. Mudança institucional gradual e transformativa: a influência de coalizões de advocacia e grupos de interesse em políticas públicas. Organizações & Sociedade, v. 21, n. 71, p. 679-694, 2014.), a formação ou a mudança em determinada política pública envolve alterações das instituições com as quais está relacionada. De acordo com North (1991NORTH, D. C. Institutions. Journal of Economic Perspectives, v. 5, n. 1, p. 97-112, 1991.), as instituições são restrições humanamente idealizadas que estruturam as interações políticas, econômicas e sociais, e consistem em restrições informais (sanções, tabus, costumes, tradições e códigos de conduta) e regras formais (constituições, leis e direitos de propriedade).

As alterações dessas normas, procedimentos ou regras são definidas como mudança institucional, quando instituições são criadas ou reinterpretadas. Segundo Streek e Thelen (2005STREEK, W.; THELEN, K. Introduction: institutional change in advanced political economies. In: STREEK, W.; THELEN, K. (Org.). Beyond continuity: institutional change in advanced political economics. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 1-39.), esse processo de mudança pode ser incremental ou abrupto e apresentar como resultados da mudança a continuidade ou descontinuidade das instituições. O Quadro 1 apresenta os tipos de mudança institucional consoante esses processos e resultados.

Quadro 1
Tipos de mudança institucional: processos e resultados

Segundo Mahoney e Thelen (2010MAHONEY, J.; THELEN, K. A theory of gradual institutional change. In: MAHONEY, J.; THELEN, K. (Org.). Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power. New York: Cambridge University Press, 2010. p. 1-37.), uma vez criadas, as instituições mudam de formas graduais e lentas, ao longo do tempo, e exercem influência no comportamento humano e nos resultados das políticas. No entanto, não se excluem as substituições totais, que ocorrem com muito menos frequência. Apesar do lugar de destaque da análise institucional na ciência social contemporânea, a literatura que se acumulou nos fornece pouca orientação quanto aos processos de mudança institucional, visto que ainda faltam instrumentos para melhor explicar a evolução gradual das instituições.

A maioria dos estudiosos da mudança institucional aponta que as mudanças abruptas são causadas por choques exógenos, enquanto as mudanças com base em evoluções endógenas, na maior parte das vezes, desdobram-se de modo incremental. Todavia, as mudanças do tipo incremental, muitas vezes, só são perceptíveis como mudança quando se considera um período de tempo de análise um pouco mais longo do que é observado na maior parte da literatura (MAHONEY e THELEN, 2010MAHONEY, J.; THELEN, K. A theory of gradual institutional change. In: MAHONEY, J.; THELEN, K. (Org.). Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power. New York: Cambridge University Press, 2010. p. 1-37.).

As mudanças institucionais são empreendidas por atores capazes de influenciar o contexto institucional por meio de suas demandas e escolhas. Vieira e Gomes (2014VIEIRA, D. M.; GOMES, R. C. Mudança institucional gradual e transformativa: a influência de coalizões de advocacia e grupos de interesse em políticas públicas. Organizações & Sociedade, v. 21, n. 71, p. 679-694, 2014.) expõem que os atores, agrupados em coalizões de defesa ou em grupos de interesse e influenciados por seus valores, preferências e expectativas, engajam-se no objetivo de alcançar o status que lhes seja conveniente, provocando mudanças institucionais.

Segundo Mahoney e Thelen (2010MAHONEY, J.; THELEN, K. A theory of gradual institutional change. In: MAHONEY, J.; THELEN, K. (Org.). Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power. New York: Cambridge University Press, 2010. p. 1-37.), atores com diferentes recursos são motivados a criar diferentes tipos de instituições que, na verdade, refletem contribuições relativas dos conflitos entre esses atores. Os resultados institucionais não necessariamente refletem as preferências da coalizão dominante, mas podem ser o resultado do conflito entre as coalizões ou de “compromissos ambíguos” de um esforço de coordenação entre atores conflitantes.

Mahoney e Thelen (2010MAHONEY, J.; THELEN, K. A theory of gradual institutional change. In: MAHONEY, J.; THELEN, K. (Org.). Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power. New York: Cambridge University Press, 2010. p. 1-37.) apresentam uma classificação desses atores, que vêm a ser os agentes da mudança: os insurgentes (insurrectionaries), os simbióticos (symbionts - parasitas ou mutualísticos), os subversivos (subversives) e os oportunistas (opportunists).

Os sucessos dos vários tipos de agente em efetuar a mudança institucional dependem de sua capacidade de formar coalizões. Embora as coalizões sejam formadas para uma questão em particular, é possível generalizar como os diferentes agentes da mudança podem ou não formar alianças com aqueles que se beneficiam ou não das regras existentes (MAHONEY e THELEN, 2010MAHONEY, J.; THELEN, K. A theory of gradual institutional change. In: MAHONEY, J.; THELEN, K. (Org.). Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power. New York: Cambridge University Press, 2010. p. 1-37.). O Quadro 2 apresenta a lógica das alianças entre cada tipo de agente e os apoiadores ou opositores das regras vigentes.

Quadro 2
Alinhamentos dos agentes de mudança

Quanto à formação de coalizões, dentre os modelos de análise de políticas públicas disponíveis na literatura, destaca-se o ACF (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1988SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. An advocacy coalition model of policy change and the role of policy orientated learning therein. Policy Sciences, v. 21, n. 2, p. 129-168, 1988.).

ADVOCACY COALITION FRAMEWORK

O ACF está estruturado em torno da noção de que os atores estão organizados em coalizões formadas a partir de crenças comuns e que atuam em defesa de determinados aspectos da política pública (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1988SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. An advocacy coalition model of policy change and the role of policy orientated learning therein. Policy Sciences, v. 21, n. 2, p. 129-168, 1988.). O ACF ganhou notoriedade, em 1988, com a publicação de uma edição especial da revista Policy Sciences. Nessa publicação, Paul Sabatier estabelece o subsistema como unidade de análise e descreve a estrutura de crenças que baliza a formação das coalizões de defesa, com destaque para o efeito da aprendizagem no processo de mudança das políticas públicas (JENKINS-SMITH, NOHRSTEDT, WEIBLE et al., 2014JENKINS-SMITH, H. C. et al. The advocacy coalition framework: foundations, evolution and ongoing research. In: SABATIER, P. A.; WEIBLE, C. M. (Org.). Theories of the policy process. 3. ed. Boulder: Westview. 2014. p. 183-223.).

Jenkins-Smith, Nohrstedt, Weible et al. (2014)JENKINS-SMITH, H. C. et al. The advocacy coalition framework: foundations, evolution and ongoing research. In: SABATIER, P. A.; WEIBLE, C. M. (Org.). Theories of the policy process. 3. ed. Boulder: Westview. 2014. p. 183-223.apresentam os seguintes pressupostos para o ACF: 1) o subsistema político é a unidade primária de análise para entender o processo político; 2) o conjunto de atores de um subsistema relevante inclui qualquer pessoa que tente regularmente influenciar os assuntos desse subsistema; 3) os indivíduos são limitadamente racionais, com capacidade restrita para processar estímulos, motivados por sistemas de crenças e propensos a experimentar a chamada devil shift (sobrevalorização de seus oponentes); 4) os subsistemas são simplificados por agregação de atores em uma ou mais coalizões; 5) políticas e programas incorporam teorias implícitas, que refletem as crenças traduzidas de uma ou mais coalizões; 6) informação científica e técnica é importante para a compreensão dos assuntos de um subsistemas; e 7) os pesquisadores devem adotar uma perspectiva de longo prazo (p. ex., 10 anos ou mais) para entender os processos políticos e a mudança.

Um dos aspectos centrais da construção conceitual do ACF é a estrutura de crenças que define as coalizões. O sistema de crenças dos atores e coalizões, derivado da descrição de Imre Lakatos acerca da mudança na teoria científica, foi concebido segundo o grau de resistência à mudança por parte dos atores: crenças centrais profundas (deep core beliefs), mais estáveis com postulados normativos e ontológicos fundamentais; crenças centrais políticas (policy core beliefs), resistentes às mudanças, mas mais suscetíveis à verificação e refutação em novas experiências do que as crenças centrais profundas; e crenças secundárias (secondary beliefs), tendem a mudar mais com o passar do tempo (JENKINS-SMITH, NOHRSTEDT, WEIBLE et al., 2014JENKINS-SMITH, H. C. et al. The advocacy coalition framework: foundations, evolution and ongoing research. In: SABATIER, P. A.; WEIBLE, C. M. (Org.). Theories of the policy process. 3. ed. Boulder: Westview. 2014. p. 183-223.).

O ACF fornece um conjunto de questões úteis para a compreensão de situações com elevado grau de conflito, envolvendo coalizões, aprendizagem e mudança de política no nível do subsistema político em análise. Em relação às coalizões de defesa, estas são definidas por atores que compartilham crenças fundamentais da política, as quais coordenam as ações de modo não trivial para influenciar um subsistema de política. No tocante ao aprendizado político, este está associado a mudanças nos sistemas de crenças dos membros da coalizão, que incluem não só a compreensão de um problema e soluções associadas, mas também o uso de estratégias políticas para alcançar os objetivos (JENKINS-SMITH, NOHRSTEDT, WEIBLE et al., 2014JENKINS-SMITH, H. C. et al. The advocacy coalition framework: foundations, evolution and ongoing research. In: SABATIER, P. A.; WEIBLE, C. M. (Org.). Theories of the policy process. 3. ed. Boulder: Westview. 2014. p. 183-223.).

Segundo Jenkins-Smith, Nohrstedt, Weible et al. (2014JENKINS-SMITH, H. C. et al. The advocacy coalition framework: foundations, evolution and ongoing research. In: SABATIER, P. A.; WEIBLE, C. M. (Org.). Theories of the policy process. 3. ed. Boulder: Westview. 2014. p. 183-223.), um dos objetivos do ACF é contribuir para a compreensão da mudança e estabilidade da política, o que tem sido objeto de pesquisas empíricas. A partir dessas pesquisas, tem-se hoje um conhecimento mais detalhado sobre a natureza e as causas da mudança da política intra e intersubsistemas de política do que algumas décadas atrás.

Jenkins-Smith, Nohrstedt, Weible et al. (2014)JENKINS-SMITH, H. C. et al. The advocacy coalition framework: foundations, evolution and ongoing research. In: SABATIER, P. A.; WEIBLE, C. M. (Org.). Theories of the policy process. 3. ed. Boulder: Westview. 2014. p. 183-223. ressaltam, a partir dos resultados de algumas aplicações empíricas, a necessidade de repensar a teoria de formação e manutenção da coalizão, pois somente as crenças não contam toda a história, e o fato de que as percepções dos atores quanto às consequências, dos objetivos ou das ações dos demais atores, sobre suas crenças fundamentais acerca da política pública afetam esse processo.

AS ESTRUTURAS COGNITIVAS E OS PROCESSOS DE DECISÃO

Um dos pressupostos do ACF é que os indivíduos que apresentam racionalidade limitada para processar estímulos são motivados por sistemas de crenças e propensos a experimentar a devil shift (sobrevalorização de seus oponentes). O precursor da inserção da racionalidade limitada nos estudos organizacionais foi o economista norte-americano Herbert Simon. Simon (1959SIMON, H. A. Theories of decision-making in economics and behavioral science. The American Economic Review, v. 49, n. 3, p. 253-283, 1959.) ressalta que o ambiente percebido pelo decisor é diferente do ambiente real, uma vez que o ser humano apresenta uma capacidade cognitiva limitada, ou seja, não compreende todos os sistemas a seu redor e/ou não processa todas as informações que recebe.

Dando continuidade aos estudos sobre julgamentos e tomada de decisão, Tversky e Kahneman (1974TVERSKY, A.; KAHNEMAN, D. Judgment under uncertainty: heuristics and biases. Science, v. 185, n. 4157, p. 1124-1131, 1974.) descrevem os atalhos simplificadores do pensamento intuitivo e explicam vieses como manifestações dessas heurísticas. Kahneman (2012)KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. apresenta novos elementos para a compreensão dos processos de julgamento e escolha, bem como os tipos de heurísticas e de vieses que condicionam nosso comportamento cotidiano: 1) define duas formas de pensamento - uma mais rápida, a intuição, e uma mais devagar, a razão -, que se articulam e se apoiam; e 2) estabelece a existência de dois eus - o eu experiencial, aquele que vive a experiência, e o eu recordativo, que usa a lembrança.

No tocante aos processos de decisão que envolvem múltiplos atores, estes foram objeto dos estudos de March (2009MARCH, J. G. Como as decisões realmente acontecem. São Paulo: Leopardo, 2009.), que propõe duas representações: 1) a lógica da consequência, na qual as alternativas são avaliadas e selecionadas em termos de preferências e expectativas de consequências futuras; e 2) a lógica da adequação, em que as alternativas são avaliadas e selecionadas segundo identidades e regras, as preferências e expectativas de consequências influenciam em segundo plano, e ambas estão sujeitas à ambiguidade interpretativa do tomador de decisão.

March (2009MARCH, J. G. Como as decisões realmente acontecem. São Paulo: Leopardo, 2009.) ressalta que muitas das decisões não resultam de cálculos de consequências em função de preferências conjuntas nem de uma consciência conjunta sobre regras consistentes, mas sim de interações de indivíduos e grupos em busca de suas próprias adequações e interesses. E que as teorias que versam sobre processos de decisão com múltiplos atores diferem em suas premissas, podendo ser dispostas segundo duas versões: 1) clássica; e 2) comportamental.

Nas versões clássicas, como a teoria dos jogos, assume-se que os atores individuais são agentes racionais puros com conhecimento perfeito. Já nas versões comportamentais se enfatizam as limitações da racionalidade e das regras de decisão que afetam os conhecimentos, as identidades e as preferências dos atores. Ressaltam a formação de coalizões e barganhas, os processos de aprendizado a respeito dos outros, a importância e o significado da confiança e de compreensões culturais na descoberta e sustentação de coalizões estáveis e a indeterminação e estabilidade das escolhas (MARCH, 2009MARCH, J. G. Como as decisões realmente acontecem. São Paulo: Leopardo, 2009.).

Metodologias desenvolvidas, no âmbito da PO, para melhor entender os aspectos cognitivos do ser humano, entre elas o VFT e os mapas cognitivos, favorecem teorias cujas pesquisas empíricas consideram de modo mais bem definido a identificação de crenças e valores.

PENSAMENTO FOCADO NO VALOR

Segundo Keeney (1996KEENEY, R. L. Value-focused thinking: identifying decision opportunities and creating alternatives. European Journal of Operational Research, v. 92, n. 3, p. 537-549, 1996.), nossos valores são fundamentais para tudo o que fazemos, devendo ser a força motriz, a base para nossa tomada de decisão. No entanto, Keeney (1996)KEENEY, R. L. Value-focused thinking: identifying decision opportunities and creating alternatives. European Journal of Operational Research, v. 92, n. 3, p. 537-549, 1996. ressalta que, geralmente, os métodos de apoio à decisão têm foco na escolha das alternativas disponíveis, ou seja, os decisores se concentram primeiro nas alternativas e só depois abordam os objetivos ou critérios para avaliá-las. Keeney (1992)KEENEY, R. L. Value-focused thinking: identifying decision opportunities and creating alternatives. European Journal of Operational Research, v. 92, n. 3, p. 537-549, 1996. denomina essa abordagem pensamento focado em alternativas (alternative-focused thinking - AFT).

Em vez disso, o foco deveria ser atribuído à forma como essas alternativas são ou podem ser estabelecidas, e a melhor maneira de conseguir isso é pensar em valores e objetivos. O método VFT dá ênfase aos valores do decisor que podem ser explicitados por meio de objetivos. Um objetivo é uma declaração de algo que se deseja alcançar, caracterizado por três aspectos: um contexto de decisão, um objeto e uma direção de preferência (KEENEY, 1992KEENEY, R. L. Value-focused thinking: a path to creative decision-making. Cambridge: Harvard University Press, 1992.).

Em outras palavras, o AFT procura descobrir quais as alternativas disponíveis e escolher a melhor entre elas; já o VFT busca decidir o que se deseja e, então, descobrir como alcançá-lo (KEENEY, 1996KEENEY, R. L. Value-focused thinking: identifying decision opportunities and creating alternatives. European Journal of Operational Research, v. 92, n. 3, p. 537-549, 1996.).

Os objetivos podem ser classificados em fundamentais e meios. Os objetivos fundamentais caracterizam uma razão essencial para o interesse na situação-problema. Já os meios são de interesse em um contexto de decisão, pois constituem recursos para alcançar os objetivos fundamentais. Para identificar os valores e objetivos, sugerem-se diversas técnicas, tais como: lista de desejos; alternativas ótimas, médias e péssimas; problemas e fraquezas da organização; consequências; objetivos estratégicos e objetivos genéricos (KEENEY, 1992KEENEY, R. L. Value-focused thinking: a path to creative decision-making. Cambridge: Harvard University Press, 1992., 1996KEENEY, R. L. Value-focused thinking: identifying decision opportunities and creating alternatives. European Journal of Operational Research, v. 92, n. 3, p. 537-549, 1996.).

Segundo Keeney (1996KEENEY, R. L. Value-focused thinking: identifying decision opportunities and creating alternatives. European Journal of Operational Research, v. 92, n. 3, p. 537-549, 1996.), as primeiras alternativas que vêm à mente em determinada situação são as mais óbvias, aquelas que foram usadas, anteriormente, em situações semelhantes, e as que estão prontamente disponíveis. Essas poucas alternativas servem para ancorar o pensamento sobre outras possíveis. As premissas subentendidas nas alternativas identificadas são aceitas e a geração de novas alternativas tende a se limitar a um ajuste nas já identificadas.

Keeney (1996KEENEY, R. L. Value-focused thinking: identifying decision opportunities and creating alternatives. European Journal of Operational Research, v. 92, n. 3, p. 537-549, 1996.) destaca que as alternativas verdadeiramente diferentes permanecem escondidas, inacessíveis, em outra parte da mente. Logo, o pensamento persistente e intenso é necessário para sacudi-las na consciência. Assim, enfocando os valores que orientam os tomadores de decisão, removem-se as âncoras sobre alternativas definidas e favorece-se a busca de novas alternativas, tornando-se um exercício criativo e frutífero.

Keeney (1992KEENEY, R. L. Value-focused thinking: a path to creative decision-making. Cambridge: Harvard University Press, 1992.) enumera diversos benefícios da abordagem VFT: descobrir objetivos ocultos, orientar a coleta de informação, melhorar a comunicação, facilitar o envolvimento de múltiplos stakeholders, interconectar as decisões, criar alternativas, avaliar alternativas, identificar oportunidades de decisão e guiar o pensamento estratégico.

Dentre os diversos benefícios do método, destacam-se dois: o reconhecimento e a identificação de oportunidades de decisão e a criação de melhores alternativas de decisão. O método consiste de duas atividades: decidir o que se deseja e, então, descobrir como alcançá-lo (KEENEY, 1992KEENEY, R. L. Value-focused thinking: a path to creative decision-making. Cambridge: Harvard University Press, 1992.).

OS MAPAS COGNITIVOS

Segundo Eden (1988EDEN, C. Cognitive mapping. European Journal of Operational Research, v. 36, n. 1, p. 1-13, 1988.), pessoas diferentes interpretam de maneiras diferentes uma mesma situação, isto é, cada indivíduo tem uma diversidade de valores e interesses. Os mapas cognitivos, geralmente obtidos por meio de entrevistas, possibilitam retratar as ideias dos decisores, bem como os sentimentos, os valores, as crenças e seus inter-relacionamentos em um processo decisório.

Os mapas representam o mundo subjetivo do entrevistado. O termo mapeamento cognitivo descreve a tarefa de estruturar ou diagramar o pensamento dos indivíduos sobre uma questão ou um problema. É uma técnica de modelagem formal cuja representação do pensar sobre determinado problema se faz por meio dos mapas cognitivos, cuja base formal deriva da teoria do construto pessoal de George Kelly (EDEN, 2004EDEN, C. Analyzing cognitive maps to help structure issues or problems. European Journal of Operational Research, v. 159, n. 3, p. 673-686, 2004.).

Os mapas cognitivos são caracterizados por uma estrutura hierárquica sob a forma de grafos com declarações de objetivos no topo da hierarquia. No entanto, essa forma hierárquica, frequentemente, apresenta algumas circularidades (EDEN, 2004EDEN, C. Analyzing cognitive maps to help structure issues or problems. European Journal of Operational Research, v. 159, n. 3, p. 673-686, 2004.). O autor ressalta que esses loops, quando existem, geralmente exercem um papel importante na resolução dos problemas.

Em regra, um mapa cognitivo é desenhado com declarações (conceitos) curtas ligadas por meio de arcos unidirecionais. No geral, uma declaração na cauda de um arco é levada a causar, ou influenciar, a declaração na ponta do arco. Em outras palavras, o mapa é uma rede de nós (conceitos) e arcos como ligações (grafo orientado) em que a direção do arco implica causalidade (EDEN, 2004EDEN, C. Analyzing cognitive maps to help structure issues or problems. European Journal of Operational Research, v. 159, n. 3, p. 673-686, 2004.).

Segundo Axelrod (1976AXELROD, Robert. Structure of decision. Princeton: University of Princeton Press, 1976.), quando um mapa cognitivo é retratado em forma de gráfico, é relativamente fácil ver como cada um dos conceitos e relações causais se relacionam uns com os outros.

Figura 1
Mapa cognitivo com suas relações causais

A Figura 1 apresenta um exemplo de mapa cognitivo com suas relações causais. Um mapa cognitivo, que representa as ideias ou os conceitos relativos a determinada situação-problema, pode ser representado por um conjunto de nós e arcos. Os arcos entre os nós representam as relações de causalidade entre os conceitos; o efeito percebido dessas relações pode ser positivo ou negativo e a força da crença ou intensidade dessas relações é representada por números próximos aos arcos (CUNHA, SILVA FILHO e MORAIS, 2013CUNHA, A. A. R.; SILVA FILHO, J. L.; MORAIS, D. C. Análise qualitativa de mapas cognitivos voltada à estruturação de problemas envolvendo decisão em grupo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 45., 2013, Natal. Anais... Natal: Sobrapo, 2013.). Nesse exemplo, consideram-se três graus de intensidade: forte (+3 e -3); moderado (+2 e -2); e fraco (+1 e -1).

Os trabalhos de Hart (1977HART, J. A. Cognitive maps of three Latin American policy makers. World Politics, v. 30, n. 1, p. 115-140, 1977.) e Axelrod (1976AXELROD, Robert. Structure of decision. Princeton: University of Princeton Press, 1976.) sobre a análise dos mapas cognitivos foram precursores no tema e constituem referências até os dias atuais. Nesses trabalhos são apresentados conceitos basilares sobre o tema, como o balanceamento do caminho no mapa cognitivo, a avaliação da consistência, a frequência e a densidade do mapa cognitivo (CUNHA, SILVA FILHO e MORAIS, 2013CUNHA, A. A. R.; SILVA FILHO, J. L.; MORAIS, D. C. Análise qualitativa de mapas cognitivos voltada à estruturação de problemas envolvendo decisão em grupo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 45., 2013, Natal. Anais... Natal: Sobrapo, 2013.).

Segundo Montibeller e Belton (2006MONTIBELLER, G.; BELTON, V. Causal maps and the evaluation of decision options - a review. The Journal of the Operational Research Society, v. 57, n. 7, p. 779-791, 2006.), os mapas cognitivos são amplamente utilizados em análises para estruturação de problemas e possibilitam uma rica representação de ideias por intermédio da modelagem de argumentos complexos em forma de redes. O texto seminal de Montibeller e Belton (2006)MONTIBELLER, G.; BELTON, V. Causal maps and the evaluation of decision options - a review. The Journal of the Operational Research Society, v. 57, n. 7, p. 779-791, 2006. apresenta uma revisão sobre os conceitos e propõe uma taxonomia para abordagens que auxiliam a análise dos mapas cognitivos e discute as vantagens e desvantagens de cada uma.

De acordo com Cunha, Silva Filho e Morais (2013CUNHA, A. A. R.; SILVA FILHO, J. L.; MORAIS, D. C. Análise qualitativa de mapas cognitivos voltada à estruturação de problemas envolvendo decisão em grupo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 45., 2013, Natal. Anais... Natal: Sobrapo, 2013.), os mapas cognitivos são originalmente recursos de natureza qualitativa, mas alguns esforços têm sido dedicados no desenvolvimento de meios para comparar quantitativamente os mapas individuais. Cunha, Silva Filho e Morais (2013)CUNHA, A. A. R.; SILVA FILHO, J. L.; MORAIS, D. C. Análise qualitativa de mapas cognitivos voltada à estruturação de problemas envolvendo decisão em grupo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 45., 2013, Natal. Anais... Natal: Sobrapo, 2013. destacam os trabalhos de Langfield-Smith e Wirth (1992)LANGFIELD-SMITH, K.; WIRTH, A. Measure differences between cognitive maps. The Journal of the Operational Research Society, v. 43, n. 12, p. 1135-1150, 1992. e Septer, Dijkstra e Stokman (2012SEPTER, T. J.; DIJKSTRA, J.; STOKMAN, F. N. Detecting and measuring crucial differences between cognitive maps. Rationality and Society, v. 24, n. 4, p. 383-407, 2012.).

Segundo Langfield-Smith e Wirth (1992)LANGFIELD-SMITH, K.; WIRTH, A. Measure differences between cognitive maps. The Journal of the Operational Research Society, v. 43, n. 12, p. 1135-1150, 1992., os mapas podem divergir quanto: 1) à existência ou não de nós; 2) à existência ou não de uma relação causal entre dois nós; 3) ao efeito das relações (positivo ou negativo); ou 4) à intensidade das relações.

Langfield-Smith e Wirth (1992)LANGFIELD-SMITH, K.; WIRTH, A. Measure differences between cognitive maps. The Journal of the Operational Research Society, v. 43, n. 12, p. 1135-1150, 1992. propõem uma medida de distância entre um par de mapas cognitivos; quanto maior essa medida, maior a diferença entre os dois mapas. Os mapas são representados por matrizes n x n, onde n é o número de nós (conceitos, ideias) em um mapa cognitivo. Onde os elementos da matriz representam o sentido e a intensidade das relações causais. Por exemplo, o elemento a 15 de uma Matriz A representa a relação causal do nó 1 ao nó 5 e o elemento a 51 , a relação causal do nó 5 ao nó 1. Na ausência de relação causal, o valor do elemento será zero. No exemplo da Figura 2, o elemento a 15 seria +3 e o a 51 , 0.

Assim, a distância entre um par de mapas cognitivos causais, A e B, é obtida segundo Langfield-Smith e Wirth (1992)LANGFIELD-SMITH, K.; WIRTH, A. Measure differences between cognitive maps. The Journal of the Operational Research Society, v. 43, n. 12, p. 1135-1150, 1992., pela equação 1:

d ( A , B ) = i = 1 p j = 1 p a i j - b i j (1)

onde os mapas causais A e B são representados, respectivamente, pelas matrizes quadradas A[a ij ] e B[ b ij ], onde 1 ≤ i, jp, e p é o número de nós resultante da união dos nós dos dois mapas cognitivos.

No entanto, Langfield-Smith e Wirth (1992)LANGFIELD-SMITH, K.; WIRTH, A. Measure differences between cognitive maps. The Journal of the Operational Research Society, v. 43, n. 12, p. 1135-1150, 1992. ressaltam que, como os mapas cognitivos podem apresentar quantitativo de nós (conceitos, ideias) diferentes, ou seja, matrizes de diferentes tamanhos, a distância entre um par de mapas não pode ser diretamente comparada com outro par com tamanhos diferentes. Assim, Langfield-Smith e Wirth (1992)LANGFIELD-SMITH, K.; WIRTH, A. Measure differences between cognitive maps. The Journal of the Operational Research Society, v. 43, n. 12, p. 1135-1150, 1992. propõem uma adequação na fórmula para relativizar as distâncias entre os mapas causais:

d ( A , B ) = i = 1 p j = 1 p a i j - b i j 6 p c 2 + 2 p c p u 1 + p u 1 + p u 1 2 + p u 2 2 - ( 6 p c + p u 1 + p u 2 ) (2)

Onde p é o número de nós (conceitos, ideias) resultante da união dos elementos dos dois mapas cognitivos, pc é o número de nós comuns às duas matrizes A e B, pu1 é o número de nós únicos na matriz A, e pu2 é o número de nós únicos na matriz B.

Langfield-Smith e Wirth (1992)LANGFIELD-SMITH, K.; WIRTH, A. Measure differences between cognitive maps. The Journal of the Operational Research Society, v. 43, n. 12, p. 1135-1150, 1992.propõem, também, outro ajuste para o grau das relações causais dos nós considerados por apenas um dos atores. Assim, nas relações causais em que um dos nós não seja não comum a ambos os mapas, cuja escala varia entre [+3, -3], passa a variar entre [+1, -1]:

a i j = 1 , s e a i j > 0 e i o u j P c - 1 , s e a i j < 0 e i o u j P c a i j , n o u t r o s c a s o s

Onde Pc é o conjunto dos nós comuns às duas matrizes.

Para a análise de comparação dos mapas cognitivos, Cunha, Silva Filho e Morais (2013CUNHA, A. A. R.; SILVA FILHO, J. L.; MORAIS, D. C. Análise qualitativa de mapas cognitivos voltada à estruturação de problemas envolvendo decisão em grupo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 45., 2013, Natal. Anais... Natal: Sobrapo, 2013.) também consideram informações importantes as classificações dos tipos de nós identificados no processo de elicitação dos mapas: 1) nós de consenso global, aqueles considerados por todos os atores; 2) nós de consenso relativo, aqueles considerados importantes por parte dos atores; e 3) nós de importância restrita, aqueles considerados em apenas um mapa cognitivo. Segundo Cunha, Silva Filho e Morais (2013)CUNHA, A. A. R.; SILVA FILHO, J. L.; MORAIS, D. C. Análise qualitativa de mapas cognitivos voltada à estruturação de problemas envolvendo decisão em grupo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 45., 2013, Natal. Anais... Natal: Sobrapo, 2013., a presença de nós de importância restrita pode representar o antagonismo entre os atores.

Septer, Dijkstra e Stokman (2012SEPTER, T. J.; DIJKSTRA, J.; STOKMAN, F. N. Detecting and measuring crucial differences between cognitive maps. Rationality and Society, v. 24, n. 4, p. 383-407, 2012.) propõem uma abordagem, a partir da comparação dos mapas cognitivos, para identificar e mensurar as diferenças entre percepções e opiniões dos indivíduos quanto ao alcance dos objetivos e introduzem o conceito do caminho crucial. A ideia é identificar as relações causais ou o conjunto de relações causais entre os mapas cognitivos que mais contribuem para diversidade de opiniões, em função de três conceitos: o efeito parcial (EP), que representa a intensidade do caminho que liga dois nós; o efeito total (ET), que pode ser definido como a média ponderada dos EP que liga dois nós; e o resultado total (RT), que representa a importância média de cada caminho que parte de um nó emissor e vai até um nó receptor.

Septer, Dijkstra e Stokman (2012SEPTER, T. J.; DIJKSTRA, J.; STOKMAN, F. N. Detecting and measuring crucial differences between cognitive maps. Rationality and Society, v. 24, n. 4, p. 383-407, 2012.) definem o caminho crucial como uma conexão ou conjunto de conexões, cujo alinhamento de opiniões contribua para o alcance do consenso. Assim, considerando dois nós v i e v j , P será um caminho que se inicia em v i e termina em v j , e l, a quantidade de conexões ao longo desse caminho.

De tal modo que o EP, que representa a intensidade de um caminho q dentre os possíveis caminhos entre os nós v i e v j , pode ser obtido pela equação 3, adaptada de Septer, Dijkstra e Stokman (2012SEPTER, T. J.; DIJKSTRA, J.; STOKMAN, F. N. Detecting and measuring crucial differences between cognitive maps. Rationality and Society, v. 24, n. 4, p. 383-407, 2012.), matematicamente, por Cunha, Silva Filho e Morais (2013CUNHA, A. A. R.; SILVA FILHO, J. L.; MORAIS, D. C. Análise qualitativa de mapas cognitivos voltada à estruturação de problemas envolvendo decisão em grupo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 45., 2013, Natal. Anais... Natal: Sobrapo, 2013.):

E P P i j q = 1 3 l q - 1 a i j (3)

Já o ET é definido como a média ponderada dos efeitos parciais que o compõem, inclusive incorporando todos os caminhos de importância nula. Sendo obtido pela equação 4 (SEPTER, DIJKSTRA e STOKMAN, 2012SEPTER, T. J.; DIJKSTRA, J.; STOKMAN, F. N. Detecting and measuring crucial differences between cognitive maps. Rationality and Society, v. 24, n. 4, p. 383-407, 2012.):

E T P i j = 1 n P i j q = 1 n q E P P i j q (4)

Onde n pij é o número de todos os possíveis q caminhos entre os nós v i e v j .

No entanto, para identificar o caminho crucial, faz-se necessário obter o RT, que representa a importância média de cada caminho que se inicia em um nó emissor, v, e finaliza em um nó receptor ou objetivo, g i , por meio da equação 5 (SEPTER, DIJKSTRA e STOKMAN, 2012SEPTER, T. J.; DIJKSTRA, J.; STOKMAN, F. N. Detecting and measuring crucial differences between cognitive maps. Rationality and Society, v. 24, n. 4, p. 383-407, 2012.):

R T v = i = 1 n g s g i . E T ( P v , g i ) i = 1 n g s g i (5)

Onde s gi representa a importância relativa do objetivo g i , para um ator.

A partir do RT, pode-se formular uma medida de divergência para identificar as relações causais ou o conjunto de relações causais, ou seja, os caminhos entre os mapas cognitivos que mais contribuem para a diversidade de opiniões entre os atores. Essa medida de divergência é a variância dos resultados totais, definida pela equação 6:

σ 2 ( R T ) = 1 n α = 1 n R T α - 1 n k = 1 n R T k 2 (6)

Onde RT α representa o RT do ator α.

Quanto menor for o resultado da variância de determinado caminho, menor será a divergência entre os atores em relação a esse caminho, possibilitando a identificação de agendas políticas com variados graus de consenso ou impasse.

A ABORDAGEM PROPOSTA

A abordagem proposta neste artigo para a análise da coordenação de coalizões políticas nos processos de mudança institucional, em um subsistema político, a partir da identificação das crenças, dos objetivos declarados e das alternativas políticas dos atores envolvidos, conjuga métodos de análise de políticas públicas e da PO. A Figura 2 apresenta o fluxograma das etapas da abordagem.

Figura 2
Fluxograma das etapas da abordagem.

Inicialmente, 1) define-se o subsistema político objeto de análise; em seguida, 2) identificam-se os atores interessados nesse subsistema. Esses 3) atores são entrevistados para 4) identificação dos valores, dos objetivos declarados e das alternativas políticas para a situação-problema em análise, utilizando algumas das técnicas sugeridas pelo VFT, tais como: lista de desejos; alternativas; problemas e fraquezas da organização; consequências; objetivos estratégicos ou objetivos genéricos.

Anteriormente ao processo de elicitação dos mapas cognitivos dos atores, 5) os objetivos declarados e as alternativas políticas descobertas são compartilhados entre todos, sem a identificação dos autores. A posteriori, 6) elaboram-se os mapas cognitivos individuais, a partir da definição das relações causais e respectivos efeitos e intensidades, entre os objetivos e as alternativas obtidos nas entrevistas. Esse processo de elicitação multimetodológico é uma adaptação do proposto por Almeida, Morais e Almeida (2014ALMEIDA, S.; MORAIS, D. C.; ALMEIDA, A. T. Agregação de pontos de vista de stakeholders utilizando o value-focused thinking associado a mapeamento cognitivo. Production, v. 24, n. 1, p. 144-159, 2014.), que visa à estruturação de problemas por diferentes stakeholders, utilizando VFT, associado aos mapas cognitivos, sem a necessidade de estabelecer, em um primeiro momento, um processo direto de interação entre o grupo.

Nessa fase de elaboração dos mapas cognitivos, os atores externam suas opiniões e percepções quanto às relações causais entre os elementos, possibilitando a identificação das crenças. Em um segundo momento, os mapas cognitivos são comparados.

Essa comparação possibilita a identificação de possíveis divergências de opinião entre os atores, a partir das diferenças entre os conjuntos de nós e os respectivos relacionamentos causais. Recordando Langfield-Smith e Wirth (1992)LANGFIELD-SMITH, K.; WIRTH, A. Measure differences between cognitive maps. The Journal of the Operational Research Society, v. 43, n. 12, p. 1135-1150, 1992., os mapas podem divergir quanto: i) à existência ou não de nós; ii) à existência ou não de uma relação causal entre dois nós; iii) ao efeito das relações, positivo ou negativo; ou iv) à intensidade das relações.

Inicialmente, 7) se calcula a métrica proposta por Langfield-Smith e Wirth (1992)LANGFIELD-SMITH, K.; WIRTH, A. Measure differences between cognitive maps. The Journal of the Operational Research Society, v. 43, n. 12, p. 1135-1150, 1992. para mensurar a distância entre dois mapas cognitivos; por conseguinte, avaliar a diferença de crenças nos relacionamentos entre os nós de diferentes mapas cognitivos. Segundo Cunha, Silva Filho e Morais (2013CUNHA, A. A. R.; SILVA FILHO, J. L.; MORAIS, D. C. Análise qualitativa de mapas cognitivos voltada à estruturação de problemas envolvendo decisão em grupo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 45., 2013, Natal. Anais... Natal: Sobrapo, 2013.), essa medida pode ser utilizada para identificar congruências e divergências entre os julgamentos dos atores em um processo de decisão. A partir dessa métrica de distância entre os mapas e as crenças, 8) se identificam as possíveis coalizões para a situação-problema objeto de análise em determinado subsistema político.

Ainda no tocante à comparação dos mapas cognitivos causais, a expectativa é que, a partir da abordagem proposta por Septer, Dijkstra e Stokman (2012SEPTER, T. J.; DIJKSTRA, J.; STOKMAN, F. N. Detecting and measuring crucial differences between cognitive maps. Rationality and Society, v. 24, n. 4, p. 383-407, 2012.), possa-se 9) mensurar o grau de coordenação inter e intracoalizões políticas. Com base na comparação entre os mapas cognitivos, identifica-se uma conexão ou conjunto de conexões cujo alinhamento de opiniões contribua para identificar agendas políticas com variados graus de consenso ou impasse.

Segundo o ACF, os atores estão organizados em coalizões formadas a partir de crenças comuns. Já a abordagem proposta neste artigo, além das crenças, considera os objetivos declarados e as alternativas dos atores, incorporando o alcance das ameaças percebidas pelos atores às suas crenças por meio das relações causais.

O modelo proposto considera a problemática do processo de mudança da política e como a racionalidade limitada, as heurísticas simplificadoras e os vieses cognitivos influenciam o grau de complexidade da mudança da política. E expõe como o VFT, associado aos mapas cognitivos, auxilia a identificação das crenças e dos objetivos dos atores envolvidos, bem como a criação de novas alternativas políticas.

Enfim, a abordagem proposta consiste: 1) da produção significativa de informação sobre a situação-problema, permitindo melhor compreensão das expectativas quanto à mudança da política pública; 2) da identificação das mudanças institucionais (objetivos e alternativas políticas) almejadas pelos atores; 3) da distinção das coalizões, presentes no subsistema político, a partir da caracterização de suas crenças por meio dos mapas cognitivos; e 4) da inferência do grau de cooperação ou conflito, a partir da comparação entre os mapas cognitivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo traz uma contribuição à análise de coalizões de defesa em processos de formulação ou mudança de políticas públicas, conjugando métodos de análise de políticas públicas e da PO. A abordagem proposta analisa o grau de coordenação de coalizões políticas em processos de mudança institucional, a partir da identificação das crenças, dos objetivos declarados e das alternativas políticas dos atores, utilizando VFT associado aos mapas cognitivos.

Contudo, a abordagem apresenta limitações. A existência de circularidade nas relações causais, nos mapas cognitivos, impossibilita o cálculo da métrica proposta por Septer, Dijkstra e Stokman (2012SEPTER, T. J.; DIJKSTRA, J.; STOKMAN, F. N. Detecting and measuring crucial differences between cognitive maps. Rationality and Society, v. 24, n. 4, p. 383-407, 2012.) para identificação das divergências entre os atores (CUNHA, SILVA FILHO e MORAIS, 2013CUNHA, A. A. R.; SILVA FILHO, J. L.; MORAIS, D. C. Análise qualitativa de mapas cognitivos voltada à estruturação de problemas envolvendo decisão em grupo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 45., 2013, Natal. Anais... Natal: Sobrapo, 2013.). Eden (2004EDEN, C. Analyzing cognitive maps to help structure issues or problems. European Journal of Operational Research, v. 159, n. 3, p. 673-686, 2004.) expõe que a existência de circularidade pode ser um acidente de codificação que necessita de correção ou implica uma possível existência de considerações dinâmicas do problema em análise reconhecidas pela cognição.

Da conjugação desses métodos e da comparação dos mapas cognitivos, a expectativa é a identificação das coalizões de defesa, a caracterização de ambientes colaborativos ou conflituosos e a elaboração de cenários com variados graus de cooperação ou conflitos intra e intercoalizões em processos de mudança institucional.

As reflexões dos atores quanto aos efeitos (positivo ou negativo) e aos graus de intensidade (forte, moderado ou fraco) das relações de causalidade entre objetivos declarados e alternativas políticas lançam luz sobre questões até o momento ainda não consideradas por eles, o que possibilita, em certa medida, uma caracterização mais completa de suas crenças, de modo a atenuar os efeitos da racionalidade limitada, apresentada por Simon (1959SIMON, H. A. Theories of decision-making in economics and behavioral science. The American Economic Review, v. 49, n. 3, p. 253-283, 1959.), nos processos de decisão em contextos de políticas públicas.

No campo de públicas, é imprescindível a identificação e delimitação de forma clara e precisa da situação-problema em determinado subsistema político, pois a compreensão da realidade, que não é fácil nem consensual, influencia o desenho ou a formulação das políticas públicas e, por conseguinte, sua efetividade.

Todavia, é importante ressaltar que o processo de mudança de política pode ser dinâmico e sequencial e, segundo March (2009MARCH, J. G. Como as decisões realmente acontecem. São Paulo: Leopardo, 2009.), coalizões, alianças e acordos políticos firmados quando da discussão em determinado subsistema político podem estar vinculados a acordos em outros subsistemas.

Por fim, para futuros trabalhos empíricos, por exemplo, subsistemas da política fiscal, de infraestrutura, de meio ambiente, sugere-se a incorporação da saliência dos stakeholders e dos objetivos, bem como a elicitação dos mapas cognitivos de forma indireta, por meio da análise de conteúdo dos discursos dos atores de determinado subsistema político.

REFERÊNCIAS

  • ALMEIDA, A. T. et al. Decisão em grupo e negociação: métodos e aplicações. São Paulo: Atlas, 2012.
  • ALMEIDA, S.; MORAIS, D. C.; ALMEIDA, A. T. Agregação de pontos de vista de stakeholders utilizando o value-focused thinking associado a mapeamento cognitivo. Production, v. 24, n. 1, p. 144-159, 2014.
  • AXELROD, Robert. Structure of decision. Princeton: University of Princeton Press, 1976.
  • CLÍMACO, J. N.; CARDOSO, D. M.; SOUZA, J. E. Reflexões sobre o ensino da pesquisa operacional. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 36., 2004, São João Del-Rei. Anais... São João Del-Rei: Sobrapo, 2004.
  • CUNHA, A. A. R.; SILVA FILHO, J. L.; MORAIS, D. C. Análise qualitativa de mapas cognitivos voltada à estruturação de problemas envolvendo decisão em grupo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 45., 2013, Natal. Anais... Natal: Sobrapo, 2013.
  • EDEN, C. Cognitive mapping. European Journal of Operational Research, v. 36, n. 1, p. 1-13, 1988.
  • EDEN, C. Analyzing cognitive maps to help structure issues or problems. European Journal of Operational Research, v. 159, n. 3, p. 673-686, 2004.
  • HART, J. A. Cognitive maps of three Latin American policy makers. World Politics, v. 30, n. 1, p. 115-140, 1977.
  • JENKINS-SMITH, H. C. et al. The advocacy coalition framework: foundations, evolution and ongoing research. In: SABATIER, P. A.; WEIBLE, C. M. (Org.). Theories of the policy process. 3. ed. Boulder: Westview. 2014. p. 183-223.
  • KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
  • KEENEY, R. L. Value-focused thinking: a path to creative decision-making. Cambridge: Harvard University Press, 1992.
  • KEENEY, R. L. Value-focused thinking: identifying decision opportunities and creating alternatives. European Journal of Operational Research, v. 92, n. 3, p. 537-549, 1996.
  • LANGFIELD-SMITH, K.; WIRTH, A. Measure differences between cognitive maps. The Journal of the Operational Research Society, v. 43, n. 12, p. 1135-1150, 1992.
  • MAHONEY, J.; THELEN, K. A theory of gradual institutional change. In: MAHONEY, J.; THELEN, K. (Org.). Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power. New York: Cambridge University Press, 2010. p. 1-37.
  • MARCH, J. G. Como as decisões realmente acontecem. São Paulo: Leopardo, 2009.
  • MONTIBELLER, G.; BELTON, V. Causal maps and the evaluation of decision options - a review. The Journal of the Operational Research Society, v. 57, n. 7, p. 779-791, 2006.
  • NORTH, D. C. Institutions. Journal of Economic Perspectives, v. 5, n. 1, p. 97-112, 1991.
  • PIERSON, P. Public policies as institutions. In: SHAPIRO, I.; SKOWRONEK, S.; GALVIN, D. (Org.). Rethinking political institutions: the art of the state. New York: New York University Press, 2006. p. 114-137.
  • SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. An advocacy coalition model of policy change and the role of policy orientated learning therein. Policy Sciences, v. 21, n. 2, p. 129-168, 1988.
  • SCOTT, W. R. Institutions and organizations. Thousand Oaks: Sage, 1995.
  • SEPTER, T. J.; DIJKSTRA, J.; STOKMAN, F. N. Detecting and measuring crucial differences between cognitive maps. Rationality and Society, v. 24, n. 4, p. 383-407, 2012.
  • SIMON, H. A. Theories of decision-making in economics and behavioral science. The American Economic Review, v. 49, n. 3, p. 253-283, 1959.
  • STREEK, W.; THELEN, K. Introduction: institutional change in advanced political economies. In: STREEK, W.; THELEN, K. (Org.). Beyond continuity: institutional change in advanced political economics. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 1-39.
  • TVERSKY, A.; KAHNEMAN, D. Judgment under uncertainty: heuristics and biases. Science, v. 185, n. 4157, p. 1124-1131, 1974.
  • VIEIRA, D. M.; GOMES, R. C. Mudança institucional gradual e transformativa: a influência de coalizões de advocacia e grupos de interesse em políticas públicas. Organizações & Sociedade, v. 21, n. 71, p. 679-694, 2014.
  • 3
    As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente dos autores e não refletem, necessariamente, a visão das organizações as quais estão vinculados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2017
  • Aceito
    20 Ago 2018
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernosebape@fgv.br