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Citizenship, participation and local development

Ciudadanía, participación y desarrollo local

RESENHA

Ciudadanía, participación y desarrollo local

Citizenship, participation and local development

Marco Antonio Carvalho Teixeira

Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP; Professor do Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP-FGV), onde também é pesquisador do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAPG); Colaborador do Programa de Estudos em Gestão Social da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas (EBAPE/FGV). Endereço: Av. Nove de Julho, 2.029, 11º andar, CEP 01313-902, São Paulo – SP, Brasil. E-mail: marco.teixeira@fgv.br

TENÓRIO, Fernando Guilherme; MONJE-REYES, Pablo. Ciudadanía, Participación y desarrollo local. Santiago de Chile: Editorial Arcis. 2010. 140 p. ISBN: 978-956-8114-90-9

O que justificaria a realização de uma pesquisa comparando regiões do Brasil, Chile e Espanha? O que aproxima, ou separa, o agreste meridional do estado de Pernambuco da comuna de Til til, localizada nas proximidades da Região Metropolitana de Santiago de Chile? Ou então, o que justificaria uma pesquisa que trouxesse elementos comparativos entre a Cataluña na Espanha com as demais regiões estudadas no Brasil e no Chile?

Antes que sejam lançadas dúvidas sobre a possibilidade de se reunir num mesmo estudo espaços territoriais tão distintos, o livro Ciudadanía, Participación y desarrollo local demonstra que tal objetivo não apenas é possível de ser alcançado com êxito, como também representa uma excelente contribuição para o debate em torno dos alcances e limites dos diferentes processos participativos que adensam a democracia e fortalecem o desenvolvimento com cidadania, e tem como base investigações desenvolvidas em cinco sub-regiões brasileiras (Agreste Meridional Pernambucano, Microrregião de Lavras em Minas Gerais, Centro-norte Fluminense no Rio de Janeiro, Região Noroeste do Rio de Janeiro, Lençóis Maranhenses e Região do Médio Alto Uruguai do Rio Grande do Sul), além da Comuna de Til til no Chile e região da Cataluña na Espanha.

O eixo central da discussão gira em torno do desenvolvimento local vinculado à ampliação da cidadania por meio de processos democráticos de participação social. Entretanto, apesar do eixo comum, em momento algum os autores negligenciaram o quanto as diferentes dimensões, sejam elas social, cultural, econômica, ambiental, político-institucional, dentre tantas outras, que caracterizam cada uma das realidades estudadas, podem afetar a análise dos dados coletados.

Bem-estruturado, o livro está dividido em cinco capítulos, que se articulam num encadeamento lógico. Nele, é possível de maneira muito fluida, antes da leitura dos casos, compreender de forma esclarecedora as diversas dimensões conceituais que amparam o quadro analítico desenvolvido pelos seus autores, e que são aplicadas na compreensão dos estudos de casos.

No capítulo 1, cujo título é Pensando a Ciudadanía, inicialmente é possível compreender a dimensão histórica e cultural em torno dessa questão por intermédio de um texto cronologicamente muito bem-construído, que faz um passeio histórico e vai buscar as raízes do termo cidadania em profetas bíblicos como Amós e Isaías, passando pelos debates filosóficos nas cidades-estados gregas, onde as menções a Sócrates, Platão e Aristóteles surgem com destaque até o período do Renascimento. Na sequência, apresentam-se as revoluções burguesas como momentos que levaram ao que os autores chamaram de conceituação contemporânea de cidadania, onde a clássica obra de Theodor Marshall: Cidadania, Classe Social e Status é a principal referência. Posteriormente, discute-se Cidadania Deliberativa, conceito habermasiano que é chave para a análise dos casos e que remete à ideia de democracia deliberativa. Questões como esfera pública, sociedade civil, liberalismo e republicanismo e democracia são tratadas de forma densa e esclarecedora, o que permite ao leitor um entendimento qualificado sobre essa questão. Os autores não ignoram os críticos da democracia deliberativa, destacando as questões por eles colocadas, de maneira muito equilibrada, e deixando para os leitores a possibilidade de tirar suas próprias conclusões.

Em Pensando o desarrollo local, título do capítulo 2 da obra, os autores também fazem uma rigorosa revisão bibliográfica, passando pelas diferentes escolas, e abordando a questão em contextos temporais distintos. Chamam a atenção, às contribuições de Florestan Fernandes, para que se possa evitar o reducionismo econômico no trato dessa questão. Recorrem às origens da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) como um espaço importante, em que se buscou compreender as razões do atraso de desenvolvimento da América Latina comparado à situação dos chamados países centrais. A história econômica do Brasil e do Chile aparece subjacente ao desenrolar das discussões. Intelectuais como Celso Furtado e Hélio Jaguaribe, dentre tantos outros, são vozes presentes nesse debate que avançou para uma reflexão sobre desenvolvimento regional entre as décadas de 1960 e 1970. Como produto desses debates, os autores destacam a elaboração de planos de Desenvolvimento Regional no Brasil e no Chile, a redução da presença do Estado no setor produtivo, os processos de privatização. Além disso, o livro enfatiza as consequências da adoção do receituário neoliberal para economias como a latino-americana.

A discussão sobre desenvolvimento local traz a dimensão sobre como, ao longo do tempo, as mudanças de ordem econômica e social foram ampliando o debate. Soma-se a isso o fato de as organizações da sociedade civil terem assumido protagonismo político nesse debate, trazendo para a agenda de discussões novas temáticas vinculadas à participação, à inclusão social, ao gênero, à diversidade cultural e a diferentes dinâmicas que são específicas a cada território. Não por acaso, como destacam os autores, as novas teorias sobre desenvolvimento regional/local passaram a incorporar questões antes negligenciadas como: mudanças na relação Estado-Sociedade; visão multidisciplinar e intersetorial das políticas de desenvolvimento; diversificação de perspectivas de ação que antes estavam fincadas sobremaneira em grandes empreendimentos industriais; além do protagonismo dos atores locais na discussão sobre o futuro de seus territórios, centrado num processo de discussão democrático que seja simétrico e possibilite a construção de consensos numa perspectiva de cooperação comunitária.

Os autores também apontam as críticas e limites a essa nova perspectiva de desenvolvimento. Dentre elas estão os limites da articulação comunitária, quando o embate de interesses surge como obstáculo e a descontinuidade política, que apontam para possíveis fragilidades na articulação do governo com a sociedade.

No capítulo 3, Pensando o desarrollo local com ciudadanía, faz-se uma articulação entre as discussões dos dois capítulos anteriores. Apresentam-se não apenas as possibilidades metodológicas de participação voluntária como conselhos e comissões municipais, mas enfatiza-se que "Las políticas públicas proyectadas bajo la interacción sociedad-Estado em territórios donde los actores están más próximos, tienen mayor posibiladad de adecuación a lãs necesidades identificadas". O desafio é como construir relações nãoassimétricas tanto entre sociedade-Estado como também no interior dos diferentes interesses sociais do mercado e da sociedade civil e na relação entre ambos. Se desenvolvimento local com cidadania, como bem colocam os autores, depende de um processo coordenado entre poder público e sociedade civil, com objetivos pactuados em prol do bem comum da comunidade, a democratização dessas relações, baseada num processo transparente e horizontal nas relações de poder, bem como na inclusão de todos os envolvidos, torna-se indispensável. Assim, evidencia-se a importância dos processos de descentralização da gestão pública como uma ferramenta para aproximar e estimular a interação entre autoridade pública e população.

Ainda neste capítulo, os autores trazem uma outra discussão muito importante: a suposta dicotomia entre democracia representativa e democracia deliberativa. Chamam a atenção para o fato de que uma complementa a outra e que, isoladamente, ambas apresentam limitações para responder às demandas sociais e contribuir para a democratização da sociedade. Por isso, a importância de governos que não apenas se abram à discussão pública, mas também disponibilizem canais de participação para que os diferentes setores da sociedade possam conjuntamente contribuir para os rumos das políticas públicas. Todavia, alertam para que não se confunda a disponibilização de canais de participação com uma mera concessão do Poder Público.

No capítulo 4, Experiências de desarrollo local com participación ciudadana, os autores inicialmente fazem esclarecimentos acerca das experiências estudadas, metodologias da investigação e, na sequência, analisam as experiências estudadas com base nos conceitos de Participação Social, Sociedade Civil, Poder Público, Redes e Fortalecimento Econômico.

A análise relacionada à Participación sociocomunitaria está subdividida em duas partes: La participación social como motor del desarrollo local e Las limitantes de la participación sociocomunitária. Na primeira parte, destaca-se como as práticas participativas impactam positivamente no protagonismo da comunidade e como tais ações resultam numa maior inclusão social, que é um fator de desenvolvimento local. A incorporação das comunidades analisadas nos processos de construção e execução das políticas públicas, bem como o acesso livre a informações aparecem como questões importantes. A presença da Igreja Católica, Sindicatos e Organizações não governamentais (ONGs) também são destacadas como elementos que estimulam à participação social e à inclusão de uma diversidade de temas na agenda de interesse público. Na segunda parte, alerta-se para a falta de participação e as suas motivações como um problema limitador, sendo também problemáticas as situações em que a participação se baseia unicamente em interesses egoístas. A análise sobre sociedade civil também está estruturada em dois momentos. O primeiro intitula-se Fortalezas de la sociedad civil. A importância da capacitação técnica para melhor qualificar o debate com o poder público e outros setores, assim como a necessidade de se ocupar de maneira propositiva os espaços participativos como os diferentes conselhos aparecem como destaque. O segundo momento, denominado de Elementos debilitantes de la sociedad civil, aponta o desconhecimento técnico dos temas tratados, a baixa mobilização, a precária autonomia dos conselhos, e o pouco debate dos representantes com suas comunidades como riscos que podem enfraquecer a atuação das organizações da sociedade civil. Duas questões permeiam a abordagem relativa a Poder público y desarrollo local. Na primeira, El poder público como organismo fortalecedor Del desarrollo local com ciudadanía, a existência de planos diretores de desenvolvimento; a aproximação com a população por meio da abertura de canais de participação, como conselhos e audiências públicas, dentre outros, assim como a recepção positiva aos direitos da mulher e os problemas relacionados ao meio ambiente são destacados. A segunda questão, cujo título é Las falencias del poder público frente ao desarrollo local com ciudadanía, apresenta a continuidade da prática paternalista, que por si só é avessa à emancipação social; programas governamentais de caráter assistencialista; desestímulo à participação social: falta de articulação com municípios vizinhos e descrédito perante a comunidade, dentre outros, como obstáculos para se alcançar um desenvolvimento local com cidadania. Essa parte merece uma leitura atenta dada sua riqueza e possibilidade de aprendizado que oferece para quem acredita no avanço da democratização das relações entre Estado-Sociedade. Ainda nesse capítulo, discute-se Redes, actores sociales y desarrollo local, que também está estruturado em duas partes. A primeira, Redes sociales em función del desarrollo local, aborda positivamente as redes pela capacidade que têm de fortalecer as discussões acerca de problemas comuns, e propor soluções a partir da mobilização de diferentes atores em torno de uma mesma causa, conferindo maior legitimação a todo o processo. Na segunda, Elementos negativos para la formación de redes, a dificuldade para trabalhar em equipe, o pouco interesse local e a baixa participação social aparece como entraves. O capítulo se encerra com o debate acerca do Fortalecimiento econômico y desarrollo local como elemento impulsor ou adverso ao desenvolvimento local. O papel das associações de pequenos produtores e do associativismo em articulação com o poder público aparece com destaque positivo. Além disso, a instalação de clusters produtivos e a capacitação dos trabalhadores são colocadas como elementos que impulsionam o desenvolvimento local, pois posicionam os pequenos produtores e empresas familiares em situação de melhor competitividade no mercado. No que se refere aos elementos adversos, destacam-se: a instalação de grandes empreendimentos sem que se aproveite concretamente seu benefício para a comunidade local; a dificuldade de obtenção de financiamento para atividade produtiva, dada a inexistência de políticas públicas dessa natureza; e a baixa qualidade do sistema educacional oferecido à comunidade local.

Por fim, o livro é extremamente útil não apenas para se avançar no debate acadêmico sobre o tema desenvolvimento local com cidadania, mas é igualmente importante como fonte de informações para prefeitos, gestores públicos, parlamentares e ativistas sociais de todas as naturezas, dado o rigor acadêmico da pesquisa e o conjunto de análises e informações que contribuem efetivamente para se pensar em uma sociedade mais democrática, tanto política como economicamente. O fato de a pesquisa ter sido realizada em contextos culturais e econômicos muito distintos não se constituiu em obstáculo. Afinal, democracia, desenvolvimento e cidadania possuem os mesmos significados na perspectiva dos valores ocidentais.

Resenha submetida em 25 de julho de 2011 e aceita para publicação em 05 de agosto de 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2011
  • Data do Fascículo
    Set 2011
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