Acessibilidade / Reportar erro

O consumo de tecnologia como estruturante identitário: uma discussão teórico-metodológica fundamentada pela Semiótica francesa

El consumo de la tecnología como eje estructurante de la identidad: un debate teórico-metodológico basado en la Semiótica Francesa

Resumo

Adotando a perspectiva da teoria da cultura do consumo (consumer culture theory - CCT) como base para a discussão, este ensaio teórico tem por objetivo apresentar a semiótica discursiva de linha francesa como uma alternativa teórico-metodológica para o estudo do papel do consumo de tecnologia no processo de construção identitária do consumidor. A proposta se baseia, sobretudo, nas ideologias tecnológicas de Kozinets (2008) como possíveis estruturantes semânticos e na utilização do percurso gerativo de sentido (GREIMAS e COURTÉS, 2013) para análise dos discursos dos sujeitos consumidores de tecnologia.

Palavras-chave:
Identidade; Consumo; Tecnologia; Teoria da cultura do consumo; Semiótica.

Resumen

Al adoptar la perspectiva de la teoría de la cultura del consumo (Consumer Culture Theory - CCT) como base para la discusión, este ensayo teórico tiene como objetivo presentar la semiótica discursiva de línea francesa como una alternativa teórico-metodológica para el estudio del papel del consumo de tecnología en el proceso de construcción identitaria del consumidor. La propuesta se basa, sobre todo, en las ideologías tecnológicas de Kozinets (2008) como posibles estructurantes semánticos, y en la utilización del recorrido generativo de la significación (GREIMAS y COURTÉS, 2013) para analizar los discursos de los sujetos consumidores de tecnología.

Palabras clave:
Identidad; Consumo; Tecnología; Consumer Culture Theory; Semiótica.

Abstract

Adopting the Consumer Culture Theory - CCT as a basis for the discussions, this theoretical essay aims to present discursive French Semiotics as a theoretical-methodological alternative for the study of the role of technology consumption in the process of consumer identity construction. The proposal is based mainly on the Technological Ideologies of Kozinets (2008) as possible semantic structuring, and on the use of the generative trajectory of meaning (GREIMAS and COURTÉS, 2013) to analyze the discourses of the technology-consuming subjects.

Keywords:
Consumption; Technology; Consumer Culture Theory; Semiotics.

INTRODUÇÃO

Tradicionalmente, os estudos sobre o comportamento dos consumidores de tecnologia têm foco em processos psicológicos relacionados às respostas de usuários nos momentos de adoção e difusão. Como apontam Gutman, Joia e Moreno Junior (2014GUTMAN, L. F.; JOIA, L. A.; MORENO JUNIOR, V. A. Antecedentes da intenção de uso de sistemas de home broker sob a ótica dos investidores do mercado acionário. Revista de Administração, São Paulo, v. 49, n. 2, p. 353-368, 2014.), é possível destacar algumas abordagens, como a Teoria da Ação Racional (theory of reasoned action - TRA) (FISHBEIN e AJZEN, 1975FISHBEIN, M.; AJZEN, I. Belief, attitude, intention, and behavior: an introduction to theory and research. Boston: Addison-Wesley, 1975.), a Teoria do Comportamento Planejado (theory of planned behavior - TPB) proposta por Ajzen (1991AJZEN, I. The theory of planned behavior. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 50, n. 2, p. 179-211, 1991.) e o clássico Modelo de Aceitação de Tecnologia (technology acceptance model - TAM) (DAVIS, 1989DAVIS, F. D. Perceived usefulness, perceived ease of use, and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, v. 13, n. 3, p. 319-340, 1989.) como uma das principais abordagens para esses estudos. De acordo com Davis (1989DAVIS, F. D. Perceived usefulness, perceived ease of use, and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, v. 13, n. 3, p. 319-340, 1989.), essencialmente, o TAM aponta a adoção da tecnologia sendo afetada por duas variáveis internalizadas no usuário: a facilidade de uso percebida, que é o nível percebido de esforço na utilização do recurso, e a utilidade percebida, que é entendida como o nível percebido pelo usuário no que se refere ao aumento de performance em determinada tarefa.

Assim, o autor sugere que essas duas variáveis fundamentam a intenção positiva para utilização de certa tecnologia. Como última abordagem de expressão em estudos dessa natureza, há a Teoria da Difusão de Inovação (diffusion of innovation theory - DOI), originalmente proposta por Rogers (2003ROGERS, E. M. Diffusion of innovations. 5. ed. New York: the Free Press, 2003.), que busca explicar o processo pelo qual as inovações são adotadas e, consequentemente, difundidas. Em sua formulação original, a DOI leva em consideração atributos relativos à inovação tecnológica para justificar a adoção em larga escala, como vantagem relativa, complexidade, compatibilidade, observabilidade e experimentabilidade.

Desde a década de 1980, verifica-se um vasto conhecimento gerado por pesquisas com essas perspectivas que, de certa forma, fundamentam grande parte do que se entende sobre o comportamento do consumo de tecnologias (SOUZA, 2010SOUZA, R. V. Comportamento do consumidor e consumo de tecnologia: perspectivas de investigação na sociedade contemporânea. In: ENCONTRO DE MARKETING DA ANPAD, 4., 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis: AnPAD, 2010.; COOREVITS e COENEN, 2016COOREVITS, L.; COENEN, T. The rise and fall of wearable fitness trackers. 2016. Disponível em: <Disponível em: https://biblio.ugent.be/publication/8055995/file/8510819 >. Acesso em: 25 mar. 2018.
https://biblio.ugent.be/publication/8055...
). Aqui, é possível perceber um olhar para o sujeito como um agente racional nos processos de tomada de decisão de consumo e não como um agente interpretativo, influenciado em diversos níveis e dimensões simbólicas pelas interações sociais e aspectos culturais que o cercam.

Diante do exposto e em resposta às sugestões para futuras investigações feitas por Kozinets (2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.), Souza (2010SOUZA, R. V. Comportamento do consumidor e consumo de tecnologia: perspectivas de investigação na sociedade contemporânea. In: ENCONTRO DE MARKETING DA ANPAD, 4., 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis: AnPAD, 2010.), Pace (2013PACE, S. Looking at innovation through CCT glasses: consumer culture theory and Google glass innovation. Journal of Innovation Management, v. 1, n. 1, p. 38-54, 2013.), Belk (2014BELK, R. W. Digital consumption and the extended self. Journal of Marketing Management, v. 30, n. 11-12, p. 1101-1118, 2014.) e Kozinets, Patterson e Ashman (2017)KOZINETS, R.; PATTERSON, A.; ASHMAN, R. Networks of desire: how technology increases our passion to consume. Journal of Consumer Research, v. 43, n. 5, p. 659-682, 2017., quando sugerem pesquisas voltadas ao aspecto experiencial e simbólico do consumo de tecnologias, é possível sugerir novos olhares, propostas de investigação e métodos alternativos que explorem, por exemplo, os significados desses consumos e suas implicações nos discursos e identidades dos consumidores.

Como sugerido por Burrell e Morgan (2005BURRELL, G.; MORGAN, G. Sociological paradigms and organizational analysis. Hants: Ashgate, 2005.), o enfoque interpretativista tem a premissa de um mundo constituído de múltiplas realidades, nas quais os sujeitos e objetos desempenham papéis relativos em cenários variados. Aqui, assume-se que a realidade é um fluxo contínuo de significados evocados, transformados e atribuídos a objetos, pessoas, discursos e contextos, estando em alinhamento com o proposto pela família de perspectivas teóricas denominada teoria da cultura do consumo (consumer culture theory - CCT) (ARNOULD e THOMPSON, 2015ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. Consumer culture theory: ten years gone (and beyond). In: THYRAFF, A.; MURRAY, J. B.; BELK, R. W. (Org.). Research in consumer behavior. Bingley: Emerald, 2015. p. 1-21.; CASOTTI e SUAREZ, 2016CASOTTI, L. M.; SUAREZ, M. C. Dez anos de consumer culture theory: delimitações e aberturas. Revista de Administração de Empresas, v. 56, n. 3, p. 353-359, 2016.).

Em uma realidade mutável e transitória como a assumida, a identidade do consumidor acompanha esse dinamismo contextual e torna-se algo passível de mobilidade dada sua frequente transformação influenciada pelos sistemas culturais em volta do mesmo sujeito (HALL, 2014HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2014.). Há, portanto, o imperativo de mudança e fluidez identitária de acordo com o trânsito semântico promovido pela dinâmica do contexto em que se está inserido (CHARAUDEAU, 2009CHARAUDEAU, P. Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional. In: PIETROLUONGO, M. (Org.). O trabalho da tradução. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009.). Complementando a ideia, McCracken (1986)MCCRACKEN, G. Culture and consumption: a theoretical account of the structure and movement of the cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, v. 13, n. 1, p. 71-84, 1986. sugere que as práticas de consumo, sejam de produtos ou serviços, funcionam como fontes simbólicas de significados culturalmente constituídos e que, por essa razão, contribuem para a construção de identidades sociais e discursivas.

Nesse contexto, este ensaio tem como objetivo apresentar a semiótica discursiva de linha francesa (GREIMAS e COURTÉS, 2013GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.), de agora em diante denominada apenas semiótica, como uma altermativa teórico-metodológica para o estudo do papel do consumo de tecnologia no processo de construção identitária do consumidor. Para tanto, o texto está estruturado em cinco seções, além desta introdução: a segunda seção aborda a perspectiva da CCT sobre os projetos de identidade do consumidor; a terceira seção traz questões sobre os processos de construção de identidade social e discursiva. Já a quarta seção discute o consumo de tecnologia e de suas ideologias subjacentes a partir de um trabalho de Kozinets (2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.), como base para que se discuta na quinta seção, de modo abrangente, a perspectiva de contribuição da semiótica como proposta teórico-metodológica de análise. Finalmente, as considerações finais apresentam reflexões e possíveis caminhos para futuras pesquisas.

A TEORIA DA CULTURA DO CONSUMO

De maneira interdisciplinar, em muitos casos, os estudos concebidos a partir das perspectivas teóricas da CCT se debruçam sobre as maneiras como consumidores criam e modificam os significados de seu consumo, seja este direcionado a marcas, anúncios publicitários, bens ou serviços. São consideradas e exploradas as relações e interações entre contextos sociais e culturais como influenciadores da construção, alteração e partilha de significados (BELK e CASOTTI, 2014BELK, R. W.; CASOTTI, L. Ethnographic research in marketing: past, present, and possible futures. Revista Brasileira de Marketing, v. 13, n. 6, p. 1-17, 2014. ). Como sugerido por Baudrillard (2007BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Ed. 70, 2007.), na sociedade do consumo, os objetos são tratados não pelo que de funcional ou utilitário promovem, mas por seu aspecto simbólico, uma vez que sua valoração esteja relacionada ao que significam culturalmente. Pode-se dizer que os bens de consumo, nesse sentido, têm uma relação direta com a esfera social e cultural, interferindo significativamente nas interações e relações sociais, fazendo com que sejam elaboradas diferentes narrativas de identidade a partir de seu consumo.

Como mostrado por Belk (1988BELK, R. W. Possessions and the extended self. Journal of Consumer Research, v. 15, n. 2, p. 139-168, 1988.), a cultura do consumo é uma arena para a produção e circulação de representações identitárias, sendo o mercado uma fonte de recursos simbólicos e míticos utilizados para a construção de identidades conectadas com objetos e símbolos de naturezas variadas. Por uma acepção semiótica, a premissa cultural assumida pelos estudos da CCT se aproxima da ideia de teia de significados proposta por Geertz (1973GEERTZ, C. The interpretation of cultures. New York: Basic Books, 1973.), que, por esse paralelo, permite observar a cultura do consumo como um sistema interconectado de significados culturalmente constituídos que são transferidos para o consumidor por meio de rituais e bens de consumo, como aponta McCracken (1986)MCCRACKEN, G. Culture and consumption: a theoretical account of the structure and movement of the cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, v. 13, n. 1, p. 71-84, 1986..

Em estudos vinculados à CCT, mais especificamente na perspectiva dos projetos de identidades dos consumidores, na qual este trabalho está enquandrado, encontra-se uma consistente produção acadêmica sobre o tema. Cabe mencionar o trabalho seminal de Ahuvia (2005AHUVIA, A. C. Beyond the extended self: loved objects and consumers’ identity narratives. Journal of Consumer Research, v. 32, n. 1, p. 171-184, 2005.) sobre a relação dos objetos com as narrativas de identidade, a pesquisa de Fournier (1998FOURNIER, S. Consumers and their brands: developing relationship theory in consumer research. Journal of Consumer Research, v. 24, n. 4, p. 343-373, 1998.), que trata do relacionamento entre consumidores e marcas, bem como outros estudos que consideram situações de estigma, como o de plus size de Scaraboto e Fischer (2013SCARABOTO, D.; FISCHER, E. Frutrated fatshionistas: an institutional theory perspective on consumer quests for greater choice in mainstream markets. Journal of Consumer Research, v. 39, n. 6, p. 1234-1257, 2013. ) e o de sexualidade de Kates (2002KATES, S. M. The protean quality of subcultural consumption: an ethnographic account of gay consumers. Journal of Consumer Resarch, v. 29, n. 3, p. 383-399, 2002. ) e respectivas implicações na construção identitária.

Promovendo um recorte para os estudos que têm relação com o universo tecnológico, há de se destacar o trabalho desenvolvido por Belk (2013BELK, R. W. Extended self in a digital world. Journal of Consumer Research, v. 40, n. 3, p. 477-500, 2013.), quando atualiza o conceito de extended self para um mundo digital. Nele, o autor aponta as relações entre conteúdos, indivíduos e contextos digitalizados como elementos do processo de construção identitária como não sendo menos importantes ou intensos pela não materialidade. Já Giesler (2012GIESLER, M. How doppelgänger brand images influence the market creation process: longitudinal insights from the rise of botox cosmetic. Journal of Marketing, v. 76, n. 6, p. 55-68, 2012.) propõe uma discussão sobre os avanços tecnológicos da medicina e o consumo de Botox® como ferramenta para lidar com o envelhecimento, tendo, consequentemente, impactos na noção de identidade dos usuários do produto. Há, ainda, outros autores que promovem discussões fundamentadas pela Teoria do Ator-Rede (LATOUR, 2005LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network theory. Oxford: Oxford University Press, 2005.), como Bettany, Kerrane e Hogg (2014BETTANY, S.; KERRANE, B.; HOGG, M. The material-semiotics of fatherhood: the co-emergence of technology and contemporary fatherhood. Journal of Business Research, v. 67, n. 7, p. 1544-1551, 2014. ) em sua pesquisa sobre o consumo e função da tecnologia no processo de paternidade e respectivas questões identitárias nesse período.

Independente da natureza do objeto ou contexto, Hellman, Schrage e Ostergaard (2010HELLMAN, K.; SCHRAGE, D.; OSTERGAARD, P. Different perspectives on consumption, consumer, culture and society. In: DIFFERENT PERSPECTIVES ON CONSUMPTION, CONSUMER, CULTURE AND SOCIETY WORKSHOP, 2010, Berlin. Proceedings… Berlin: [s.n], 2010.) apontam o consumo como uma das principais atividades do ser humano, o que permite estabelecer uma relação com praticamente todas as dimensões de determinada cultura e sociedade. Significa dizer, nesse sentido, que o elemento central e articulador da vida social tem âncora nas práticas de consumo e que, na contemporaneidade, a identidade passa a ser um projeto no qual os consumidores, de maneira dinâmica e fluida, organizam e realizam seus repertórios simbólicos na tentativa de uma construção coerente de uma identidade, mesmo que fragmentada e temporária (BELK, 1988BELK, R. W. Possessions and the extended self. Journal of Consumer Research, v. 15, n. 2, p. 139-168, 1988.; HALL, 2014HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2014.).

IDENTIDADE: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL E DISCURSIVA

Como presente em diversos estudos, as discussões sobre identidade são pautadas por naturezas variadas, tendo, no entanto, a psicologia social como uma das principais bases teóricas. Por essa perspectiva, a identidade de um sujeito, termo este que, a partir daqui, também faz referência a consumidores e/ou indivíduos meramente por questões de linguagem metodológica, estaria relacionada à dimensão pessoal e a dimensão social, ambas suportadas, respectivamente, pela Teoria da Identidade (MCCALL e SIMMONS, 1966MCCALL, G. J.; SIMMONS, J.L. Identities and interactions. New York: Free Press, 1966.), que considera as características específicas do sujeito estruturantes identitários, e pela Teoria da Identidade Social (TAJFEL e TURNER, 1986TAJFEL, H.; TURNER, J. The social identity theory of intergroup behavior. In. WORSHEL, S.; AUSTIN, W. (Ed.). The psychology of intergroup relations. Chicago, IL: Nelson-Hall, 1986. v. 2, p. 7-24.), cuja premissa se baseia em uma construção identitária pelas características compartilhadas com membros de determinado grupo ou categoria social.

Aprofundando a conceituação, como mostra Charaudeau (2009CHARAUDEAU, P. Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional. In: PIETROLUONGO, M. (Org.). O trabalho da tradução. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009.), a identidade é o que permite ao sujeito tomar consciência de sua própria existência, uma vez que perceba seu corpo, seus saberes, seus julgamentos e suas ações. Entretanto, para que a tomada de plena consciência ocorra de fato, faz-se necessário que haja uma relação de diferença com o outro, pois somente assim há uma parametrização do “eu”. Pode-se dizer que a identidade emerge da oposição sustentada pela consciência do outro sempre em relação ao “eu”, constituindo o que Charaudeau (2009) denomina princípio de alteridade. Corroborando a ideia, Hogg e Abrams (1988)HOGG, M.; ABRAMS, D. Social identifications: A social psychology of intergroup relations and group processes. London: Routledge, 1988., Stets e Burke (1996STETS, J.; BURKE, P. Gender, control, and interaction. Social Psychology Quarterly, v. 59, n. 3, p. 193-220, 1996.) e Greimas e Courtés (2013GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.) ressaltam que esse princípio é fundamental para o devido entendimento da constituição de identidades.

Tendo em vista a afiliação deste ensaio à semiótica e, consequentemente, ao estruturalismo característico de muitos trabalhos seminais em CCT, como Intepreting consumer mythology: a structural approach to consumer behavior (LEVY, 1981LEVY, S. J. Intepreting consumer mythology: a structural approach to consumer behavior. The Journal of Marketing, v. 45, n. 3, p. 49-61, 1981.) e outros pautados pela antropologia estrutural de Claude Lévis-Strauss, como mostram Arnould e Thompson (2005ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. Consumer culture theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 4, p. 868-882, 2005.) e Özçağlar-Toulouse e Cova (2010)ÖZÇAĞLAR-TOULOUSE, N.; COVA, B. A history of French CCT: pathways and key concepts. Recherche et Applications en Marketing, v. 25, n. 2, p. 69-90, 2010., assume-se que a identidade é algo mutável e em constante processo de construção.

De modo aprofundado e evolutivo, para Hall (2014HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2014.), a questão da identidade pode ser discutida a partir de três concepções, sendo o sujeito do iluminismo a primeira delas. Esta concepção se baseia no indivíduo centrado, unificado, detentor de sua consciência e controle de ações, cuja essência emergia no momento de seu nascimento e assim, de maneira plena, permanecia até sua morte. Avançando, como segunda concepção de Hall (2014), há o sujeito sociológico como sendo um reflexo da crescente complexidade do mundo moderno e respectiva conscientização sobre uma falsa autonomia até então considerada verdadeira. Uma vez que valores, ideias, sentidos e aspectos culturais fossem mediados por outros indivíduos importantes para o sujeito, a ideia de uma identidade autocentrada não mais fazia sentido. O interacionismo simbólico de Mead (1934MEAD, G. Mind, self, and society: from the standpoint of a social behaviorist. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1934.), visão sociológica clássica sobre a questão e que fundamenta essa concepção, sugere que a identidade é estruturada a partir da interação entre o “eu” e a sociedade, de modo que o sujeito tenha sua essência formada e transformada pelo diálogo e pela contínua negociação simbólica com proposições culturais, ideologias e narrativas existentes.

Exatamente pelas mudanças apontadas pelo interacionismo simbólico, o sujeito passa a apresentar certa fragmentação do “eu”, o que resulta em uma identidade multifacetada, incoerente e contraditória em determinados contextos, resultando no que Hall (2014HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2014.) denomina crise de identidade. Os significados que antes operavam como estabilizadores do mundo social, não mais sustentam o sistema de identidade do sujeito, uma vez que esta se torna variável, efêmera e complexa. A “crise de identidade”, então, faz parte de uma grande mudança, na qual as estruturas centrais da sociedade moderna, como família e igreja, são deslocadas, abalando o quadro de referências simbólicas garantidoras da estabilidade no mundo social (GIDDENS, 2002GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.).

Levando em consideração essas mudanças, como consequência, há o sujeito pós-moderno detentor de identidades transitórias e fluidas, ponto este corroborado pelo conceito de modernidade líquida proposto por Bauman (2001BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.). Para Hall (2014HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2014.), em sua terceira concepção, a identidade passa a ser algo passível de mobilidade, dada sua constante formação e transformação influenciadas pelos sistemas culturais que circundam o sujeito, o que significa ter múltiplas identidades não unificadas em um “eu” coerente ao longo da vida.

Em consonância com o proposto por Hall (2014HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2014.) e aprofundando a discussão, Charaudeau (2009CHARAUDEAU, P. Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional. In: PIETROLUONGO, M. (Org.). O trabalho da tradução. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009.) sugere que a identidade também pode ser compreendida como um produto de mecanismos sociais complexos de se construir, sendo composta por traços biológicos (o corpo em si), psicossociais (impressões sobre o sujeito) e comportamentais (ações e a fala do sujeito). Por essa visão, a identidade de natureza mutável e transitória está em alinhamento com a ideia de algo constituído socialmente e, portanto, discursivo, dado que o sujeito se estrutura por meio de encontros interacionais cotidianos. Como mostram Gouveia e Ayrosa (2014GOUVEIA, T. M.; AYROSA, E. A. Identidade, consumo e segurança ontológica: tentando viver à margem da norma estética. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2014, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: AnPAD, 2014.), a identidade, portanto, está ligada às estruturas discursivas e narrativas, o que reforça a necessidade de considerar todo seu sistema de significação que lhe confere sentido como fundamental para sua compreensão.

Pela perspectiva social, a identidade está em constante processo de construção no contexto social, pois, ali, estão imbricadas relações sociais entre indivíduos, suas características, práticas sociais, discursos e posições. É possível dizer que a identidade social é o que confere ao sujeito o “direito à palavra”, o que, em certa medida, opera como legitimadora do seu “eu”. Importante ressaltar que essa legitimidade atribuída e/ou conquistada é baseada em normas institucionalizadas que regem alguma prática social, função ou mesmo papéis em contextos diversos, como um juiz pelo domínio jurídico (CHARAUDEAU, 2009CHARAUDEAU, P. Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional. In: PIETROLUONGO, M. (Org.). O trabalho da tradução. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009.).

Há, ainda, a legitimidade baseada na performance ou em alguma prática que torne o sujeito um alguém de destaque, o que pressupõe aprovação direta do grupo social em questão, pois é realizada em forma de prêmio, títulos, ou seja, um “saber fazer” reconhecido e validado. Assume-se, então, que a identidade social é predominantemente carregada de traços psicossociais e um dado atribuído e/ou reconhecido pelo grupo social do sujeito, pois deriva de um saber chancelado institucionalmente, de um “saber fazer” reconhecido pelas ações do indivíduo, eventualmente de uma posição de poder dada filiação ou atribuição social, assim como por um passado testemunhal (CHARAUDEAU, 2009CHARAUDEAU, P. Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional. In: PIETROLUONGO, M. (Org.). O trabalho da tradução. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009.).

Completando a visão de Charaudeau (2009CHARAUDEAU, P. Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional. In: PIETROLUONGO, M. (Org.). O trabalho da tradução. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009.), agora pela perspectiva discursiva, a identidade também é construída com base na palavra (falada ou escrita), na enunciação do discurso e, consequentemente, pelas estratégias de manipulação do imaginário dos interlocutores dos sujeitos que envolvem, inclusive, um conjunto de práticas gestuais e visuais. Para isso, todo discurso está relacionado e é dependente de dois tipos de estratégias: a credibilidade e a captação. Por credibilidade, o autor aponta para a necessidade do sujeito de fazer com que se acredite em suas falas, ações, e, sem dúvida, em sua sinceridade. Há, aqui, o imperativo de defesa de uma imagem de si mesmo de forma que garanta estrategicamente uma posição social relevante.

Já as estratégias de captação emergem quando o sujeito não está em uma relação de autoridade que lhe favoreça, pois, caso fosse, uma simples ordem resolveria a questão de influência. Nessa situação, o objetivo do sujeito passa a ser o de “fazer crer”, de modo que o interlocutor seja colocado em uma posição de “dever crer”. Para isso, a persuasão é utilizada quando a razão é o meio para o fim que se deseja ou a sedução quando o sujeito entende que as emoções são o melhor caminho para cumprimento de seu objetivo discursivo.

Chega-se, portanto, à conclusão de que a identidade social é, em parte, constituída pela situação comunicacional em que o sujeito se encontra, o que significa dizer que deve haver uma relação de pertinência com o ato de comunicação. Pode-se pontuar que somente a identidade social não é suficiente para sustentar a total significação do discurso, pois ela não é capaz de prover ao sujeito antecipadamente uma influência plena. Por outro lado, só o discurso não é apenas linguagem, visto que se relaciona diretamente com a identidade social de quem fala. A identidade discursiva é sempre algo “a construir em construção”, pois é o resultado de escolhas do sujeito e tem por base traços psicossociais, o que permite afirmar sua função de reativar, mascarar e deslocar a identidade social (CHARAUDEAU, 2009CHARAUDEAU, P. Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional. In: PIETROLUONGO, M. (Org.). O trabalho da tradução. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009.). Assim, é possível encontrar em um mesmo sujeito diferentes discursos ancorados em múltiplas identidades, reforçando a ideia de fragmentação do sujeito pós-moderno proposta por Hall (2014HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2014.) e Bauman (2001BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.).

Reforçando a concepção da pluralidade de matrizes de identidade, Bauman e Vecchi (2005BAUMAN, Z.; VECCHI, B. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.) afirmam que, em um contexto fragmentado e plural, independente do local ou da cultura em questão, o consumo desempenha um papel de grande preponderância no processo de construção identitária. Para Schau (2000SCHAU, H. J. Consumer imagination, identity and self-expression. Advances in Consumer Research, v. 27, p. 50-56, 2000.), o consumo contribui para o processo de construção de identidades, sejam elas baseadas em objetos, imagens, discursos, símbolos ou mesmo ideologias. Visto que o consumo é um processo social, como proposto por Arnould e Thompson (2005ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. Consumer culture theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 4, p. 868-882, 2005.), assume-se, portanto, que há um imbricamento entre as práticas de consumo e a construção de identidade social e discursiva, uma vez que bens ou serviços sejam fontes simbólicas de significados culturalmente instituídos (MCCRACKEN, 1986MCCRACKEN, G. Culture and consumption: a theoretical account of the structure and movement of the cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, v. 13, n. 1, p. 71-84, 1986.).

O CONSUMO DE TECNOLOGIA E SUAS IDEOLOGIAS SUBJACENTES

Tendo em vista a importância do olhar para o fenômeno de consumo de tecnologia considerando sua natureza, experiências geradas e, principalmente, seus significados, como sugerem Giesler e Venkatesh (2005GIESLER, M.; VENKATESH, A. Reframing the embodied consumer as cyborg: a posthumanist epistemology of consumption. Advances in Consumer Research, v. 32, p. 1-9, 2005.) e Kozinets, Patterson e Ashman (2017KOZINETS, R.; PATTERSON, A.; ASHMAN, R. Networks of desire: how technology increases our passion to consume. Journal of Consumer Research, v. 43, n. 5, p. 659-682, 2017.), as discussões sobre o tema devem contemplar certa sensibilidade para a pluralidade e complexidade simbólica das práticas sociais que envolvem a utilização de tecnologia, como smartphones, computadores, TVs e outros aparelhos ligados à internet. Corroborando a linha de pensamento Kozinets (2008) e Pace (2013PACE, S. Looking at innovation through CCT glasses: consumer culture theory and Google glass innovation. Journal of Innovation Management, v. 1, n. 1, p. 38-54, 2013.) apontam um longo caminho a ser explorado por pesquisadores, pois, mesmo já havendo algum conhecimento sobre condições macrossociais e culturais que envolvem o consumo de tecnologia, há considerável lacuna quanto à natureza e aos processos pelos quais essas mesmas condições se tornam ideologias e, consequentemente, transformam-se em pensamentos, narrativas, falas, ou seja, em práticas discursivas que sustentam projetos de identidade.

Em pesquisas de cultura de consumo, encontram-se variadas definições para discurso, como a apontada por Belk, Ger e Askegaard (2003BELK, R.; GER, G.; ASKEGAARD, S. The fire of desire: A multisited inquiry into consumer passion. Journal of Consumer Research, v. 30, n. 3, p. 326-351, 2003.), na qual o conceito pode ser compreendido como um conjunto de atos de fala ou escrita expressos em, por exemplo, entrevistas, ou mesmo em forma de expressão de narrativas e/ou valores sociais, como modernidade e individualidade. Já para Thompson e Haytko (1997THOMPSON, C.; HAYTKO, D. Speaking of fashion: consumers’ uses of fashion discourses and the appropriation of countervailing cultural meanings. Journal of Consumer Research, v. 24, n. 1, p. 15-42, 1997.), o discurso é caracterizado como um sistema cultural de significados complexos estruturados pela fala em determinado contexto, complementando o apontado por Fitchett e Caruana (2015FITCHETT, J.; CARUANA, R. Exploring the role of discourse in marketing and consumer research. Journal of Consumer Behaviour, v. 14, n. 1, p. 1-12, 2015.) quando sugerem que pode ser definido como um conjunto de práticas sociais usadas para atingir algum objetivo por meio da fala. Aqui, pode-se perceber que as definições encontradas tratam, em certa medida, de um processo de geração de significado, estando em alinhamento com os estudos da semiótica.

Visto que o discurso, portanto, é dependente de uma rede de significados contextualizados para, de fato, ter sentido, a ideologia emerge como um sistema de sustentação simbólica em meio a esse processo de construção. Como sugerido por autores como Lacan (1977)LACAN, J. Ecrits. London: Tavistock/Routledge, 1977. - cujo pensamento se enquadra na epistemologia estruturalista, assim como a semiótica, a ideologia pode ser definida como um conjunto de significados dinâmicos que flutuam em torno de um eixo semântico, de modo que essa “âncora semiótica”, então, seja a responsável pelo alinhamento e reforço de seus respectivos significados estruturantes.

Fazendo referência à clássica visão paradoxal do consumo de tecnológias proposta por Mick e Fournier (1998MICK, D. G.; FOURNIER, S. Paradoxes of technology: consumer cognizance, emotions, and coping strategies. Journal of Consumer Research, v. 25, n. 2, p. 123-143, 1998.) e aprofundadas por outros autores (BORGES e JOIA, 2013BORGES, A. P.; JOIA, L. A. Executivos e smartphones: uma relação ambígua e paradoxal. Organizações & Sociedade, v. 20, n. 67, p. 585-602, 2013.; BOYD, MCGARRY e CLARKE, 2016BOYD, E.; MCGARRY, B. M.; CLARKE, T. B. Exploring the empowering and paradoxical relationship between social media and CSR activism. Journal of Business Research, v. 69, n. 8, p. 2739-2746, 2016.; LEE, 2016LEE, W. J. When the future technology is now: paradoxical attitudes of consumer and evaluation of IoT Service. International Journal of Smart Home, v. 10, n. 6, p. 115-126, 2016.), Kozinets (2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.) propõe que a Ideologia Tecnológica, termo que, de agora em diante, com as iniciais maiúsculas, faz referência ao modelo proposto pelo autor, e respectivos discursos sejam observados a partir de uma família de quatro elementos ideológicos ancorados em quatro eixos semânticos. Para isso, o autor propõe a utilização do quadrado semiótico desenvolvido por Greimas e Courtés (2013GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.), que pode ser definido como a representação visual da articulação lógica de uma categoria semântica, na qual há a representação da relação de contrariedade ou de oposição entre termos e, a partir dela, as relações de contradição e complementaridade. A Figura 1 ilustra a proposta.

Figura 1
Quadrado semiótico das Ideologias Tecnológicas

A primeira ideologia apresentada refere-se ao consumo de tecnologia associada à ideia de progresso, sendo essa a proposição inicial para o entendimento das relações dos significados explorados no quadrado semiótico. Segundo Kozinets (2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.), a ideologia Techtopian ou Tecnotopia (tecnologia e utopia) parte da articulação entre progresso da humanidade e desenvolvimento tecnológico, que é percebido como algo necessário, favorável e sublime. Como ressaltam Latour (1990LATOUR, B. Technology is society made durable. The Sociological Review, v. 38, n. 1, p. 103-131, 1990.), Wright (2006WRIGHT, R. An illustrated short history of progress. Toronto: House of Anansi, 2006.) e Vogt (2016VOGT, K. The post-industrial society: from utopia to ideology. Work Employment & Society, v. 30, n. 2, p. 366-376, 2016.), essa noção de avanço acompanha um senso de moralidade positivo, na medida em que maior desenvolvimento tecnológico viabiliza uma sociedade cada vez mais próxima do estado utópico da perfeição. Mesmo que de grande relevância e atratividade, essa ideologia, carregada de aspectos morais, possui problemas e significados negativos associados e constantemente questionados. Como exemplo, seu eixo semântico pode ser problematizado a partir de eventos históricos, desastres e questões técnicas que apontam para uma falha na lógica de progresso da humanidade, como as guerras nucleares (KOZINETS, 2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.).

Operando pela contrariedade moral da Tecnotopia, a ideologia Green Luddite ou Ludita é baseada no aspecto negativo do uso da tecnologia, uma vez que elimine o fator artesanal da fabricação de objetos, desqualifique profissionais, altere tradicionais estilos de vida e destrua o meio ambiente. Como fundamentação ideológica, o movimento Ludita agia como uma força social organizada para destruir o progresso trazido pela Revolução Industrial e suas máquinas causadoras de sofrimento (FRIDMAN e VACCARO, 2014FRIDMAN, L. C.; VACCARO, S. B. Laços sociais na babel contemporânea. Revista da Cultura Política, v. 4, n. 2, p. 192-210, 2014.). Ao longo do tempo, as ideias iniciais promovidas foram se enfraquecendo e surgiram outras associações de significados.

Como ressalta Kozinets (2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.), atualmente, essa perspectiva pode ser observada pelo grande foco nas questões relacionadas ao ativismo social que consideram a natureza e os valores tradicionais algo sublime. Ainda que vista de maneira romantizada, impopular, austera e, muitas vezes, relacionada a questões do meio ambiente, movimentos sociais violentos e outros fora de moda, como os hippies, a ideologia Ludita é a única que apresenta resistência ao consumo de tecnologia, questionando, assim, seu valor moral (KOZINETS e HANDELMAN, 2004KOZINETS, R.; HANDELMAN, J. Adversaries of consumption: Consumer movements, activism, and ideology. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 3, p. 691-704, 2004.; HORNBORG, 2014HORNBORG, A. Technology as fetish: Marx, Latour, and the cultural foundations of capitalism. Theory, Culture & Society, v. 31, n. 4, p. 119-140, 2014.).

A economia moderna e a tecnologia estão ideologicamente imbricadas, tendo sua ligação mais fortemente estabelecida durante a Revolução Industrial (CASTELLS, 1996CASTELLS, M. The rise of the network society. The information age: economy, society and culture. Cambridge, MA: Blackwell, 1996. v. 1.). Assumindo a posição de complementaridade racional da Tecnotopia, a ideologia Work Machine ou Máquina de Trabalho é uma articulação da plenitude do desenvolvimento tecnológico com o crescimento econômico de uma nação, de modo que seu eixo semântico tenha significados como industrialização, eficiência e empoderamento do profissional sobre a tecnologia, o que levaria, nesse sentido, ao sucesso e riqueza. Assim como as outras ideologias propostas, a Máquina de Trabalho apresenta significados contraditórios e frequentemente questionados, pois, como mostram Latour (1990LATOUR, B. Technology is society made durable. The Sociological Review, v. 38, n. 1, p. 103-131, 1990.), Kozinets (2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.) e Belk (2014BELK, R. W.; CASOTTI, L. Ethnographic research in marketing: past, present, and possible futures. Revista Brasileira de Marketing, v. 13, n. 6, p. 1-17, 2014. ), a tecnologia gera alto nível de dependência, exploração, conformismo, perda de controle, redução do espírito humano e outros efeitos nocivos à sociedade, por exemplo.

Como última Ideologia Tecnológica, há a Techspressive ou Tecnoexpressiva que, de modo único, conduz ao entendimento do consumo da tecnologia pelo prazer e diversão. Desde a década de 1970, a juventude em grande parte do mundo vem sendo influenciada pela presença e interatividade proporcionadas pelo vídeo game que, para autores como Kuo, Hiller e Lutz (2017KUO, A.; HILER, J. L.; LUTZ, R. J. From Super Mario to Skyrim: a framework for the evolution of video game consumption. Journal of Consumer Behavior, v. 16, n. 2, p. 101-120, 2017.), pode ser considerado um dos principais pilares da cultura hedonista das novas gerações. Em meados da década de 1990, a noção de tecnologia associada ao entretenimento se consolidou de maneira tal que muitos dos equipamentos e objetos tecnológicos passaram a ser chamados toys (brinquedos). Complementando a ideia, em alguns casos, o aspecto experiencial do consumo de tecnologia por esta ideologia não está relacionado somente a objetos físicos e, por isso, faz-se necessário observar a relação dos sujeitos com uma realidade virtualizada e respectivos objetos intangíveis que também contribuem para a construção de sua identidade social, como no fenômeno de realidade aumentada Pokémon Go (BELK, 2013BELK, R. W. Extended self in a digital world. Journal of Consumer Research, v. 40, n. 3, p. 477-500, 2013.; MCGIMPSEY, TANNOCK e LAUDER; 2016MCGIMPSEY, I.; TANNOCK, S.; LAUDER, H. Postcapitalism: a guide to our future. British Journal of Sociology of Education, v. 37, n. 7, p. 1077-1090, 2016.). Assim como as outras ideologias, a Tecnoexpressiva apresenta questionamentos mesmo tendo como base a diversão, prazer e possibilidade de escape que, exatamente pela liberdade proporcionada, torna-se facilmente antissocial, viciante e frívola (KOZINETS, 2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.).

Observando o quadrado semiótico na Figura 1, em resumo, é possível acompanhar o sentido da contrariedade do individualismo pela ênfase da Tecnotopia na busca pelo progresso social que não é considerado em um contexto individualista e hedonista, como o proposto pela Tecnoexpressiva. Do ponto de vista emocional, as ideologias Máquina de Trabalho e a Tecnoexpressiva diferem quanto ao fluxo de indulgência, no qual a primeira considera o consumo de tecnologia de maneira racional e instrumental e a última propõe um consumo pautado pelo prazer como um fim nele mesmo. Por outro lado, a Máquina de Trabalho e a Tecnotopia possuem uma relação de complementaridade racional, enquanto que a Ludita e a Tecnoexpressiva relacionam-se pelo aspecto emocional, sendo o medo e o prazer, respectivamente, os aspectos mais observados nas Ideologias Tecnológicas. Dessa forma, assume-se que a Tecnotopia e Ludita têm uma perspectiva mais social e coletiva, enquanto a Máquina de Trabalho e Tecnoexpressiva tendem a ser mais individualista.

Assumindo que a ideologia é um conjunto de valores que se atualizam e são assumidos por um sujeito - individual ou coletivo - modalizado pelo querer ser e, consequentemente, pelo querer fazer (GREIMAS e COURTÉS, 2013GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.), o sujeito estrutura sua realidade e identidade a partir da navegação pelos eixos semânticos e apropriação dos respectivos significados disponíveis. Assim, pode-se dizer que o processo de observação da construção de identidades pelo consumo de tecnologias seja possível a partir do entendimento dos significados evocados e transformados ao longo das práticas de consumo e respectivos discursos associados.

Apesar de fundamental para a estrutura deste ensaio, por ser organizado a partir do quadrado semiótico concebido por Greimas (GREIMAS e COURTÉS, 2013GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.), o trabalho de Kozinets (2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.) restringe a análise ao nível profundo do modelo greimasiano. Portanto, para alcançar os objetivos do presente trabalho, na próxima seção, será discutida uma perspectiva mais ampla de contribuição da semiótica para o estudo do consumo de tecnologia como estruturante da identidade do consumidor.

PERSPECTIVA DE CONTRIBUIÇÃO DA SEMIÓTICA

Tendo a ideologia como um sistema de significados estruturantes e o discurso como unidade de análise, como apontado por Pessôa, Sant’Ana e Melo, (2015PESSÔA, L.; SANT’ANA, V.; MELO, F. Reflexões sobre as perspectivas de contribuição da semiótica francesa para os estudos de marketing e branding. RIMAR, v. 5, n. 2, p. 69-81, 2015.), é possível recorrer às contribuições da semiótica para os estudos de marketing e consumo, permitindo uma interação positiva entre as áreas do saber. Como mostram Özçağlar-Toulouse e Cova (2010)ÖZÇAĞLAR-TOULOUSE, N.; COVA, B. A history of French CCT: pathways and key concepts. Recherche et Applications en Marketing, v. 25, n. 2, p. 69-90, 2010., na história da CCT, é possível encontrar diversas referências aos princípios da semiótica, tendo principalmente relações com os trabalhos de Greimas e Courtés (2013GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.), com o quadrado semiótico, Floch (1988FLOCH, J. M. The contribution of structural semiotics to the design of a hypermarket. International Journal of Research in Marketing, v. 4, n. 3, p. 233-252, 1988.), e suas pesquisas sobre o universo visual, Semprini (1992SEMPRINI, A. Le marketing de la marque. Paris: Liaisons, 1992.), com estudos de branding, e Landowski (2005LANDOWSKI, E. Les interactions risquées. Limoges: Pulim, 2005.), com os regimes de interação.

Para Cardoso, Hanashiro e Barros (2016CARDOSO, M. A.; HANASHIRO, D. M.; BARROS, D. L. Um caminho metodológico pela análise semiótica de discurso para pesquisas em identidade organizacional. Cadernos Ebape.BR, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 351-376, 2016.), a semiótica, como teoria da significação, inicialmente, preocupa-se com as condições de compreensão e produção do sentido, considerando sempre as diferenças necessárias para uma estrutura elementar de significação (GREIMAS e COURTÉS, 2013GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.). Partindo dessa premissa, ainda que com foco em organizações, os autores propuseram um caminho metodológico para análise semiótica do discurso nos estudos de identidade, no caso, de identidade organizacional, reforçando ainda mais a interdisciplinaridade aqui defendida.

Baseados nas ideias de Greimas e Courtés (2013GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.), Pezzini e Cervelli (2007PEZZINI, I.; CERVELLI, P. Semiótica e consumo: espaços, identidades, experiências. Revista Galáxia, v. 13, p. 29-45, 2007.) sugerem que o discurso, de maneira ampla, pode ser compreendido como o resultado de um processo enunciativo, ou seja, aquilo que possui algum sentido em uma cadeia falada ou de texto escrito dentro de determinado sistema de significação, que, neste ensaio, tem relação com as Ideologias Tecnológicas. Aprofundando, toda enunciação deve ser analisada como uma instância de instauração do sujeito, podendo ser dividida em três categorias. Levando em consideração que toda pessoa (primeira categoria) enuncia em dado espaço (segunda categoria) e tempo (terceira categoria), esse contexto deve ser sempre organizado em torno do sujeito, de modo que opere como ponto de referência (FIORIN, 2006FIORIN, J. L. Enunciação e semiótica. Santa Maria: Letras, 2006.).

Para compreender como o sentido do texto é construído, a semiótica faz uso do percurso gerativo de sentido, que pode ser definido como um modelo teórico de significação estratificado em três níveis, indo desde um nível mais profundo e abstrato até um mais superficial e concreto (GREIMAS e COURTÉS, 2013GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.). Além disso, em cada um dos níveis existe um componente sintático e outro semântico. Aqui, é fundamental ter em mente que a distinção entre sintaxe e semântica não decorre do fato de que uma seja significativa e a outra não, mas de que a sintaxe é mais autônoma do que a semântica, à medida em que uma mesma relação sintática pode ser carregada de grande variedade de investimentos semânticos (FIORIN, 2006FIORIN, J. L. Enunciação e semiótica. Santa Maria: Letras, 2006.; PESSÔA, SANT’ANA e MELO, 2015PESSÔA, L.; SANT’ANA, V.; MELO, F. Reflexões sobre as perspectivas de contribuição da semiótica francesa para os estudos de marketing e branding. RIMAR, v. 5, n. 2, p. 69-81, 2015.). De maneira a ilustrar a proposta, o Quadro 1 organiza e ilustra os níveis do percurso gerativo de sentido.

Quadro 1
Percurso gerativo de sentido

O primeiro nível de geração de sentido é o fundamental, no qual é estabelecida uma estrutura elementar onde a significação emerge por uma relação de contrariedade, contradição e complementaridade, que podem ser observadas sintaticamente no quadrado semiótico representado na Figura 2 (BARROS, 1997BARROS, D. L. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1997.). Fazendo referência à ideologia Tecnotopia, como exemplo, nesse primeiro nível estariam os elementos ideológicos estruturantes, como a ideia de progresso (conjunção) e atraso (disjunção) e respectivas relações de não conjunção e não disjunção.

Figura 2
Quadrado semiótico

Já no segundo nível, o narrativo, o sujeito narrador apresenta sua história, valores e ideias do texto, onde necessariamente há uma narrativa mínima, ou seja, um estado inicial, uma transformação entre estados e o estado final. Aqui, uma rede de relações constitui-se com o objeto de valor, que podem ser os usos ou não de um aparelho tecnológico, como um smartwatch, estabelecendo o estado de junção, por conjunção ou disjunção, podendo o sujeito narrador afirmar ou negar a conjunção ou disjunção com o mesmo objeto de valor em questão (CARDOSO, HANASHIRO e BARROS, 2016CARDOSO, M. A.; HANASHIRO, D. M.; BARROS, D. L. Um caminho metodológico pela análise semiótica de discurso para pesquisas em identidade organizacional. Cadernos Ebape.BR, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 351-376, 2016.).

A sintaxe narrativa, composta por enunciados de estado e de fazer, tem por base o que Fiorin (2006FIORIN, J. L. Enunciação e semiótica. Santa Maria: Letras, 2006.) denomina sequência canônica, na qual a primeira fase é a de manipulação, que tem relação com a influência entre sujeitos de uma mesma história para um querer e/ou dever fazer, como a adoção do relógio inteligente. Na fase da competência, o segundo momento, refere-se a uma transformação realizada pelo sujeito que é dotado de um poder fazer e/ou saber, que, nesta discussão teria relação com o conhecimento sobre as funções e melhores usos do dispositivo. Já a performance, terceira fase, é a ação propriamente dita, onde as transformações de fato ocorrem, ou seja, há a passagem de um determinado estado para outro. Nesse caso, a performance ocorre quando o sujeito usuário do relógio está em conjunção ou disjunção com o objeto. E, por fim, a sanção se relaciona com a constatação de que a performance foi realizada, o que, consequentemente, promove o reconhecimento do sujeito responsável pela operação.

A semântica narrativa é dada pela seleção e relação dos elementos semânticos com os sujeitos, de modo que cada elemento seja inscrito como valor nos objetos, que podem ser de duas naturezas: modais e os descritivos. Para o primeiro, pode-se dizer que são aqueles necessários para a obtenção de um objeto, bem como para que a performance aconteça. Ou seja, são o querer, o dever, o saber e o poder fazer a transformação de um estado inicial para outro diferente. Para os valores descritivos, assume-se que são os valores que entram em conjunção ou disjunção pela, então, performance realizada (FIORIN, 2006FIORIN, J. L. Enunciação e semiótica. Santa Maria: Letras, 2006.).

Por fim, as estruturas narrativas são convertidas em estruturas discursivas quando assumidas pelo sujeito enunciador, de maneira que ocorra o estabelecimento concreto do narrador, dos atores e dos significados em um domínio de tempo e espaço. Neste último nível, o discursivo, ocorre a especificação dos papéis temáticos e conotações sociais por meio dos quais objetos de valor são relacionados aos sujeitos discursivos e narrados em forma de discurso. No que se refere à sintaxe discursiva, cabe esclarecer as relações do sujeito da enunciação com o discurso-enunciado, além das possíveis relações entre o enunciador e enunciatário (BARROS, 2005BARROS, D. L. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática , 2005.). Aqui, pode-se afirmar que a enunciação seria a instância de mediação que assegura a colocação em enunciado-discursivo das virtualidades da língua, ou seja, a materialidade entre a língua e as falas (GREIMAS e COURTÉS, 2013GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.).

Neste ponto, é possível retomar a ideia de que a estruturação de identidade a partir do consumo de tecnologias estaria diretamente ligada à situação comunicacional do sujeito, pois, do ponto de vista social, é dependente de um “saber fazer” legitimado por instituições e outros indivíduos para que seja o que diz ser. Já do ponto de vista discursivo, é construída com base na enunciação do discurso e, consequentemente, pelas estratégias de manipulação do imaginário dos interlocutores dos sujeitos que envolvem, inclusive, um conjunto de práticas gestuais e visuais, de modo que o enunciatário seja colocado em posição de “dever crer”. Como exemplo, podem ser mencionadas publicações em mídias sociais, como o Facebook, que tenham conteúdo vinculado ao objeto de valor do sujeito e respectivas narrativas associadas com o uso do smartwatch. Já na semântica discursiva, a coerência semântica dos discursos é dada por dois percursos: o temático e figurativo.

O primeiro é relacionado com a tematização que acontece pela elaboração dos valores abstratos, colocando-os em certo percurso, dada recorrência de traços semânticos nos discursos. Os temas, portanto, são de natureza conceitual e promovem a categorização dos elementos do mundo do sujeito (FIORIN, 2006FIORIN, J. L. Enunciação e semiótica. Santa Maria: Letras, 2006.), como modernidade e progresso, sendo estes pertencentes ao eixo semântico da ideologia Tecnotopia. O segundo e último procedimento da semântica discursiva refere-se à figurativização dos temas, no qual, por meio de revestimentos figurativos ou, ainda, de figuras de conteúdo, há a produção da ilusão de realidade, pois a crença na verdade ou validade do discurso somente é dada pelo reconhecimento por parte do enunciatário das imagens ou figuras do mundo presentes no discurso enunciado.

Em síntese, observa-se que o modelo de análise semiótica permite que o fenômeno da construção identitária seja analisado desde o seu nível mais concreto e superficial (o discursivo) até o mais abstrato e profundo (o fundamental). Tomando, por exemplo, como objeto de análise as práticas ou o discurso de um consumidor para lançar luz sobre a construção de sua identidade por meio do consumo de algum artefato tecnológico, o pesquisador que faz uso da semiótica pode construir o seguinte percurso de análise: observar os processos de tematização e figurativização, bem como a actorialização, espacialização e temporalização do discurso do sujeito (primeiro nível de análise: semântica e sintaxe discursivas); propor uma narrativa acerca do sujeito em questão e do artefato tecnológico (nível narrativo da análise); para, finalmente, chegar aos valores mais abstratos que sustentam o discurso (nível profundo).

Retomando, aqui, a contribuição de Kozinets (2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.), um pesquisador que aceite a sugestão deste ensaio poderia, a partir do discurso de consumidores (p. ex., obtidos por meio de entrevistas em profundidade), reconstituir os níveis discursivo e narrativo dos depoimentos de seus sujeitos de pesquisa para, em seguida, verificar se (no nível profundo dos discursos) os valores desses sujeitos poderiam ser enquadrados nas Ideologias Tecnológicas propostas por Kozinets (2008) ou, ainda, propor uma axiologia alternativa. Dessa forma, com uma metodologia robusta e, ao mesmo tempo, flexível (o percurso gerativo da significação pode ser usado de forma desmembrada), a adoção da semiótica nos estudos de construção identitária se apresenta como uma perspectiva teórico-metodológica interessante para pesquisas no campo da CCT.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas discussões envolvendo o consumo de tecnologia, como mostrado por Souza (2010SOUZA, R. V. Comportamento do consumidor e consumo de tecnologia: perspectivas de investigação na sociedade contemporânea. In: ENCONTRO DE MARKETING DA ANPAD, 4., 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis: AnPAD, 2010.) e Coorevits e Coenen (2016COOREVITS, L.; COENEN, T. The rise and fall of wearable fitness trackers. 2016. Disponível em: <Disponível em: https://biblio.ugent.be/publication/8055995/file/8510819 >. Acesso em: 25 mar. 2018.
https://biblio.ugent.be/publication/8055...
), de fato, há predominantemente uma orientação epistemológica para a perspectiva positivista, tendo, em grande parte dos casos, teorias como TAM (DAVIS, 1989DAVIS, F. D. Perceived usefulness, perceived ease of use, and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, v. 13, n. 3, p. 319-340, 1989.) e a Teoria da Difusão de Inovação (ROGERS, 2003ROGERS, E. M. Diffusion of innovations. 5. ed. New York: the Free Press, 2003.) como base para as discussões. Visto que esse grupo de teorias e respectivos modelos estatísticos não consideram aspectos simbólicos como premissas para a compreensão de um dado fenômeno, acredita-se que um olhar interpretativo sobre as práticas de consumo, que neste ensaio estão direcionadas às tecnologias, tenha relevância para pesquisas sobre a construção de identidades em CCT. Como sinaliza Miles (2002MILES, S. (Org.). Changing consumer: markets and meanings. London: Routledge, 2002.), nas sociedades contemporâneas, as experiências de consumo se apresentam dissipadas nos mais variados aspectos da vida de um sujeito, o que, portanto, pressupõe a possibilidade do entendimento do fenômeno de consumo por múltiplos olhares.

Nesse sentido, este ensaio teórico pretendeu apresentar, na perspectiva da CCT, a semiótica discursiva de linha francesa como uma alternativa teórico-metodológica para o estudo do papel do consumo de tecnologia no processo de construção identitária do consumidor. Fundamentando-se, basicamente, pelas Ideologias Tecnológicas de Kozinets (2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.), é sugerido que o processo de análise dos discursos dos sujeitos seja realizado pelo percurso gerativo de sentido (GREIMAS e COURTÉS, 2013GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.), uma vez que, em função dos níveis de significação do dado modelo, seja possível identificar a navegação pelos eixos semânticos das ideologias. A partir da apreensão dinâmica dos significados existentes em cada uma das Ideologias Tecnológicas e consequentes práticas discursivas dos sujeitos, é possível, então, observar os modos de elaboração de uma dada identidade.

Como menção final, sem a pretensão de delimitar, mas, sim, de expandir as discussões sobre os processos de construção de identidade, interseções com a semiótica e o consumo de tecnologias, as temáticas aqui propostas podem representar caminhos para futuras investigações que passem por:

  • Significados do consumo de tecnologia, especificamente de determinado produto, como os wearable devices;

  • Modos como sujeitos de idades e locais diferentes usam as tecnologias como elementos estruturantes de suas identidades;

  • Narrativas nas quais podem ser observadas uma navegação mais intensa e dinâmica pelos eixos semânticos das Ideologias Tecnológicas de Kozinets (2008KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.);

  • Desenvolvimento de estratégias de manipulação do destinatário para a produção de discursos identitários cujo efeito de sentido produzido seja o de “realidade”.

REFERÊNCIAS

  • AHUVIA, A. C. Beyond the extended self: loved objects and consumers’ identity narratives. Journal of Consumer Research, v. 32, n. 1, p. 171-184, 2005.
  • AJZEN, I. The theory of planned behavior. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 50, n. 2, p. 179-211, 1991.
  • ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. Consumer culture theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 4, p. 868-882, 2005.
  • ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. Consumer culture theory: ten years gone (and beyond). In: THYRAFF, A.; MURRAY, J. B.; BELK, R. W. (Org.). Research in consumer behavior. Bingley: Emerald, 2015. p. 1-21.
  • BARROS, D. L. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1997.
  • BARROS, D. L. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática , 2005.
  • BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Ed. 70, 2007.
  • BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
  • BAUMAN, Z.; VECCHI, B. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
  • BELK, R. W. Possessions and the extended self. Journal of Consumer Research, v. 15, n. 2, p. 139-168, 1988.
  • BELK, R. W. Extended self in a digital world. Journal of Consumer Research, v. 40, n. 3, p. 477-500, 2013.
  • BELK, R. W. Digital consumption and the extended self. Journal of Marketing Management, v. 30, n. 11-12, p. 1101-1118, 2014.
  • BELK, R.; GER, G.; ASKEGAARD, S. The fire of desire: A multisited inquiry into consumer passion. Journal of Consumer Research, v. 30, n. 3, p. 326-351, 2003.
  • BELK, R. W.; CASOTTI, L. Ethnographic research in marketing: past, present, and possible futures. Revista Brasileira de Marketing, v. 13, n. 6, p. 1-17, 2014.
  • BORGES, A. P.; JOIA, L. A. Executivos e smartphones: uma relação ambígua e paradoxal. Organizações & Sociedade, v. 20, n. 67, p. 585-602, 2013.
  • BOYD, E.; MCGARRY, B. M.; CLARKE, T. B. Exploring the empowering and paradoxical relationship between social media and CSR activism. Journal of Business Research, v. 69, n. 8, p. 2739-2746, 2016.
  • BURRELL, G.; MORGAN, G. Sociological paradigms and organizational analysis. Hants: Ashgate, 2005.
  • CARDOSO, M. A.; HANASHIRO, D. M.; BARROS, D. L. Um caminho metodológico pela análise semiótica de discurso para pesquisas em identidade organizacional. Cadernos Ebape.BR, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 351-376, 2016.
  • CASOTTI, L. M.; SUAREZ, M. C. Dez anos de consumer culture theory: delimitações e aberturas. Revista de Administração de Empresas, v. 56, n. 3, p. 353-359, 2016.
  • CASTELLS, M. The rise of the network society. The information age: economy, society and culture. Cambridge, MA: Blackwell, 1996. v. 1.
  • CHARAUDEAU, P. Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional. In: PIETROLUONGO, M. (Org.). O trabalho da tradução. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009.
  • COOREVITS, L.; COENEN, T. The rise and fall of wearable fitness trackers. 2016. Disponível em: <Disponível em: https://biblio.ugent.be/publication/8055995/file/8510819 >. Acesso em: 25 mar. 2018.
    » https://biblio.ugent.be/publication/8055995/file/8510819
  • DAVIS, F. D. Perceived usefulness, perceived ease of use, and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, v. 13, n. 3, p. 319-340, 1989.
  • FIORIN, J. L. Enunciação e semiótica. Santa Maria: Letras, 2006.
  • FISHBEIN, M.; AJZEN, I. Belief, attitude, intention, and behavior: an introduction to theory and research. Boston: Addison-Wesley, 1975.
  • FITCHETT, J.; CARUANA, R. Exploring the role of discourse in marketing and consumer research. Journal of Consumer Behaviour, v. 14, n. 1, p. 1-12, 2015.
  • FLOCH, J. M. The contribution of structural semiotics to the design of a hypermarket. International Journal of Research in Marketing, v. 4, n. 3, p. 233-252, 1988.
  • FOURNIER, S. Consumers and their brands: developing relationship theory in consumer research. Journal of Consumer Research, v. 24, n. 4, p. 343-373, 1998.
  • FRIDMAN, L. C.; VACCARO, S. B. Laços sociais na babel contemporânea. Revista da Cultura Política, v. 4, n. 2, p. 192-210, 2014.
  • GEERTZ, C. The interpretation of cultures. New York: Basic Books, 1973.
  • GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
  • GIESLER, M. How doppelgänger brand images influence the market creation process: longitudinal insights from the rise of botox cosmetic. Journal of Marketing, v. 76, n. 6, p. 55-68, 2012.
  • GIESLER, M.; VENKATESH, A. Reframing the embodied consumer as cyborg: a posthumanist epistemology of consumption. Advances in Consumer Research, v. 32, p. 1-9, 2005.
  • GOUVEIA, T. M.; AYROSA, E. A. Identidade, consumo e segurança ontológica: tentando viver à margem da norma estética. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2014, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: AnPAD, 2014.
  • GREIMAS A.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2013.
  • GUTMAN, L. F.; JOIA, L. A.; MORENO JUNIOR, V. A. Antecedentes da intenção de uso de sistemas de home broker sob a ótica dos investidores do mercado acionário. Revista de Administração, São Paulo, v. 49, n. 2, p. 353-368, 2014.
  • HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2014.
  • HELLMAN, K.; SCHRAGE, D.; OSTERGAARD, P. Different perspectives on consumption, consumer, culture and society. In: DIFFERENT PERSPECTIVES ON CONSUMPTION, CONSUMER, CULTURE AND SOCIETY WORKSHOP, 2010, Berlin. Proceedings… Berlin: [s.n], 2010.
  • HOGG, M.; ABRAMS, D. Social identifications: A social psychology of intergroup relations and group processes. London: Routledge, 1988.
  • HORNBORG, A. Technology as fetish: Marx, Latour, and the cultural foundations of capitalism. Theory, Culture & Society, v. 31, n. 4, p. 119-140, 2014.
  • KATES, S. M. The protean quality of subcultural consumption: an ethnographic account of gay consumers. Journal of Consumer Resarch, v. 29, n. 3, p. 383-399, 2002.
  • KOZINETS, R.; HANDELMAN, J. Adversaries of consumption: Consumer movements, activism, and ideology. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 3, p. 691-704, 2004.
  • KOZINETS, R. Technology/ideology: how ideological fields influence consumers’ technology narratives. Journal of Consumr Research, v. 34, n. 6, p. 865-881, 2008.
  • KOZINETS, R.; PATTERSON, A.; ASHMAN, R. Networks of desire: how technology increases our passion to consume. Journal of Consumer Research, v. 43, n. 5, p. 659-682, 2017.
  • KUO, A.; HILER, J. L.; LUTZ, R. J. From Super Mario to Skyrim: a framework for the evolution of video game consumption. Journal of Consumer Behavior, v. 16, n. 2, p. 101-120, 2017.
  • LACAN, J. Ecrits. London: Tavistock/Routledge, 1977.
  • LANDOWSKI, E. Les interactions risquées. Limoges: Pulim, 2005.
  • LATOUR, B. Technology is society made durable. The Sociological Review, v. 38, n. 1, p. 103-131, 1990.
  • LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network theory. Oxford: Oxford University Press, 2005.
  • LEE, W. J. When the future technology is now: paradoxical attitudes of consumer and evaluation of IoT Service. International Journal of Smart Home, v. 10, n. 6, p. 115-126, 2016.
  • LEVY, S. J. Intepreting consumer mythology: a structural approach to consumer behavior. The Journal of Marketing, v. 45, n. 3, p. 49-61, 1981.
  • MCCALL, G. J.; SIMMONS, J.L. Identities and interactions. New York: Free Press, 1966.
  • MCCRACKEN, G. Culture and consumption: a theoretical account of the structure and movement of the cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, v. 13, n. 1, p. 71-84, 1986.
  • MCGIMPSEY, I.; TANNOCK, S.; LAUDER, H. Postcapitalism: a guide to our future. British Journal of Sociology of Education, v. 37, n. 7, p. 1077-1090, 2016.
  • MEAD, G. Mind, self, and society: from the standpoint of a social behaviorist. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1934.
  • MICK, D. G.; FOURNIER, S. Paradoxes of technology: consumer cognizance, emotions, and coping strategies. Journal of Consumer Research, v. 25, n. 2, p. 123-143, 1998.
  • MILES, S. (Org.). Changing consumer: markets and meanings. London: Routledge, 2002.
  • ÖZÇAĞLAR-TOULOUSE, N.; COVA, B. A history of French CCT: pathways and key concepts. Recherche et Applications en Marketing, v. 25, n. 2, p. 69-90, 2010.
  • PACE, S. Looking at innovation through CCT glasses: consumer culture theory and Google glass innovation. Journal of Innovation Management, v. 1, n. 1, p. 38-54, 2013.
  • PESSÔA, L.; SANT’ANA, V.; MELO, F. Reflexões sobre as perspectivas de contribuição da semiótica francesa para os estudos de marketing e branding. RIMAR, v. 5, n. 2, p. 69-81, 2015.
  • PEZZINI, I.; CERVELLI, P. Semiótica e consumo: espaços, identidades, experiências. Revista Galáxia, v. 13, p. 29-45, 2007.
  • ROGERS, E. M. Diffusion of innovations. 5. ed. New York: the Free Press, 2003.
  • SCARABOTO, D.; FISCHER, E. Frutrated fatshionistas: an institutional theory perspective on consumer quests for greater choice in mainstream markets. Journal of Consumer Research, v. 39, n. 6, p. 1234-1257, 2013.
  • SCHAU, H. J. Consumer imagination, identity and self-expression. Advances in Consumer Research, v. 27, p. 50-56, 2000.
  • SEMPRINI, A. Le marketing de la marque. Paris: Liaisons, 1992.
  • SOUZA, R. V. Comportamento do consumidor e consumo de tecnologia: perspectivas de investigação na sociedade contemporânea. In: ENCONTRO DE MARKETING DA ANPAD, 4., 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis: AnPAD, 2010.
  • STETS, J.; BURKE, P. Gender, control, and interaction. Social Psychology Quarterly, v. 59, n. 3, p. 193-220, 1996.
  • TAJFEL, H.; TURNER, J. The social identity theory of intergroup behavior. In. WORSHEL, S.; AUSTIN, W. (Ed.). The psychology of intergroup relations. Chicago, IL: Nelson-Hall, 1986. v. 2, p. 7-24.
  • THOMPSON, C.; HAYTKO, D. Speaking of fashion: consumers’ uses of fashion discourses and the appropriation of countervailing cultural meanings. Journal of Consumer Research, v. 24, n. 1, p. 15-42, 1997.
  • VOGT, K. The post-industrial society: from utopia to ideology. Work Employment & Society, v. 30, n. 2, p. 366-376, 2016.
  • WRIGHT, R. An illustrated short history of progress. Toronto: House of Anansi, 2006.
  • BETTANY, S.; KERRANE, B.; HOGG, M. The material-semiotics of fatherhood: the co-emergence of technology and contemporary fatherhood. Journal of Business Research, v. 67, n. 7, p. 1544-1551, 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018
  • Data do Fascículo
    Dez 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2017
  • Aceito
    05 Mar 2018
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernosebape@fgv.br