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Hierarquia e empowerment: um estudo preliminar

CASOS E WORKING PAPERS

Hierarquia e empowerment: um estudo preliminar

Renato de Castilho Gomides

Aluno do Mestrado em Administração Pública da EBAPE/FGV. Endereço: EBAPE/CFAP, Praia de Botafogo, 190 - sala 538 - Botafogo - Rio de Janeiro - CEP: 22250-900. E-mail: renato.gomides@terra.com.br

Introdução

A estrutura hierárquica nas organizações advém da remota influência da Igreja Católica (MOONEY, 1947) e das organizações militares (MORGAN, 1996). A hierarquia ganhou mais peso com a teoria clássica da administração, e sua utilização ainda é muito difundida. Contudo, constantes movimentos administrativos, principalmente a partir do século XX, vêm questionando a hierarquização das organizações, propondo novas configurações, tanto administrativas quanto da estrutura organizacional, propriamente dita. Das novas tecnologias de gestão organizacional, destaca-se o empowerment como forma de minimizar a questão hierárquica nas organizações.

Este estudo tem como objetivo identificar os termos hierarquia e empowerment, visando apresentar elementos que atenuem a influência daquela por meio desta tecnologia. Serão apresentados dois estudos de caso da utilização do empowerment em duas organizações e as conclusões decorrentes do trabalho proposto.

Hierarquia e empowerment

Segundo Morgan (1996, p.28), hierarquia é "a autoridade do superior sobre o subordinado caminha do topo para a base da organização; essa cadeia que é resultante do princípio de comando deve ser usada como canal de comunicação e de tomada de decisão."

Para os militares:

A hierarquia militar é a ordenação da autoridade em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações: dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antiguidade no posto ou graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade. (BRASIL, 1980)

Para os teóricos clássicos da administração, a hierarquia é a base da organização formal, e será pelas linhas de comando e de comunicação que a organização funcionará. Pode ser observado que ao se projetar essa organização altamente formal, esta estava se aproximando de uma máquina, conforme já observado por Morgan (1996). Embora esse tipo de organização tenha sido idealizado para atender a uma nova concepção de trabalho advinda da Revolução Industrial, sua influência está presente em muitas organizações ditas modernas.

Araújo (2006, p.248-249) aponta diversos pontos negativos na rígida utilização da hierarquia. O autor também aponta tecnologias de gestão que podem ser empregadas para a melhoria organizacional (ARAUJO, 2001, 2006); contudo, este estudo irá se concentrar na tecnologia de gestão denominada empowerment. Dos conceitos para empowerment, serão destacados quatro.

Para Long (1997, p.15), empowerment é a "habilidade em permitir que outros assumam as responsabilidades, os riscos e as recompensas associadas à tomada das próprias decisões." Mills (1996, p.VII) a conceitua como "um compromisso de estabelecer entre os funcionários um grau mais elevado de trabalho em equipe, com um maior grau de responsabilidade delegado através da organização". Para Barth (apud BLANCHARD, CARLOS e RANDOLPH, 1996, p.XI), é "um processo através do qual os gerentes, gradualmente, transferem às equipes de trabalho, a responsabilidade e a autoridade - condições essenciais para um desempenho superior." Araújo (2006, p. 241) define empowerment como

criação ou o fortalecimento do poder decisório nas mãos das pessoas da organização. Pretende-se com a tecnologia, portanto, conceder às pessoas oportunidades de participarem ativamente do processo de tomada de decisão (e, também, decidirem).

Desses conceitos, pode-se depreender que empowerment é dar poder e responsabilidade para o funcionário desempenhar determinada tarefa, vinculando-se o seu uso a metas bem definidas e a constantes avaliações. Envolve autonomia com limites e almeja-se como efeitos, produtividade, autoconfiança e auto-estima, além do atendimento dos clientes, substituindo-se a hierarquia tradicional por equipes autogerenciadas.

Embora possa parecer um conceito de simples aplicação, a sua implantação requer mudanças profundas na cultura da empresa e se caracteriza muito mais por exigir da empresa uma nova consciência do que o simples fato de delegar poderes: é necessário dispor de uma equipe competente e experiente, além de, prioritariamente, ter tolerância com os erros. Dessa forma, empowerment não é mera gerência participativa ou formação de equipes e, muito menos, anarquia organizacional (ARAUJO, 2001, p.272-273).

Estudo de caso

Para consubstanciar os conceitos anteriormente aludidos, foram realizados dois estudos de caso. Com base na taxonomia proposta por Yin (2005), o primeiro estudo de caso é uma observação participante e o segundo, uma observação direta. Os estudos de caso foram desenvolvidos entre setembro e dezembro de 2005. O mestrando está ciente de que a profundidade do estudo está aquém do desejado e que o levantamento carece de um exame mais minucioso, desde a coleta de dados até a análise de conteúdo. Contudo, como se trata de um trabalho preliminar, acredita que atingiu seu objetivo, mesmo parcialmente.

Estudo de caso 1: organização rigidamente hierarquizada - é possível a utilização do empowerment?

A organização A é uma organização militar atuante desde o século XVIII. Como qualquer organização militar, tem como seus pilares a hierarquia e a disciplina; preceitos, inclusive, constitucionais. Embora não se possa reestruturar a sua hierarquia, procurou-se desenvolver as idéias do empowerment num único departamento, pois o seu chefe atendeu ao desafio de adotar uma nova forma de administrar as divisões que estão subordinadas ao mesmo. O departamento em questão é composto de três divisões com tarefas distintas. Cada divisão tem um encarregado com nível superior e que está habilitado a desenvolver suas atividades de maneira satisfatória. Todos os encarregados estão há mais de um ano na função. Foram explicados a cada encarregado os conceitos de empowerment e dito-lhes que deveriam empregar esses conceitos em suas divisões, salientando-se, inclusive, que cada um deveria disseminar esses conceitos entre seus subordinados diretos, como forma de divulgar a nova tecnologia de gestão e assim difundir sua utilização. No decorrer dos seis meses de observação foram promovidas reuniões mensais de feedback e de orientação para uma melhor utilização da nova tecnologia. Ao final desse seis meses, foi constatado que:

os funcionários não estão acostumados com delegação de poder, tanto que no departamento estudado, dos três encarregados de divisão, apenas um conseguiu entender o real significado do empowerment, possibilitando aos seus subordinados desempenharem suas atividades com mais liberdade e responsabilidade. A conclusão é a de que nem todos os funcionários estão aptos a desenvolver essa tecnologia de gestão, apesar de toda a orientações recebida;

a reestruturação de uma hierarquia tradicional requer maior participação dos níveis mais altos da administração, pois, tradicionalmente, numa organização militar, o chefe é o responsável direto por informar aos seus superiores o andamento das atividades de sua divisão. Essa cultura organizacional atrapalha o uso da tecnologia, uma vez que os funcionários dos níveis mais operacionais não são diretamente responsabilizados pelos resultados de suas ações (tanto as adequadas como as divergentes);

pelas características do setor público, em que as recompensas são limitadas, há pouca motivação e o novo papel do gerente (que, em vez de dirigir, controlar e supervisionar, deve coordenar os esforços dos empregados) não é plenamente entendido. Há maior participação, mas com um comprometimento e orgulho organizacional minimizado; e

a utilização da tecnologia em apenas um departamento, sem o envolvimento de toda a organização, envileceu tal utilização. Para que o empowerment possa ser plenamente utilizado, há necessidade do envolvimento de toda a organização, principalmente, do nível hierárquico mais alto, e não apenas de um setor específico.

Estudo de caso 2: organização sem hierarquia - é possível a utilização do empowerment?

A organização B é filial de uma empresa internacional, cuja sede brasileira fica em São Paulo e que trabalha com venda direta aos seus clientes. Seu escritório no Rio de Janeiro, objeto do estudo, funciona há pouco mais de um ano e conta com três funcionárias. Inicialmente, todas estavam no mesmo nível hierárquico, desempenhando as mesmas funções. Durante o desenvolvimento de suas atividades, ocorreram conflitos oriundos, principalmente, da inexistência de uma hierarquia, pois todas as funcionárias estavam subordinadas a um único setor da matriz brasileira. Com a implantação de um nível mínimo de hierarquia - criação do cargo de supervisor administrativo do escritório do Rio de Janeiro - e com a aplicação da tecnologia, os conflitos internos foram minimizados, o que trouxe como resultado imediato uma maior motivação e comprometimento das funcionárias do escritório carioca. Foram realizadas três reuniões no Rio - uma em setembro, outra no início de novembro e a última em dezembro -, e constatado o seguinte:

qualquer organização necessita de uma hierarquização mínima para o desenvolvimento de suas funções. A anarquia organizacional prejudica o desempenho das atividades administrativas, a motivação dos funcionários e a produtividade;

a implementação da tecnologia permitiu maior comprometimento das funcionárias e um trabalho em equipe mais harmônico. A correta identificação da funcionária mais capacitada para exercer a função de supervisora possibilitou-lhe desenvolver a autoconfiança. O reconhecimento no desempenho das tarefas é um conceito arraigado na organização;

o empowerment foi devidamente utilizado. Ao delegar maior poder e autoridade à supervisora, a empresa matriz deixou claro que estava delegando, em conjunto, maior responsabilidade. A recompensa pelo novo esforço se deu não apenas pelo reconhecimento da capacidade da funcionária de exercer suas atividades administrativas, mas também por um substancial aumento salarial;

por ser uma empresa do setor privado - com maior flexibilidade organizacional do que numa empresa do setor público -, o reconhecimento e a recompensa foram adequados: aumentou-se o ganho salarial da funcionária promovida, o que conseqüentemente deixou-lhe mais motivada e com maior orgulho organizacional, redundando em maior produtividade na organização;

o fato da empresa não ter uma estrutura hierárquica tradicional e da mudança ter partido da alta administração possibilitou a plena utilização da tecnologia. A capacidade da funcionária e de seus subordinados entenderem o real significado de empowerment foi requisito fundamental para o êxito da sua implantação.

Conclusão

Morgan (1996, p.345) aduz que "as organizações são muitas coisas ao mesmo tempo." Ele acrescenta que "a complexidade e a sofisticação do nosso pensamento não são comparáveis à complexidade e à sofisticação das realidades com as quais é necessário lidar" (MORGAN, 1996, p.345) e que "existe diferença entre a realidade global e rica da organização e o conhecimento que somos capazes de obter a respeito da organização." (MORGAN, 1996, p. 347)

Seria bastante simplista de nossa parte criticar uma organização altamente hierarquizada, sem levarmos em consideração que a instituição militar estudada é um órgão público e, por conseguinte, uma instituição perene, que não corre o risco de ser extinta, pelas próprias características das Forças Armadas. A estabilidade organizacional de uma instituição militar e a sua hierarquização são impostas pela própria Constituição Federal e pelas tipicidades intrínsecas, norteadoras do militarismo. A instituição militar é um ambiente estável, por vezes, previsível e até controlável, justificando-se a sua rígida hierarquização (MORGAN, 1996, p.37-38). Contudo, é necessária uma participação mais democrática de todos os atores nela envolvidos e a mudança de alguns paradigmas e pensamentos, encontrados não só em instituições militares como também em outras instituições do setor público. Não está longe o momento em que a sociedade exigirá não só maior produtividade, eficácia e eficiência dos órgãos públicos, mas também maior efetividade e accountability no cumprimento de sua missão. A tecnologia proposta poderá proporcionar o primeiro salto qualitativo para o pleno atendimento dos anseios da sociedade e a satisfação das necessidades tanto de clientes internos como dos externos da organização.

Se o excesso de hierarquia é danoso, a sua completa falta também o é. Há que se ter um pouco de ordem no caos administrativo, sob pena da anarquia organizacional redundar em improdutividade e falência organizacionais. Como se pode observar no segundo estudo de caso, a mera criação de um cargo funcional e a devida aplicação da tecnologia de gestão proporcionaram uma maior motivação e um melhor desempenho organizacional. Embora o estudo ainda necessite de uma melhor avaliação do ponto de vista financeiro, operacional e de mercado, bem como, de uma prévia avaliação organizacional, pode-se presumir que, atualmente, a organização está melhor estruturada.

À guisa de conclusão, há que se ter cuidado com questões que envolvam a hierarquia. O que se percebe é que tanto o seu excesso quanto a sua falta são nocivos. Os administradores de uma organização devem estar conscientes de que as tecnologias de gestão organizacional devem ser usadas como um remédio, em doses certas, respeitando-se a complexidade e as características intrínsecas da organização e da sua cultura, para que o devido cumprimento de sua missão seja plenamente alcançado.

Questões para debates

I. tomando como base os conceitos apresentados de empowerment, podemos afirmar que essa tecnologia de gestão é uma forma que os capitalistas encontraram para organizar as condições de trabalho, visando à obtenção da vantagem máxima sobre o potencial dos trabalhadores; ou seja, o empowerment é uma incorporação da crítica que se faz ao capitalismo nas organizações e/ou uma falácia organizacional em busca da racionalidade instrumentalista?

II. é bastante ampla a bibliografia que aborda a questão da liderança. Dos inúmeros conceitos de liderança, destaca-se o aludido por Astin e Leland (1991 apud COOPER e ARGYRIS, 2003, p.767):

É um processo pelo qual membros de um grupo têm o poder de trabalharem juntos de forma sinergética, na direção de uma meta ou visão comum, que criará mudança e transformará instituições, e assim poderá melhorar a qualidade de vida. O líder é uma força catalítica ou facilitadora que, por sua posição ou oportunidade, proporciona aos outros a possibilidade de uma ação coletiva na realização de uma meta ou visão.

O moderno papel da liderança deve caminhar para uma consistente valorização dos recursos humanos, priorizando-se a profissionalização e a capacitação de todos os atores envolvidos na organização, a formação de equipes capazes de maximizar aptidões e competências individuais e o estabelecimento de metas e de recompensas de desempenho. Com base nos estudos de casos e no conceito de liderança anteriormente citados, como empresas públicas e privadas podem incrementar o papel do empowerment nas suas organizações?

III. Drucker (1999, p.19) sustenta: "Atualmente, fala-se muito sobre o 'fim da hierarquia'. Isto é um absurdo flagrante. Em qualquer instituição, é preciso haver uma autoridade final, isto é, um 'patrão' - alguém que possa tomar a decisão final e esperar ser obedecido". Pode-se conceber a existência de uma organização sem uma hierarquia?

IV. accountability é uma palavra inglesa que não tem tradução exata para o nosso vernáculo, e que significa que cada agente da administração pública deve estar pronto para prestar contas dos resultados de seus atos e decisões na gestão da res publica, ou seja, são responsabilizáveis. É crível a conexão entre empowerment e accountability?

V. diante de um cenário de profundas mudanças e transições de ordem econômica, política e social, há necessidade de um reposicionamento dos setores público e privado. Trata-se de um reposicionamento que não só atenda a uma sociedade que apresenta novas e crescentes transformações e demandas, mas que também impeça o esgotamento do paradigma burocrático - pouco capaz de reagir num ambiente inovador e de constantes e cada vez mais aceleradas modificações -, o que impõe uma série de desafios aos administradores. Nesse sentido, as tecnologias de gestão podem auxiliar esse reposicionamento? De que forma?

  • ARAUJO L. C. G. Tecnologias de gestão organizacional. São Paulo: Atlas, 2001.
  • ______. Gestão de pessoas. São Paulo: Atlas, 2006.
  • ASTIN, H.; LELAND, C. Women of influence, women of vision: a cross-generational study of leaders and social change. San Francisco: Jossey-Bass, 1991.
  • BLANCHARD, K.; CARLOS, J. P.; RANDOLPH, A. Empowerment: exige mais que um minuto. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
  • BRASIL. Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980. Dispõe sobre o Estatuto dos Militares.
  • COOPER, C. L.; ARGYRIS, C. (Org.). Dicionário enciclopédico de administração. São Paulo: Atlas, 2003.
  • DRUCKER, P. F. Desafios gerenciais para o século XXI. São Paulo: Pioneira, 1999.
  • LONG, L. K. Empowering: levando funcionários a assumir responsabilidades e riscos associados com suas decisões. São Paulo: Nobel, 1997.
  • MILLS, D Q. Empowerment - um imperativo: seis passos para se estabelecer uma organização de alto desempenho. Rio de Janeiro: Campus, 1996.
  • MOONEY, J. D. The principles of organization. Nova York: Harper & Bros., 1947.
  • MORGAN, G. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.
  • YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Out 2006
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