Resumos
Este artigo se propõe a adaptar a teoria de Hirschman para as Relações Internacionais. A partir de uma diferenciação entre as preferências dos Estados dentro de instituições internacionais, o modelo explicita as dinâmicas que surgem quando a qualidade institucional declina. Enquanto Estados fortes tentarão reformar a instituição por meio de ameaças de saída, Estados médios e fracos terão poucas alternativas. Três casos envolvendo os EUA são descritos e analisados.
Institucionalismo; Instituições Internacionais; Declínio Institucional; Ameaças com Credibilidade; Política Externa Americana
This article is an attempt to adapt Hirschman's theory to International Relations. Proposing a differentiation in preferences from the states inside international institutions, the model points to the dynamics generated when institutional quality declines. While strong states will try to reform the institutions through threats of exit, intermediary and weak states will have few alternatives. Three cases involving the United States are described and analyzed.
Institutionalism; International Institutions; Institutional Decline; Credible Threats; American Foreign Policy
Uma teoria de instituições em declínio: reavaliando saída, voz e lealdade de Hirschman para as instituições internacionais*
A theory of institutions in decline: reevaluating Hirsch man's exit, voice, and loyalty for international institutions
Bruno de Moura Borges
Doutorando em Ciência Política (Relações Internacionais) pela Duke University, EUA, e mestre em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC -Rio)
RESUMO
Este artigo se propõe a adaptar a teoria de Hirschman para as Relações Internacionais. A partir de uma diferenciação entre as preferências dos Estados dentro de instituições internacionais, o modelo explicita as dinâmicas que surgem quando a qualidade institucional declina. Enquanto Estados fortes tentarão reformar a instituição por meio de ameaças de saída, Estados médios e fracos terão poucas alternativas. Três casos envolvendo os EUA são descritos e analisados.
Palavras-chave: Institucionalismo - Instituições Internacionais - Declínio Institucional - Ameaças com Credibilidade - Política Externa Americana
ABSTRACT
This article is an attempt to adapt Hirschman's theory to International Relations. Proposing a differentiation in preferences from the states inside international institutions, the model points to the dynamics generated when institutional quality declines. While strong states will try to reform the institutions through threats of exit, intermediary and weak states will have few alternatives. Three cases involving the United States are described and analyzed.
Keywords: Institutionalism - International Institutions - Institutional Decline - Credible Threats - American Foreign Policy
INTRODUÇÃO
O que ocorre quando instituições "entram em declínio"? Embora sejam freqüentemente observadas instituições que não desempenham as funções para as quais foram inicialmente criadas ou que são criticadas por sua incoerência e inabilidade,esses aspectos não vêm recebendo a devida atenção por parte da literatura institucional.Tal fato representa uma séria lacuna no estudo das instituições,em especial das internacionais. Por não focalizarem suficientemente os efeitos do declínio, autores de Relações Internacionais (RI) geralmente desconhecem por que e como os países agem quando confrontados com problemas em dada configuração institucional, o que relega as dinâmicas internas dos mesmos a um papel inferior.
No mínimo, são dois os motivos principais pelos quais o foco do debate se voltou com força para o declínio institucional. O primeiro lida com a dinâmica das RIs enquanto disciplina. Sempre reativo a eventos externos, o campo de saber configurou-se enquanto projeto acadêmico somente após a Segunda Guerra Mundial.
Muito embora o realismo fosse a vertente teórica prevalecente e a Guerra Fria tenha, desde cedo, dominado os estudos nesse campo, o mundo jamais havia visto, até aquele momento, tamanho esforço e recursos aplicados àconstrução de instituições. A criação das Nações Unidas e das muitas organizações que se seguiram motivou a impressão, na época, de que instituições poderiam ter efeito duradouro no mundo.
A expressão "declínio institucional" permanecia ligada àderrota da Liga das Nações na década anterior. Era, afinal, um exemplo empírico de que instituições poderiam entrar em declínio e, eventualmente, desmoronar. A explicação-padrão oferecida pelos realistas argumentava que a instituição não poderia sobreviver pois, em primeiro lugar, não representava na realidade os interesses dos países envolvidos e, em segundo, porque era destituída de poder. A ausência dos Estados Unidos e da Alemanha na Liga das Nações logo relegou a instituição à obsolescência. Para os realistas, duas lições eram claras: era necessário estudar as relações de poder presentes nas instituições para compreender seu funcionamento em vez de suas regras (que seriam objeto do "direito internacional"); e se o poder material não estivesse envolvido na construção da instituição, esta não duraria.
Essa ênfase no realismo impediu por um extenso período o estudo sistemático das instituições internacionais. A crença na irrelevância destas para a política internacional persistiu ao longo de boa parte da Guerra Fria como o posicionamento principal do campo. O interesse pelas instituições ressurgiu somente na década de 80.
O segundo motivo pelo qual o estudo do declínio institucional foi posto de lado se apresenta, paradoxalmente, pela ascensão do próprio institucionalismo. A publicação de After Hegemony, por R. O. Keohane (1984), bem como a produção subseqüente a respeito de instituições, voltavam-se para as condições sob as quais as instituições poderiam ser criadas e sobreviver em um mundo anárquico e em um sistema de self-help. As análises concentravam-se majoritariamente no porquê e como as instituições foram criadas e especificavam condições para sua sobrevivência. Os institucionalistas argumentavam que elas eram importantes per se, pelo fato de fornecerem informações, reduzirem os custos de transação e emprestarem maior credibilidade aos acordos (idem). A esta altura, havia uma compreensível pressão para superar as análises realistas que se preocupavam com o declínio hegemônico e o desequilíbrio de poder (Gilpin, 1981) e para focalizar os efeitos das instituições.
Aplicando os estudos do então chamado "novo institucionalismo" na economia, os institucionalistas também auxiliaram no desenvolvimento de uma teoria adulta da resiliência institucional. Segundo eles, as instituições são "pegajosas" pois criam interesses múltiplos e dividem os custos e benefícios políticos de diversas formas, o que conduz a alterações na estrutura de incentivos dos atores (Keohane, 1984). Em estudos recentes, tal característica pode, inclusive, ser empregada estrategicamente a fim de garantir resiliência após o enfraquecimento do poder dos criadores e idealizadores das instituições (Ikenberry, 2001). Essa ênfase no funcionamento das instituições deixou de fora vários questionamentos interessantes acerca de seu declínio e ocaso1.
Entretanto, há mais de trinta anos, o economista Albert Hirschman (1970) propôs uma teoria parcimoniosa para explicar tal fenômeno.
Segundo ele, os economistas falharam em perceber que o conjunto da economia não apresentava um desempenho ótimo em razão de sempre haver uma "folga" na produção das firmas, da mesma forma que, contrariando as crenças dos economistas, o declínio da qualidade da produção econômica não significa, necessariamente, a morte da firma. Nesse caso, existem três possibilidades disponíveis para o consumidor: saída, voz ou lealdade. A saída é o canal mercadológico tradicional (e mais barato) pelo qual o consumidor simplesmente pára de consumir de determinada firma, optando por outra (idem: 4). A voz é o canal político tradicional (e também o mais caro), por meio do qual o consumidor "dá voz" à sua insatisfação em relação à firma com esperança de ser ouvido (ibidem). A última opção, lealdade, é a incapacidade de (ou inadequação da) saída ou voz. Significa a aceitação passiva do declínio na qualidade e a esperança de que, ao não abandonar a firma, a situação irá, eventualmente, melhorar (idem: 77).
Quando aplicado às instituições internacionais, o modelo de Hirschman pode produzir resultados interessantes. O sistema internacional é notório por sua atmosfera conducente à "folga" institucional. As assimetrias de poder e informação dentro e fora das instituições criam a possibilidade de declínio em sua "qualidade" - crises internacionais podem causar a diminuição (ou até mesmo a interrupção) da circulação de informações, o aumento nos custos de transações e, inclusive, a complacência no monitoramento das instituições, conforme ocorreu anteriormente.
Nas instituições internacionais, cada alternativa apresenta um custo diferente dependendo do poder. Por exemplo, contrariando o modelo de Hirschman, a opção de saída traz custos muito elevados para todos os envolvidos em instituições internacionais. A saída pode ser extremamente danosa e detém conotações diferentes das de uma interpretação econômica. Alguns países, todavia, podem ter a capacidade de sair. Dada a posição de poder que os Estados ocupem dentro das instituições, é possível designar "preferências" em caso de declínio na qualidade dos serviços institucionais.
Este artigo irá abordar a forma pela qual os Estados fortes se comportam nas instituições em declínio. Partindo da premissa de que eles são os únicos capazes de apresentar ameaças com credibilidade - o que significa uma opção crível de voz - a outros membros da instituição, seu estudo é central para compreendermos a dinâmica institucional. Além disso, o fato de Estados fortes serem detentores da capacidade de saída confere-lhes a vantagem do primeiro movimento ou, segundo a terminologia de Gruber (2000), de um "go-it alone power" reverso.
O objetivo deste estudo é entender as mudanças dentro da instituição a partir da ameaça de saída. Ao estudar a saída e a ameaça de saída, pretendo avaliar seu impacto nas mudanças institucionais e compreender melhor algumas das dinâmicas presentes em uma instituição em declínio. Identificada a preferência assumida por Estados fortes, é esperada a observação empírica de certas dinâmicas. Se a teoria se provar correta, espera-se perceber que a ameaça de saída dos Estados fortes (suas vozes) pode aumentar a possibilidade de mudança institucional. Quando Estados fortes ameaçam sair de uma instituição, esperamos observar mudanças no interior desta, especialmente se estes forem os seus principais contribuintes e/ou criadores. Similarmente, esperamos distinguir também três fases diversas dessa mudança após o início do processo de declínio da instituição: voz "pura", a ameaça de saída e a saída em si.
A fim de alcançar tal objetivo, apresentarei três estudos de caso para compreender o impacto para a instituição da ameaça de saída, se há ou não algum impacto. Estes não serão de natureza quantitativa, pois este artigo propõe a criação de uma nova forma de se pensar as dinâmicas internas das instituições em declínio e não testar a teoria em vários casos. Manterei o foco na descrição dos casos, mostrando como as ameaças foram levadas a cabo e analisando seus efeitos.
A fim de enfatizar a atuação dos Estados "fortes" dentro das instituições, o foco empírico deste estudo serão os Estados Unidos pós-Segunda Guerra Mundial. Serão levados em consideração três estudos de caso:
(1) o comportamento dos EUA em relação à UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura);
(2) o comportamento dos EUA em relação à UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento);e
(3) o comportamento dos EUA em relação à UNIDO (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial).
Primeiramente, introduzirei a teoria por trás do modelo e descreverei seu funcionamento. A teoria de Hirschman será apresentada e irei modificá-la. A estratégia de ameaças com credibilidade será apresentada e a hipótese especificada. Em seguida, voltar-me-ei para os casos empíricos e farei uma descrição de cada um em separado, o que nos permitirá a aplicação prática do modelo, bem como iluminará os insights lá contidos. Por fim, chegarei a algumas conclusões, avaliarei as incongruências e falhas do modelo e identificarei outras possíveis aplicações para ele.
UMA TEORIA DA DINÂMICA DO DECLÍNIO
Saída, Voz e Lealdade de Hirschman
Em seu livro de 1970, Albert O. Hirschman desenvolveu a teoria da "dinâmica do declínio institucional". Ele inicia sua argumentação atentando para que, contrariamente às expectativas dos economistas clássicos, as firmas não têm desempenho ótimo o tempo todo. De acordo com esses economistas, se há um declínio na qualidade de produção de uma firma, o mercado se certificará de que esta não sobreviva - qualquer lapso é punido com morte (idem: 9). Tal raciocínio cria uma falsa dicotomia: a firma deve estar produzindo no máximo de sua capacidade (em qualidade) o tempo todo a fim de não ser eliminada. Dessa forma, economistas clássicos simplesmente ignoram o fato de que tais firmas podem enfrentar "lapsos temporários" ou "folga organizacional" (idem: 2,11). Conforme afirma Hirschman, "de fato, próximo ao modelo tradicional de economia permanentemente esticada, começam a apresentar-se disponíveis elementos de uma teoria da economia com folga"(idem: 10).
A "folga" pode não ser uma opção ruim. Ela poderá desempenhar algumas importantes funções latentes como, por exemplo, servir de força reserva para aumentar e melhorar a produtividade em períodos de crise aguda. Se a firma tivesse um desempenho ótimo o tempo todo, poderia não encontrar recursos para a sobrevivência em caso de choque externo ou problema interno. A respeito de sua visão das instituições, Hirschman confessa que:
"[...]esse pessimismo radical, que entrevê a decadência como uma força ubíqua sempre no ataque, gera sua própria cura, pois enquanto a decadência, conquanto conspícua em determinadas áreas, dificilmente está no comando indisputado a todo tempo e em todo lugar, é provável que o próprio processo de declínio ative determinadas forças de contenção" (idem: 15).
Se as firmas enfrentam períodos difíceis e a qualidade produtiva entra em declínio, como explicar a recuperação das mesmas de tempos em tempos? Quais são os mecanismos que previnem o colapso ou a quebra completa e elevam as firmas ao seu grau prévio de produtividade? Hirschman identificou três principais mecanismos pelos quais a recuperação pode ser ativada: saída, voz e lealdade.
A primeira opção - saída - ocorre quando "alguns consumidores param de comprar os produtos da firma ou alguns membros deixam a organização" (idem: 4). A segunda - voz - acontece quando "os consumidores da firma ou os membros da organização expressam insatisfação diretamente à gerência ou a alguma outra autoridade à qual a gerência esteja subordinada, ou por meio de protesto generalizado endereçado a qualquer um que queira escutar" (ibidem). A opção final - lealdade - ocorre quando "um membro que tenha considerável ligação a um produto ou organização busca tornar-se influente, principalmente quando a organização se mover no que ele considerar a direção errada" (idem: 77).
Enquanto a saída é organizada, impessoal, indireta e apresenta baixo custo (idem: 15-16), a voz é desordenada, pessoal, direta e apresenta custos mais elevados (idem: 16). Ambos os mecanismos, de certa forma, apresentam duas formas de reação ao problema. Uma é o caminho do mercado: ao jogar de acordo com suas regras, é simples e fácil encontrar uma solução posto que a ação individual é o único fator necessário. A outra é "a ação política por excelência" (ibidem): esta requer tempo, paciência, risco e as armadilhas dos "problemas de ação coletiva". Também é verdade que as forças de mercado, assim como a política, interagem o tempo todo.
A voz pode ser tanto um complemento quanto um substituto da saída. Entretanto, seu uso tem limites. Conforme demonstrado por Hirschman,
"[...] se as condições forem tais que o declínio leva à voz em vez da saída por parte dos membros consumidores descontentes, então a efetividade da voz irá aumentar, até determinado ponto, com seu volume. Mas a voz se assemelha à saída uma vez que as duas podem ser exageradas: os consumidores ou membros descontentes podem se tornar tão atormentadores que seus protestos iriam, em determinado momento, atrapalhar mais que ajudar quaisquer esforços feitos em relação à recuperação" (idem: 31).
Quais são, então, as condições para o uso da voz? Geralmente, membros-consumidores empregam a voz sempre que a opção de saída não está disponível. De fato, "a presença da alternativa de saída pode, por conseguinte, levar à atrofia do desenvolvimento da arte da voz" (idem: 43, ênfases no original). Além do mais, ao empregar a voz, os membros-consumidores podem permanecer caso acreditem poder contribuir para a salvação da organização, ou caso sejam muito ligados a ela. Alguns permanecerão por questão de lealdade e irão "sofrer em silêncio, confiantes de que, em breve, tudo irá melhorar" (idem: 38). A opção de lealdade é, dessa forma, uma tentativa desesperada de salvar a organização quando a saída não é possível ou praticável e a voz não surtiu efeito algum - ela é, na verdade, tudo o que resta.
Outra condição para o emprego da voz é a capacidade de organização. Por ser custosa, segundo a visão de Hirschman, a voz irá ter melhor desempenho se restrita a pequenos grupos. De acordo com o problema de ação coletiva de Olson (1965: 22), grupos pequenos são menos inclinados a sofrer dilemas organizacionais e podem superar problemas de ação coletiva com menor dificuldade.
Hirschman prossegue diferenciando os tipos de consumidor. A variação encontra-se nos recursos que cada um dispõe, na sua dependência em relação ao produto ou serviço produzido pela organização e na noção de "qualidade" que possuem. Tais diferenciações geram a dinâmica dentro das organizações a partir do momento em que entram em declínio.
Em virtude de alguns membros deterem mais poder que outros, eles têm uma poderosa ferramenta à sua disposição: a ameaça de saída (Hirschman, 1970: 55). Ao ameaçarem sair, os membros detentores de recursos podem realmente amplificar suas vozes ao reclamar a respeito da qualidade da produtividade institucional. Conforme Hirschman (idem: 85) declara, "as chances de um efetivo funcionamento da voz como mecanismo de recuperação são consideravelmente reforçadas se essa for apoiada por uma ameaça de saída feita abertamente ou subentendida por todos os autores envolvidos" (ibidem).
Schelling e as "Ameaças com Credibilidade"
Em 1960, Thomas C. Schelling escreveu um livro a respeito de uma nova área de estudos que rotulou de "a estratégia do conflito" ou "a teoria das decisões interdependentes" (1980: 3, 16). Segundo ele, a "estratégia" não era empregada no sentido militar, mas preocupava-se "com a exploração da força potencial"(idem: 5). Ao estudar a prática de barganhas, Schelling percebeu que a própria aplicação do poder era nada mais que a falha em negociar. Caso determinada barganha se desenrolasse da forma correta, as conseqüências seriam menos negativas já que a melhor vitória é aquela em que não há luta. Existe, portanto, uma diferença primordial "entre a aplicação de poder e a ameaça de poder" (idem: 9).
Schelling preocupava-se com a questão da dissuasão, que só poderá ser efetiva caso haja ameaça envolvida e a disposição de levá-la a cabo caso todo o restante venha a falhar, ou caso o oponente não obedeça. Para o autor, também estava claro que havia uma ironia envolvida nas ameaças: se vivêssemos em um mundo desprovido de incertezas (onde soubéssemos que toda e qualquer ameaça seria automaticamente cumprida), provavelmente prevaleceria a paz. No entanto, como não é possível saber o futuro, ou ter qualquer certeza a respeito do cumprimento das ameaças, os atores irão sempre querer testar os limites do possível (Schelling, 1966: 92-93). Aqui reside o maior perigo da estratégia de confrontação política, como, por exemplo, a manipulação do "risco compartilhado de guerra" (idem: 99).
Ainda segundo as idéias de Schelling, é imprescindível que, quando uma ameaça é feita, a pessoa responsável tenha disposição para cumpri-la caso suas exigências não sejam atendidas. O autor evidencia que não se pode prometer de "provavelmente" cumprir a ameaça. Se há alguma chance de quem demanda não tornar efetiva sua promessa, os incentivos ao desrespeito das exigências serão grandes demais e a ameaça tornar-se-á inútil como dissuasão (Schelling, 1980: 14; Fearon, 1997: 69-70). O blefe também pode tornar-se uma aposta extremamente cara se o oponente pagar para ver as cartas.
Para Schelling, "a ameaça nada mais é do que o comunicado dos incentivos próprios, destinados a imprimir na outra parte as conseqüências automáticas de seu ato" (1980: 35). Esta definição é precisa no sentido de que uma ameaça carrega consigo o poder. Não importa se é sua intenção ferir seu oponente ou não. O que importa é fazê-lo acreditar em sua ameaça (Schelling, 1966: 36). A essência da diplomacia está contida nesse quadro em que ocorrem ameaças e barganhas igualmente entre inimigos e aliados. Ameaças também estão ligadas à reputação. Cada vez que alguém faz uma ameaça, sua reputação está diretamente envolvida. Como a maioria das relações internacionais está baseada em interações repetidas entre os atores, é importante que se mantenha a reputação de negociador duro e implacável ao cumprir suas ameaças e, até mesmo, irracional (como na teoria do "homem-bomba")2.
Assim como ele havia demonstrado, a credibilidade é a essência das ameaças efetivas. Se um Estado não pode apoiar seu discurso com atos, então seus discursos não têm efeito. Uma conseqüência é derivada desta afirmativa: se um Estado não possui recursos para manobrar, então não poderá ameaçar fazê-lo. Contudo, se possuir os recursos, irá usar ameaças como instrumento de barganha e, se necessário, irá cumpri-las até o fim. O blefe é sempre possível, porém as conseqüências podem ser terríveis para a reputação de um Estado.
Um Modelo de "Ameaça de Saída"
Traduzir o modelo de "saída, voz e lealdade" de Hirschman para as Relações Internacionais pode ser interessante e produtivo. Outras tentativas de empregá-lo na área foram voltadas para a integração européia e as dinâmicas internas à União Européia (UE) (dois exemplos são Schneider e Cederman, 1994 e Weiler, 1999). Existem, no mínimo, três razões pelas quais os estudos de RIs deveriam tentar fazer uso desse quadro.
Primeiro, é uma forma elegante e parcimoniosa de explicação. Os três conceitos de Hirschman podem ser aplicados, com o devido cuidado, a uma vasta gama de instituições, de firmas em um mercado até organizações altamente institucionalizadas, assim como a União Européia e as Nações Unidas. Os conceitos são suficientemente claros para produzir hipóteses justificáveis e são suficientemente abrangentes para permitir a interação entre eles. Existe ainda a possibilidade de serem transformados em jogos complexos, se necessário (Schneider e Cederman, 1994).
Segundo, a idéia de economia com "folga" pode ser facilmente traduzida para uma descrição do sistema internacional. Neste plano, o nível de institucionalização é baixo e a anarquia prevalece (Krasner, 1999: 51). As instituições são formadas com o propósito de mitigar a anarquia e garantir que a cooperação seja efetiva e sustentável (Keohane, 1984). No entanto, ao operar nesse tipo de ambiente, as instituições são sempre ineficientes; elas não podem produzir de forma ótima o tempo inteiro, pois o nível de incerteza é por demais alto e são afetadas diretamente por mudanças no poder. Pode-se até mesmo afirmar que o declínio na qualidade dos resultados das instituições não é um evento raro; na verdade, tal fato ocorre a cada grande crise no sistema.
Por fim, recorrer ao modelo de Hirschman e adaptá-lo pode iluminar os efeitos das diferenças de poder dentro das instituições. Embora este artigo não vá tratar diretamente desta questão, o modelo pode prover hipóteses válidas a respeito de como se dá a interação entre diferentes atores com diferentes recursos em um plano institucionalizado de disputa. Nas instituições, dependendo das regras e procedimentos destas, e sob certas circunstâncias, Estados com menos recursos de poder podem, por vezes, vencer (Schelling, 1980: 22).
A questão do "declínio" deve ser definida desde o início. Declínio, nesse modelo, está relacionado a dois fatores: excesso de pontos de veto ou mudança de orientação de seus objetivos primordiais. O primeiro fator ocorre quando a representação atropela a eficiência. Ao aumentar em tamanho ou quantidade de regulamentos, a instituição começa a perder sua eficácia, logo "declinando em qualidade". O segundo fator lida com conseqüências não intencionais. Por vezes, em virtude de razões endógenas ou exógenas, a instituição muda seu papel inicial para um que seja diferente daquele para o qual foi criada. Nesse modelo, não há tentativa de explicar o "declínio", por que ocorre ou de onde vem.
De acordo com o modelo aqui apresentado, ao olharmos para os Estados dentro das instituições em declínio podemos observar que, dependendo dos recursos de que o Estado disponha, suas opções de ação são diferentes. Assim como os diferentes membros-consumidores no exemplo de Hirschman, os países variam enormemente em suas condições e desejos de pertencer a instituições. Ao estabelecer essa diferenciação e ordenando suas "preferências", algumas hipóteses podem ser formuladas.
Existem três categorias de Estados dentro das instituições: Estados fortes, Estados intermediários e Estados fracos. Estados fortes são, geralmente, hegemônicos - investem em recursos e prestígio ao estabelecerem instituições e, freqüentemente, assumem uma grande parte dos custos envolvidos na manutenção destas. Possuem "espaço de manobra", o que significa que detêm o poder de impor custos e distribuir recompensas. Também possuem "go-it-alone power", que expressa que podem alterar o status quo e definir novos payoffs para Estados mais fracos (Gruber, 2000). Estados fortes são parte fundamental do funcionamento de uma instituição. Ao participarem de forma plena, legitimam seu poder ao demonstrarem comedimento e ao conferirem significado às regras institucionais (Ikenberry, 2001: 53-61).
Estados intermediários representam uma categoria mais ampla. Seu poder é relativo à instituição que ocupam - é relacional, condicional e circunstancial. Têm incentivos para carona e para participar da instituição criada pelo país hegemônico. Podem também colher os benefícios de pertencer a um acordo institucional, seja um regime ou uma organização multilateral (Martin, 1992: 777-778). Ao permanecerem na instituição, eles reduzem os custos de transação, aumentam seus níveis de informação e detêm maiores garantias contra fraudes. No entanto, o maior benefício por serem membros de uma instituição é o nível reduzido de incerteza.
Estados fracos são geralmente aqueles que têm tudo a ganhar ao pertencerem a instituições. Para estes, a vida fora das instituições é "solitária, pobre, cruel, brutal e breve", pois quase não têm espaço político para ocupar. Por dependerem com freqüência de ajuda externa a participação significa ter ao menos um papel legitimador e a possibilidade de exercer o mínimo de voz. Para alguns, a participação em si é fundamental, pois o reconhecimento internacional geralmente está atrelado a ela (Jackson, 1990). Nos termos de Hirschman (1970: 77-79), eles são os "consumidores leais".
As preferências dessas três categorias de Estados, no caso de declínio de uma instituição, podem ser representadas da seguinte forma:
Estados fortes: VOZ > SAÍDA > [LEALDADE]
Estados interm ediários: VOZ > LEALDADE > SAÍDA
Estados fracos: LEALDADE > VOZ > SAÍDA
Para os Estados fortes dentro das instituições, a voz pode ser um poderoso dispositivo. Se empregada como uma ameaça de saída, pode ter um efeito poderoso como instrumento de barganha (idem: 82; Schelling, 1980; 1966). De qualquer forma, para que uma ameaça tenha credibilidade, o Estado que a profere tem que estar plenamente preparado para levá-la a cabo caso suas exigências não sejam cumpridas, mesmo que as conseqüências sejam indesejáveis, pois senão sofrerá humilhação e danificará sua reputação. Todavia, caso a ameaça não surta efeito, a saída efetiva é a solução, "esvaziando", dessa forma, a instituição de poder (Krasner, 1985). A saída pode se dar de diferentes formas, não necessariamente significando uma retirada oficial da instituição. A suspensão de ajuda financeira à instituição também pode representar uma saída, por exemplo. A voz, da mesma forma, pode ser vista de maneira diferenciada: pode ser o que chamaria de "protesto puro" ou a própria ameaça de saída. Finalmente, a lealdade à instituição só deve ser esperada de um Estado forte se a instituição está funcionando de forma ótima ou logo após ter sido criada (Ikenberry, 2001)3.
Para Estados intermediários, a voz é a opção preferida em caso de declínio. Eles não podem arcar com a saída, pois, ao fazê-lo, renunciam a um ambiente mais previsível e se arriscam a se transformar em presas para o "poder bruto" dos fortes. Conquanto estejam cientes de que a distribuição dos ganhos é desviada favoravelmente para os países mais fortes, a saída da instituição é sempre a pior opção. De forma geral, quando as instituições são assimétricas, os Estados intermediários são freqüentemente parte do que Martin (1992) conceituou como um "jogo de persuasão", pois têm incentivos à carona. A lealdade é sua segunda opção, pois "permanecer em silêncio" ainda é melhor que a saída. Portanto, Estados intermediários têm duas opções: "colonizar" a instituição, tentando se conformar aos objetivos desta (Krasner, 1985), ou permanecer leal e à espera de benefícios de alinhamento (bandwagoning) (Schweller, 1994).
Em relação aos Estados extremamente fracos, esperar-se-ia lealdade como primeira opção. Embora fosse uma boa idéia escolher a voz em vez da lealdade, estes Estados preferem seguir a máxima que diz: "se não pode vencê-los, junte-se a eles". Expressar a voz pode ser uma opção custosa que os Estados fracos possam não ter capacidade de suportar. Assim como para Estados intermediários, a saída também é a pior opção para Estados fracos.
Ao analisarmos suas preferências, em um contexto de declínio institucional, torna-se evidente que a ameaça de saída com credibilidade sópoderá ser feita por um Estado forte. Tanto os Estados intermediários quanto os Estados fracos receiam a saída, pois têm mais a perder que a ganhar. De acordo com tal lógica, poder-se-ia esperar que a ameaça de saída por Estados fortes (i.e., a voz destes) pode aumentar a possibilidade de mudança institucional. Há também uma analogia com o modelo de jogos de dois níveis de Putnam, no qual a restrição de chances de ganho de algum ator poderá incrementar sua posição de negociação (Putnam, 1988).
Como advertência, é necessário atentar para o fato de que as instituições são diferentes. Embora considerado um truísmo, o fato de a União Européia ser uma instituição muito mais dividida em camadas e interconectada que um simples regime, por exemplo, tem implicações para essa teoria. Dependendo da profundidade da instituição, os resultados podem mudar dramaticamente. Ademais, existe um determinado ponto em que as ameaças de saída não têm mais credibilidade, até mesmo para Estados fortes. Ao definir preferências, estou assumindo que todos os Estados envolvidos na instituição se preocupam com a sua continuidade e reforma.
Quando Estados fortes se tornam insatisfeitos com a instituição à qual pertencem, podem tentar mudá-la ameaçando saída. Caso tal acontecesse, seriam esperadas mudanças antes que o Estado forte realmente saísse da instituição. No entanto, é preciso diferenciar três fases que ocorrem nesse processo. São elas:
1) "Voz Pura" - fase em que o Estado forte utiliza apenas o "protesto puro" para exprimir seus interesses (tendo custo limitado e demonstrando sua insatisfação em relação à instituição);
2) "Ameaça de Saída" -fase em que o Estado forte, ao ameaçar saída, aumenta a força de sua voz; e
3) "Saída" - fase em que o Estado forte efetivamente sai da instituição.
Uma simples "árvore de jogo" (game tree) (Figura 1) pode ser utilizada para representar esses estágios ou fases. Entretanto, o problema com uma representação teórica de jogo, neste caso, é a difícil especificação do outro jogador. Embora este possa ser denominado de "a instituição", ainda é necessário assumir que esta pode ser vista como um ator unificado racional e propositivo, fato passível de debate. Todavia, uma árvore pode esclarecer como se dá o processo.
Isto nos provê um quadro básico para melhor compreendermos a dinâmica de Estados fortes em instituições em declínio. Ao focalizar Estados fortes, temos variações suficientes para estudar mudanças. Visto que alego a impossibilidade de Estados intermediários e fracos apresentarem ameaças com credibilidade, apenas os fortes serão estudados. Adicionalmente, ao manter constante o Estado em análise, posso entender melhor os resultados e facilitar a comparação entre os casos.
Na próxima parte deste artigo, irei lidar com diferentes estudos de caso descrevendo as ações dos Estados Unidos em relação a determinadas instituições com as quais se mostraram insatisfeitos. Esse próximo passo permitirá um melhor entendimento do processo e irá destacar as peculiaridades de cada negociação.
OS ESTADOS UNIDOS EM INSTITUIÇÕES EM DECLÍNIO
Os Estados Unidos saíram da Segunda Guerra Mundial com poder relativo sem precedentes. A indústria e a agricultura européias encontravam-se destruídas após a guerra e, em especial, a Rússia - que se tornou o outro pólo militar no sistema - sofreu pesadamente as conseqüências de ser um dos principais palcos daquela. O poder relativo dos Estados Unidos refletiu-se nos arranjos institucionais do pós-guerra (Ikenberry, 2001).
A maior instituição forjada nos estabelecimentos do pós-guerra foram as Nações Unidas. Apoiada por uma rede de regimes econômicos, assim como o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), as Nações Unidas eram a cristalização da nova ordem liberal mundial. Segundo Krasner (1985: 61), "esses objetivos eram um reflexo dos interesses e valores americanos". Ao demonstrarem o que Ikenberry denomina de "contenção estratégica" e ligando-se a uma pletora de instituições, os Estados Unidos ajudaram a moldar o mundo (ocidental) à sua imagem (Ikenberry, 2001).
Krasner apresenta dois motivos pelos quais os Estados Unidos investiram em instituições internacionais após a guerra. O primeiro é que:
"[...] em relação ao poder, as organizações internacionais são instrumentos úteis para um Estado hegemônico, pois podem ajudar a encobrir a dominação. [...] Devido ao fato de que o endosso das instituições internacionais pode aumentar a legitimidade, [as organizações internacionais] podem ser instrumentos úteis para um Estado hegemônico que goza de controle de facto mas não de jure" (1985: 62).
O segundo motivo, diz Krasner,
"[...] foi o estilo e a experiência histórica da América. [...] Os 'policymakers' estavam determinados a que os Estados Unidos jamais se abstivessem novamente de um papel ativo no cenário internacional. Para alguns, as organizações internacionais eram vistas até mesmo como uma alternativa às políticas de poder" (ibidem).
Contrariamente à Primeira Guerra Mundial, quando os Estados Unidos não se empenharam ativamente na formulação de uma nova ordem mundial, o objetivo em 1945 era participar tanto quanto possível, i.e, influenciando ao ajudar a formular, implementar e manter a estrutura institucional global tida como legítima pela comunidade internacional.
Desde a sua fundação existem três níveis nas Nações Unidas: o primeiro é o Conselho de Segurança, composto por quinze membros (com cinco assentos permanentes), que basicamente representava o equilíbrio (a balança) de poder no final da Segunda Guerra Mundial. Há um controle relativo das decisões pelos cinco grandes, pois os membros permanentes têm poder de veto. O segundo nível é a Assembléia Geral, na qual cada país detém um voto. A Assembléia Geral é o corpo representativo das Nações Unidas no qual todas as decisões tomadas por aqueles nela representados possuem apenas poder de recomendação. O terceiro nível das Nações Unidas é o Conselho Econômico e Social, que controla as agências especializadas e os vários fundos e programas. Com diferentes histórias e composições variadas, essas agências e programas representam "issue areas" e lidam com questões desde direitos humanos à propagação da AIDS.
Quando da sua criação, a Organização das Nações Unidas (ONU) tinha 51 membros. Após a guerra, vastas regiões da África e da Ásia ainda estavam sob domínio colonial, o que as desqualificava como Estados soberanos e, conseqüentemente, de participar das Nações Unidas. Entretanto, o processo de descolonização que se desenvolveu nos trinta anos seguintes iria transformar profundamente o perfil das instituições, bem como seus objetivos.
O processo de descolonização iniciado na década de 50 e continuado nas décadas seguintes alterou a composição das Nações Unidas. Ao passo que mais e mais países se tornavam independentes, a representação aumentou consideravelmente. Com a demanda por programas sociais e de desenvolvimento reprimida, os novos países independentes começaram a participar ativamente.
Ao longo do tempo, a estrutura burocrática da ONU expandiu-se. Várias agências especializadas foram criadas por Estados-membros com a finalidade de promover uma série de objetivos que não estavam incluídos em suas metas iniciais. Esse movimento progressivo em direção a uma maior burocratização trouxe consigo uma série de reclamações dos Estados Unidos, que se viam progressivamente em minoria e vencidos em votações dentro da instituição. Em determinadas agências especializadas, por exemplo, houve uma explosão de ativismo de países do Terceiro Mundo que apoiaram a reforma do sistema com a finalidade de garantir mais voz nas políticas de desenvolvimento.
Quais foram as condições que levaram a esse processo? Krasner aponta três fatores que influenciaram esse ativismo do Terceiro Mundo: o triunfo do princípio de igualdade soberana de Estados; maior acesso às áreas de formulação de decisões das instituições; e o soerguimento e desenvolvimento de um sistema de pensamento coerente a respeito do papel dos países em desenvolvimento nas relações internacionais (Krasner, 1985: 72, 75, 81). Esses fatores combinados foram instrumentais na onda de participação e redirecionamento das agências na década de 70.
Uma outra parte da explicação reside no declínio relativo da hegemonia norte-americana na década de 70. A Guerra do Vietnã, o escândalo Watergate e dois choques do petróleo pesaram na participação dos Estados Unidos na política mundial em conjunto com a reemergência de uma Europa forte e um Japão economicamente revigorado. Ademais, com uma China fortalecida aproximando-se dos EUA e o fortalecimento do Movimento dos Não-Alinhados, a União Soviética percebeu sua posição como sendo problemática. Tal cenário abriu caminho para uma participação mais assertiva de Estados intermediários e fracos no sistema das Nações Unidas e para a subseqüente necessidade de reformas no mesmo (idem).
Lido com casos das décadas de 70 e 80, e considerando cada um em separado, demonstrarei os motivos dos EUA para ameaçarem com saída as instituições e se tais ameaças foram ou não efetivas.
Os EUA e a UNESCO
Os EUA anunciaram oficialmente sua intenção de sair da UNESCO em 23 de dezembro de 1983 (Coate, 1988: 3), mas levaram mais de um ano para efetivamente afastarem-se da instituição. De acordo com a posição oficial dos EUA, anunciada na declaração de intenções, o presidente Reagan ordenou a formação de um comitê interno ao governo para propor novas soluções e levar adiante uma agenda alternativa para reformas (ibidem). Todo o ano de 1984 foi dedicado a esta operação.
A criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) data de novembro de 1945 (Preston Jr. et alii, 1989: 33) e foi parte integrante do esforço para se criar uma ordem mundial renovada. Sua origem estava permeada de idealismo - a idéia era criar uma organização que, ao promover a educação, ciência e cultura ao redor do mundo, tornasse a guerra impossível. De acordo com o parágrafo primeiro da constituição da UNESCO, "como as guerras têm início nas mentes dos homens, é nas mentes dos homens que as defesas da paz devem ser construídas" (idem: 315).
Tratava-se, no entanto, de algo mais do que trazer a paz ao mundo. A idéia de uma diplomacia cultural possuía um forte apoio, especialmente no governo dos EUA. Após seu uso extensivo, entre o final da década de 30 e o início da década de 40 na América Latina (como parte da Política da Boa Vizinhança de Roosevelt), ela estava nesse momento sendo empregada na Europa, onde o grande desafio era a desnazificação da Alemanha (idem: 42). A diplomacia cultural significava influenciar e conquistar "corações e mentes" para os valores democráticos. No início, a União Soviética decidiu não participar, ingressando na UNESCO somente em 1954, mas ainda assim agindo marginalmente (ibidem).
Desde o início o orçamento era baixo. A aprovação do orçamento final firmou o total de US$6 milhões que, de acordo com Preston Jr. et alii (idem: 43), representavam na época metade do orçamento da Universidade de Chicago. Com objetivos bastante ambiciosos, e um orçamento mínimo, a UNESCO logo se viu em uma posição difícil. Adicionalmente, promover os valores democráticos em diferentes partes do mundo é uma tarefa complicada. A diversidade cultural e a estrutura de interesses dos membros dentro da instituição sempre impediram a UNESCO de ter maior participação no mundo.
À medida que o mundo mudava, a UNESCO mudava com ele. Por volta da década de 60 e início da de 70, o Movimento Não-Alinhado começou a dominar e, nas palavras de Krasner, "colonizar" a instituição. Com uma visão de mundo que enfatizava o subdesenvolvimento e a "dependência", os países-membros em desenvolvimento começaram a pressionar a UNESCO, especialmente em relação à questão das comunicações globais e da mídia de massas, nas quais o protecionismo cultural era visto como parte do esforço de desenvolvimento.
Essa "ideologia do Terceiro Mundo" permeou o trabalho da UNESCO e o das Nações Unidas durante os anos 70. Segundo Preston Jr. et alii, "após dois anos de influência insignificante nos fóruns multilaterais, de 1974 a 1976, os EUA se acharam cada vez mais isolados e escalados como os vilões do neocolonialismo, especialmente na África" (idem: 126). O problema continuou, embora a administração Carter tenha suavizado sua diplomacia e tentado uma política de acomodação ao bloco Não-Alinhado. Ficou claro, então, que os Estados Unidos consideravam a UNESCO como uma instituição em declínio.
A administração Reagan ficou muito insatisfeita com a UNESCO, especialmente com o que considerou uma visão "antiocidente" desta (Coate, 1988: 25). O governo norte-americano também criticou a administração do orçamento da UNESCO - para o qual contribuía com 25% de seu valor, mas sobre o qual tinha pouco controle (idem: 112).
Do início da administração Reagan até dezembro de 1983, o governo dos EUA entrou no que chamo de fase de "protesto puro". Ele vinha sinalizando sua insatisfação desde os anos 70, mas a essa altura não havia uma agenda definida para uma mudança da parte dos EUA (idem: 57). Mudanças não ocorriam dentro da UNESCO, ainda que os cabeças da organização temessem "uma nova OIT" (Organização Internacional do Trabalho) -, organização da qual os EUA chegaram a sair em 1977, e que usava o que Coate chama de "diplomacia do boicote" (idem: 55).
Havia três razões principais, dadas pelo Departamento de Estado, para a ameaça de saída dos EUA. A primeira era a "excessiva politização dos programas e do pessoal da UNESCO"; a segunda, "a promoção de teorias estatistas"; e a terceira, "a expansão sem limites do orçamento e práticas deficientes de administração" (idem: 57). Embora representassem a posição dos EUA na época, essas razões ainda eram muito incipientes para serem implementadas.
Após anunciar sua ameaça, os EUA iniciaram uma campanha de pressão por mudanças dentro da UNESCO. Vários oficiais americanos foram despachados para a sede da UNESCO em Paris para "observar" a instituição (ibidem). Durante o ano de 1984, quando os EUA a puseram em xeque, algumas mudanças começaram a ocorrer na UNESCO.
Ainda segundo Coate, "o anúncio da partida do governo dos EUA serviu como catalisador para revigorar a questão das reformas e levá-la ao topo da agenda da UNESCO" (idem: 58). Mas duas razões determinaram a saída dos EUA da instituição. Primeiro, as exigências dos EUA eram muito gerais para serem postas em prática e muito imprecisas enquanto agenda específica para reformas. As acusações de que a UNESCO era antiocidente e "politizada" eram vistas pelos outros países-membros como por demais contraditórias em face da outra denúncia de excessiva "burocratização" da UNESCO. Como conciliar ambas era um enigma, e o fato de a administração Reagan começar a usar a instituição como exemplo de ineficiência também não ajudava.
A segunda razão referia-se ao aspecto super-representativo da instituição, o que mesmo os membros que preparavam o relatório da reforma reconheciam (idem: 58-59). Com falta de coesão e unidade no seu interior e um orçamento curto, as pressões políticas dos EUA foram um obstáculo considerável para o funcionamento da organização.
Embora as reformas não tenham sido suficientes para manter um dos seus principais contribuintes, a comissão da UNESCO enviou uma proposta final de reformas no final de 1984 (idem: 68). A agenda de mudanças incorporou algumas das exigências dos EUA (especialmente quanto ao orçamento), mas não evitou dessa maneira que eles se retirassem. Na época da saída dos EUA, a UNESCO tinha perdido muito do seu prestígio junto à opinião pública norte-americana (idem: 154).
Em suma, a UNESCO estava parcialmente reformada, mas os EUA escolheram sair mesmo assim. Ainda que houvesse uma ameaça crível de sua saída que levasse a subseqüentes tentativas de reformas da UNESCO, a divisão interna da instituição e sua inércia institucional impediram reformas mais rápidas e mais abrangentes. A administração Reagan também se recusou a firmar um compromisso e usou a UNESCO como bode expiatório para tudo que havia de errado com os EUA na época.
Os EUA e a UNCTAD
A Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento [UNCTAD] foi criada em 1964. Segundo Williams, até 1991 a UNCTAD havia passado por três diferentes estágios em sua história institucional: um primeiro período ou "fase formativa" (de 1964 a 1973); um segundo período ou "fase militante" (de 1974 a 1980); e, finalmente, um terceiro ou "fase de retirada" (de 1981 a 1991) (1991: 1-2).
Durante a primeira fase, a UNCTAD progressivamente expandiu seu papel, e sua política pode ser descrita como "diálogo construtivo" (idem: 2). A segunda fase coincide com o ativismo dos anos 70 e a organização do Terceiro Mundo em um bloco coerente. A organização tornou-se mais politizada e os países fortes atolaram em impasses institucionais. A terceira, iniciada no começo dos anos 80, reflete a dispersão do Grupo dos 77 e a combinação de diversos fatores que guiaram o curso da UNCTAD.
O Grupo dos 77 teve profunda participação na instituição. Este foi formado dentro da UNCTAD nos anos 60 como uma coalizão de países de Terceiro Mundo que tentavam criar uma voz unificada em diversos fóruns, especialmente na Assembléia Geral das Nações Unidas e em suas agências e fundos especializados. Sua participação na UNCTAD foi um dos principais motivos da mudança para uma postura ativista nos anos 70.
A UNCTAD lidou, desde a sua criação, com questões de desenvolvimento e com o impacto do comércio internacional. Encaixada no pensamento "desenvolvimentista" dos anos 50 e 60 (e da obra de Raúl Prebisch, secretário-geral da primeira conferência em 1964), ela foi o ponto focal de países em desenvolvimento, principalmente da América Latina, África e Ásia. Embora a instituição não passasse de exercício de retórica, naquele momento a importância de suas conferências foi enorme. Suas resoluções e conselhos políticos tiveram grande influência sobre o Terceiro Mundo e ser seu membro ativo trazia prestígio e legitimidade internacional (idem: 58).
Segundo Weiss:
"[...] do ponto de vista do Sul, a necessidade de focalizar a atenção nos problemas de desenvolvimento, identificar uma lista comum de insatisfações, e ajudar a iniciar o diálogo entre o Norte e o Sul deve ser considerada como vitória. Do ponto de vista do Norte, a UNCTAD tem, pelo menos, agido como "válvula de escape" que tem principalmente contido os pedidos por mudanças radicais" (1986: 4-5).
A UNCTAD foi dividida em quatro grupos, de acordo com critérios regionais e socioeconômicos. Países africanos e asiáticos formavam o Grupo A; Europa, Japão e EUA, o Grupo B; países da América Latina, o Grupo C; e, finalmente, países orientais e a União Soviética formavam o Grupo D. Cada grupo tinha de chegar a uma decisão internamente antes de votar, em conjunto, nos procedimentos a serem implantados. Portanto, a tomada de decisões não era direta: barganhas intragrupos tinham mais importância do que as intergrupos (Williams, 1991: 60).
Os EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Japão dominavam o processo decisório no Grupo B. No entanto, alguns fatores foram importantes para a dinâmica no interior deste grupo. Como os países dentro da (então) Comunidade Européia tinham de negociar posições comuns fora do grupo, suas posturas nas negociações eram sempre abrangentes e indefinidas. Os países nórdicos também tinham uma posição em separado, o que criava ainda mais divisões. Ao final de toda negociação, o resultado era uma proposta muito geral, sem aspectos substantivos, que particularmente restringia o poder dos EUA (idem: 69).
Além disso, segundo Rothstein
"[...] a UNCTAD nunca foi uma organização muito popular junto aos governos de países industriais. Acusações de incompetência e ineficiência têm se alastrado; ainda mais significativas têm sido as suposições de obliqüidade e hostilidade quanto aos interesses dos países desenvolvidos" (1979: 179).
Em maio de 1976, durante a conferência de Nairobi, a disputa Norte-Sul tornou-se aguda, especialmente em três campos: o Programa Integrado de Commodities (PIC), a criação de um Fundo Comum (FC) para o desenvolvimento e o Sistema Geral de Preferências (SGP) (Williams, 1991: 148).
As negociações nos meses anteriores à conferência de Nairobi foram mais complexas do que a conferência em si. As tentativas de se chegar a qualquer entendimento prévio dentro dos grupos foram inúteis (tanto no Grupo B quanto no Grupo dos 77) (Rothstein, 1979: 153; Williams, 1991: 143). A esta altura, a posição dos EUA era a de apoiar uma reforma do Secretariado e a redução do papel combativo da UNCTAD (Rothstein, 1979: 179-183). Para tal, a administração dos EUA jogou com duas cartas: ela se opôs à criação de um Banco de Recursos Internacionais (BRI) fora do âmbito da UNCTAD, e ameaçou negociar todos os acordos sobre commodities com Estados fracos em uma estrutura bilateral (e, portanto, abandonando a instituição de facto). Desse modo, os EUA utilizaram-se da ameaça de saída combinada com incentivos para deserção.
Desde o início, a proposta para o BRI era vista como "uma tentativa politicamente motivada de matar o programa integrado e como um plano designado mais para assegurar o fornecimento para o Ocidente do que para ajudar o esforço de desenvolvimento do Terceiro Mundo" (Williams, 1991: 149). No entanto, a ameaça de saída na forma de tratados bilaterais atuou mesmo na direção de quebrar o centro do Grupo dos 77. Países com produção intensiva de commodities de exportação (e com maior poder de negociação) como a Índia, o Brasil e a Indonésia estavam dispostos a abandonar o Grupo dos 77 e a assinar acordos bilaterais (e a pegar carona em outros), assim como os países mais fracos, que viram suas posições de negociação erodidas sem o apoio dos Estados intermediários (idem: 141; Rothstein, 1979: 153). O Grupo dos 77 havia subestimado seu poder, recursos e unidade.
Negociando fora da instituição e reconhecendo que ela não importava para o propósito de políticas, o governo dos EUA obteve, em parte, o que queria. Williams (1991: 142-143) identifica Nairobi como ponto de virada na UNCTAD e o declínio progressivo e constante da coalizão do Terceiro Mundo. Outros atores também influenciariam o posterior declínio da coalizão, especialmente o segundo choque do petróleo e a subseqüente crise das dívidas.
Em suma, embora os EUA tenham emitido uma ameaça não explícita de saída, a instituição falhou em reformar-se completamente. Poder-se-ia interpretar Nairobi (e a estratégia dos EUA na época) como o início de um processo de mudança, mas vários outros fatores também parecem estar relacionados. Identificar a política dos EUA como único (ou mais importante) fator para a mudança dentro da instituição é enganoso, mas é importante adicionar que seu impacto foi sentido, de qualquer modo.
Os EUA e a UNIDO
A Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) foi uma das várias organizações criadas pela ONU nos anos 60. A UNIDO fez, desde o princípio, parte do corpo da Assembléia Geral. Em 1965, esta formou um comitê dentro do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) para desenvolver a idéia da UNIDO, e, em dezembro do mesmo ano, 36 países criaram a nova instituição: 21 países em desenvolvimento, 10 ocidentais (incluindo os EUA) e 5 do bloco socialista/orientais (incluindo a URSS) (Lambert, 1993: 18).
Desde o início, a UNIDO sustentou um discurso "terceiro-mundista" altamente influenciado pelos países em desenvolvimento e sua agenda desenvolvimentista e econômica. Sua criação foi também condicionada por outras agências como a UNCTAD e a coalizão do Grupo dos 77. Embora suas funções principais não estivessem completamente claras, a UNIDO parecia um ramo da UNCTAD que lidava especificamente com a industrialização - mas, até os anos 80, ela não obteria o status de agência especializada dentro da ONU. A discussão sobre seu papel estendia-se de "assistência no campo do desenvolvimento industrial" (proposta pelo Grupo dos 77) à "cooperação no campo do desenvolvimento industrial" (proposta pelos países do Leste da Europa) (idem: 19).
Apesar das discussões, os desentendimentos iniciais foram superados e os países-membros definiram um pequeno orçamento para a UNIDO, de US$ 5,2 milhões em seu primeiro ano (idem: 20). A expectativa dos países em desenvolvimento era que esse orçamento eventualmente cresceria e que a UNIDO se tornaria um fórum multilateral de redistribuição dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento. Embora fosse esse o caso da UNIDO, a retórica por trás disso refletia o mesmo discurso apresentado na UNCTAD, o que não ajudou a alcançar o objetivo financeiro pretendido para a instituição.
Para os países desenvolvidos, a participação na UNIDO representava uma oportunidade para domar a posição do Terceiro Mundo e para oferecer alguma compensação pela cooperação. Além disso, com sua participação, eles evitavam a usual crítica sobre o desconhecimento dos pedidos do Terceiro Mundo em matéria de desenvolvimento industrial e de transferência de tecnologia. Essa posição também envolvia a defesa de um certo tipo de estrutura para a instituição. Segundo Lambert (idem: 25), "um número de países desenvolvidos apoiados pelos EUA propôs reduzir as tarefas da UNIDO a atividades operacionais e advogou descentralizar a organização e montar subdivisões operacionais em várias regiões". A indecisão quanto à estrutura que a UNIDO assumiria também contaminou as discussões sobre a formação de seu Secretariado. Os países do bloco do Leste criticaram a instituição por não tomar sua posição como séria e por não deixar claro o papel exato que o Secretariado exerceria (ibidem).
Na conferência especial convocada pela UNIDO em junho de 1971, o Grupo dos 77 propôs que esta se tornasse uma agência especializada da ONU, o que garantiria o status completo de organização desenvolvimentista, e estabeleceria a necessidade de conferências gerais a cada ano ou dois (idem: 26). Países ocidentais e orientais rejeitaram a proposta, pois a entendiam como uma mera duplicação das funções dentro das agências da ONU (idem: 26-27).
Essa controvérsia, no entanto, teve um impacto duradouro dentro do governo dos EUA. À mesma época, o país estava sendo pressionado em diversas organizações da ONU, o que tornou a administração Nixon extremamente desconfiada quanto às intenções da UNIDO.
Os EUA eram os maiores contribuintes individuais do orçamento da UNIDO, mas tinham apenas um voto na Conferência Geral (idem: 168). Isto gerou uma situação paradoxal na qual os EUA sistematicamente perdiam em suas posições de voto dentro da organização, mas ao mesmo tempo exigia-se o cumprimento de suas obrigações de Estado-membro de financiar o desenvolvimento da indústria do Terceiro Mundo. Como aponta Lambert,
"[...] em termos de grupos geopolíticos, o beligerante Grupo dos 77 pagava apenas 9,7% (dos quais os membros da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] pagavam 3,7%). Os votos da URSS e dos países do Leste da Europa não faziam muita diferença no órgão plenário da UNIDO, já que comandavam apenas 5% dos votos" (ibidem).
A situação chegou ao ponto em que o voto dos EUA tinha o mesmo peso que o voto de países muito pequenos e sem manufaturas. A primeira exigência dos EUA foi, portanto, uma mudança no peso dos votos.
A segunda grande exigência era também similar à situação em outras agências: a "despolitização" do discurso. Em 1970, a UNIDO tornou-se um fórum privilegiado para o Grupo dos 77 e para seu discurso contra o imperialismo e o neocolonialismo. A discussão nunca parecia ir adiante, já que havia um sentimento de hostilidade contra os países desenvolvidos e, ao mesmo tempo, uma pressão por financiamento. Especialmente os EUA não pareciam aceitar a situação como ela era, e se certificaram de que sua posição seria ouvida (idem: 169).
Em agosto de 1985, a senadora norte-americana Nancy Kassebaum apresentou uma emenda ao Estatuto de Autorização para as Relações Exteriores, que dizia que os EUA pagariam não mais do que 20% do orçamento da ONU (e das agências especializadas) para instituições que não adotassem procedimentos de votação proporcionais (ibidem). Embora a emenda tenha sido dirigida a outras agências além da UNIDO, esta sofreria diretamente as conseqüências, caso não mudasse.
Ainda que a crítica pública à UNIDO fosse branda, havia clara intenção de reformar a instituição. Os EUA até tiveram uma oportunidade perfeita de deixar a instituição sem riscos ou custos, já que a constituição da UNIDO dizia que até o fim do mesmo ano (1985), qualquer país que quisesse sair poderia fazê-lo oficialmente e sem se explicar ao Secretariado (idem: 172). Com estas duas ferramentas à mão, os EUA podiam plausivelmente mostrar que ou a UNIDO seria reformada ou eles sairiam da mesma.
A ameaça de saída dos EUA teve grande impacto na UNIDO. Imediatamente após a aprovação da emenda, a UNIDO iniciou seu próprio programa de reforma do orçamento e cortes de despesas (ibidem). Dessa forma, o problema com as contribuições seria amenizado e ela poderia gerir e concentrar melhor seus recursos. O Secretariado também abandonou seu programa na África, o que foi uma admissão de que alguns países não conseguiam industrializar-se com a contribuição da instituição e que o crescimento industrial não acontecia como esperado (idem: 172-173). Desde então, a UNIDO também desenvolveu progressivamente uma aproximação mais pragmática da industrialização e reduziu suas referências contra países desenvolvidos.
A vontade da UNIDO de reformar-se foi suficiente para os EUA permanecerem dentro da instituição. Ao final de 1985, o país confirmou sua participação na UNIDO e notificou o secretário-geral da ONU que a constituição da UNIDO seria seguida rigidamente (idem: 169-170).
Em suma, no caso da UNIDO, a ameaça de saída dos EUA funcionou. Mediante uma mistura de ameaça crível e de uma posição flexível para negociações, os EUA alcançaram um compromisso, mesmo tendo tido uma clara oportunidade de sair sem maiores custos.
CONCLUSÃO
Instituições declinam. Pode haver várias perspectivas sobre o significado ou as razões do declínio, embora seus resultados sejam, normalmente, empiricamente visíveis. Falta de controle, inércia burocrática, politização excessiva e dificuldades orçamentárias são alguns dos problemas que as instituições podem enfrentar. Mesmo sendo capazes de prover informações, reduzir custos de transações e evitar fraudes, elas também podem impedir esses objetivos quando entram em declínio - informações tornam-se vagas e ideológicas; os custos das transações aumentam à medida que as negociações se tornam mais duras; e fraudes tornam-se lugar-comum, com pagamentos por baixo dos panos e incentivos à desistência. Todas estas questões são pouco estudadas.
Neste artigo, procurei criar um modelo simples para explicar o comportamento dos Estados fortes dentro de instituições em declínio. Comecei pelos conceitos de Hirschman de saída, voz e lealdade e as ameaças críveis de Schelling para compreender se esses Estados agem de acordo com suas posições dentro das instituições e suas preferências presumidas.
Os conceitos de saída, voz e lealdade de Hirschman fornecem a estrutura para o estudo. Ele afirma que há uma "folga" penetrante na economia, o que significa que sempre há espaço para declínio na qualidade. Quando isto acontece, os clientes podem escolher entre abandonarem a instituição, exprimirem sua preocupação ou permanecerem leais até o fim. No entanto, essas escolhas - especialmente saída e voz - podem ser combinadas para aumentar o poder de barganha. Ao ameaçar de sair, o cliente pode aumentar sua expressão.
Para a ameaça funcionar, ela precisa ser crível. Schelling fornece-nos conceitos do que chama de "a estratégia do conflito". Ameaças são o meio de vencer sem o uso propriamente dito da força. Apesar disso, aquele que ameaça deve estar preparado para implementar as conseqüências de os seus objetivos não terem sido alcançados. Éperigoso perder prestígio nas relações internacionais e isso pode afetar suas futuras negociações em diferentes arenas.
Para apresentar a dinâmica de como esse processo acontece, usei três estudos de caso relativos ao comportamento dos EUA dentro de três diferentes instituições da ONU. Os estudos não foram conclusivos. Eles mostram que muitas outras variáveis estão envolvidas na decisão de deixar uma instituição, como sua capacidade de reagir a ameaças, seus arranjos institucionais internos e sua importância para o país que está ameaçando sair.
O caso da UNESCO é um caso clássico de falha na ameaça de saída. Ameaçando deixar a UNESCO, os EUA foram capazes de exigir algumas reformas. No entanto, a opinião pública norte-americana e a administração dos EUA viram essas reformas como insuficientes e a UNESCO transformou-se em bode expiatório para a situação dos EUA na época.
O caso da UNCTAD é ambíguo. Havia uma ameaça velada de saída e os resultados subseqüentes são heterogêneos. Embora a instituição na época tenha iniciado um processo interno de reforma, outros fatores foram mais importantes para explicá-lo. Primeiro, condições externas (os dois grandes choques do petróleo, por exemplo) afetaram profundamente a coesão do Grupo dos 77. Segundo, havia um incentivo a pegar carona em certas questões em que os interesses dos países em desenvolvimento eram diversos (no caso das commodities, por exemplo). Terceiro, embora a estrutura da instituição - sua separação em grupos geoeconômicos - prevenisse uma solução imediata, ela gerava uma inércia que era difícil de se ignorar, mesmo dentro dos grupos de países em desenvolvimento.
Finalmente, o caso da UNIDO mostra a situação em que a extrema dependência da instituição para com os EUA forçava uma reavaliação dos objetivos após uma ameaça de saída (neste caso, a retirada das contribuições). O fato de que os EUA também estavam dispostos a se comprometer, mesmo que a UNIDO não pudesse atender à totalidade das exigências, é também interessante para a análise.
Concentrando-se nesses casos, a intenção não era provar o modelo apresentado, mas compreender quais são suas possíveis deficiências ou qualidades. Mais pesquisas devem ser feitas de agora em diante, especialmente considerando fatores que possam facilitar ou dificultar um país a deixar uma instituição em declínio.
Notas
Artigo recebido em março e aceito para publicação em maio de 2004.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
12 Ago 2010 -
Data do Fascículo
Dez 2004
Histórico
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Aceito
Maio 2004 -
Recebido
Mar 2004