Open-access Ensino por múltiplos exemplares e integração de comportamentos de ouvinte e falante com unidades sintáticas substantivo-adjetivo em crianças com DENA e IC

RESUMO

Objetivo  Verificar o efeito do ensino por múltiplos exemplares na aquisição e integração dos comportamentos de ouvinte e falante, com substantivos e combinações substantivo-adjetivo, em crianças com Desordem do Espectro da Neuropatia Auditiva (DENA) e implante coclear (IC).

Método  Participaram duas crianças com DENA que usavam IC. Foram adotados estímulos ditados e figuras que correspondiam a palavras (substantivo) e unidades sintáticas substantivo+adjetivo. O estudo foi organizado em passos de ensino que foram intercalados por avaliações dos comportamentos de ouvinte e falante, com todos os estímulos. O ensino por múltiplos exemplares apresentou tarefas de imitação oral (ecoico), reconhecimento auditivo (ouvinte) e nomeação de figuras (tato) de maneira rotativa; os substantivos foram ensinados primeiro e, em seguida, as combinações substantivo-adjetivo.

Resultados  No pré-teste, os participantes mostraram variabilidade e discrepância nas porcentagens de acertos de ouvinte e de falante. Todos alcançaram primeiro 100% de acertos nas tarefas de ouvinte e os desempenhos de falante ficaram próximos aos de ouvinte após o ensino. Todos estenderam a aprendizagem dos substantivos para as unidades sintáticas substantivo-adjetivo.

Conclusão  Crianças com DENA e IC podem aprender e integrar comportamentos de ouvinte e de falante por meio do ensino por múltiplos exemplares, de palavras a unidades sintáticas.

Descritores Deficiência Auditiva; Implante Coclear; Ensino; Aprendizagem Verbal; Reabilitação

ABSTRACT

Purpose  To verify the effect of the multiple exemplar instruction at the acquisition and integration of listening and speaking behaviors, with substantives and substantive-adjective combinations, in children with Auditory Neuropathy Spectrum Disorder (ANSD) and cochlear implant (CI).

Methods  Participants were two children with ANSD that were users of CI. We adopted dictated stimulus and pictures that corresponded to words (substantive) and substantive-adjective syntactic units. The study was arranged in teaching steps that were intercalated with listening and speaking behaviors probes, with all stimuli. The multiple exemplar instruction presented oral imitation (echoic), auditory recognition (listening) and pictures naming (touch) tasks, on a rotating way; the substantives were taught first and, after that, the substantive-adjective combinations.

Results  In the pre-test, the participants showed variability and discrepancy in the correct responses percentages of listening and speaking. All achieved firstly 100% correct responses in the listening task and the speaking performances were close to listening after the teaching. All extended substantive learning to substantive-adjective syntactic units.

Conclusion  Children with ANSD and CI can learn and integrate listening and speaking behaviors by multiple exemplar instruction, from words to syntactic units.

Keywords Hearing Loss; Cochlear Implant; Teaching; Verbal Learning; Rehabilitation

INTRODUÇÃO

A linguagem abrange um complexo conjunto de habilidades que podem ser classificadas como receptivas e expressivas(1). Essas habilidades podem ser descritas funcionalmente como comportamentos de ouvir e de falar, pois ocorrem sob algumas condições e produzem consequências. Atuar como ouvinte e como falante são habilidades verbais distintas, estabelecidas por diferentes condições de ensino e, portanto, são inicialmente independentes(2,3). O processamento dos sons da fala começa antes mesmo do nascimento e a privação do acesso aos sons da fala nos primeiros anos de vida compromete o desenvolvimento típico da linguagem oral(1), afetando o desenvolvimento global e a qualidade de vida(4).

No amplo quadro das deficiências auditivas, a Desordem do Espectro da Neuropatia Auditiva (DENA) caracteriza-se pela função das células ciliadas externas preservadas, porém a transmissão neural aferente encontra-se alterada. Essa alteração gera uma dessincronia neural e afeta de maneira importante a percepção e compreensão da fala, principalmente na presença de ruído(5) e, por decorrência, a produção da fala(6). As características clínicas de crianças com DENA são muito peculiares e, especificamente em relação à linguagem oral, não sendo identificado um padrão de desempenho e demandando atenção individualizada na intervenção(7). Crianças com diagnóstico de DENA que não tem ganhos com o aparelho de amplificação sonora individual (AASI) podem obter benefícios por meio do implante coclear (IC)(5), dispositivo biomédico que integra componentes externos e internos (cirurgicamente implantados), e estimula eletricamente as fibras do nervo auditivo, proporcionando uma sensação auditiva. Nos casos de DENA, esse dispositivo pode minimizar a dessincronia auditiva, uma vez que substitui parcialmente as funções das células sensoriais auditivas e estimula diretamente o nervo auditivo(6). A melhora da sincronia neural por meio do IC pode contribuir sobremaneira para a aprendizagem das habilidades de ouvir e de falar de crianças com DENA(8).

Uma habilidade importante do ouvir é o reconhecimento auditivo observado quando estímulos visuais são selecionados condicionalmente à apresentação de estímulos auditivos; também denominada de ouvir baseado em seleção(9). No escopo deste trabalho, as habilidades de falante envolvem a produção oral em situações específicas e o interesse recaiu sobre as habilidades de nomeação e de imitação oral, que podem ser denominadas respectivamente como tato e ecoico(2,9). A nomeação ocorre em situações em que estímulos não verbais (p. ex., um objeto ou uma figura) são apresentados e a pessoa reage oralmente, nomeando o estímulo; a relação entre a produção oral e o estímulo não verbal é arbitrária e convencionada pela comunidade verbal(2,9). A imitação oral ocorre quando um estímulo auditivo é apresentado e a pessoa o reproduz oralmente, de modo que haja uma correspondência pontual com o estímulo antecedente(2,9).

Para Stemmer(10), a aprendizagem prévia do comportamento de ouvinte seria condição necessária à aprendizagem de habilidades de falante, sendo as habilidades de ouvinte transferidas para as de falante. Nessa proposta, comportar-se adequadamente diante da palavra (mesmo que o objeto não esteja presente) significa que o indivíduo tornou-se um ouvinte competente da palavra. Pode envolver a capacidade de produzir e recombinar os componentes linguísticos que foram previamente aprendidos. A criança poderia responder, inicialmente, a expressões como um todo (ex., comaapapa, comaafruta, comaasopa) e, posteriormente, passar a separar, compreendendo cada elemento (ex., coma a sopa).

Pesquisas recentes têm investigado relações entre as habilidades de ouvinte e de falante e sob quais condições ocorre a interdependência desses repertórios para diversas populações, como crianças ouvintes(11) e com deficiência auditiva(12). De maneira geral, esses estudos expuseram os participantes a tarefas de ensino de ouvir baseado em seleção (pelo procedimento de matching-to-sample) e, em seguida, avaliavam a nomeação dessas figuras; nas tarefas de ouvinte, uma palavra ditada era apresentada como modelo e três figuras como comparações, e o participante selecionava a figura (estímulo comparação) que estava arbitrariamente relacionada ao modelo auditivo. Os resultados nos diferentes estudos sugeriram que aprender comportamentos de ouvinte não era condição para que a nomeação ocorresse, mesmo nas condições em que o ecoico foi emitido com precisão nos pré-testes(11). Por outro lado, outros estudos têm demonstrado a relação de bidirecionalidade entre os comportamentos de ouvinte e falante(13), inclusive em crianças com deficiência auditiva e IC(14).

Identificar relações funcionais entre variáveis ambientais e ações verbais pode fornecer ferramentas úteis para planejar estratégias de ensino e integrar as habilidades verbais de crianças com IC. Dentre as condições que podem promover e integrar habilidades de ouvinte e de falante está o ensino por múltiplos exemplares(9).

O ensino por múltiplos exemplares (Multiple Exemplar Instruction, MEI) é uma estrutura reconhecida pela eficácia para se estabelecer e integrar repertórios de ouvinte e de falante, principalmente em populações com pouco ou nenhum repertório verbal. O ensino por MEI prevê a rotatividade de uma ou mais tarefas de falante (por exemplo, pedir itens ou nomear figuras) com as tarefas de ouvinte (como ouvir baseado em seleção). Considerando os diferentes controles de estímulos do ouvir (palavra ditada) e do falar (necessidade de um item quando se pede por ele e da figura quando se nomeia), verifica-se que o MEI pode proporcionar o controle compartilhado de estímulos, antes independentes, durante as sucessivas tarefas. O ensino por MEI tem sido eficaz para promover repertório verbal novo em populações com repertório verbal mínimo, principalmente em pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo(15). O potencial do MEI também tem sido explorado na integração entre repertórios de ouvinte e de falante de crianças com deficiência auditiva neurossensorial(14) e com DENA(16), que usam IC. Uma questão atual é verificar se, ao integrar os repertórios de ouvinte e falante, isso poderá ter algum efeito sobre a dessincronia que é peculiar da DENA.

Pereira et al.(14) avaliaram se o ensino estruturado por MEI seria condição para estabelecer e integrar repertórios de falante (nomear figuras e ecoar palavras) e ouvinte em três crianças (entre oito e 12 anos) com deficiência auditiva neurossensorial pré-lingual e usuários de IC. Os resultados tiveram muita variabilidade e sugeriram que os efeitos do MEI na integração de repertórios de falante e de ouvinte dessa população devem ser mais bem explorados e delineados.

Rique et al.(16) verificaram os efeitos do ensino por MEI no estabelecimento e integração de comportamentos de ouvinte e falante (nomear figuras e ecoar palavras) em uma criança de seis anos e nove meses, com DENA e IC. Foram adotados três conjuntos de palavras simples (com estrutura silábica consoante-vogal) e o ensino de cada conjunto era feito de maneira escalonada, sendo os demais conjuntos sucessivamente avaliados. O ensino envolveu a rotatividade de tarefas de tato, de ecoico e de ouvir baseado em seleção; o ensino era repetido até que os desempenhos de ouvinte, ecoico e tato estivessem bem estabelecidos. O repertório de ouvinte foi estabelecido primeiro e o número de exposições ao ensino até se aprender esse repertório foi superior ao encontrado no estudo prévio(14); porém aqueles não apresentavam DENA. O ensino por MEI favoreceu a integração de repertórios de ouvinte e de falante para essa participante.

Esses achados são iniciais e têm sugerido o potencial do ensino por MEI para estabelecer e integrar comportamentos de ouvir e falar em crianças com deficiência auditiva neurossensorial e com DENA, e que usam IC. Considerando que a reabilitação de crianças com DENA e IC configura um desafio e que o estudo de Rique et al.(16) foi de participante único, este estudo se propôs a verificar se o ensino por MEI promoveria a aprendizagem e integração de comportamentos de ouvinte e de falante com substantivos, replicando os resultados do estudo anterior com uma amostra maior. O presente estudo também ampliou os estímulos linguísticos de palavras isoladas (substantivos, como foca) para combinações sintáticas de dois termos (substantivo-adjetivo, como foca azul). Desse modo, este estudo visou verificar se os efeitos do ensino por MEI seriam semelhantes quando empregadas essas unidades sintáticas.

MÉTODO

Participantes

Participaram um menino (Dado) e uma menina (Flor), ambos com seis anos de idade, que frequentavam o ensino regular em escolas municipais de Bauru; Dado estava no último ano da Educação Infantil e Flor no primeiro ano do Ensino Fundamental I. Os participantes apresentavam o diagnóstico de Desordem do Espectro da Neuropatia Auditiva (DENA), usavam implante coclear (IC) e recebiam acompanhamento nos serviços audiológico (Serviço de Implante Coclear) e educacional (Centro Educacional do Deficiente Auditivo, CEDAU) do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), Bauru, São Paulo. Flor recebeu o IC bilateral sequencialmente, sendo o primeiro inserido na orelha esquerda aos três anos e três meses e o contralateral aos quatro anos e seis meses. O participante Dado recebeu o IC unilateral recentemente, com cinco meses de uso na época do estudo; retornou ao HRAC um ano e quatro meses após iniciar a pesquisa, para follow up do funcionamento do IC, e demonstrou níveis de corrente muito similares entre os programas.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Estadual Paulista – campi Bauru e do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (CAAE 52237315.8.0000.5398). Os participantes ingressaram no estudo depois dos responsáveis autorizarem expressamente a participação por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e as crianças consentirem por meio do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).

Os participantes foram avaliados individualmente e caracterizados em cognição pela Escala Colúmbia de Maturidade Intelectual(17) e em linguagem receptiva pelo Peabody Picture Vocabulary Test (PPVT-4R)(18). No Colúmbia, Flor apresentou índice de maturidade intelectual abaixo do esperado para a idade (estanino 3) e Dado acima da média para a idade (estanino 9). Em reconhecimento auditivo de vocabulário, ambos apresentaram desempenhos semelhantes e inferiores ao esperado para a idade (Flor – 3 anos; Dado – 2 anos e 11 meses).

As Categorias de Audição (CatAud) e de Linguagem (CatLing)* foram consultadas no prontuário dos participantes. Flor diferenciava palavras ditadas em conjunto fechado (categoria 3 de audição) e se comunicava com frases de quatro e cinco palavras (categoria 4 de linguagem). Já o participante Dado era capaz de detectar sons da fala (categoria 1 de audição) e falava palavras isoladas (categoria 2 de linguagem). A Tabela 1 apresenta a caracterização dos participantes.

Tabela 1
Caracterização dos participantes por idade (em anos), tempo de audição com implante coclear (em anos e meses), lateralidade do dispositivo (Lateral. IC), ano escolar, categoria de audição (Cat. Aud.), categoria de linguagem (Cat. Ling.) e escore do Colúmbia (em estanino) e do PPVT (em idade equivalente)

Instrumentos, materiais, ambiente e estímulos

Foram adotados testes padronizados em cognição e em linguagem receptiva para caracterizar os participantes. A Escala Colúmbia de Maturidade Intelectual(17) avaliou a cognição e consistiu em apresentar cartões com uma série de figuras e o participante apontava qual figura era diferente das outras; os resultados foram obtidos em estaninos de 0 a 9 e caracterizaram o repertório de categorização. O Peabody Picture Vocabulary Test (PPVT-4R) – 4ª Edição(18) avaliou a linguagem receptiva; o participante apontava a figura correspondente à palavra falada pelo avaliador dentro de um conjunto fechado de quatro figuras distribuídas em uma matriz (2x2); aferiu a capacidade de reconhecer palavras faladas e produziu medidas a partir da referência da idade cronológica.

Para a coleta dos dados, foram utilizados um notebook HP® com o PowerPoint Microsoft Office® instalado e caixas de som acopladas. As respostas de seleção de estímulos e de produção da fala dos participantes foram registradas por meio de uma filmadora compacta da marca Sony Handycam HDR-CX440. As tarefas foram exibidas por meio do PowerPoint®, em formato de slides sucessivos; quando a tarefa continha estímulos auditivos, o slide habilitava automaticamente os áudios para serem reproduzidos nas caixas de som. Os participantes escolhiam brindes como canetas, massa de modelar, adesivos, papéis coloridos, bexigas e doces como reforçadores para manter o engajamento nas tarefas. As sessões eram individuais e foram realizadas ora nas dependências da clínica-escola de uma universidade pública do interior paulista ora na residência dos participantes por conveniência dos responsáveis. A pesquisadora garantiu que os ambientes de coleta fossem adequados e com pouco ruído.

O estudo adotou dois conjuntos de substantivos e de unidades sintáticas substantivo+adjetivo como estímulos linguísticos. Os substantivos eram simples (conjunto 1: boneca, bola, casa; conjunto 2: carro, lobo e vaca). As combinações substantivo-adjetivo foram compostas pelos substantivos anteriores acrescidos de adjetivos designativos de cores (conjunto 1: rosa, marrom, amarelo; conjunto 2: vermelho, verde e azul). Essas combinações foram arranjadas por meio de matrizes(19) com três substantivos dispostos nas colunas e três adjetivos nas linhas (matriz 3x3), e que produziram nove combinações sintáticas substantivo-adjetivo na interseção dos componentes das linhas e das colunas. As combinações da diagonal da matriz foram diretamente ensinadas e as outras foram apenas testadas para verificar a recombinação entre os termos ensinados. Os estímulos e a forma com que foram arranjados nas matrizes estão representados na Figura 1.

Figura 1
Estímulos dos passos das Unidades de Ensino 1 e 2. As figuras com bordas indicam as combinações substantivo+adjetivo que foram diretamente ensinadas no Passo 2

Os estímulos auditivos foram gravados com voz feminina. Os estímulos visuais foram figuras; quando remetiam apenas aos substantivos, eram apresentadas figuras em preto e branco, e, quando representavam as combinações substantivo+adjetivo, as figuras eram preenchidas de cores específicas.

Tarefas

As tarefas foram organizadas em tentativas discretas(9), cada uma constituída de instrução, apresentação de um arranjo de estímulos, oportunidade de resposta (de seleção de estímulos ou de vocalização), consequência diferencial para acertos e erros (apenas no ensino) e um intervalo entre tentativas. O tempo para responder era de cinco segundos aproximadamente e o intervalo entre o término de uma tentativa e a instrução da próxima tarefa era de dois segundos. O estudo programou tarefas de ouvinte e de falante.

A tarefa de ouvinte (ou de ouvir baseado em seleção) consistiu na instrução “Aponte” seguida pela apresentação simultânea de um estímulo auditivo que funcionou como modelo e de três figuras das quais uma deveria ser escolhida condicionalmente ao modelo (estímulos-comparação). A tarefa do participante era apontar a figura que “vai com” o modelo auditivo. A apresentação dos estímulos auditivos e a posição das figuras foram aleatorizadas nas sucessivas tentativas, evitando escolhas baseadas na posição dos estímulos.

As tarefas de falante foram de ecoico e de tato. Na tarefa de ecoico, a instrução “Ouça e repita” era seguida pelo estímulo auditivo a ser repetido, e o participante deveria vocalizar o que acabara de ouvir (ou seja, a resposta deveria ser topograficamente idêntica ao estímulo auditivo antecedente). Já nas tarefas de tato, a instrução “O que é isso?” era simultaneamente apresentada com a figura e o participante deveria nomear oralmente a figura da maneira como convencionado pela comunidade verbal.

Delineamento

O estudo adotou um delineamento de sondas múltiplas. Essas sondas intercalaram cada passo de ensino e serviram para avaliar se os comportamentos de ouvinte e de falante aprendidos em cada passo seriam mantidos. Ainda, elas permitiram verificar os efeitos da aprendizagem das relações verbais com substantivos (Passo 1) sobre a aprendizagem de relações verbais envolvendo combinações substantivo+adjetivo (Passo 2)(20).

Procedimento geral

O estudo foi organizado em etapas de ensino (unidades e passos) e sondas (que intercalaram os passos de ensino). O Quadro 1 apresenta a organização das etapas e quantidade de tentativas em cada etapa.

Quadro 1
Etapas, estímulos, operantes e número de tentativas nas Unidades 1 e 2

Primeira sonda

Antes do ensino, os participantes foram avaliados em tarefas de ouvinte (ouvir baseado em seleção) e de falante (ecoico e tato) para cada um dos seis substantivos e das seis combinações substantivo+adjetivo ensinados das Unidades 1 e 2. Considerando que cada passo envolveu três estímulos e que o estudo teve quatro passos, as sondas totalizaram 36 tentativas (Quadro 1). As tarefas foram distribuídas em blocos que randomizaram a apresentação das tarefas.

Ensino

O ensino foi organizado em duas unidades e cada unidade era composta pelo Passo 1 (substantivos) e o Passo 2 (substantivo-adjetivo). Cada passo de ensino foi composto por blocos com seis tarefas de cada relação verbal, para cada um dos três estímulos; logo, um bloco apresentava seis tarefas de ecoico, seis de ouvir baseado em seleção e seis de tato para o primeiro estímulo, e assim sucessivamente para o segundo e terceiro estímulos. Essas tentativas foram estruturadas por MEI.

O bloco de ensino por MEI apresentou os estímulos linguísticos (substantivos ou substantivo-adjetivo) de maneira rotativa, de modo que era conduzida uma sequência de tarefas com um estímulo, seguida pela mesma sequência com outro estímulo e assim sucessivamente. Essa sequência foi empregada para todos os estímulos e consistia em tentativas de ecoico, seguidas de ouvir baseado em seleção e, por fim, as de tato. Um exemplo do bloco de ensino por MEI seria imitar oralmente /boneca/, em seguida apontar a figura da boneca quando se ouvia o modelo auditivo /boneca/ e depois nomear /boneca/ diante da respectiva figura; na continuação do bloco, seria exigida a imitação oral de /casa/, depois seleção da figura da casa quando se ouvia /casa/ ditada e, em seguida, nomear /casa/ diante da referida figura; por fim, a mesma sequência de tarefas (ecoico, ouvir baseado em seleção e tato) seria aplicada ao estímulo “lobo”.

As tentativas para o segundo e o terceiro estímulos foram adicionadas sequencialmente de acordo com a mesma estrutura de MEI(15), totalizando 54 tentativas de ensino (Quadro 1). Todos os passos de ensino foram organizados dessa forma.

Durante o ensino, as respostas de acertos e erros foram consequenciadas diferencialmente. Após acertos eram fornecidos adesivos, pequenos brindes e elogios; e após erros eram apresentadas correções. As correções nas tarefas de ouvir baseado em seleção eram pistas ditadas “Não, não é!” seguidas pela instrução “Aponte ____”, sinalizando uma nova oportunidade para mudar o estímulo de escolha, na mesma tentativa. Nas tarefas de ecoico, a correção consistiu na repetição do modelo auditivo e novamente a instrução “Ouça e repita”. Quando o participante nomeava a figura incorretamente, a pesquisadora fornecia um prompt ecoico, ou seja, falava o nome correto da figura. Em todos os casos de correção, somente a primeira resposta era contabilizada. Os critérios para avançar para o próximo passo foram baseados em desempenho (atingir, pelo menos, 90% de acertos nas tarefas de ouvinte, tato e ecoico) ou estabilidade (se a porcentagem de acertos em ouvinte, tato e ecoico não variasse por três sessões consecutivas).

Sondas entre passos de ensino

As sondas avaliavam o desempenho dos participantes em ouvir baseado em seleção, tato e ecoico com todos os estímulos ensinados das Unidades 1 e 2, com blocos idênticos aos da primeira sonda. Após o ensino do Passo 2 da Unidade 1, foram acrescentadas sondas das relações verbais para as combinações entre substantivo-adjetivo que não foram diretamente ensinadas. Então, de 36 tentativas as sondas passaram a ter 72 tentativas (Quadro 1). Essas sondas visavam avaliar se o ensino das combinações sintáticas substantivo-adjetivo referentes à diagonal da matriz (ou seja, as combinações ensinadas no Passo 2) promoveriam desempenhos de ouvinte e falante envolvendo as combinações substantivo-adjetivo que remetiam às demais células das matrizes do Passo 2 (vide Figura 1).

Variáveis dependentes

O desempenho de ouvinte (ouvir baseada em seleção) e de falante (ecoico e tato) foram as variáveis dependentes do estudo. A discrepância entre os desempenhos de ouvinte e de falante pode ser observada por meio da diferença na porcentagem de acertos nas tarefas de ouvir baseado em seleção, ecoico e tato.

Procedimento de análise de resultados

O desempenho nas tarefas de ouvir baseado em seleção foi calculado em porcentagens de acertos por bloco (de ensino ou de sonda). Nas tarefas que exigiram a produção oral (diante da figura e do estímulo auditivo), foram realizadas as transcrições da fala a partir das gravações em vídeo e verificadas as correspondências ponto a ponto entre as palavras transcritas pelos observadores e as palavras-alvo. A medida de precisão da fala foi calculada por uma razão entre fonemas produzidos corretamente pela quantidade total de fonemas do estímulo-alvo e, posteriormente, convertida em porcentagem de acertos.

RESULTADOS

Os dois participantes concluíram o estudo. Flor concluiu todos os passos em 20 sessões e Dado em 41 sessões. A Figura 2 sintetiza as porcentagens de acertos nas sondas inicial e final, de ouvinte e falante (ecoico e tato), com substantivos (Passo 1) e unidades sintáticas substantivo-adjetivo (Passo 2), das Unidades 1 e 2; no lado esquerdo da figura são apresentados os desempenhos com estímulos de ensino e no lado direito com estímulos de recombinação.

Figura 2
Desempenho geral dos participantes nas tarefas de ouvinte, ecoico e tato antes e depois do ensino por múltiplos exemplares (MEI). Estímulos de ensino à esquerda e de recombinação à direita. Os dados dos pré-testes das relações indicadas com asterisco não foram obtidos para Flor

De acordo com a Figura 2, os participantes apresentaram porcentagens de acertos diferentes nas tarefas de ouvinte, ecoico e tato durante a sonda inicial e, após o ensino, esses desempenhos ficaram mais próximos, tanto com substantivos (Passo 1) quanto com as combinações substantivo-adjetivo (Passo 2); esse resultado sugere uma integração melhor entre esses repertórios de ouvir e falar que eram inicialmente discrepantes. Após o ensino por MEI, Flor obteve desempenhos acima de 90% de acertos em ouvinte e falante, com os substantivos e substantivos-adjetivos das duas unidades. Dado, por sua vez, alcançou precisão apenas nas tarefas de ouvinte com os estímulos de ensino; já os desempenhos de falante (sobretudo tato), que eram inferiores a 15% de acertos na sonda inicial, tiveram um aumento para acima de 60% de acertos.

Essa tendência dos desempenhos de ouvinte e falante foi semelhante com estímulos de recombinação (combinações substantivo-adjetivo não ensinadas diretamente). Como mencionado no procedimento, os dados de pré-testes para essas relações não foram obtidos para Flor (indicado com asterisco na Figura 2) e, na sonda final, foram observadas porcentagens superiores a 95% de acertos nas tarefas de ouvinte e falante com os estímulos recombinados da Unidade 1. Na Unidade 2, Flor tinha precisão nas tarefas de ouvinte na sonda inicial e aumentou as porcentagens de acertos em falante, mudando de aproximadamente 78% para acima de 88% de acertos em ecoico e tato. Dado apresentou menos de 50% de acertos na sonda inicial nos três operantes com estímulos recombinados das duas unidades e, depois do ensino, aumentou para acima de 54% de acertos em ouvinte, tato e ecoico nessas unidades; o ouvir baseado em seleção apresentou maior porcentagem de acertos com os estímulos recombinados das duas unidades, sendo 83% com os da Unidade 1 e 100% de acertos com os da Unidade 2.

Durante o ensino de tato, de ecoico e de ouvinte na estrutura de ensino por MEI, na Unidade 1, Flor necessitou de quatro exposições aos blocos de ensino para atingir o critério com os substantivos (Passo 1) e de seis sessões de ensino para as combinações substantivo-adjetivo (Passo 2); na Unidade 2, foram necessárias três sessões para atingir o critério com os substantivos (Passo 1) e sete com os substantivos-adjetivos (Passo 2); nota-se que Flor demandou mais exposições ao ensino do Passo 2 das duas unidades, isto é, quando os estímulos tinham mais componentes (substantivos e adjetivos). A participante Flor apresentou sobreposição das porcentagens de acertos de tato, ecoico e ouvinte e obteve 100% de acertos na última sessão de ensino para os três operantes, sugerindo uma integração entre os comportamentos de ouvinte e de falante.

O participante Dado necessitou de mais exposições ao primeiro ensino, de modo que foram feitas 14 exposições ao bloco de ensino para atingir o critério com substantivos (Passo 1, da Unidade 1) e sete exposições com as combinações substantivo-adjetivo (Passo 2, Unidade 1); na Unidade 2, ele teve nove exposições aos blocos de ensino com substantivos (Passo 1) e 11 com os substantivos-adjetivos (Passo 2); essa maior quantidade de exposições ao ensino com as unidades sintáticas (Passo 2) também ocorreu com Flor, embora tenha demonstrado menor variação durante o ensino com estímulos da Unidade 2. Dado aumentou as porcentagens de acertos nas tarefas de tato e de ecoico, obtendo entre 60% e 80% de acertos, e atingiu 100% de acertos nas tarefas de ouvinte; os desempenhos de falante ficaram integrados, mas não atingiram os níveis do repertório de ouvinte. O comportamento de ouvinte foi o primeiro a ser adquirido para os dois participantes.

A Figura 3 apresenta os desempenhos dos participantes nas sondas. A parte superior dessa figura apresenta os desempenhos da Flor e a parte inferior os do Dado. Para cada participante, há dois gráficos, sendo o superior com estímulos da Unidade 1 e o gráfico inferior com estímulos da unidade 2. Os pontos vazados representam os desempenhos com estímulos do Passo 1 (substantivos) e os pontos cheios com estímulos do Passo 2 (substantivo-adjetivo). O ouvir baseado em seleção está indicado por triângulos, o tato por círculos e o ecoico por quadrados.

Figura 3
Desempenho dos participantes nas tarefas de ouvinte, ecoico e tato durante as sondas do estudo

De acordo com a Figura 3, os participantes apresentaram porcentagens de acertos diferentes nas tarefas de tato, ecoico e de ouvinte durante a primeira sonda. Após o ensino dos passos de ensino por MEI, os participantes aumentaram as porcentagens de acertos nas tarefas de ouvinte, tato e ecoico, reduzindo de modo importante a diferença entre os desempenhos de ouvinte e de falante; em alguns casos, foram observados desempenhos precisos e uma sobreposição total das porcentagens de acertos em ouvinte e falante.

Flor alcançou 100% de acertos nas tarefas de ouvir baseado em seleção, 60% de acertos (aproximadamente) no ecoico e 20% de acertos no tato durante a sonda inicial, sugerindo que o fato de ouvir palavras ou unidades sintáticas não garantia a precisão no ecoico (com os mesmos estímulos auditivos) e nem no tatear (com as figuras correspondentes). Essa discrepância entre os desempenhos de ouvinte e falante foi semelhante com estímulos da Unidade 1 e 2. Após o ensino dos Passos 1 e 2 da Unidade 1, Flor emitiu comportamentos de ouvir e de falar com a mesma porcentagem de acertos, em torno de 100% (Sonda 1, painel superior) para os estímulos dessa unidade. O ensino da Unidade 1 interferiu nos desempenhos da Unidade 2 e a participante aumentou as porcentagens de acertos em tarefas de falante (Teste 1, painel inferior), contudo a sobreposição dos desempenhos em ouvinte, tato e ecoico na Unidade 2 ocorreu somente após o ensino do Passo 2. Flor teve um decréscimo na porcentagem de acertos no follow-up, mas os desempenhos de ouvinte e falante se mantiveram superiores, se comparados aos da sonda inicial.

Dado também apresentou porcentagens de acertos diferentes nas tarefas de ouvinte e de falante durante a sonda inicial. O desempenho de ecoico era superior a 60% de acertos na Unidade 1, enquanto as porcentagens de acertos em ouvinte e tato eram baixas, principalmente com combinações substantivo-adjetivo das duas unidades (inferior a 30% de acertos). Após o ensino com substantivos (Passo 1) da Unidade 1, Dado aumentou as porcentagens de acertos de ouvinte e de tato, que ficaram próximas à porcentagem de acertos de ecoico (sonda 1, pontos em branco). Esse resultado se replica com as combinações substantivo-adjetivo da Unidade 1 e as porcentagens de acertos de ouvinte e de tato se aproximaram às de ecoico (sonda 3) depois do ensino do Passo 2 dessa unidade. O ensino da Unidade 1 também interferiu sobre o desempenho com estímulos da Unidade 2. O desempenho preciso (100% de acertos) nas tarefas de ouvinte ocorreu após o ensino dos Passos 1 (sonda 4) e 2 (sonda 5) da Unidade 2; já as porcentagens de tato e ecoico passaram a ser semelhantes após o ensino desses passos (em torno de 70% de acertos). Esses desempenhos foram mantidos no follow-up, em níveis superiores aos observados na linha de base.

DISCUSSÃO

O objetivo do estudo foi verificar os efeitos do ensino por MEI (Multiple Exemplar Instruction) sobre a aprendizagem e integração dos comportamentos de ouvinte e de falante, em crianças com DENA e IC. Os resultados mostraram que as porcentagens de acertos dos participantes em ouvinte, tato e ecoico aumentaram após o ensino por MEI e ficaram mais semelhantes (e, em alguns casos, sobrepostas) entre si, evidenciando a integração entre ouvir e falar.

Esses resultados demonstram a eficiência do ensino por MEI para integrar e reduzir a discrepância entre repertórios de ouvinte e de falante, e convergem com estudos prévios com diferentes populações, como pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo(9), crianças com deficiência auditiva neurossensorial e IC(14) e com DENA e IC(16). Esses resultados também estão condizentes com os observados em uma pesquisa da Audiologia que adotou o mesmo delineamento de sujeito único e de sondagens repetidas(20).

O presente estudo soma à literatura que trata do ensino por MEI para crianças com IC, quer seja com perda auditiva neurossensorial ou com DENA(14,16). Em particular, este estudo replicou os achados de um estudo de caso(16) com duas crianças com DENA e IC. Esta pesquisa não apenas replicou, mas também estendeu esses achados para unidades linguísticas maiores, de palavras isoladas (substantivos) a combinações sintáticas de dois termos (substantivo-adjetivo).

Diversas pesquisas têm investigado rotas para promover a aprendizagem do ouvir e do falar com unidades maiores que palavras, em crianças com IC(21,22). Alguns estudos têm estabelecido essas habilidades verbais com sentenças por meio do ensino baseado em equivalência (entre estímulos ditados, textuais e figuras)(23), enquanto outros ensinaram sistematicamente tarefas de ouvinte com ecoico. Nesse escopo, este estudo contribui com a linha de pesquisa ao identificar o MEI como uma rota de ensino para promover e integrar o ouvir e o falar com unidades maiores da língua em crianças com IC; nessa direção, futuras pesquisas poderiam estender esses achados e verificar os efeitos do ensino por MEI quando adotadas sentenças de três ou mais termos. Em especial, o presente estudo aproxima-se de Golfeto e de Souza(21) que ensinaram duas crianças com deficiência auditiva neurossensorial e IC a reagir como ouvinte (ou seja, a apontar cenas de vídeos condicionalmente às sentenças ditadas) e a ecoá-las, melhorando assim o tato das cenas de vídeo; embora haja diferenças entre o presente estudo e o de Golfeto e Souza(21) (como diagnóstico dos participantes, procedimento de ensino e extensão da unidade linguística), esses resultados podem, conjuntamente, ampliar as possibilidades de pesquisa e de intervenção com crianças com DENA e IC.

De modo geral, os participantes do presente estudo estabeleceram o comportamento de ouvinte primeiro, enquanto os desempenhos de falante (tato e ecoico) aumentaram e foram refinados nas sucessivas exposições ao ensino. Tais resultados replicam Pereira et al.(14) e Rique et al.(16). Esses resultados também estão de acordo com estudos da Audiologia que demonstraram que crianças com IC aprendem primeiro as habilidades de ouvinte e as habilidades de falante são adquiridas depois(24).

No presente estudo, foram necessárias muitas repetições aos blocos de ensino para os participantes atingirem o critério de acertos ou se aproximarem dele, o que inicialmente contrasta com a literatura. Em Pereira et al.(14), houve um número menor de exposições ao ensino até alcançar o critério de acertos e uma síntese de pesquisas revelou que crianças com deficiência auditiva neurossensorial e IC apresentam poucas repetições aos blocos de ensino para aprender comportamentos de ouvinte, como relacionar figuras a estímulos ditados(25). Contudo, essa quantidade elevada de repetições aos blocos de ensino também foi encontrada no estudo de caso com DENA e IC(16) e sugere algumas hipóteses. O desempenho dos participantes em ambos os estudos pode indicar uma evidência comportamental da dessincronia auditiva ocasionada pela DENA e confirma os achados da Audiologia sobre as dificuldades na aquisição e manutenção das habilidades auditivas, o que torna a reabilitação auditiva desse público um desafio(5,6). Por outro lado, alguns ajustes de procedimento podem ser adotados no ensino por MEI com vistas a minimizar a dessincronia auditiva e a discrepância entre os comportamentos de ouvir e de falar (aferido pelas porcentagens de acertos muito distintas para as mesmas palavras). Essas são questões que podem ser exploradas em estudos futuros.

A variabilidade nos desempenhos de ouvinte e de falante foi observada no presente estudo, tanto com um mesmo participante (intrassujeito) quanto entre participantes (intersujeitos). A variabilidade intraparticipante pode ser identificada neste estudo a partir dos desempenhos que foram instáveis ao longo de sucessivas sessões de ensino e que não se mantinham entre duas sessões consecutivas, o que replica os resultados encontrados no estudo de caso de Rique et al.(16). Os resultados de variabilidade entre participantes, no presente estudo, assemelham-se aos encontrados em estudos de outros centros(8) e sugerem que a variabilidade entre crianças com DENA e IC é recorrente em relação ao ritmo de aprendizagem, ao número de repetições ao ensino e à ordem de aquisição dos comportamentos de falante (tato e ecoico).

Os participantes do presente estudo apresentavam características semelhantes (como idade e diagnóstico de DENA), porém distintas quanto ao tempo de uso do IC e às categorias de audição e de linguagem. Dado usava IC há cinco meses, detectava sons da fala (1 de audição) e falava palavras isoladas (2 de linguagem), enquanto Flor tinha mais de três anos de uso do IC, reconhecia palavras em conjunto fechado (3 de audição) e construía frases curtas (4 de linguagem). Essa diferença no tempo de uso do IC e nas habilidades auditivas e de linguagem prévias poderia predizer sucesso da intervenção(5,8), supondo ser mais efetiva para Flor que para Dado. No entanto, o presente estudo mostrou que essas crianças com DENA e IC aprenderam e integraram os operantes de ouvinte e de falante, pelo MEI, independentemente do pouco tempo de uso do IC e da variabilidade apresentada(6).

Uma variável que poderia ser interveniente e não foi controlada no presente estudo é o fato de Dado, por ter IC recente, realizou follow up do dispositivo e passou por ajustes potenciais na intensidade e frequência dos eletrodos de seu IC. Todavia, os níveis de corrente foram muito similares nos dois mapas durante o período de coleta. Logo, os resultados de ouvinte e falante de Dado estão funcionalmente relacionados à exposição aos procedimentos de ensino. Esses resultados sugerem que o MEI pode ser adotado como estratégia de ensino, mesmo quando há pouca experiência auditiva. A generalidade desses resultados deve ser investigada.

Durante a avaliação inicial, os participantes do presente estudo apresentaram porcentagens de acertos distintas entre os comportamentos de falante (tato e ecoico) e o de ouvinte (ouvir baseado em seleção). Esses resultados são mais uma evidência, dentre muitas relatadas na literatura, da independência funcional entre repertórios de ouvinte e de falante em diferentes populações, como crianças ouvintes típicas(11), com Síndrome de Down(3), com deficiência intelectual e com deficiência auditiva neurossensorial e IC(26).

O presente estudo mostrou que a discrepância entre os desempenhos de ouvinte e falante foi reduzida após o ensino por MEI, em crianças com DENA e IC. Esses achados agregam uma literatura mais ampla que demonstra os efeitos de condições de ensino sobre a integração entre repertórios verbais e a aquisição da precisão do tato de crianças com IC, desde palavras até unidades mais extensas da língua. Alguns estudos mostraram que o ensino baseado em relações de equivalência(23) pode promover a integração de habilidades verbais e um tato preciso, desde palavras(27) até sentenças(22); essas crianças tinham inicialmente uma fala controlada por estímulos textuais (leitura) e, após o ensino, essa fala precisa começou a ocorrer também diante da figura (tato) devido à extensão de controle de estímulos textuais para a figura. Em outra frente, estudos têm ensinado comportamentos de ouvinte e de falante, de modo isolado ou rotativo (via ensino por MEI), para integrar repertórios verbais e melhorar o tato de crianças com IC, tanto com palavras(14,16) quanto sentenças(21).

A rota de ensino por MEI, adotada no presente estudo, pode ter seu potencial clínico explorado(28), com vistas a diminuir a variabilidade intraindividual na aprendizagem e integração de repertórios de falante e de ouvinte de crianças com DENA e IC. Investigações de estratégias e intervenções(6,29) com esse público podem derivar em tecnologias de ensino, bem como maximizar os ganhos na reabilitação auditiva quando combinados com fatores que favorecem a aquisição da linguagem dessa população, como a idade de implantação e o tempo de uso do IC. Assim, o potencial de tecnologias biomédicas pode ser agregado ao potencial de tecnologias comportamentais, à luz da proposta da audiometria comportamental(30).

Algumas limitações do presente estudo podem ser ajustadas em pesquisas futuras, tais como a generalidade dos efeitos do MEI sobre a integração dos repertórios de ouvinte e falante dessa população, por meio de replicações com uma amostra maior de participantes. A variabilidade intrassujeito pode ser melhor controlada por medidas repetidas antes da intervenção (por exemplo, três pré-testes sucessivos), como sugerem os delineamentos experimentais de sujeito único. Esse monitoramento sistemático da linha de base permitirá identificar se e qual seria o nível de estabilidade durante o pré-teste (caso exista) e, por conseguinte, estimar de modo mais acurado os efeitos do ensino na redução da variabilidade em crianças com DENA e IC. Outra possibilidade de pesquisa seria retomar a proposta de Pereira et al.(14) e de outros estudos sobre MEI(15) e estendê-la a participantes com DENA e IC; esses estudos poderiam realizar o ensino por MEI e a integração entre comportamentos e falante e de ouvinte com um conjunto de estímulos e, em seguida, verificar se o ensino apenas do comportamento de ouvinte garantiria a emergência de comportamentos de falante com estímulos novos.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos às crianças, aos seus responsáveis e à equipe do serviço de Implante Coclear do HRAC-Bauru. Agradecemos o apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino, INC&T-ECCE.

  • *
    Essas categorias são atribuídas por meio de avaliações e que incluem principalmente as escalas Infant-Toddler Meaning full Auditory Integration Scale (ITMAIS) e Meaning full Use of Speech Scale (MUSS). As categorias de Audição variam de 1 a 6. As categorias de Linguagem variam de 1 a 5.
  • Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Bauru (SP), Brasil.
  • Fontes de financiamento: Trabalho realizado como parte dos requisitos para obtenção do título de mestra pela primeira autora, sob orientação da segunda autora e co-orientação dos demais autores, no escopo do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino, INC&T-ECCE (FAPESP#2014/50909-8 e CNPq#465686/2014-1). A segunda e a quinta autoras são bolsistas Pq/CNPq, Nível 2.

REFERÊNCIAS

  • 1 Levine D, Strother-Garcia K, Golinkoff RM, Hirsh-Pasek K. Language development in the first year of life: What deaf children might be missing before cochlear implantation. Otol Neurotol. 2016;37(2):56-62. http://dx.doi.org/10.1097/MAO.0000000000000908 PMid:26756156.
    » http://dx.doi.org/10.1097/MAO.0000000000000908
  • 2 Skinner BF. Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts; 1957. http://dx.doi.org/10.1037/11256-000
    » http://dx.doi.org/10.1037/11256-000
  • 3 Guess D. A functional analysis of receptive language and productive speech: acquisition of the plural morpheme. J Appl Behav Anal. 1969;2(1):55-64. http://dx.doi.org/10.1901/jaba.1969.2-55 PMid:16795203.
    » http://dx.doi.org/10.1901/jaba.1969.2-55
  • 4 Moret ALM, Bevilacqua MC, Costa OA. Implante coclear: audição e linguagem em crianças deficientes auditivas pré-linguais. Pro Fono. 2007;19(3):295-304. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872007000300008 PMid:17934605.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872007000300008
  • 5 Berlin CI, Morlet T, Hood LJ. Auditory neuropathy/dyssynchrony: its diagnosis and management. Pediatr Clin North Am. 2003;50(2):331-40, vii-viii. http://dx.doi.org/10.1016/S0031-3955(03)00031-2 PMid:12809326.
    » http://dx.doi.org/10.1016/S0031-3955(03)00031-2
  • 6 Fernandes NF, Morettin M, Yamaguti EH, Costa OA, Bevilacqua MC. Resultados do desempenho das habilidades auditivas em crianças com o espectro da neuropatia auditiva usuárias de implante coclear: revisão sistemática. Rev Bras Otorrinolaringol. 2015;81(1):85-96. http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.10.003
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.10.003
  • 7 Campos PD, Moret ALM, Alvarenga KF, Jacob RT, Amantini RCB. Desenvolvimento da linguagem oral em crianças com desordem do espectro da neuropatia auditiva. In: 31º Encontro Internacional de Audiologia; São Paulo: Academia Brasileira de Audiologia; 2016. p. 3724.
  • 8 Ji F, Wang Q, Chen AT, Hong MD, Li JN, Zhao H, et al. Retrospective analysis of auditory neuropathy patients after cochlear implantation. Zhonghua Er Bi Yan Hou Tou Jing Wai Ke Za Zhi. 2018;53(3):196-202. PMid:29614552.
  • 9 Greer RD, Ross DE. Verbal behavior analysis: Inducing and expanding new verbal capabilities in children with language delays. New York: Pearsons Education; 2008.
  • 10 Stemmer N. The behavior of the listener, generic extensions, and the communicative adequacy of verbal behavior. Anal Verbal Behav. 1992;10(1):69-80. http://dx.doi.org/10.1007/BF03392875 PMid:22477047.
    » http://dx.doi.org/10.1007/BF03392875
  • 11 Bandini CSM, Sella AC, Postalli LMM, Bandini HHM, Silva ETP. Efeitos de tarefas de seleção sobre a emergência de nomeação em crianças. Psicol Reflex Crit. 2012;25(3):568-77. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722012000300017
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722012000300017
  • 12 Ferrari C, Giacheti CM, De Rose JC. Procedimentos de emparelhamento com o modelo e possíveis aplicações na avaliação de habilidades de linguagem. Rev Salusvita. 2009;1(28):85-100.
  • 13 Ma ML, Miguel CF, Jennings AM. Training intraverbal naming to establish equivalence class performances. J Exp Anal Behav. 2016;105(3):409-26. http://dx.doi.org/10.1002/jeab.203 PMid:27151740.
    » http://dx.doi.org/10.1002/jeab.203
  • 14 Pereira F, Assis GA, Almeida-Verdu ACM. Integração dos repertórios de falante-ouvinte via instrução com exemplares. Rev Bras Anal Comport. 2016;12(1):23-32. http://dx.doi.org/10.18542/rebac.v12i1.4023
    » http://dx.doi.org/10.18542/rebac.v12i1.4023
  • 15 Greer RD, Stolfi L, Chavez-Brown M, Rivera-Valdes C. The emergence of the listener to speaker component of naming in children as a function of Multiple Exemplar Instruction. Anal Verbal Behav. 2005;21(1):123-34. http://dx.doi.org/10.1007/BF03393014 PMid:22477318.
    » http://dx.doi.org/10.1007/BF03393014
  • 16 Rique LD, Guerra BT, Borelli LM, Oliveira AP, Almeida-Verdu ACM. Ensino de comportamento verbal por múltiplos exemplares em uma criança com Distúrbio do Espectro da Neuropatia Auditiva. CEFAC. 2017;19(2):289-98. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620171928516
    » http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620171928516
  • 17 Burgemeister BB, Blum LH, Jorge T. Escala de Maturidade Mental Teste de Colúmbia – CMMC. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001.
  • 18 Dunn LM, Dunn LM. Peabody Vocabulary Test – Revised. Circle Pines: American Guidance Service; 2007.
  • 19 Goldstein H. Training generative repertoires within agent-action-object miniature linguistic systems with children. J Speech Hear Res. 1983;26(1):76-89. http://dx.doi.org/10.1044/jshr.2601.76 PMid:6865385.
    » http://dx.doi.org/10.1044/jshr.2601.76
  • 20 Miyamoto RT, Kirk KI, Renshaw J, Hussain D. Cochlear implantation in auditory neuropathy. Laryngoscope. 1999;109(2 Pt 1):181-5. http://dx.doi.org/10.1097/00005537-199902000-00002 PMid:10890762.
    » http://dx.doi.org/10.1097/00005537-199902000-00002
  • 21 Golfeto RM, Souza DG. Sentence production after listener and echoic training by prelingual deaf children with cochlear implants. J Appl Behav Anal. 2015;48(2):363-75. http://dx.doi.org/10.1002/jaba.197 PMid:25916494.
    » http://dx.doi.org/10.1002/jaba.197
  • 22 Neves AJ, Almeida-Verdu ACM, Assis GJA, Silva LTN, Moret ALM. Improving oral sentence production in children with cochlear implants: effects of equivalence-based instruction and matrix training. Psicol Reflex Crit. 2018;31(14):14. http://dx.doi.org/10.1186/s41155-018-0095-y
    » http://dx.doi.org/10.1186/s41155-018-0095-y
  • 23 Sidman M. Equivalence relations and behavior: A research story. Boston: Authors Cooperative; 1994.
  • 24 McConkey Robbins A, Koch DB, Osberger MJ, Zimmerman-Phillips S, Kishon-Rabin L. Effect of age at cochlear implantation on auditory skill development in infants and toddlers. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2004;130(5):570-4. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.130.5.570 PMid:15148178.
    » http://dx.doi.org/10.1001/archotol.130.5.570
  • 25 Almeida-Verdu ACM, Golfeto RM. Stimulus control and Verbal Behavior: (in) dependent relations in populations with minimal verbal repertoires. In: Todorov JC, organization. Trends in behavior analysis. Brasília: Technopolitik; 2016. v. 1, p. 187-226.
  • 26 Almeida-Verdu ACM, Bevilacqua MC, Souza DG, Souza FC. Imitação vocal e nomeação de figuras em deficientes auditivos usuários de implante coclear: estudo exploratório. Rev Bras Anal Comport. 2009;5(1):63-78.
  • 27 Anastácio-Pessan FL, Almeida-Verdu ACM, Bevilacqua MC, Souza DG. Usando o paradigma de equivalência para aumentar a correspondência na fala de crianças com implante coclear na nomeação de figuras e na leitura. Psicol Reflex Crit. 2015;28(2):365-77. http://dx.doi.org/10.1590/1678-7153.201528217
    » http://dx.doi.org/10.1590/1678-7153.201528217
  • 28 Grow LL, Kodak T. Recent research on emergent verbal behavior: clinical applications and future directions. J Appl Behav Anal. 2010;43(4):775-8. http://dx.doi.org/10.1901/jaba.2010.43-775 PMid:21541166.
    » http://dx.doi.org/10.1901/jaba.2010.43-775
  • 29 Bretanha AC, Ferreira K, Jacob RTS, Moret ALM, Lopes-Herrera SA. Perfil pragmático longitudinal de uma criança no espectro da neuropatia auditiva. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):226-32. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342011000200019
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342011000200019
  • 30 Lloyd LL. Behavioral audiometry viewed as an operant procedure. J Speech Hear Disord. 1966;31(2):128-36. http://dx.doi.org/10.1044/jshd.3102.128 PMid:5935774.
    » http://dx.doi.org/10.1044/jshd.3102.128

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2018
  • Aceito
    19 Nov 2018
location_on
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Al. Jaú, 684, 7º andar, 01420-002 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax 55 11 - 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@codas.org.br
rss_feed Stay informed of issues for this journal through your RSS reader
Acessibilidade / Reportar erro