Open-access O laboratório de matemática como espaço de formação de professores1

Le laboratoire de mathématiques commeespace de formation des professeurs

El laboratorio de matemáticas como espacio de formación de professores

RESUMO

O laboratório de Matemática é tido como um importante espaço de aprendizagem tanto dos estudantes do ensino básico quanto na formação inicial de professores. Além dos materiais e da área física que fornece, esse espaço constitui-se como um lugar capaz de suscitar a reflexão dos futuros docentes. Neste estudo exploratório, feito com os alunos da disciplina Metodologia de Ensino de Matemática da Universidade de São Paulo, verificamos a concepção inicial dos estudantes sobre tal disciplina e como o laboratório de Matemática os influenciou no processo de amadurecimento crítico em relação à sua atuação como professor. Por meio deste estudo, notamos que os momentos de produção e reflexão sobre as atividades, além da prática junto aos seus pares, foram cruciais para prepará-los para a sua futura profissão.

Palavras Chaves: Formação de Professores; Prática de Ensino; Matemática; Laboratórios

RÉSUMÉ

Le laboratoire de mathématiques est considéré comme un espace d’apprentissage important tant pour les étudiants de l’enseignement fondamental que pour la formation initiale des enseignants. Outre les matériaux et l’espace physique qu’il procure, cet endroit est propice à susciter la réflexion chez les futurs enseignants. Dans cette étude exploratoire, effectuée auprès des élèves du cours de Méthodologie de l’Enseignement des Mathématiques de l’Universidade de São Paulo, nous avons observé la conception initiale que les étudiants ont de cette discipline et comment le laboratoire de Mathématiques les a influencés dans leur processus de maturation critique à l’égard de leur rôle en tant qu’enseignant. Grâce à cette étude, nous avons pu constater que les moments de production et de réflexion sur les activités, ainsi que la pratique entre pairs, ont été indispensables pour les préparer à leur futur métier.

Mots clés: Formation des Enseignants; Pratique D’ Enseignement; Mathématique; Laboratoire

RESUMEN

El laboratorio de Matemáticas es considerado como un importante espacio de aprendizaje, tanto para los alumnos de educación básica como en la formación inicial de los profesores. Además de los materiales y del área física que ofrece, este equipo constituye un espacio capaz de suscitar la reflexión de los futuros docentes. En este estudio exploratorio, realizado con los alumnos de la asignatura Metodología de Enseñanza de Matemáticas de la Universidade de São Paulo, verificamos la concepción inicial de los estudiantes sobre tal disciplina y cómo el laboratorio de Matemáticas los influenció en el proceso de madurez crítica en relación a su actuación como profesores. Por medio de este estudio, nos damos cuenta que los momentos de producción y reflexión sobre las actividades, además de la práctica junto a sus pares, fueron cruciales para prepararlos para su futura profesión.

Palabras clave: Formación de Profesores; Práctica de Enseñanza; Matemática; Laboratorios

ABSTRACT

The mathematics laboratory is an essential learning space for students of basic education as well as for early teacher education. In addition to the materials and physical space provided, it constitutes a proper space capable of promoting the reflection of future teachers. In this exploratory study, conducted with students in Teaching Methods in Mathematics Education at Universidade de São Paulo, we verified the initial conception of the students about such lectures and how the mathematics laboratory influenced them in the process of critical maturation concerning their roles as teachers. From this study, we noted that the moments of production and reflection on the tasks, in addition to practices with their peers, were crucial in preparing them for their future profession.

Keywords: Teacher Education; Teaching Practice; Mathematics; Laboratories

Há muito tempo percebe-se uma ruptura na passagem dos anos iniciais para os anos finais do ensino fundamental: nos cinco primeiros anos, atua um único professor com formação polivalente, enquanto nos anos finais vários docentes lecionam com formação específica em cada disciplina. Em parte, isso ocorre como resquício do sistema de ensino anterior, que era dividido em primário e ginásio. Ademais, isso deve-se também ao fato de, em muitas universidades brasileiras, a formação de professores nos cursos de Licenciatura em Pedagogia e Licenciatura em Matemática ter focos bastante distintos.

No caso das Licenciaturas em Pedagogia, o número de disciplinas pedagógicas2 é superior ao daquelas de conteúdo próprio de cada disciplina, sendo que, especificamente, aquelas relacionadas à Matemática tratam das práticas de ensino em sala de aula e não necessariamente do conteúdo matemático.

Por outro lado, as Licenciaturas em Matemática possuem uma quantidade menor de disciplinas pedagógicas e promovem uma formação mais aprofundada nas matérias específicas de Matemática. Em diversas universidades, o curso de Licenciatura em Matemática possui disciplinas ministradas em dois departamentos, o de Matemática e o de Educação. A ligação entre as duas áreas torna-se frágil e superficial, pois há pouco diálogo entre os professores desses departamentos e a conexão entre a teoria e a prática é feita em poucas disciplinas, normalmente nas de Prática ou Metodologia do Ensino.

Embora muitos dos docentes do departamento de Educação que lecionam tais disciplinas possuam formação em Licenciatura em Matemática, há diferenças entre as concepções de ensino do matemático - docente com toda sua carreira ligada à Matemática e que trabalha nos departamentos de Matemática - e as do educador matemático - docente que possui formação em Matemática, mas com pesquisas voltadas para o ensino e a aprendizagem ou áreas afins - que interferem diretamente na qualidade da formação do futuro professor de Matemática.

Nos cursos de Licenciatura em Matemática, as disciplinas de Prática ou Metodologia do Ensino ocupam um lugar importante, já que estão situadas em uma dupla confluência: a que se dá entre as disciplinas pedagógicas e as de conteúdo específico da Matemática. São em disciplinas desta natureza que o estudante terá oportunidades de relacionar, por exemplo, as teorias da Matemática e da Educação para discutir a futura prática em sala de aula.

Segundo Valente (2014), os docentes que ministram a disciplina de Prática de Ensino herdaram ementas ultrapassadas, muitas das quais tinham o intuito de instrumentalizar o futuro professor de Matemática com táticas e macetes de como ensinar determinado conteúdo com atividades e sequências já pré-programadas, como se a prática de sala de aula pudesse ser realizada seguindo a estrutura de um livro de receitas.

Porém, a institucionalização e a disseminação da área de Educação Matemática no Brasil têm propiciado uma formação mais ampla para os professores do ensino superior, de modo que, ao ter que ministrar disciplinas de Prática de Ensino, o docente, para não perpetuar práticas pedagógicas pouco convenientes e já contestáveis, busca, nas pesquisas recentes, novas formas de atuação. A publicação de artigos com relatos de experiências nos cursos de formação de professores e o intercâmbio de ideias nos eventos das áreas de Educação e Educação Matemática têm produzido papel relevante na atuação destes novos profissionais (VALENTE, 2014).

Neste artigo, traremos à tona uma importante discussão para as disciplinas de Prática ou de Metodologia do Ensino nos cursos de formação de professores de Matemática: o papel que o laboratório de Matemática3 pode exercer na formação destes futuros profissionais. O estudo se baseia numa experiência realizada em 2016 no curso de Licenciatura em Matemática, do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Paulo, em que o Laboratório de Matemática (LabMat) da Faculdade de Educação (FE) daquela instituição teve papel fundamental na lecionação das disciplinas mencionadas.

Iniciamos o artigo trazendo algumas considerações teóricas acerca da importância do laboratório de Matemática para a formação de professores de Matemática e, em seguida, passamos a relatar a experiência ocorrida na USP, fazendo uma breve descrição do programa das disciplinas e das atividades desenvolvidas. Na seção seguinte, discutimos a metodologia utilizada na pesquisa, apresentamos e analisamos os seus dados e, por fim, tecemos algumas considerações acerca dos resultados alcançados.

O PAPEL DO LABORATÓRIO DE MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES A IMPORTÂNCIA DA PRÁTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE

Em diversas profissões, a prática difere pouco do planejamento, entretanto, esse não é o caso da atividade docente, na qual o planejado pode mudar completamente quando posto em prática. Isso ocorre, justamente, devido à criatividade dos alunos, que apresentam suas questões, dúvidas e ideias, podendo transformar e modificar completamente a aula que o professor havia previsto. Ainda assim, o planejamento revela-se fundamental para que a aula atinja seus objetivos, mesmo que não sejam cumpridas todas as etapas conforme planejadas (LORENZATO, 2009).

Assim, para a formação inicial do professor de Matemática, consideramos relevantes disciplinas e ambientes em que os estudantes possam criar tarefas e desenvolver atividades, produzir materiais de ensino e dialogar com seus colegas sobre os possíveis cenários de aplicação e as potencialidades e dificuldades que podem ser encontradas na sala de aula.

As práticas simuladas e os estágios obrigatórios têm então papel crucial, já que todo o arsenal preparado precisa ser testado e implementado. É necessário que o futuro professor, ainda no momento de sua formação, possa planejar, praticar e avaliar, colocando na mesa toda a teoria disponível e refletindo criticamente sobre a sua futura prática docente.

CRIATIVIDADE NO AMBIENTE EDUCACIONAL

A palavra criatividade tem sido bastante utilizada, inclusive no ambiente educacional. Mas o que se define como criatividade? Segundo Csikzentmihaly (1996, p. 23), trata-se de um processo que não ocorre apenas na mente das pessoas, mas por meio da interação entre os seus pensamentos com o contexto sociocultural. Ou seja, para que uma solução seja considerada criativa, dentro de um sistema ou um modelo, é necessário que outros envolvidos no assunto também possam validá-la. Isso significa que é fundamental a troca de experiências e ideias com seus pares. A criatividade deve ser pensada como um processo sistêmico, no qual os contextos social, histórico e cultural exercem influência.

O mesmo deve ocorrer no ambiente educacional com os professores e, consequentemente, com seus alunos (ALENCAR, 1986; FLEITH; ALENCAR, 2005; MARTINS, 2004; NAKANO; WECHSLER, 2007). Sendo assim,

[...] é preciso que os cursos formadores de professores, nas instituições de educação superior, conscientizem os futuros professores da importância da criatividade para si próprios e para os alunos que formarão, colocando a criatividade como instrumento do ensino-aprendizagem [...]. A ação educativa deve acompanhar a dinamicidade e o momento de transformação do mundo atual. Professores criativos passam para seus alunos esse espírito criativo; cabe-lhes estimular o potencial criador de seus alunos, contribuindo para que se constituam homens criativos no futuro. (OLIVEIRA; ALENCAR, 2007, p. 224)

Segundo Oliveira e Alencar (2007, p. 224), no ensino superior há uma “ineficiência quanto à promoção da criatividade, o não encorajamento do pensamento criativo e independente, a ênfase na memorização e na reprodução de conhecimento”.

Embora os trechos citados refiram-se à formação e atuação do professor de Letras, a situação na formação do docente de Matemática não é diferente. Ademais, a criatividade tem sido valorizada há muito tempo na Educação Matemática, como podemos observar em textos sobre resolução de problemas (BROLEZZI, 2013; RUNCO, 1994), modelagem matemática (ARAÚJO, 2002; BORBA; MENEGHETTI; HERMINI, 1999), ou nos trabalhos acerca da importância das tecnologias em sala de aula (FERREIRA, 2016; MACHADO, 1999). Porém, é dada ênfase na aprendizagem criativa dos alunos e não na formação do professor para promover aulas criativas a seus estudantes. Mas, como um professor pode promover um ambiente criativo se ele mesmo não o teve em seu momento de formação?

Nos cursos de Licenciatura em Matemática, as disciplinas de Prática ou de Metodologia do Ensino podem propiciar este ambiente criativo, para que o futuro professor desenvolva atividades de autoria própria como uma simulação de sua atuação profissional no futuro e discuta e compartilhe ideias a tempo de refletir e corrigir sobre sua futura prática. Em disciplinas desta natureza, teoria e prática podem caminhar em conjunto na promoção da criatividade.

O LABORATÓRIO DE MATEMÁTICA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Os estudos acerca dos laboratórios de Matemática têm enfatizado sua importância para a aprendizagem de Matemática da escola básica. Maschietto e Trouche (2010) citam uma importante fala do matemático francês Félix Édouard Justin Émile Borel (1871-1956) em uma conferência realizada em Paris no início do século passado:

Para levar, não somente as crianças, mas também os professores, e além disso, a sociedade a ter uma noção mais exata do que é a matemática e de seu real papel na vida moderna, será necessário fazer mais, e criar verdadeiros laboratórios de matemática. Eu penso que esta questão é muito importante e deve ser estudada mais seriamente.4 (BOREL, 19045apud MASCHIETTO; TROUCHE, 2010, p. 39, tradução nossa)

Mas o que é propriamente um laboratório de Matemática?

Ewbank (1971, p. 559, tradução nossa) traz duas maneiras distintas de concebê-lo: O termo é usado para indicar um lugar, um processo, um procedimento. Como um lugar, é uma sala reservada para experimentos matemáticos e atividades práticas. [...] Este último uso do termo, como um processo e um procedimento, é o mais importante, porque nem toda escola pode ter um laboratório de matemática, mas toda escola ou cada professor pode utilizar este método de ensino.6

Usando então o primeiro sentido, o de um lugar, o laboratório de Matemática é um espaço que possui ferramentas para a aprendizagem de matemática, como materiais estruturados (ábacos, blocos lógicos, geoplanos, material Cuisinaire, material dourado, etc.), jogos matemáticos (dominós matemáticos, torre de Hanói, tangram, pentaminó, etc.) e jogos comerciais com possibilidade de gerar debates e discussões em torno de conteúdos matemáticos (batalha naval, senha, etc.), além de outros materiais como livros de divulgação, didáticos e paradidáticos e filmes.

Ainda em relação às possibilidades do laboratório de Matemática e de seus materiais, o advento e a propagação das tecnologias digitais (computadores e smartphones, por exemplo) têm gerado pesquisas e uma abundante bibliografia que discute o importante papel da inserção dessas tecnologias na sala de aula. Porém, enfatizamos que é necessário distinguir entre o uso real e o uso potencial das tecnologias digitais, nuance que só poderá ser percebida pelo futuro professor ao testar e refletir sobre estes usos (MASCHIETTO; TROUCHE, 2010). Este modo de compreender a utilização das tecnologias digitais pode ser ampliado para outros recursos empregados no ensino, pois a potencialidade de certas tarefas nem sempre será alcançada na aplicação real, mas, ao criar o hábito do planejamento, o futuro professor aprenderá a colocar sobre a mesa os diversos aspectos que poderão interferir no momento da aplicação, permitindo uma melhor aproximação do potencial que as tarefas possuem.

Contudo, o material didático disponível no laboratório de Matemática por si só não muda em nada as dificuldades encontradas ao longo dos anos no processo de aprendizagem da Matemática. É neste momento que a intervenção direta do professor se faz necessária. Nesse sentido, Lorenzato (2009, p. 23-24) afirma:

A atuação do professor é determinante para o sucesso ou fracasso escolar. Para que os alunos aprendam significativamente, não basta que o professor disponha de um LEM [Laboratório de Ensino de Matemática]. Tão importante quanto a escola possuir um LEM é o professor saber utilizar corretamente os MDs [Materiais Didáticos], pois estes [...] exigem conhecimentos específicos de quem os utiliza.

Então, se faz necessário que o licenciando ainda em seu momento de formação tenha espaços de criação e prática para conhecer e saber utilizar os materiais didáticos do laboratório de Matemática.

Porém Ewbank (1971) afirma que um laboratório de Matemática vai além de um espaço físico com os referidos materiais, ultrapassando o local no qual os estudantes criam, testam e praticam. Pensado como “um processo, um procedimento”, o laboratório pode não significar um espaço físico propriamente dito, mas sim um ambiente de reflexão e de criatividade. Nesse sentido, Bittar e Freitas (2005, p. 231) afirmam:

Nossa concepção de Laboratório de Educação Matemática vai além da exposição de uma coleção de materiais didáticos, que estariam ali para serem contemplados. Ele deve ser um espaço dinâmico que favoreça o intercâmbio de ideias e práticas pedagógicas em matemática. Para isso, é fundamental o envolvimento intelectual de professores e alunos nas atividades experimentais sendo desenvolvidas.

Ewbank (1971) enfatiza que é possível transformar uma sala de aula, mesmo a mais simples e precária, em um laboratório de Matemática. Entretanto, não podemos negligenciar a complexidade desta tarefa, principalmente quando o futuro professor é formado em cursos que não dão espaço para ele criar, inovar e dialogar com seus pares.

Para além dos sentidos apresentados por Ewbank (1971), Passos (2009, p. 90) afirma que o laboratório de Matemática “não pode ficar restrito a lugar ou processo, devendo incluir atitude”. Uma das propostas do laboratório de Matemática “é levar os estudantes a pensar por eles mesmos, a questionar, observar padrões - resumindo, desenvolver uma atitude de investigação matemática” (PASSOS, 2009, p. 90-91). Talvez essa seja a grande contribuição que esperamos do laboratório de Matemática. Entretanto, devemos ter consciência de que atingir esse objetivo não é uma tarefa simples. Antes de tudo, é necessário trabalhar com os licenciandos a criatividade e criticidade para desenvolver neles atitudes que lhes possibilitem levar para a sala de aula de Matemática atividades que tenham o potencial de desenvolver nos estudantes o que a autora chama de “atitude de investigação matemática”.

Quanto aos tipos de laboratório, baseado numa ampla bibliografia, Rodrigues (2011) nos apresenta a seguinte classificação:

  • depósito arquivo: compreende um local para guardar materiais que o professor pode utilizar em sua aula. O laboratório seria, então, um local específico e com uma função equivalente à de uma biblioteca;

  • sala de aula: visão semelhante àquela de lugar descrita por Ewbank (1971), ou seja, qualquer sala de aula pode e deve ser um laboratório, desde que o professor esteja preparado para provocar seus alunos com problemas, discussões e reflexões, promovendo aulas reflexivas com foco na aprendizagem da Matemática;

  • disciplina: uma componente curricular de diversos cursos de Licenciatura em Matemática com uma abordagem teórico-prática, ou seja, não é uma simples disciplina para instrumentalizar o futuro professor com atividades, mas sim para abordar temáticas recentes de pesquisa ligadas à Educação Matemática;

  • laboratório de tecnologia: além do laboratório de informática como espaço físico, o autor menciona o potencial do laboratório como espaço de aprendizagem colaborativa e de conhecimento compartilhado. Também é mencionado o laboratório de Matemática para o ensino à distância;

  • laboratório tradicional ou laboratório de Matemática: local onde se realizem experiências com materiais didáticos, com ênfase no ensino de procedimentos, numa acepção semelhante à do laboratório de Ciências para se ensinar o “método científico”;

  • laboratório de ensino de Matemática ou sala ambiente:7 local de realização de atividades com foco na vivência de processos, na reflexão e problematização e na promoção de atitudes para auxiliar o estudante na construção do conhecimento matemático. É a união do espaço físico do laboratório tradicional e da sala de aula, se tornando um só espaço seja para o ensino básico seja para a formação de professores de Matemática;

  • laboratório de educação Matemática ou agente de formação: concepção que engloba o laboratório de ensino de Matemática, mas se diferencia deste porque serve de local para a realização de atividades de ensino, pesquisa e extensão na formação inicial e continuada de professores de Matemática. Nesse sentido, o laboratório não somente visa à formação do professor como docente, mas também tem a possibilidade de inseri-lo no ambiente de pesquisa.

Lorenzato (2009) apresenta uma concepção de laboratório que serve também para criação de situações didáticas pedagógicas. Ou seja, além das aplicações com os alunos propriamente dito, o laboratório ainda serve como espaço de planejamento do professor. Trata-se de “um espaço para facilitar tanto ao aluno como ao professor, questionar, conjecturar, procurar, experimentar, analisar e concluir, enfim, aprender e principalmente aprender a aprender” (LORENZATO, 2009, p. 7).

Passos, Gama e Coelho (2007) mostram que leituras e atividades que propiciam a reflexão levam os licenciandos a mudarem suas concepções ao longo do tempo. A expectativa simplória de um laboratório como instrumento - o local que fornece materiais didáticos e que será suficiente para amenizar as dificuldades de aprendizagem - dá lugar a um espaço de reflexão sobre importantes aspectos teóricos e pedagógicos do uso dos materiais didáticos disponíveis em um laboratório (PASSOS, 2009; PASSOS; GAMA; COELHO, 2007).

Turrioni (2004) apresenta as potencialidades do laboratório como um espaço de reflexão na formação inicial do professor, pois o laboratório pode servir de local para desenvolvimento profissional, permitindo que o professor investigue sua própria prática com a finalidade de aperfeiçoá-la, além de buscar soluções criativas para serem desenvolvidas em sala de aula.

O laboratório pode ser um local tanto de interação entre a universidade e a instituição escolar quanto de formação de professores de Matemática. Nesse sentido, o laboratório de Matemática serve de espaço de aprendizagem para além dos muros da universidade, oferecendo atividades para alunos do ensino básico e oportunidades para os licenciandos realizarem seus estágios obrigatórios de modo supervisionado dentro da própria universidade (LOPES; ARAÚJO, 2007, CEDRO; MOURA, 2007).

As tecnologias digitais também têm papel importantíssimo neste ambiente. Conforme afirma Miskulin (2009, p. 159), “a relação com a tecnologia pode potencializar a capacidade de reflexão do professor, sobre seus processos de pensamento”. As tecnologias digitais acabam exigindo que o futuro professor se insira numa nova cultura profissional que pressupõe a busca de novas estratégias que favoreçam o processo de ensino de Matemática. Na visão da autora, o laboratório de Matemática“é considerado um cenário interativo de aprendizagem colaborativa e conhecimento compartilhado” (MISKULIN, 2009, p. 163).

Embora haja ênfase na utilização do laboratório há anos, Rodrigues (2011) aponta que a concepção de laboratório de Matemática como o local onde se realizam experiências com materiais didáticos, com foco no ensino de procedimentos, é a que mais prevalece entre os estudantes.

Porém, todas essas constatações não são recentes e vêm sendo discutidas há um tempo, como evidencia o trabalho de Oliveira (1983). Ao verificar as deficiências de um curso de licenciatura em Matemática salientadas pelos próprios licenciandos, a autora mostra, em sua pesquisa, que o laboratório de Matemática, enquanto espaço de formação, tem a potencialidade de aperfeiçoar a aprendizagem da Matemática nos ensinos básico e superior, além de servir de espaço para a formação inicial e continuada por meio de uma “educação permanente” e propiciar a integração da universidade com a comunidade ao seu redor. Nesse sentido, vemos que, no laboratório, as três bases - ensino, pesquisa e extensão - podem ocorrer de maneira integrada.

Consideramos essencial a concepção tríplice de laboratório de Matemática: lugar, processo e atitude (PASSOS, 2009). O aspecto mais importante dos trechos citados (BITTAR; FREITAS, 2005; EWBANK, 1971; LORENZATO, 2009; PASSOS, 2009) é, com certeza, a promoção de um laboratório como um processo, um local para experimentação do licenciando em Matemática, um espaço de criação e prática, que permita o errar e o refazer, a criatividade e a reflexão, desenvolvendo atitudes e a criticidade, ideias que poderão posteriormente ser refletidas e replicadas na sala de aula da Matemática da escola básica.

O LABORATÓRIO DE MATEMÁTICA DA FE/USP E AS DISCIPLINAS DE METODOLOGIA DO ENSINO

Ao longo das últimas décadas, o LabMat da FE/USP tem sido utilizado para oferecimento de diversas atividades, tais como: realização de disciplinas de graduação - principalmente dos cursos de Licenciatura em Pedagogia e Licenciatura em Matemática - e de pós-graduação; interação com os alunos, pais e professores da Escola de Aplicação (EA) da USP; formação continuada de professores por meio de projetos de extensão (FRANZONI; PANOSSIAN, 1999; CEDRO; MOURA, 2007); e reuniões de grupos de pesquisa, se inserindo na concepção de Laboratório de Educação Matemática trazida por Rodrigues (2011).

Dentre as disciplinas de graduação normalmente realizadas no LabMat estão as Metodologias do Ensino de Matemática I e II do último ano do curso de Licenciatura em Matemática do IME. Tais disciplinas, conforme apresentado na ementa do curso, possuem os seguintes objetivos:

-[...] -uma reflexão crítica sobre as concepções a respeito da Matemática partilhadas pelos licenciandos, bem como sobre a influência de tais concepções sobre a prática pedagógica; - -a articulação entre os temas tratados nas disciplinas pedagógicas e os conteúdos matemáticos do restante do currículo da Licenciatura; -o estabelecimento de pontes entre os conteúdos das diversas disciplinas do currículo da Licenciatura e aqueles que os licenciandos irão lecionar na escola básica; -a conscientização sobre a situação do ensino de Matemática no Brasil e em outros países, por meio de contatos com currículos, programas e outros materiais didáticos; -a prática efetiva do ensino de Matemática, por meio de estágios supervisionados, aulas simuladas, docência orientada, bem como de outros trabalhos diretamente relacionados com a ação docente. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP, 2010a, 2010b)

Percebe-se então a importância dada aos vínculos que se devem estabelecer entre os conhecimentos adquiridos nas disciplinas pedagógicas e naquelas de conteúdos matemáticos, além das relações entre teoria e prática, seja a partir do estágio obrigatório - 60h em cada uma das disciplinas - seja por meio dos trabalhos que permitam a prática simulada entre os próprios licenciandos.

Para que estes objetivos fossem cumpridos com maior êxito, durante 2016 as aulas de Metodologia I e II ocorreram no LabMat da FE/USP. O programa de ambas as disciplinas foi composto por um conjunto de aulas teóricas, sobre temáticas atuais de Educação e de Educação Matemática, e outro grupo de aulas denominadas oficinas que, além dos aspectos teóricos, possuíam uma parte prática em que os licenciandos planejavam, executavam e discutiam atividades. Houve ainda, nas duas disciplinas, tempo para preparação e discussão de planos de aulas com potencial de serem aplicados no estágio ou na futura carreira docente, para os relatos das experiências de estágio e, no final de cada semestre, um conjunto de aulas para apresentações de seminários.

Especificamente sobre o curso de Metodologia do Ensino de Matemática I, as aulas teóricas abordaram as seguintes temáticas: concepções de matemática, de ensino de matemática e implicações para o ensino; objetivos e conteúdos de matemática nos currículos; perspectivas psicológicas e o ensino de matemática; e avaliação no ensino de matemática. As aulas práticas trouxeram aspectos didático-pedagógicos e oficinas sobre geometria e medidas, álgebra, história da matemática e ensino e tecnologias educacionais e projetos transversais.

A oficina da aula sobre geometria e medidas, por exemplo, foi organizada em torno de três módulos de atividades que os alunos deveriam desenvolver em grupo. O primeiro tratava do uso do geoplano em atividades de diferentes níveis, desde as ideias iniciais de perímetro e área, para os anos iniciais do ensino fundamental, até as possibilidades de conexão com a álgebra, como desenvolver uma demonstração para o Teorema de Pitágoras. O segundo módulo era composto por atividades para serem desenvolvidas com embalagens recicláveis, relacionando geometria plana e espacial, além de questões como a economia de material, em relação à capacidade, e a forma da embalagem. O terceiro módulo trazia um conjunto mais heterogêneo de atividades, como os poliminós, sobre os favos de mel e a otimização das formas.

A aula sobre história da matemática e ensino, que contou com a presença de um professor convidado, teve uma oficina de produção de tabletes de argila para estabelecer relações entre ensino, história e conhecimento matemático na antiga Mesopotâmia.

A aula sobre tecnologias educacionais e projetos transversais, ministrada pela monitora da disciplina e realizada no Laboratório Integrado de Educação e Tecnologia (Liet) da FE/USP, foi desenvolvida no formato de uma oficina na qual os alunos puderam conhecer as potencialidades de plataformas educacionais, como a Khan Academy e a Mangahigh.

Nessa disciplina, os alunos ainda realizaram uma pesquisa em grupo sobre conteúdos de Matemática (como, por exemplo, geometria plana e espacial, trigonometria, funções, polinômios, estatística, etc.), trazendo uma abordagem histórica do conteúdo e ideias de atividades. Os trabalhos foram entregues na forma escrita e apresentados como seminário no final do semestre. As apresentações orais foram divididas em duas partes: uma expositiva e outra prática, na qual os integrantes dos grupos expuseram uma de suas atividades para que a turma a realizasse como uma prática simulada. Ao final, o grupo, em conjunto com docente e a monitora, deveria mediar uma reflexão sobre diferentes aspectos matemáticos e pedagógicos de cada atividade proposta.

Em relação à Metodologia II, as aulas teóricas trataram de: plano de ensino e plano de aula, resolução de problemas, matemática, criatividade e espaços de educação não formal e educação especial e ensino de matemática. As aulas práticas abordaram aspectos didático- -pedagógicos e ofereceram aos estudantes oficinas com atividades de medidas, probabilidade e estatística e erros e dificuldades de aprendizagem em álgebra.

Na aula sobre erros e dificuldades, por exemplo, além da discussão de um texto selecionado pelo docente, os licenciandos deveriam trazer relatos das experiências de estágios ou de algum momento que observaram alunos com dificuldades de aprendizagem de conteúdos algébricos.

A aula sobre o ensino de medidas teve a participação de um professor convidado, para a aplicação de uma atividade cujo tema perpassava todos os anos dos ensinos fundamental e médio, para discutir como podemos abordar uma mesma temática ou adaptar uma mesma atividade de acordo com os diferentes níveis de escolaridade dos estudantes.

Nessa disciplina, os alunos realizaram três trabalhos ao longo do semestre. O primeiro deveria ser feito em conjunto com a regência de aulas, no estágio obrigatório. A proposta de regência deveria contemplar o uso de algum livro de divulgação, vídeo ou filme, jogos ou aplicativos - materiais com potenciais pedagógicos explorados em algumas aulas das duas disciplinas. Os alunos se uniram em grupos para a produção de tal trabalho e, embora nem todos realizassem os estágios na mesma escola ou no mesmo nível de ensino, o objetivo era que se unissem por conteúdo ou tema em comum. O trabalho foi apresentado na forma escrita e oral, mostrando as propostas de aula e os relatos das respectivas regências.

O segundo trabalho possuía uma versão escrita e uma apresentação de seminários de planos de aula utilizando tecnologias educacionais. Por fim, para o terceiro trabalho, o estudante deveria visitar um museu ou outro espaço de educação não formal e preparar um roteiro de visita e plano de aula com conteúdos matemáticos que pudessem ser trabalhados em tais espaços.

Ao longo do ano, foram colocadas perguntas a respeito da dinâmica que estava ocorrendo durante as aulas das duas turmas, em particular a maneira como os estudantes foram ganhando autonomia no desenvolvimento das atividades e o modo como o diálogo estava sendo estabelecido em sala de aula. Esses fatos causaram inquietação no docente e na monitora. Foi nesse ambiente que surgiu a pesquisa aqui apresentada, na qual pretendemos argumentar acerca de alguns aspectos que consideramos relevantes na formação do futuro professor. Nomeadamente, mostraremos como um ambiente como o laboratório de Matemática, para além dos materiais que disponibiliza, pode servir de espaço de reflexão e criatividade. Para isso, utilizamos a opinião dos próprios estudantes com a finalidade de compreender as suas concepções de prática de ensino de Matemática e o papel que o laboratório de Matemática e as atividades práticas estavam ocupando nas suas percepções como futuros professores.

Antes de descrevermos o estudo exploratório, é importante mencionar que o curso de Licenciatura em Matemática possui em sua grade curricular uma disciplina denominada Laboratório de Matemática (USP, 2006). Esta disciplina pertence ao primeiro ano do curso e tem como objetivos pedagógicos “apresentar situações-problema que desafiem e impulsionem a autonomia e pensamento dos alunos; discutir tópicos relevantes do Ensino Básico, tendo em vista propiciar um embasamento conceitual adequado” e “favorecer a compreensão da natureza do pensamento, da linguagem e do fazer matemáticos”. Tais objetivos são bastante distintos dos propostos para as disciplinas de Metodologia do Ensino de Matemática I e II, focos deste estudo.

O ESTUDO EXPLORATÓRIO

As discussões que apresentaremos acerca da importância do laboratório de Matemática na formação de professores estão baseadas num estudo exploratório realizado com alunos de duas turmas (diurno e noturno) do curso de Licenciatura em Matemática do IME-USP na disciplina de Metodologia do Ensino de Matemática II, no segundo semestre de 2016. Contudo, conforme detalharemos, os dados coletados e as nossas discussões também se referem à disciplina de Metodologia do Ensino de Matemática I, realizada no primeiro semestre do mesmo ano, já que se trata do mesmo grupo de alunos em ambos semestres.

Como forma de obter a opinião desses licenciandos em relação à disciplina, o estudo exploratório foi realizado por meio de uma enquete on-line (ver Quadro 1), utilizando a ferramenta Survey Monkey,8 nas últimas semanas de aula da disciplina de Metodologia do Ensino de Matemática II.

Para corroborar e complementar as informações obtidas na enquete, também citamos trechos de alguns dos trabalhos e relatórios desenvolvidos pelos estudantes, predominantemente, na disciplina estudada no segundo semestre e 2016. Foram escolhidos alguns exemplos de trabalhos pela sua originalidade ou que evidenciaram a importância das contribuições por meio de reflexões e troca de experiências com seus pares durante a disciplina.

Para a enquete, foram elaboradas seis questões (ver Quadro 1), das quais cinco eram dissertativas. Optamos por esse modelo para garantir que as respostas de cada pessoa fosse o mais fiel possível às suas opiniões, não sendo passível de ser direcionado por terceiros ou pelos avaliadores. Para fins de discussão e limite de espaço, focaremos apenas nas respostas às perguntas 2, 3 e 4 em nossa análise.

QUADRO 1:
ENQUETE REALIZADA COM OS ALUNOS NA DISCIPLINA DE METODOLOGIA DO ENSINO DE MATEMÁTICA II

A participação dos alunos foi voluntária e anônima. Além disso, podemos dizer ainda que os alunos possuem perfis bastante heterogêneos em relação a idade, formação e o semestre em que se encontrava no curso, sendo que muitos já atuavam como professores. Por isso, não consideramos eventuais diferenças de concepções de Matemática e de ensino de Matemática entre eles, mas valorizamos a visão do que esperavam dessa disciplina.

Como já mencionamos, as disciplinas de Metodologia do Ensino de Matemática I e II, se cursadas no período ideal, pertencem ao último ano do curso. Porém, por diversos motivos que não interferem nos resultados desta pesquisa, existem alunos que não estavam no seu último ano de graduação.

É importante mencionar que existe a possibilidade de cursar ambas as disciplinas no mesmo ano ou cursar Metodologia I em um ano e Metodologia II no ano seguinte. Neste estudo, não levamos esses aspectos em consideração e analisamos as respostas tanto dos alunos que cursaram apenas Metodologia II, com o referido docente, quanto dos que cursaram ambas em 2016.

No total, participaram 30 alunos de 55 matriculados nos dois períodos, correspondendo a uma adesão de, aproximadamente, 55%. Destes, apenas quatro não cursaram Metodologia do Ensino de Matemática I no 1º semestre de 2016.

Sabemos que a análise de respostas, no viés qualitativo, é algo que levanta muita discussão, pois não há um consenso ou uma metodologia comum a todos - e talvez esta seja uma das características de maior importância no ambiente da pesquisa, pois permite que um determinado objeto possa ser analisado sob diferentes olhares e perspectivas. A abordagem qualitativa tem sido cada vez mais adotada como alternativa à rigidez positivista, especialmente, para pesquisas em Educação e Ciências Sociais (ALVES; SILVA, 1992). D’Ambrósio (2004), corroborando a mesma linha, afirma que a pesquisa qualitativa é uma forma de valorizar a opinião e as ideias das pessoas, buscando dar sentido a discursos e narrativas que não ficariam evidentes em uma pesquisa quantitativa.

O uso de entrevistas semiestruturadas ou de questionários abertos permite uma análise qualitativa de dados que seja mais fiel à opinião do indivíduo pesquisado. As interpretações podem partir do pesquisador que, segundo Alves e Silva (1992), torna-se o próprio instrumento de trabalho, baseando-se em sua experiência no tema. Porém, como as próprias autoras enfatizam, tal método pode ser questionado em relação ao rigor metodológico na coleta dos dados. No entanto, com uma visão clara sobre o que se deseja pesquisar a respeito dos sujeitos, com o apoio de uma referência teórico-metodológica por parte do pesquisador, esse problema pode ser minimizado por meio da sistematização dos dados e pela complementação textual (ALVES; SILVA, 1992).

Para o tratamento dos dados, utilizamos o procedimento teórico- metodológico dos Modelos Organizadores do Pensamento (MORENO et al., 2000) por tratar-se de uma metodologia que nos permite abstrair as categorias e os significados atribuídos nas respostas qualitativas dos entrevistados a posteriori. Por termos optado por questões dissertativas para a coleta de dados, essa metodologia tornou-se a mais adequada para a análise dos resultados, permitindo que as respectivas categorias constantes nos gráficos 1, 2 e 3 fossem representadas pelas respostas dos estudantes. Na psicologia educacional, há diversos estudos que já adotam essa metodologia para a análise de dados qualitativos, como, por exemplo, os de Pátaro (2011) e Araújo (2013).

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

No Gráfico 1 podemos observar as expectativas dos alunos quando indagados sobre suas concepções de práticas de ensino antes de cursarem a disciplina de Metodologia do Ensino de Matemática I (questão 2).

GRÁFICO 1:
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS DOS ALUNOS PARA A QUESTÃO 2

Verifica-se que parte significativa dos estudantes (43%), antes de cursarem as disciplinas, não possuía uma concepção específica sobre as práticas de ensino. Nas respostas analisadas encontramos frases como “Eram poucas”, “Antes de cursar as disciplinas, creio que minhas concepções eram bastante rasas”, ou alunos que afirmaram já terem tido contato prévio com metodologias de ensino diferentes da tradicional, mas não especificam quais. Ao indicarem que não possuíam concepções de práticas de ensino, podemos conjecturar que parte dos estudantes talvez não soubesse o que iria aprender em Metodologia do Ensino de Matemática I e II.

A segunda maior porcentagem (20%) corresponde aos alunos que consideravam prática de ensino a ação de “ensaiar” a regência em sala de aula. Embora esse seja um aspecto importante, não podemos resumir as práticas de ensino a esse único fato. Inclusive, uma das propostas da disciplina era incentivar os licenciandos a serem protagonistas na sala de aula e não apenas meros espectadores, como normalmente ocorre em um contrato didático clássico:

Imaginava que aprenderíamos coisas mais específicas de como ensinar cada conteúdo. Mais ou menos como um passo a passo de como ensinar o conteúdo de funções por exemplo. Fiquei bem satisfeito que eu estava enganado. (Estudante 20)

Essa mudança de perspectiva em relação ao que se esperava do curso e o que realmente foi aprendido também pode ser constatada nos relatórios finais de estágio, como no trecho a seguir:

Por ser uma matéria que traz uma proposta diferente da que estamos acostumados, deixei de ser uma mera espectadora e passei a ser protagonista das situações de sala de aula. A disciplina nos desafia a lidar com a autonomia de ministrar aulas e passamos a ter o professor como tutor que observa. (Estudante Y9)

O Gráfico 2 apresenta os aspectos que, segundo os estudantes, mais contribuíram para sua formação como futuros professores após terem cursado ambas as disciplinas.

As oficinas e a aula sobre tecnologias educacionais compõem a categoria mais citada, com 42% dos estudantes mencionando a importância destas aulas. Unimos estes dois tópicos em uma única categoria devido à natureza das atividades desenvolvidas nestas aulas. Um dos aspectos mencionados foi a importância de motivar os alunos a aprender Matemática.

A variedade de métodos alternativos, jogos, sites, vídeos e muitas outras maneiras incomuns de se ensinar certamente me ajudarão a mostrar o lado mais bonito da matemática aos alunos. (Estudante 30)

As oficinas me chamaram muita atenção pela diferença das coisas que estamos acostumados a ver em todas as matérias que temos e percebi que podem me ajudar em sala de aula. (Estudante 15).

GRÁFICO 2:
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS DOS ALUNOS PARA A QUESTÃO 3

Os estudantes apontaram também a importância das oficinas para o professor se colocar no lugar do aluno, o que incorre em antecipar dificuldades e pré-requisitos essenciais para um bom desenvolvimento da atividade. Tal atitude é uma habilidade fundamental a ser desenvolvida por um bom professor, mas isso só será possível se esses alunos, futuros professores, forem incentivados desde cedo a refletirem com os seus pares sobre os materiais, as propostas metodológicas e os planos de aulas desenvolvidos e aplicados em diferentes contextos. De fato, isso é importante, pois cada sala de aula possui uma realidade particular, mas a prática simulada, como propomos nas oficinas, tem papel relevante nessa reflexão sobre as questões que podem surgir na aplicação de atividades em uma sala de aula real.

No trabalho escrito, de uma dupla de alunos, por exemplo, foi mencionada a dificuldade que tiveram em encontrar o material para realizar uma atividade planejada inicialmente para o ensino de equações algébricas, mas conseguiram uma alternativa mais eficaz do que o esperado, como podemos observar no seguinte relato:

Durante o planejamento pensamos em utilizar uma balança real, para ilustrar o conceito de igualdade usando objetos com pesos diferentes. Isso se mostrou inviável, uma vez que a escola não dispunha de nenhum material semelhante e para levar o material para a escola a distância, transporte, o peso e mesmo encontrar tal material se demonstrou uma enorme dificuldade. Dessa dificuldade que acabamos desenvolvendo a ideia das formas geométricas recortadas em papel para trabalhar as igualdades, o que se demonstrou uma escolha muito mais prática e com um retorno educacional acima do esperado. (Estudantes F e I)

O trecho acima refere-se a uma intervenção que os alunos deveriam realizar em seus estágios obrigatórios. Notamos que a dupla de estudantes enfrentou uma situação corriqueira em muitas escolas públicas: a falta de material. Porém, eles decidiram rever o planejamento e prepararam um novo instrumento para aplicar em sala de aula (Figura 1). Consideramos essa tomada de decisão e atitude fatores extremamente importantes para uma atuação mais efetiva e proveitosa do futuro docente diante das dificuldades encontradas na aplicação de atividades.

FIGURA 1:
IMAGEM DO MATERIAL CONFECCIONADO POR ESSES ALUNOS

O segundo tópico que aparece como relevante para os alunos (17%) envolve as orientações gerais de como desenvolver um planejamento pedagógico, planos de aulas e sequências didáticas. Nas aulas, enfatizamos a importância do currículo, do projeto político pedagógico e de outros documentos que direcionam a atividade docente. Foram exploradas as questões referentes ao planejamento de aulas, de modo que eles, como futuros professores, sempre tenham de forma clara os objetivos de uma aula, os conteúdos a serem ensinados, os métodos que serão utilizados e as diferentes formas de avaliar as atividades propostas.

Outro ponto mencionado foi a dificuldade de avaliar qual material disponível é adequado para cada situação de ensino. Um aluno indicou o fato de termos uma grande quantidade de materiais disponíveis, tanto em acervos on-line quanto em centros de ensino, mas ter dificuldade de adaptar os materiais ou a própria aula para abordar o conteúdo.

Apesar de na internet termos muitas atividades prontas é bastante complicado selecionar qual usar para abordar qual conteú do. Muitas vezes a proposta da atividade pronta não é aquela que você quer abordar e como elas na maioria das vezes não são adaptáveis o que deve ser adaptada são as aulas e o conteúdo abordado. (Estudante 20)

Sabemos que o processo de sistematização, organização e planejamento daquilo que se pretende executar, da escolha de materiais e da sua adaptação para uma situação específica não é algo simples. O futuro professor precisa compreender o planejamento e praticá-lo ainda em sua formação inicial. Isso é mencionado nos seguintes relatos:

A dificuldade maior foi em adaptar algo para os alunos, já que eles tinham muita dificuldade com matemática. (Estudante 28) A dificuldade maior é escrever o que você pensou de uma maneira sistemática. (Estudante 13)

Notamos que diversos estudantes perceberam que a elaboração de um plano de aula exige muito mais que conhecimento do conteúdo e criatividade, requerendo também um planejamento assertivo e conciso com os objetivos que se deseja obter por meio da atividade. Muitos deles puderam aplicar essas propostas em seu estágio obrigatório da disciplina e, com isso, experimentar as dificuldades que podem enfrentar em sala de aula, como mostram alguns relatos.

Antes, eu acreditava que bastava explicar direito e o objetivo seria atingido. Mas com a matéria, vi que a coisa depende muito mais do aluno. Devemos investigar seus erros, trabalhar com suas vontades. Trabalhar para ganhar o aluno, e não apenas explicar bem. (Estudante 30)

Eu imaginava que ensinar era apenas uma transmissão de conhecimentos, onde eu deveria cumprir uma meta predeterminada. (Estudante 15)

Portanto, por meio desses depoimentos, é possível constatar a relevância de abordar tais conteúdos, como oficinas e orientações para elaborar um planejamento didático, na formação do futuro professor de Matemática. É importante, ainda, incentivar os estudantes de licenciatura a conhecerem e terem acesso a centros de aperfeiçoamentos de ensino e também aos laboratórios de Matemática, quando existirem na universidade. Muitas vezes, esses espaços são pouco aproveitados pelos alunos, mesmo após o término da graduação, por falta de tempo ou até mesmo desconhecimento. Incentivamos, então, a divulgação das atividades desenvolvidas nesses espaços por meio de redes sociais e páginas próprias da web, além da opção de oferecimento de cursos à distância.

Finalmente, o Gráfico 3 mostra que 56% dos alunos consideraram que as atividades realizadas durante as duas disciplinas contribuíram para a sua reflexão de como atuar em sala de aula. Os relatos dos alunos são variados, mas é possível notar que não só as atividades como as leituras obrigatórias foram importantes em sua formação. Também o contato com diversas teorias e pesquisas ligadas à Educação e à Educação Matemática foi muito esclarecedor para os estudantes. Alguns exemplos estão em seus depoimentos:

As leituras dão embasamento teórico para o planejamento das aulas. As atividades e oficinas sempre nos inspiram ou nos dão alguma ideia para quando não conseguimos pensar além da aula tradicional expositiva. E as discussões me ajudaram a ver com novos pontos de vista. (Estudante 25)

GRÁFICO 3:
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS DOS ALUNOS PARA A QUESTÃO 4

Os aspectos teóricos foram mencionados como fator importante para o planejamento das aulas. O relato apresentado a seguir é de extrema importância, pois, como mostramos, um dos objetivos da disciplina é fazer com que os alunos percebam a importância de realizar uma reflexão crítica dos aspectos teóricos da Matemática e como isso pode interferir nas suas práticas pedagógicas.

Acredito que no meu caso, que cursei as duas disciplinas, pude aproveitar conteúdo das oficinas e atividades do primeiro semestre e aplicar no estágio no segundo. Pensando de maneira mais ampla, conhecer diferentes atividades amplia as maneiras com que o professor pode trabalhar um mesmo conteúdo, o que é bastante útil, uma vez que uma mesma atividade certamente não funcionará com todas as turmas. (Estudante 26)

O modo como uma mesma atividade pode variar, de acordo com o perfil de uma turma, foi considerado um fator relevante. Nesse sentido, o aluno menciona a importância de conhecer um leque de abordagens para que sua atuação seja mais efetiva.

Contribuíram com a ampliação dos conhecimentos nossos em relação à escolarização básica de modo geral (tópicos matemáticos, interação com alunos). E no estágio somos testados em situação real de ensino. (Estudante 10)

Acredito que essas duas disciplinas contribuíram para aprimorar o meu olhar como docente em relação às minhas práticas antigas de sala de aula, que se baseavam em premissas contrárias ao bom desenvolvimento das aulas, como por exemplo, ser muito rígido ou não me basear na opinião dos alunos para construir as aulas. O embasamento que é garantido em vários tópicos matemáticos nas disciplinas de metodologia, me auxiliaram a criar uma visão diferente e a colocar o aluno em um papel mais ativo e observá-los além dos conteúdos da disciplina. (Estudante 17)

Uma das atitudes que a disciplina pretendia mudar nos estudantes, enquanto futuros professores, é o fato de muitos deles não se basearem na opinião dos alunos ou não darem voz para os mesmos no momento em que se planejam as aulas. Consideramos este ponto extremamente relevante, pois o conhecimento que o professor espera que seus alunos construam também deve ser trabalhado em conjunto com aquilo que o próprio estudante espera, de modo que haja comunicação e interação entre ambos os personagens presentes na sala de aula. No último relato, observamos justamente a valorização desta atitude ativa do aluno e das oportunidades que o professor pode proporcionar aos seus alunos para um aprendizado mais efetivo nas aulas de Matemática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O laboratório de Matemática pode exercer papel relevante para a formação de professores de Matemática, ao oferecer materiais de ensino e espaço para tratar de atividades práticas, buscando oportunidades para que os alunos reflitam sobre as ideias já prontas e estimulem sua própria criatividade (OLIVEIRA; ALENCAR, 2007) para atingir os objetivos de uma aula. Nosso estudo mostra que o laboratório de Matemática tem a potencialidade de gerar reflexões por parte dos licenciandos, repensando suas concepções de prática de ensino e incentivando-os a compreenderem a importância da criatividade, como eles mesmos atestam ao valorizarem o desenvolvimento das oficinas e das tecnologias educacionais.

Vale ressaltar que, para exercitar a criatividade, é fundamental estarmos com a nossa mente livre de preocupações que possam interferir na forma de encontrar novas soluções (CSIKZENTMIHALY, 1996). Por isso, o laboratório de Matemática passa a ser fundamental para o exercício da criatividade nos licenciandos, já que nesse espaço eles poderão testar, validar com os seus pares e encontrar novas estratégias para ensinar um conteúdo específico, sem a preocupação direta por resultados, cronogramas e avaliações que são o cotidiano do professor que já se encontra em atuação. Por isso, se a criatividade do licenciando não for exercitada antes de ir para a sala de aula, dificilmente ele terá a oportunidade de desenvolvê-la quando já estiver em atuação.

Além disso, o laboratório de Matemática oferece também espaço de reflexão. Ao discutirem e refletirem sobre questões inerentes ao trabalho do futuro professor em sala de aula, os alunos se colocam numa posição ativa diante das necessidades de sua sala de aula. Quando nos referimos, por exemplo, à falta de material e ao fato de dois alunos se mobilizarem para reverem o planejamento, estamos promovendo no laboratório de Matemática uma formação de professores reflexivos, críticos e ativos, corroborando a perspectiva teórica adotada (EWBANK, 1971; PASSOS, 2009; PASSOS; GAMA; COELHO, 2007).

Por meio da percepção dos alunos sobre os aspectos citados como relevantes no que diz respeito à fundamentação teórica, inferimos que a formação do professor de Matemática deve propiciar momentos para criar, testar e refletir com seus colegas para desenvolver, ao longo do tempo, habilidades que possam prepará-los para as adversidades que a sala de aula os colocarão.

Ao fazer uso do laboratório de Matemática na formação de professores, chegamos a cinco pontos que consideramos de extrema relevância que os nossos licenciandos reconheçam no momento de sua formação: conhecer diferentes materiais didáticos identificando suas potencialidades e limitações, mas compreender antes de tudo que a mediação dele como professor será imprescindível para a eficiência de tais materiais em sala de aula; saber a importância da criatividade no processo de planejamento, criação e desenvolvimento de atividades de ensino para atingir as necessidades de seus alunos; saber a importância de trabalhar em parceria com outros colegas de profissão - da Matemática e das demais áreas - na medida em que o processo de ensino e aprendizagem se dá por meio da interação e do compartilhamento de conhecimentos com o outro; compreender a importância do planejamento para a atividade docente e conhecer suas limitações, já que o ambiente de sala de aula envolve a interação e a criatividade dos alunos; por fim, mas não menos importante, reconhecer a complexidade envolvida no processo de ensino e aprendizagem da Matemática, agindo criticamente diante das adversidades que aparecem nas aulas de Matemática.

Outros aspectos também devem ser levados em consideração, mas acreditamos que os cinco apresentados anteriormente ajudam na atuação do futuro professor de Matemática no ensino básico de maneira condizente com a realidade atual do ensino de Matemática em nosso país. Ao tornar as aulas de Prática de Ensino em um verdadeiro laboratório de Matemática, estamos contribuindo não somente para a formação do futuro professor, mas também para a qualidade da aprendizagem de nossos alunos da educação básica.

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Notas:

  • 1
    Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada no VIII Congreso Iberoamericano de Educación Matemática realizado em julho de 2017 na Universidad Complutense de Madrid. Além disso, o presente trabalho foi realizado com apoio parcial da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - Código de Financiamento 001.
  • 2
    Denominamos disciplinas pedagógicas aquelas relacionadas aos fundamentos da Educação (Filosofia, Sociologia e História da Educação), às políticas e administração educacionais e a outros tópicos específicos da Educação (educação de jovens e adultos, educação especial, psicologia educacional, etc.).
  • 3
    Conforme detalharemos adiante, há distintos termos adotados para fazer referência ao laboratório de Matemática, como, por exemplo, laboratório de ensino de Matemática ou laboratório de Educação Matemática. Contudo, adotamos em nosso estudo o termo mais comum, ou seja, simplesmente laboratório de Matemática.
  • 4
    No original: “To lead, non only the pupils, but also the teachers, and moreover the society to a more exact notion of what are mathematics and their actual role in modern life, it will be necessary to do more, and to create real mathematics laboratories. I think that this question is very important and should be studied very seriously”.
  • 5
    Informação fornecida por Borel em Paris, na conferência em Musée Pédagogique, em 1904.
  • 6
    No original: “The phrase is used to mean a place, a process, a procedure. As a place, it is a room set aside for mathematical experiments and practical activities. […] This latter use of the term as a process and a procedure is far more important because not every school could have a mathematics laboratory but every school or individual teacher could use this method of teaching”.
  • 7
    A expressão sala ambiente é trazida pelo autor a partir de uma pesquisa de Aguiar (1999 apud RODRIGUES, 2011).
  • 8
    Survey Monkey (https://www. surveymonkey.com) é uma plataforma que permite a criação de enquetes de forma gratuita ou paga. A versão paga fornece ferramentas automáticas e sofisticadas para a análise dos dados. Em nossa pesquisa, utilizamos a versão gratuita e a análise dos dados foi realizada pelos próprios autores.
  • 9
    Abreviamos os seus nomes para preservar o anonimato.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2018
  • Aceito
    07 Ago 2018
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