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RESENHAS

Bernardete A. Gatti

Fundação Carlos Chagas e PUC/SP gatti@fcc.org.br

O PROFESSOR E A PESQUISA

Menga Lüdke (coord.), Cleonice Puggian, Filipe Ceppas, Rita Laura Cavalcante, Suzana Lanna B. Coelho.

Campinas: Papirus, 2001, 112p.

O título do livro mostra uma posição cautelosa em relação ao tema. As autoras optaram por um título que deixa espaço à diferenciação entre práticas de pesquisa e práticas de ensino – O professor e a pesquisa –, abrindo com isso uma reflexão sobre os espaços de intersecção e não supondo uma superposição arbitrária das duas modalidades de prática. Isto nos parece muito positivo diante de posições que associam ensino e pesquisa como elementos de mesma natureza, reduzindo um ao outro, passando por cima de especificidades e condições de realização que são muito díspares. Onde e em que condições esse encontro pode se dar e produzir frutos concretos interessantes para professores e alunos no âmbito da educação básica?

Trata-se, neste livro, de discutir a relação entre a formação ou o exercício da docência na educação básica e a idéia, difundida em certos meios, de que o exercício da pesquisa pelo professor/futuro professor pode ser fator importante para a qualidade das suas práticas. Fruto de um estudo realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq –, a equipe de pesquisa norteou-se pela busca da compreensão sobre a possibilidade de articular pesquisa e prática no trabalho e na formação de professores, guiando-se por perguntas que a idéia de professor pesquisador suscita, especialmente quando se trata do exercício docente na educação fundamental e média.

Já para o ensino superior esta discussão não é pacífica, tornando-se mais complexa do que quando feita para o âmbito da educação fundamental. Baseando-se em problemas levantados por vários autores brasileiros que têm abordado esse assunto, toma-se como espaço de investigação o campo de trabalho desses professores, procurando lançar luz sobre como esses profissionais vêem sua relação com a pesquisa. Quatro foram as instituições participantes da investigação, a qual se iniciou com contactos com gestores e coleta de informações diversas e, especificamente, sobre atividades de pesquisa que professores realizavam, com o que se definiram critérios para realizar entrevistas com os docentes que a instituição considerou que faziam pesquisas. Ao todo foram feitas setenta entrevistas. Os pontos abordados referem-se ao tipo de pesquisa feito, concepções de pesquisa, formação para a pesquisa, apoios formativos ao trabalho de investigação, apoios específicos e estímulos, entre outros. As análises conduziram à constatação de que os trabalhos realizados pelos professores pesquisadores mostram: elasticidade em relação ao conceito de pesquisa, acomodando uma boa variedade de atividades; ambigüidades na relação ensino-pesquisa; que a formação do professor para o exercício da pesquisa tem precariedades visíveis, sendo que a formação continuada para a pesquisa, ao longo do trabalho docente, não se apresenta com papel bem delineado; que o trabalho em grupo para o desenvolvimento de pesquisa na escola é realmente raro, ainda que se declare interesse por essa forma de trabalhar. Verificou-se também que nas escolas estudadas há condições razoáveis para que os professores pesquisem, o que não ocorre nas escolas da rede comum, com o que se "poderia esperar melhor aproveitamento dessas condições favoráveis para o desenvolvimento de pesquisas" (p.95) nas escolas estudadas.

Ponto-chave em todo o trabalho é a questão do que se entende por professor pesquisador e por pesquisa. O grande mérito do texto está em discutir esses conceitos sob diferentes ângulos mostrando perspectivas variadas, problemas e impasses que surgem, quer nas discussões presentes na bibliografia, quer na prática cotidiana das escolas. Os limites são vários e estão incrustados nas expectativas de papel dos professores da educação básica e na estrutura de gestão e de currículo. As limitações são muitas, indo das dificuldades de apoio real e compreensivo de instituições universitárias e de pesquisadores mais experientes à incorporação pelos professores, em seu dia-a-dia, de uma atitude de investigação quanto ao seu trabalho, à possibilidade de acesso a informações, aos estímulos a uma reflexão constante sobre a escola, os alunos, o currículo, o conhecimento disciplinar etc.

Assinalamos três contribuições importantes deste texto. A primeira, é a análise articulada das discussões sobre o conceito de reflective practitioner em suas relações com a questão da prática orientada pela pesquisa, fazendo laços com o debate sobre os saberes docentes e a relação teoria-prática, o que conduz a um olhar instigante sobre a produção de conhecimentos pelo professor de educação básica. A segunda, é a análise sobre a importância da pesquisa para o trabalho docente, e mostra que é difícil encontrar trabalhos acadêmicos que enfrentem de fato a questão da propriedade do conceito de pesquisa, tal como admitido nos meios acadêmicos, quando se visa discutir a problemática da atividade de pesquisa realizada por professores de educação básica. Conclui: "...ao se visualizar o que de fato fazem os professores sob essa denominação, fica patente a insuficiência do conceito corrente para dar conta de modo satisfatório de uma tal variedade de manifestações, muitas delas não atingindo sequer critérios mínimos comumente por ela requeridos" (p.99). A terceira, refere-se à necessidade de sinalizações que propiciem caminhos para o clareamento dessa situação com base nas contribuições de Pedro Demo (1994), Jacques Beillerot (1991) e Martyn Hammersley (1993).

O assunto não é simples pois se trata das formas de construção de conhecimentos, o que abrange uma gama enorme de possibilidades. Há sempre dúvidas conceituais e semânticas ao se falar em "professor refletindo sobre suas ações" ou em "professor pesquisador". Agregam-se a estas dúvidas as condições para a prática da pesquisa nas escolas, pelos professores, tais como a cultura da própria escola, os tempos didáticos, os apoios necessários (humanos, intelectuais, financeiros e materiais), as relações com instituições produtoras de pesquisa e com as administrações escolares, as relações com associações científicas e de classe, os contratos de trabalho. O texto arrisca-se nesse emaranhado trazendo um pouco de luz para o trato do tema.

Eleny Mitrulis

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo mitrulis@uol.com.br

ENSINO MÉDIO: MÚLTIPLAS VOZES

Miriam Abramovay e Mary Garcia Castro (coord.)

Brasília: Unesco, MEC, 2003, 662p.

ESCOLA E JUVENTUDE: O APRENDER A APRENDER

Regina Magalhães de Souza

São Paulo: Educ, Fapesp, Paulus, 2003, 271p.

Tem-se registrado nos últimos anos um movimento crescente de pesquisas e publicações que ousam abordar questões até recentemente distantes da produção acadêmica. Este é o caso dos estudos sobre educação que procuram associar a dimensão empírica quantitativa e as representações sociais dos atores envolvidos. A razão desse movimento é que depois de mais de uma década de grandes reformas educativas instituídas no nível central, torna-se cada vez mais evidente que mudanças ocorrem somente quando há uma apropriação local dos atores diretamente envolvidos. Uma apropriação que se dá nos limites de suas possibilidades, sejam estas referidas às suas condições materiais, sejam às suas representações no que tange ao papel da escola e a todos os demais aspectos daí decorrentes. Mesmo quando a reforma resulta da intervenção de uma representação nacional fundada na legitimidade democrática, é mais provável que a escola modifique a reforma do que seja por ela modificada. Esta é a razão do crescente empenho em conhecer o que efetivamente pensam da escola os alunos e os educadores responsáveis pela sua formação.

As representações sociais são elaborações mentais, construídas socialmente, que dão conta do posicionamento do sujeito em relação a determinado objeto e indicam uma provável orientação para a ação. Identificá-las, compreender sua estrutura e os mecanismos de sua elaboração é imprescindível a todos aqueles investidos da responsabilidade de construir alternativas para a melhoria da educação atual. Os estudos de que trata esta resenha caminham nesta direção. Embora não se apóiem explicitamente em uma teoria específica de representações sociais, como os trabalhos de Moscovici, Jodelet e Abric, trazem à boca de cena os atores principais da tarefa educativa e a eles dão a palavra. Ambos os trabalhos lançam mão de uma metodologia plural para captar a percepção dos sujeitos, utilizando observação direta, questionários, entrevistas semi-estruturadas, grupos focais. Ambos procuram alcançar o significado destas percepções analisando-as no contexto dos desafios atuais que enfrentam a escola e o processo de escolarização.

A abrangência dos dois trabalhos é distinta. Abramovay e Castro coordenam, com o patrocínio do MEC e da Unesco, uma pesquisa realizada em 13 das 27 capitais de estados, onde se concentram aproximadamente 1/6 das matrículas de ensino médio dos 5.652 municípios do país: Rio Branco, Macapá, Maceió, Salvador, Goiânia, Cuibá, Belo Horizonte, Belém, Curitiba, Teresina, Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. Magalhães de Souza centraliza sua investigação nos alunos do período noturno de duas escolas públicas estaduais do município de São Paulo, jovens, no dizer da autora, provenientes das camadas "intermediárias" da população, não totalmente "excluídos", tampouco totalmente "incluídos" no mundo do trabalho e do consumo. Abramovay e Castro estão interessadas em mapear as percepções de alunos, professores, diretores e supervisores de escolas de ensino médio, públicas e privadas, sobre a reforma do ensino médio definida nas Diretrizes Curriculares Nacionais e nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – aprovados em 1998. Magalhães de Souza procura compreender a crise da escola pública, com base em um cenário de significativa mudança cultural e de perda da autoridade característico do mundo contemporâneo, e responder à questão sobre o tipo de sujeito que está sendo formado nesta escola. Sua pesquisa de campo é realizada no ano de 1997, ou seja, antes da divulgação das novas orientações legais para o ensino médio, brindando-nos com uma rica análise das condições e do contexto com os quais a implantação das novas normas vieram se defrontar.

O estudo de Magalhães e Souza, centrado em alunos cuja maioria está inserida no mercado de trabalho, oferece elementos que ampliam o quadro atual de análise, trazendo para o centro da reflexão sobre a escola e a educação, a dimensão cultural das transformações que ocorrem nos dias atuais. Partindo de uma visão durkheimiana de educação, como conservação e transmissão de uma herança cultural considerada legítima, a autora busca em Hannah Arendt, Max Horkheimer e François Dubet, as noções e idéias que lhe permitem compreender o processo mediante o qual se pode afirmar que a escola, em que pese a desestabilização de sua organização tradicional, continua a manter um forte poder socializador, numa direção bastante distinta daquela impressa nos documentos norteadores do ensino médio no país.

Trabalhando com os alunos das 3as séries de duas escolas, a maioria na faixa etária de 17 a 20 anos de idade, mediante a utilização de um questionário e de entrevistas coletivas, a autora procurou captar elementos da subjetividade desses alunos, que fundamentam a vivência cotidiana no interior dos estabelecimentos escolares: suas idéias acerca de si mesmos, seu ponto de vista sobre a vida escolar, seus sentimentos e condutas, suas relações com professores e colegas.

Os dados encontrados na pesquisa revelam que os alunos são portadores de uma visão instrumental da escola. Suas representações traçam o perfil de uma instituição que pouco lhes tem a dizer, quer sobre uma relação efetiva com o conhecimento necessário para o ingresso em universidades públicas – a maioria dos alunos que nelas pretende continuar os estudos dirige-se a escolas particulares –, quer sobre o desenvolvimento de aprendizagens comportamentais e práticas que consideram necessárias para o mercado de trabalho. O papel da escola restringe-se ao de provedora de credenciais necessárias para a inserção futura nos diferentes espaços sociais.

Os alunos não gostam da escola e com ela não se identificam. Têm muitas críticas sobre os procedimentos de gestão, as faltas e o desinteresse dos professores, a precariedade das instalações. A escola é vista como um ambiente desorganizado, em que pesem as inúmeras regras e procedimentos disciplinares. As regras estabelecidas são rapidamente esquecidas, relevadas ou renegociadas ao sabor dos humores e das circunstâncias. Vistas como arbitrárias e sem legitimidade, são burladas pelos alunos não como forma de contestação de um poder vigente, ao qual se opõem com vistas à construção de uma nova relação, mas simplesmente como uma estratégia de sobrevivência dentro de uma organização sem sentido. Os comportamentos são os mesmos de um passado mais politizado, mas o significado é outro. A escola não representa uma autoridade para o aluno, quer por seu conteúdo, quer pelos procedimentos de socialização que utiliza, mais voltados para a garantia de funcionamento institucional do que para a formação do estudante. Como conseqüência, este desenvolve um comportamento de exterioridade, de desprendimento, de distanciamento em relação à escola. O jovem insatisfeito denuncia a situação, mas se acha impotente para modificá-la. Em lugar de questionar e buscar uma transformação da escola, o aluno aceita a realidade existente como inevitável, senão como norma. Ele mesmo se define como desinteressado, indisciplinado, imaturo. Resta-lhe uma conduta de adaptação ou ajustamento para sobreviver: colar, pular o muro, contestar os resultados de uma avaliação independentemente da legitimidade dos critérios. Para Magalhães de Souza não se trata de conformismo ou apatia uma vez que há uma crítica pertinente e uma ação. Contudo, não se trata de uma ação transformadora, mas de manipulação de estratégias para sobreviver diante das regras montadas para o funcionamento da escola.

A partir dessas constatações, a autora desenvolve a análise em duas perspectivas: o sentimento de "insignificância" que acomete os indivíduos na sociedade contemporânea, particularmente os alunos, e o significado do ato de aprender que ocorre na escola.

Os alunos constroem uma representação da realidade da escola, assim como da sociedade, como algo pronto e acabado o que impede uma reflexão sobre o modo como ela foi produzida e anula a capacidade de imaginar e construir outros mundos possíveis. A sensação é de fragilidade e impotência e a conseqüência disso é a adaptação à realidade existente. Por outro lado, aprender não significa uma compreensão radical da realidade, ultrapassando o nível das aparências e a possibilidade de formular uma crítica com potencial transformador. Aprender, para o aluno, significa dominar coisas novas, coisas já existentes, novas apenas do ponto de vista de quem não as conhece. Nesse sentido, o aprender está direcionado à inserção social e não à transformação social. Para os alunos o sentido do aprender é fazer. Como o saber escolar é por eles considerado teórico, distante da realidade e das necessidades cotidianas, a avaliação que fazem do ensino ministrado na escola é que ele é fraco, porque além de teórico e distante da realidade, nunca se chega ao final do programa traçado a cada ano letivo. Para esses alunos, o local em que se dá uma efetiva aprendizagem é no trabalho. Ali aprendem-se coisas novas no exercício da função e no contato com pessoas diferentes, tem-se clareza dos critérios segundo os quais se avalia um bom trabalho, assumem-se responsabilidades.

Um dos maiores defeitos que os alunos apontam nos professores é o desinteresse pela aprendizagem do aluno. Um bom professor é aquele que gosta de dar aula, tem vontade, interesse, o que implica também saber dar aula, dispensar atenção ao aluno e realizar tantas explicações quantas forem necessárias, abrir espaço para participação dos alunos. Deve ser amigo, manter sua autoridade e saber motivar os alunos.

Conforme a representação do aluno, aprender não implica esforço, estudo, investimento de tempo e energia pessoal. É um ato espontâneo que se expressa na oportunidade para se emitir uma opinião. Ele rejeita as aulas expositivas, as leituras, valoriza os debates. A maioria cola.

Segundo Magalhães e Souza, as novas diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio, apesar do discurso de caráter formador e humanista, dirigido ao desenvolvimento de individualidades autônomas, críticas, pró-ativas, alimenta esta tendência sobre a maneira de aprender, no sentido de aprender a se dar bem na vida.

A pesquisa coordenada por Abramovay e Castro, realizada quatro anos depois, de perfil mais abrangente do ponto de vista do escopo e profundidade, confirma achados de Magalhães e Souza e suscita outras tantas indagações.

As características sociais e culturais dos alunos, identificadas na pesquisa, confirmam dados já revelados por outros estudos: 60% acima da faixa etária, a maioria cursando o noturno, predominância do sexo feminino e desigualdade sociocultural existente entre os alunos das escolas públicas e privadas. Chega a ser até 15 vezes superior o percentual de pais de alunos de escolas privadas que tiveram acesso ao ensino superior, comparativamente aos pais de alunos de escolas públicas. A situação socioeducacional dos pais dos alunos difere também bastante entre as capitais estudadas. Quanto aos professores, há capitais que ainda registram apenas 72% de professores com formação em ensino superior, embora já se verifique um número expressivo de docentes pós-graduados em Porto Alegre e Curitiba.

Ainda neste, quesito, dois dados revelados pela pesquisa merecem destaque. O primeiro, refere-se à percepção da identidade racial dos alunos. Vem aumentando a proporção dos alunos que se auto-identificam como sendo de cor/raça negra, o que pode ser interpretado, segundo as pesquisadoras, como resultado das crescentes campanhas em prol da elevação da auto-estima da população negra do país. Ao mesmo tempo, verifica-se uma discrepância surpreendente entre a maneira pela qual os professores percebem a identidade racial dos alunos e a percepção dos próprios alunos. Há uma tendência dos professores a enxergar seus alunos como mestiços. A proporção dos alunos que se identificam como brancos é maior do que a proporção de professores que identificam os alunos como brancos. A proporção dos alunos considerados mestiços pelos professores é muito mais alta do que aquela de alunos que assim se identificam. E a proporção dos professores que identificam seus alunos como negros é bastante inferior à proporção dos alunos que se consideram negros. "Tais discrepâncias alertam para possíveis problemas de reprodução de estereótipos nas escolas e a complexidade de lidar com o racismo nesse ambiente" (p.66).

Outro dado que merece acento é a exposição de alunos e professores a estímulos culturais dentre os quais a freqüência a cinemas, shows, teatros e museus e o domínio da informática. É reduzido o acesso de jovens da escola pública a estas atividades culturais. Nas capitais de estados mais desenvolvidos do Sul e Sudeste verifica-se um reduzido acesso aos cinemas, o que pode indicar outras formas de diversão e lazer mais propícias a vivências de grupo.

Um dado interessante não explorado na análise da pesquisa é a freqüência a museus e a teatros. Na maioria das capitais há uma grande porcentagem dos que não freqüentaram estes locais de cultura e, ao mesmo tempo, grande porcentagem dos que usufruíram muitas vezes destas atividades culturais, disparidade que talvez não possa ser explicada com base unicamente nas diferenças econômico-culturais dos alunos. É possível que a escola esteja aí fazendo alguma diferença, tanto por sua ausência e insensibilidade em colocar os alunos em contato com os bens culturais existentes nestas capitais, quanto por sua presença, acuidade e disposição para identificar no município espaços e logradouros potenciais para a formação cultural e social de seus alunos.

Confrontando as informações sobre os alunos nesse quesito e os dados sobre os professores, constata-se que também entre os professores registra-se uma baixa freqüência a atividades culturais e de lazer. Aqui se verifica igualmente a mesma tendência. O percentual é grande entre os que nunca participam dessas atividades e entre os que participam muitas vezes, sugerindo uma possível correlação da vivência dos professores no que diz respeito a atividades culturais e a dos alunos em relação a este tipo de atividade formadora.

Quanto às representações sobre as finalidades do ensino médio, a pesquisa revela que, em 2001, há um evidente conflito de expectativas entre o que dispõe a lei e as representações sociais de alunos e professores. Enquanto a lei traça as coordenadas para uma redefinição do ensino médio como parte da educação básica com um perfil mais próximo à formação geral, mais de 50% dos alunos das escolas públicas e 3/4 das privadas mantêm a expectativa de uma escola direcionada para a inserção no ensino superior, quer por questões de retorno financeiro, quer em busca de diferenciação social.

Nesse sentido, as expectativas dos alunos parecem bastante aderentes às condições atuais do mercado de trabalho. A oferta de egressos de ensino médio, nas duas últimas décadas, começa a superar a demanda do mercado de trabalho e caem as taxas de retorno de investimento nesse nível de ensino. Somente o ensino superior apresenta algum aumento das taxas de retorno. Portanto, o desencanto dos jovens em relação ao seu futuro profissional corresponde a uma marginalização objetiva, resultante do quadro de deterioração do mercado de trabalho que vem afetando especialmente os grupos mais jovens e os setores mais pobres da população.

Os professores, por sua vez, embora apontem a preparação para a vida em maior porcentagem, não deixam, também, de considerar como finalidade do ensino médio a preparação para o ensino superior, quer por pressão dos alunos e dos pais, quer por concordar que este é o caminho, enquanto não mudarem os vestibulares.

A formação para o trabalho não está ausente das representações de alunos e professores sobre as finalidades do ensino médio, embora com uma perspectiva mais profissionalizante do que de orientação geral para o trabalho, como indica a lei. Esta expectativa confirma a posição de vários autores que, por razões diversas, criticam a separação entre ensino médio e educação profissional.

Contrariando uma opinião corrente que o convívio simultâneo trabalho-escola é prejudicial ao processo de escolarização do aluno, mais de 50% dos alunos demonstra que valoriza este convívio: traz crescimento pessoal e não os impede de trabalhar, o que confirma os dados encontrados por Magalhães de Souza.

Os alunos pouco têm a dizer sobre a reforma propriamente dita. Seu conhecimento incipiente é selecionado pelos meios de comunicação de massa. A escola e os professores parece que não se interessaram ou não se sentiram em condições de envolver os alunos na sua análise e nas decisões do próprio estabelecimento sobre sua implementação, fossem elas decisões de rejeição ou de apropriação nos termos do projeto pedagógico da escola.

Dentre os professores, 4/5 conhecem os PCNs embora muitos confessem não ter domínio dos conceitos e mesmo dos objetivos da reforma. Consideram a autonomia das escolas um aspecto importante da reforma ao mesmo tempo em que parecem desconhecer seus espaços de liberdade. Queixam-se de programas exaustivos, de cronogramas apertados, o que talvez não seja sem razão pois é das Secretarias de Estado da Educação que emanam as orientações sobre currículo e avaliação e algumas delas tomam decisões que restringem ou mesmo anulam o espaço de decisão que deveria ser deixado para as escolas.

Os professores não se vêem como protagonistas na definição do saber escolar necessário para promover a formação de seus alunos. Valorizam a orientação para relacionar o conteúdo à realidade do aluno, mas continuam a interpretar a interdisciplinaridade apenas como uma abertura para atividades extracurriculares, paralelas, e não como uma nova forma de interpretar o currículo, mais integrado e com possibilidade de se trabalhar o conhecimento de modo relacional, ultrapassando a ideologia prevalecente de "pensamento único". Mostram-se bastante ressentidos pelo modo centralizado, top-down, de definição e implantação da reforma e queixam-se insistentemente da falta de orientação e de condições para implementação. Dão evidências de que não conseguem perceber, ou não querem assumir, seu poder de apropriação das diretrizes da reforma, aliando reivindicação por melhores condições de trabalho a iniciativas que avancem na construção de um novo projeto de escola democrática e de qualidade.

Para subsidiar a interpretação desses dados, Abramovay e Castro traçam, como pano de fundo, um panorama com o que há de mais significativo na literatura nacional sobre a reforma do ensino médio. Em sua maior parte, são análises bastante críticas que focalizam a separação ensino médio versus a educação profissional, o regime de implantação sem debate democrático e as diretrizes pedagógicas com base em conceitos complexos, polissêmicos, que exigem para sua aplicação, condições que não estão dadas ou que ainda precisam ser construídas. Isso ocorre, segundo analistas citados, porque a lógica que sustenta a reforma é econômica, não é pedagógica.

O capítulo sobre as relações sociais traz novamente um dado precioso na tentativa de se compreender o complexo e intrincado cenário que tomou conta da escola e do processo educativo que nela se desenrola. Quanto mais aberta a práticas de reflexão, capacitação contínua, utilização de novos recursos pedagógicos, mais parece que a escola patina na sua intenção de alcançar uma melhoria efetiva de qualidade para todos os alunos. A maioria dos professores tem uma visão positiva dos alunos, julga-os honestos, generosos, solidários, sem deixar de serem competitivos, mas para 3/4 deles o principal problema da escola são os alunos. Por quê? Porque os alunos são desinteressados. Mais uma vez a origem da crise que atravessa a escola é identificada em fatores externos, o que fortalece a postura de mera constatação. Essa percepção, que de fato procede, uma vez que se assiste a uma significativa mudança cultural, social e econômica, ocorrendo para além dos muros da escola, vem obscurecida pela falta de consideração do caráter histórico e social dessas transformações, que são interpretadas como inevitáveis, inibindo a representação da escola como uma instituição destinada e com potencial para a formação de uma geração de atores sociais.

Confirmando os dados encontrados por Magalhães e Souza, os alunos também estão desinteressados e assumem a responsabilida de por este desinteresse. Raramente colocam-na sobre a escola ou os professores. Ao mesmo tempo, 55% a 70% dos alunos de escolas públicas acham que a escola ensina pouco ou quase nada. Seria referência ao conteúdo necessário para o vestibular e à dificuldade dos professores para cobrir o exaustivo programa diante da dificuldade de aprendizagem dos alunos? Certamente há uma coerência no núcleo dessas representações que anula a aparente contradição.

O outro lado da moeda é a percepção, surpreendentemente coincidente, que alunos e professores têm dos professores. A maioria considera que a principal qualidade de um bom professor é ter interesse em ensinar e ter interesse pelo aluno. Confirmando dados já registrados por Magalhães e Souza, para 1/3 dos alunos das capitais estudadas o principal problema com os professores é o absenteísmo.

Completando esse quadro, uma outra representação coincidente é a crítica ao que chamam de "pacto de mediocridade" presente na educação. Professores e alunos criticam as facilidades para promoção dos alunos.

A reprovação não tem a ver apenas com a aprendizagem realizada pelo aluno, mas é tida primordialmente como um instrumento de formação moral. Aproximadamente 1/4 dos alunos que passaram pela repetência acham que vale a pena repetir de ano: revêem conteúdos sim, mas também melhoram hábitos e atitudes, amadurecem, acordam, tornam-se mais conscientes. Passar de ano é um mérito conquistado pelo empenho, determinação, comportamento em conformidade ao que se espera de um aluno. Uma forma de discriminar, de fazer justiça. Ou seja, as representações registradas nesta pesquisa nada diferem das encontradas há quase quatro décadas, quando se tentou implantar, pela primeira vez, o regime de ciclos no Estado de São Paulo e expandir o acesso ao ensino secundário com a eliminação dos exames de admissão.

Alunos apontam os sentimentos e decorrências negativas de uma situação de reprovação, professores criticam seu caráter desestimulante, mas boa parte de alunos e professores considera que as políticas de correção de fluxo deixam os alunos acomodados. Embora os alunos apontem como motivos para reprovação as greves prolongadas, o absenteísmo dos professores e a falta de metodologia de ensino, geralmente reforçam a tendência dos professores a culpar os alunos por seu desinteresse e falta de maturidade. Poucos percebem a reprovação como uma falha da escola, dos professores ou da relação professor versus aluno. Nesses termos, a pressão que os professores denunciam para uma facilitação do fluxo escolar é um fator altamente desestimulante para o professor e desintegrador de uma imagem profissional histórica e fortemente arraigada.

Aluno desinteressado, professor desmotivado, eis o pano de fundo, ou, ainda, os acordes de base que dão o tom e o clima no qual se desenrola a cena da educação. Não há que se estranhar, portanto, a proliferação de estudos e pesquisas sobre o mal-estar dos professores, o desencanto com a profissão e a síndrome de desistência – o burnout.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2004
  • Data do Fascículo
    Nov 2003
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