Acessibilidade / Reportar erro

O aborto provocado e seus estigmas: uma problematização foucaultiana em enfermagem

Induced Abortion and its Stigmas: A Foucauldian Problematization in Nursing

Resumo

Pesquisa qualitativa de inspiração Foucaultiana na vertente pós-estruturalista que objetivou identificar quais discursos interpelam as motivações e enfrentamentos das mulheres que realizaram aborto. O bate-papo do Facebook foi utilizado para as entrevistas narrativas. A construção social do papel da mulher na sociedade consiste em um dos aspectos de maior impacto quando se trata do aborto e dos direitos sobre o corpo, pois os delineamentos históricos e culturais arraigados por discursos patriarcais responsáveis por estabelecer uma hierarquia de gêneros refletem diretamente nos estereótipos que subjetivam as mulheres que abortam.

Aborto induzido; Aborto; Mulheres

Abstract

This is a qualitative study inspired by Foucault in a post-structuralist line that sought to identify discourses that challenge the motivations and confrontations of women who conduct abortions. A Facebook chat was used for narrative interviews. The social construction of the role of women in society is one of the aspects of greatest impact in relation to abortion and rights over their own bodies. Historical and cultural delimitations, rooted in patriarchal discourses, are responsible for establishing an hierarchy of genders directly reflected in stereotypes that subjectify women who have abortions.

Abortion; Induced; Women

(Des) criminalização do aborto: problematizações iniciais

A interrupção gestacional, espontânea ou induzida, em período que não proporcione ao feto condições de sobrevivência extrauterina, é definida como aborto ( Delmanto et al., 2016DELMANTO, Celso et alii. Código penal comentado. 9 ed, São Paulo, Saraiva, 2016. ). Cerca de 10 a 15% das gravidezes resultam em aborto espontâneo; contudo, estima-se que outros 10% das situações de abortamentos, que são atendidos pelos serviços de saúde, resultem das mais diversas práticas de interrupção da gravidez ( Brasil, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento. 2ed, Brasília, Ministério da Saúde, 2011 [https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf – acesso em: fevereiro de 2017].
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
), calculando-se 1,4 milhões de abortamentos anuais praticados de forma insegura no país ( Mikael-Silva; Martins, 2016MIKAEL-SILVA, Thiago; MARTINS, Alberto Mesaque. A legalização do abortamento no discurso do jornal Folha de São Paulo (2011-2014). Temas em Psicologia, v. 24, n. 3, 2016, pp.991-1007 [http://dx.doi.org/10.9788/TP2016.3-12Pt – acesso em: julho de 2020].
http://dx.doi.org/10.9788/TP2016.3-12Pt...
), o que configura importante problema de saúde pública por estar entre as principais causas de mortalidade materna ( Brasil, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento. 2ed, Brasília, Ministério da Saúde, 2011 [https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf – acesso em: fevereiro de 2017].
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
). Dados da Pesquisa Nacional do Aborto mostram que 13% das mulheres entre 18 e 39 anos recorreram a alguma prática abortiva alguma vez na vida (Diniz; Medeiros, 2017). Contudo, sabe-se que esses números podem estar subestimados, uma vez que aspectos culturais, religiosos, morais e legais inibem as mulheres a declararem as práticas abortivas com as quais tiveram contato ao longo da vida ( Brasil, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento. 2ed, Brasília, Ministério da Saúde, 2011 [https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf – acesso em: fevereiro de 2017].
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
).

A maioria dos países desenvolvidos permite a prática do aborto dentro das primeiras 12 semanas de gravidez, por reconhecerem a impossibilidade de desenvolvimento do sistema nervoso central do feto nesse período ( Vianna, 2012VIANNA, Túlio. Legalizar o Aborto. Portal Fórum, setembro de 2012 [http://www.revistaforum.com.br/2012/02/09/legalizar-o-aborto/ - acesso em: fevereiro de 2017].
http://www.revistaforum.com.br/2012/02/0...
). Tal legalização foi conquistada com a segunda onda de movimentos feministas, nos anos sessenta e setenta do século XX, especialmente nos países europeus e em alguns estados norte-americanos ( Machado, 2017MACHADO, Lia Zanotta. O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e17504 [https://doi.org/10.1590/18094449201700500004 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/1809444920170050...
). Vale salientar que, nos países que já passaram pelo processo de descriminalização do aborto, não houve aumento nos índices do procedimento ( Vianna, 2012VIANNA, Túlio. Legalizar o Aborto. Portal Fórum, setembro de 2012 [http://www.revistaforum.com.br/2012/02/09/legalizar-o-aborto/ - acesso em: fevereiro de 2017].
http://www.revistaforum.com.br/2012/02/0...
). Contudo, no Brasil, atualmente, o aborto induzido é criminalizado, sendo permitido legalmente apenas quando a gravidez resulta de estupro, quando a vida da mãe estiver em risco ou quando o feto apresentar anencefalia ( Costa; Júnior, 2015COSTA, Raphael Mendonça; JÚNIOR, Cildo Giolo. Teorias jurídicas acerca do início da vida humana. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, v.10, n.2, 2015, pp.297-327 [http://www.revista.direitofranca.br/index.php/refdf/article/view/291 – acesso em: fevereiro de 2017].
http://www.revista.direitofranca.br/inde...
).

As dificuldades contemporâneas de descriminalizar o aborto onde ele ainda é considerado ilegal decorrem do crescente movimento fundamentalista neoconservador pró-família, sustentado por discursos movidos por princípios morais e religiosos ( Machado, 2017MACHADO, Lia Zanotta. O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e17504 [https://doi.org/10.1590/18094449201700500004 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/1809444920170050...
). Na Argentina, a Igreja Católica promove ataques a eventos que possuem como pautas o aborto seguro e outras pertinentes as mulheres, visando a fragilizar o movimento feminista ( Tarducci, 2017TARDUCCI, Mónica. “Poner el cuerpo” en las calles: los enfrentamientos de las activistas feministas y los grupos anti-derechos. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e175121 [https://www.scielo.br/j/cpa/a/mJBM6YSrhKvVcTnRSYZp8qF/abstract/?lang=es – acesso em: março de 2022].
https://www.scielo.br/j/cpa/a/mJBM6YSrhK...
). No Brasil, de 2000 a 2015, foram registradas cerca de 32 proposições de parlamentares ligadas a Igrejas Evangélicas que buscavam aumentar o tempo de punição para quem praticasse o aborto (Mariano, 2017), sendo que, em 2005, foi apresentado ao poder Legislativo um único projeto de lei a favor da legalização da interrupção da gravidez. Sempre que há movimento que estimule as discussões em prol da legalização do aborto no Brasil, crescem as articulações entre forças parlamentares e religiosas com vistas ao clamor social para compor a oposição, pois, em sua narrativa, defendem que se o zigoto e o embrião derivam de matéria humana, eles precisam ser compreendidos como “pessoa” e como “sujeito pleno de direitos”, sobressaindo o direito do concepto ao das mulheres e assim inviabilizando o direito pleno das mulheres de decidirem sobre seus corpos. Desta forma, a defesa em prol do Estado Laico é uma importante bandeira feminista na luta pela descriminalização do aborto ( Machado, 2017MACHADO, Lia Zanotta. O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e17504 [https://doi.org/10.1590/18094449201700500004 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/1809444920170050...
).

Desdobramentos acerca do aborto são problematizados desde o início da década de 1980 nos Estados Unidos da América (EUA), levando-nos a pensar além do direito do conceito ou das mulheres envolvidos nas questões morais, isto é, coloca-se as questões econômicas em evidência. Se é de direito realizar a interrupção da gravidez, os sistemas de saúde devem garanti-la, e, considerando-se o contexto dos EUA, onde a saúde é custeada pelo cidadão, como ficariam as mulheres que não possuem dinheiro ou acesso a tais sistemas? Se não há financiamento por parte do Estado, também não há compromisso moral em sustentar tal financiamento ( Sher, 1981SHER, George. Subsidized Abortion: Moral Rights and Moral Compromise. Philosophy & Public Affairs, v.10, n.4, 1981, pp.361-372 [https://www.jstor.org/stable/2265049 – acesso em: março de 2022].
https://www.jstor.org/stable/2265049...
).

As questões morais relacionadas à escolha pessoal de realizar ou não um aborto são influenciadas por diversas motivações como: as percepções da mulher sobre a maternidade e as condições emocionais para gerar e manter um filho com qualidade de vida. A interrupção da gravidez pode ser considerada uma decisão de caráter moral, porém o direito de realizá-la faz parte de condições básicas de autonomia sobre o próprio corpo, algo a ser priorizado no exercício da democracia. Nesse sentido, a discussão dessas pautas coloca a sociedade diante da desnaturalização dos mecanismos de controle e das hierarquias de dominação, instigando reflexões e deslocamentos no que temos por padrões de normalidade nas esferas de gênero, sexualidade e reprodução. Responsável por ditar normas de comportamento e planejamento de vida, o dispositivo da maternidade intensifica a execução de técnicas de controle sobre o corpo e sexualidade feminina, criando um contexto no qual questionar o papel social designado às mulheres as torna menos cidadãs ( Biroli, 2014BIROLI, Flávia. Autonomia e justiça no debate sobre aborto: implicações teóricas e políticas. Revista Brasileira de Ciência Política, v.15, p.37, 2014, pp.37-68 [https://doi.org/10.1590/0103-335220141503 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/0103-33522014150...
).

As produções científicas sobre o tema envolvem aspectos relacionados à legalização do aborto ( Almeida; Bandeira, 2013ALMEIDA, Tânia Mara Campos de; BANDEIRA, Lourdes Maria. O aborto e o uso do corpo feminino na política: a campanha presidencial brasileira em 2010 e seus desdobramentos atuais. cadernos pagu (41), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero – Pagu/Unicamp, 2013, pp.371-403 [https://doi.org/10.1590/S0104-83332013000200018 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/S0104-8333201300...
; Biroli, 2014BIROLI, Flávia. Autonomia e justiça no debate sobre aborto: implicações teóricas e políticas. Revista Brasileira de Ciência Política, v.15, p.37, 2014, pp.37-68 [https://doi.org/10.1590/0103-335220141503 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/0103-33522014150...
; Sarmento, 2014SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. Revista de Direito Administrativo, v.240, 2014, pp.43-82 [https://doi.org/10.12660/rda.v240.2005.43619 – acesso em: março de 2022].
https://doi.org/10.12660/rda.v240.2005.4...
), à percepção dos profissionais de saúde e assistência prestada diante de casos de abortamento ( Lemos; Russo, 2014LEMOS, Adriana; RUSSO, Jane Araújo. Profissionais de saúde e o aborto: o dito e o não dito em uma capacitação profissional em saúde. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, v.18, n.49, 2014, pp.301-312 [https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=180131153006 – acesso em: fevereiro de 2017].
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=1...
), reflexões sobre a discriminação e os estigmas arraigados a esse tema (Rabay, Soares, 2008). Nesse sentido, essa pesquisa torna-se relevante por dar voz às mulheres que passaram pela experiência de provocar o aborto, já que foram localizadas poucas publicações trazendo a perspectiva das mulheres que praticaram aborto. Além disso, utilizar o referencial foucaultiano permitirá problematizar o tema no espaço da saúde, da educação formativa, bem como social. Assim, questiona-se: quais discursos interpelam as motivações e enfrentamentos das mulheres que realizaram aborto? Objetivamos, portanto, identificá-los.

Espaço de pesquisa e “escuta” para as mulheres

Optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa de inspiração foucaultiana na vertente pós-estruturalista. Este tipo de pesquisa não busca encontrar verdades únicas, pois se constrói em relações de poder com delineamentos históricos, sociais e culturais ( Félix, 2012FÉLIX, Jeane. Entrevistas on-line ou algumas pistas de como utilizar bate-papos virtuais em pesquisas na educação e na saúde. In.: MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves (org.). Metodologias de Pesquisa Pós-críticas em Educação. Belo Horizonte, Mazza Edições, 2012, pp.133-152. ), sendo fundamental a análise da forma, como as situações e os sujeitos se constituem, como são produzidas as verdades e quais relações fazem tais discursos serem proferidos e reproduzidos ( Foucault, 2010FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2010. ).

O espaço de realização deste estudo foi o bate-papo da popular rede social virtual Facebook . Devido à crescente participação e interação das pessoas nas redes sociais, essas podem ser utilizadas como ferramentas de pesquisa e aprendizado com grande capacidade de abrangência ( Silva, 2012SILVA, Solimar Patriota. O facebook na formação continuada de mediadores de leitura. Duque de Caxias, Rio de Janeiro, 2012. ). Uma das críticas às pesquisas realizadas na internet diz respeito à veracidade das informações fornecidas pelos participantes; contudo, entende-se que nem mesmo na entrevista presencial há garantia de que as respostas proferidas sejam verdadeiras, havendo necessidade de que o pesquisador confie nas informações fornecidas ( Félix, 2012FÉLIX, Jeane. Entrevistas on-line ou algumas pistas de como utilizar bate-papos virtuais em pesquisas na educação e na saúde. In.: MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves (org.). Metodologias de Pesquisa Pós-críticas em Educação. Belo Horizonte, Mazza Edições, 2012, pp.133-152. ). Salientamos que o nosso interesse não foi em verificar se as experiências com a prática do aborto eram verdadeiras ou falsas, mas, sim, em conhecer os modos pelos quais essas experiências se produziram e foram produzidas como verdade.

Os convites para participação na pesquisa foram direcionados às mulheres maiores de 18 anos com experiência de aborto provocado. Foram postados em três páginas do Facebook , as quais possuíam grande número de curtidas e seguidores, e objetivavam a discussão da legalização do aborto ( Figura 1 ).

Figura 1
Páginas de postagem dos convites para participação da pesquisa

A interação das pesquisadoras com as mulheres que se voluntariaram a participar da pesquisa ocorreu individualmente pelo espaço de “bate-papo”, em página de usuário, na mesma rede social, intitulada “Pesquisa sobre aborto”, a qual foi criada para a captação, esclarecimento sobre a pesquisa e coleta dos dados ( Figura 2 ). Na foto de perfil e na capa, estavam o título da pesquisa, associados aos logotipos da Faculdade de Enfermagem e Universidade Federal de Pelotas.

Figura 2
Perfil de usuário criado para a pesquisa

A coleta de dados teve início dia 16 de maio de 2017 e foi encerrada no dia 08 de junho do mesmo ano. As entrevistas foram narrativas semiestruturadas, procedimento que possibilita o desenvolvimento de técnicas alternativas de comunicação, visando a expandir o sistema de perguntas e respostas utilizado em pesquisas mais tradicionais ( Schütze, 2011SCHÜTZE, Fritz. Pesquisa biográfica e entrevista narrativa. In.: WELLER, Wivian; PFAFF, Nicolle (org.). Metodologias da pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática. Petrópolis, Vozes, 2011, pp.67-86. ).

Ao utilizarmos as ferramentas foucaultianas para problematizações, tornou-se possível a elaboração de ferramentas próprias para integrar um sistema de questionamentos e desnaturalizações, que não busca estabelecer verdades, e sim vislumbrar possibilidades ( Veiga-Neto, 2005VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a Educação. 2 ed. Belo Horizonte, Autentica, 2005. ). Dentre os conceitos e ferramentas de análise oferecidas por Foucault, utilizamos relações de poder, processos de subjetivação e a biopolítica.

As entrevistas foram analisadas e organizadas em banco de dados no Software Etnograph , versão demo, gerando códigos para cada ferramenta foucaultiana utilizada no estudo: corpo, subjetivação e biopolítica. Após a organização do banco de dados, foram elaboradas as categorias analíticas para composição dos resultados e discussão.

O projeto de pesquisa foi executado obedecendo a resolução 466/2012 ( Brasil, 2012BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012: Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 dez. 2012 [https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf – acesso em: setembro de 2016].
https://conselho.saude.gov.br/resolucoes...
), tendoa aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, sob parecer nº 2032121. Cada participante escolheu o nome de uma mulher que tinha se destacado na história para que pudesse ser representada na análise de dados, garantindo seu anonimato.

Considerando que a prática de aborto no Brasil é criminalizada, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido não protegeria a participante da pesquisa, e sim permitiria que o pesquisador tivesse documento que a incriminaria. Nesse caso, foi proporcionada uma Carta de Esclarecimento e Garantia de Anonimato na Pesquisa. Tal carta foi assinada pelos pesquisadores e encaminhada no primeiro contato, com os devidos esclarecimentos acerca da pesquisa.

Mulheres participantes e suas experiências

Caracterização das participantes

Seis mulheres foram entrevistadas durante a coleta de dados. As apresentações foram elaboradas com as informações fornecidas pelas participantes ( figura 3 ).

Figura 3
Apresentação das participantes da pesquisa

Corpo e subjetivação

A descoberta da gestação, associada à impossibilidade de levá-la adiante, fez com que as mulheres considerassem o aborto como opção resolutiva, apresentando diversos aspectos que influenciaram suas decisões.

Eu nunca quis ser mãe. Gosto muito do meu curso, tinha o sonho de concluí-lo, ingressar num mestrado, me estabilizar financeiramente, etc. Também tinha certeza de que meu namorado da época não era o amor da minha vida, eu com certeza não queria um laço tão forte com ele (Maria De Sanabria).

Eu odiava a pessoa [com] que[m] estava, não queria um filho dele de jeito nenhum [...] tivemos uma briga onde quebrei a casa e ele me arrastou pelos cabelos pelo chão, chamei a polícia. [...] Na delegacia, eu fazendo o boletim de ocorrência aos prantos, e o policial me disse para eu largar dele, que ele assumia a mim e a meu filho. Nojo, ali quis morrer e foi ali que decidi tirar. Eles acham que homens resolvem nossos problemas (Emily Davison).

Decidi abortar por não estar em um relacionamento estável, não ter emprego, e principalmente por não querer ter filhos (Joana D’arc).

Mandei mensagem para ele (pai da criança) dizendo que queria conversar para dizer que estava grávida. [...] Ele não respondeu, eu não levaria adiante a “gesta” sem o consentimento dele, porque depois é uma complicação, então deliberei interromper para proteger meu núcleo familiar (Olga Benário).

Fiz o aborto por causa da minha pouca idade e, apesar de estar namorando há um ano, não queria ter vínculos futuros com tal namorado (Frida Kahlo).

Meu primeiro aborto foi no ano de 1966, eu tinha 19 anos, outros costumes, outra moral. Recém-casada, pois na época ficar grávida solteira, 99% das vezes implicava casamento obrigatório, e comigo foi assim, por isso abortei, depois me divorciei. Posteriormente, fiz mais dois abortos, pois não tinha relação estável com o pai da criança e não tinha interesse em ser mãe. [...] No primeiro caso foi influência materna (pela vergonha para a família), imaturidade, não gostar do trato com crianças. Nos outros dois, já com uns 24 e 26 anos, foi pela total falta de interesse em ser mãe. [...] Quanto mais madura, mais presava minha liberdade. [...] Me parecia natural alguém não querer ter filhos. Na minha família já haviam casos semelhantes (Brigitte Bardot).

Dentre as várias motivações para realização do aborto citadas pelas participantes, a mais mencionada foi a falta de interesse pela maternidade.

Um filho é algo muito importante, deve ser querido e desejado. Nenhuma criança merece nascer sendo a pior notícia que uma mulher já teve. O aborto deveria ser algo natural e acessível para todas as mulheres. Deveria ser seguro, deveria trazer conforto às mulheres. Dói muito menos do que tirar um siso, não deveriam fazer tanto alarde com relação a isso. A parte traumatizante de interromper uma gravidez é ouvir as pessoas opinando, as pessoas te chamando de “nova mamãe” sem nem saber o que você está sentindo, o desespero de saber se vai ou não vai dar certo. O aborto em si é a parte mais tranquila de todo o processo (Maria De Sanabria).

As pessoas acham que só pobre aborta. [...] Tenho três irmãs, todas já abortaram; minhas principais amigas, metade já abortou; sei de vizinhas, também. Não acho que sou exceção. Acho que todo mundo convive com mulheres que abortaram, tem umas que não sabem disso. A pergunta é: eu, elas; merecemos ir presas ou morrer por isso? Não! Filho não deve ser uma punição. “Ah, foi irresponsável agora aguenta”. Não, ninguém tem que ser obrigado a aguentar um filho porque se descuidou (Emily Davison).

Eu engravidei de um ficante na época, que depois virou meu namorado. O aborto foi tranquilo, nunca tive vontade de ter filhos e foi tomada de comum acordo entre ele e eu (Joana D’arc).

Vivenciar o aborto foi uma experiência marcante, subjetivando as mulheres, fazendo com que elas ressignificassem pensamentos e ideias sobre a prática, modificando assim seus discursos ou as tornando mais reflexivas e sensíveis em relação ao tema.

Comecei a pensar de forma mais crítica em relação a isso, também já ajudei algumas meninas que passaram por isso, fico muito feliz quando posso ajudar alguém. Quando alguém toca no assunto, ainda é como um gatilho emocional, já tive até uma crise de pânico desencadeada por uma menina compartilhando uma história parecida com a minha na internet (mas, no caso dela, ela não conseguiu abortar). Eu vi a foto do teste de gravidez positivo e passei muito mal, senti por dez minutos toda a angústia, o medo e o arrependimento que senti quando o teste era meu (Maria De Sanabria).

Apoio a decisão da mulher, até mesmo a de não usar método contraceptivo (mesmo que irresponsável), [por]que, se [ela] engravidar, e não for de sua vontade naquele momento, ela deveria ter o direito de abortar. É que abortar dói muito, principalmente a alma (Emily Davison).

A presença de argumentos modulados por discursos morais, religiosos e também feministas foi marcante nas entrevistas. Esses argumentos, por sua vez, subjetivaram as mulheres, produzindo suas formas de enfrentamentos.

Sou a favor da legalização. [...] Eu não faria um aborto. Eu acho que agi por impulso sabe. Chorei tanto, hoje tu nem imagina o peso social de tu já ter três. Meu bebê tem dois anos. Ele está desmamando, se eu entrar em gesta de novo, são mais três anos abdicando da minha vida, sem trabalho formal, sem dormir, sem comer, sem tomar banho. [...] Nas primeiras horas, antes do pai da criança ignorar minha mensagem eu cogitei ficar todo mundo bem. Pensei num parto familiar [...], mas depois achei que ia ser conturbado. [...] Não procurei engravidar dele, sabe, a gente sempre usou camisinha. [...] Não foi irresponsabilidade e não foi proposital, a gente não procurou isso (Olga Benário).

Parei de acreditar em Deus, porque todo sofrimento que passei poderia ter sido minimizado se eu não acreditasse nele. O inferno é aqui. Olha, e te digo, eu nunca mais aborto. Como te disse, por não ter dado certo a 1º vez, eu pensava que Deus queria que eu tivesse. As pessoas dizem que se descriminalizar as mulheres vão usar como método contraceptivo. Olha tudo que te falei, que mulher vai querer passar de novo? [...] O aborto foi um grande causador de [eu] ter descoberto meu feminismo. Eu vi o quanto a mulher pode ser forte, mesmo quando ela está no chão envolta a muito sangue, fragilizada. [...] Eu era condicionada ao que as pessoas pensavam, porém sempre fiz o que quis, sempre fui livre, mas me abalava saber o que as pessoas falavam e pensavam de mim. Depois do feminismo, nenhuma vergonha. De nada, eu só não falo abertamente do aborto no Facebook porque é crime, mas não me envergonho (Emily Davison).

Desde a notícia da gravidez até a concretização da escolha pelo aborto, as mulheres vivenciam de forma solitária uma série de sensações, percorrendo um processo que mobilizou sentimentos ambivalentes e subjetivos.

Eu ainda me pego tentando encontrar na memória o momento em que aquela gravidez foi concebida, pois eu e meu namorado éramos bastante cuidadosos. Justamente por não ter ocorrido nenhum “incidente” durante o sexo, demorei muito tempo para recorrer a um teste de gravidez, o que tornou tudo muito mais complicado. [...] A minha experiência foi traumática. Nada funcionava, eu passava muito mal, chegava a sangrar, mas não o suficiente. Perdi muitos dias de trabalho, não conseguia dormir, não conseguia fazer nada a não ser tentar resolver esse problema (Maria De Sanabria).

Passei uma semana fumando muito e bebendo em casa, meio que anestesiada, não conseguia pensar, não lembro o momento exato que decidi fazer de novo. [...] Tive medo que a primeira tentativa tivesse afetado o feto, eu não sentia nada, estava oca, não entendia por que passava por tudo aquilo sozinha e porque aquilo estava acontecendo comigo, sentia muita raiva [...] eu estava com muito medo, pois sabia que estava fraca, ainda tinha sangramento da lesão que causou a primeira tentativa, mas não queria mais adiar, pois o tempo passava e não queria abortar com mais de 12 semanas. Lembro que meu marido foi jogar pôquer, mesmo sabendo que faria o ato, ele nunca interveio nas minhas decisões (Emily Davison).

Interrompi porque não sei se ele teria uma postura madura. [...] Imagina ficar a “gesta” toda sublimando ódio e rancor pra fazer DNA. [...] Eu tenho certeza que é dele. [...] O pai não demonstrou interesse, não deve ter interesse em saber, e, se tem interesse, a prioridade dele é não demonstrar que tem. Isso é manipulação, egoísmo, sabe?! Aquela coisa doentia de relações heteronormativas, de posse, de ciúme, de controle (Olga Benário).

Embora grande parte da experiência do processo de abortamento tenha sido algo extremamente individual e internalizado pelas mulheres, quando foi solicitado auxílio, surgiram suportes entre as mulheres do núcleo familiar e social.

Após um mês de pura angústia, criei coragem e contei para minha mãe, eu estava desesperada, não conseguia mais lidar comigo mesma. Ela sempre foi muito aberta comigo, sempre me alertava sobre os riscos de engravidar. Impossível esquecer a cara dela de choque e tristeza quando soube da minha situação. [...] Ela começou a ligar para todas as amigas que poderiam me ajudar, todas tentaram contatar algum médico conhecido, elas tiveram muita empatia comigo, mas foi muito difícil. Até que uma amiga de uma amiga dela me colocou em contato com as meninas de uma organização feminista (Maria De Sanabria).

Contei para minhas irmãs e elas falaram para eu tirar, que quando voltasse elas me apoiariam. Decidi fazer, pois não via mais saída, eu queria muito vir embora, e não queria vir com filho nos braços para o meu pai "criar", então minhas irmãs enviaram o Citotec (Emily Davison).

Eu avisei meu companheiro e ele não disse nem sim, nem não. Fui atrás do procedimento sozinha, com apoio da minha mãe e de uma prima. Eu havia tomado uns comprimidos e uma injeção que teoricamente fariam eu menstruar, o que não aconteceu. Mas não senti medo, nem insegurança. Apenas queria me "livrar daquilo" (Brigitte Bardot).

Quando questionadas sobre as consequências da prática do aborto em suas vidas, as participantes da pesquisa apontaram inúmeras emoções e sentimentos que emergiram após a realização do procedimento, alguns perdendo ênfase no decorrer do tempo e outros deixando suas marcas.

Senti culpa, mas arrependimento, nunca. Era uma culpa de privar algo de se tornar alguém, entende? Era isso que sentia, não sinto mais culpa. Embora lembre com frequência. [...] Eu pago até hoje consequências psicológicas graves, no começo eu sonhava muito com "meu filho", via o rostinho dele ao lado da minha cama à noite, fui fazer sessão espírita, mas no fundo eu sabia que era psicológico e não espiritual. Aí passou, acho que era culpa. Hoje ainda pago, pois não me trato, sou uma pessoa amargurada, insegura e muito raivosa. Tenho muita raiva dentro de mim, o aborto contribuiu muito [...] tenho insônia e crises de ansiedade, também perdi a vontade de ser mãe, influenciou totalmente, porque foi muito sofrimento, acredito que se eu tivesse me tratado logo em seguida eu seria diferente, mas eu peguei o sofrimento e guardei ele, tá aqui ainda. Entende? (Emily Davison).

O sentimento foi de alívio por não ter que continuar uma gestação extremamente indesejada por minha parte e não houve nenhum conflito (Joana D’arc).

Já tive um aborto espontâneo e sofri muito quando perdi o bebê. [...] Eu jamais faria um aborto. Eu fiquei dias esperando o pai da criança retornar para não ter que fazer. Tem ideia do que é para uma mulher que quer ter filhos e que já tem três, e perdeu um de forma traumática, interromper uma gestação para preservar os outros filhos? É horrível! [...] Eu estou arrependida por ter interrompido, mas preciso me desintoxicar de todos esses sentimentos para não carregar culpa. Eu jamais faria um aborto. Eu amo meus filhos. Eu quero ter mais filhos. Mas foi uma série de eventos que inviabilizaram as coisas, e num fraquejo meu, insegurança, não sei (Olga Benário).

Eu lembro de levar a vida normalmente, porém minha mãe diz que eu fiquei mais agressiva. Mas fiz com tanta convicção e estava tão certa da escolha, que para mim pareceu natural (Frida Kahlo).

Pensando em consequências, no aspecto moral, sem maiores problemas. As consequências físicas no primeiro aborto foram traumáticas, pois a curetagem foi a sangue frio, sem anestesia. Houve uma hemorragia posterior e tive que ser hospitalizada para nova curetagem. Os outros dois foram com anestesia geral, sem maiores problemas (Brigitte Bardot).

Biopolítica e o gerenciamento da vida

Nos trechos a seguir, verifica-se que a abordagem dos profissionais de saúde foi de pouca empatia e acolhimento aos sentimentos vivenciados pelas mulheres, contribuindo para a intensificação do sofrimento que aquela gestação indesejada causava.

Recorri a vários médicos, fui tratada já como mãe em todas as ocasiões, todos diziam que já era muito tarde para fazer algo [as idas aos médicos ocorreram entre a 10ª e a 12ª semana] e que era melhor eu me acostumar com a ideia. Um certo dia, um médico (meu ginecologista de confiança da época) me fez escutar os batimentos cardíacos do bebê para me convencer a não abortar [...] os médicos já haviam me dado inclusive uma data para o nascimento do bebê, era para ser um 29 de dezembro. Eles me empurraram goela abaixo informações que me fizessem sentir “mãe”, eu sentia muita culpa, muita pena. Tinha vontade de morrer, para acabar com isso sem carregar peso nenhum (Maria De Sanabria).

Quando o doutor colocou o aparelho do transvaginal, ouvi na hora o coração dele, aí chorava muito ali, e tudo isso sozinha, aborto, idas ao médico. O doutor dizia para eu ficar calma, que não tinha perdido, mal sabia ele que chorava de tristeza (Emily Davison).

As entrevistas também mostraram que quando a prática do aborto foi realizada em local sem suporte médico, houve falta de informação sobre a condução do procedimento de forma segura, o que interferiu na eficácia do procedimento, colocando em risco a saúde das mulheres.

Fiz sozinha em casa o procedimento, ele [companheiro] estava trabalhando, sabia de tudo, eu era leiga, introduzi os comprimidos com os dedos, não chegou no útero, ficou no canal vaginal, tive todo o sofrimento de um aborto, porém não desceu (Emily Davison).

Diante do cenário em que realizar aborto é apontado como crime, o receio de punição, mesmo em situações de fragilidade e risco de morte, aparece como barreira de acesso aos serviços de saúde.

Estava com medo, daí ele [companheiro] veio e me ajudou, me lavei, coloquei absorvente e voltei para cama, não quis ir ao hospital porque tinha muito medo de ser presa, porque eles iriam ver os remédios na minha vagina. [...] Eu ajudei uma amiga a encontrar Citotec mês passado, e ela fez um exame depois do aborto, e a secretária da médica ligou para ela ir no consultório. Ela ficou simplesmente apavorada, achando que tinham descoberto, só por causa de uma ligação, as mulheres têm medo disso (Emily Davison).

Mesmo que o contexto brasileiro seja o da criminalização do aborto, nos excertos a seguir vemos as formas de resistência aos mecanismos de biopolítica que o criminalizam, sistemas criados de forma ilegal para suprir as demandas de determinadas mulheres.

Fiz curetagem, a clínica era maravilhosa, valeu cada centavo, com certeza. Eu me senti muito segura. O médico foi extremamente cuidadoso, eu não senti dor nenhuma, fui muito bem tratada, passei o dia em observação. [...] A clínica era muito discreta (não possuía placa, nem número na fachada, foi difícil encontrar o local), mas era impecável. O médico foi muito tranquilo, me examinou, me explicou detalhadamente, com muita naturalidade, como seria realizado o procedimento e marcou para o dia seguinte. Parecia um sonho, eu não conseguia acreditar que aquele pesadelo iria acabar bem. Foi a primeira vez que senti felicidade em semanas. Era um alívio indescritível (Maria De Sanabria).

Minhas irmãs me apoiaram, pois morava em outro estado na época e estava sozinha, enviaram via Sedex os remédios. [...] Lembro que fiz todo o ritual, coloquei quatro e tomei quatro, me deitei com as pernas para cima e fique ali uma hora, foi quando comecei a ter muita dor [...] depois de umas duas horas fui ao banheiro, quando cheguei ouvi um barulho de água caindo no chão, na verdade era sangue que saiu de dentro de mim, muito sangue, minha casa ficou parecendo um frigorífico, me apavorei, pensei: pronto, vou morrer. [...] Eu ajudei uma amiga a encontrar Citotec mês passado [...] (Emily davison).

Eu paguei tudo. [...] O método usado foi o de curetagem uterina. Foi feita em uma clínica particular (clandestina), o local era limpo e equipado com aparelhos de ponta, aparelhos para primeiros socorros caso houvesse algum problema. O procedimento foi feito por um médico e contava com uma enfermeira. Situação econômica confortável. Pôde ser pago, tranquilamente, os R$ 4,500 do procedimento, preço de 2011 (Joana D’arc).

Descobri que estava grávida na minha ginecologista, que também era médica da minha mãe e irmã. A ginecologista orientou como deveria ser feito (o que usar, a dosagem e a forma de ser feita) e nos falou onde poderíamos achar o medicamento para comprar. Usei o remédio Citotec (três via oral e quatro via vaginal) e fiz na minha casa com ajuda e supervisão da minha mãe. A médica me orientou que assim que parasse de menstruar (menstruaria cerca de duas semanas após fazer o aborto), deveria voltar ao consultório para um exame de toque e fazer um ultrassom. Ou seja, tive a sorte de ter sido bem orientada e acompanhada pela mãe e pela médica, diferente de muitas mulheres (Frida Kahlo).

Já em países nos quais ocorreu a legalização do aborto, a prática é controlada e regularizada, conforme podemos conferir abaixo.

A “gesta” tinha seis semanas, foi um procedimento autoassistido. Com acompanhamento médico à distância, se necessário. Um médico uruguaio que me receitou a medicação. [...] Eles têm um protocolo bem estabelecido. Fui no HPS, mostrei o exame e disse que queria interromper, ele pegou a tabelinha, contou as semanas e me receitou. Eu peguei as medicações no HPS mesmo. Misoprostol, Paracetamol, Azitromicina. [...] Só que comigo não foi padrão o acolhimento, no protocolo tem consulta com assistente social, psicóloga, ginecologista. [...] Demora dias. Fazem exame de Beta hCG e ultrassonografia para certificar o tempo de “gesta”. Não segui o protocolo, porque eu levei o exame de sangue do laboratório daqui. E era o médico da minha família. [...] Queria que eu tomasse ali mesmo. E eu disse que queria vir para Pelotas. Ficar sozinha. [...] Ele queria que eu ficasse lá e na segunda fosse fazer ultrassom e consultar com a psicóloga. Eu disse que não podia. Que se fosse protocolar, eu ia achar outros meios (Olga Benário).

Os pensamentos das participantes referentes à legislação vigente sobre o aborto expressam insatisfação e desejo por mudanças, por julgarem a proibição um fator que coloca vidas em risco.

É obrigação do estado intervir quando algo sai do controle, o aborto é proibido porque dizem que já é uma pessoa, mas mesmo assim as mulheres abortam, daí podemos ter duas pessoas mortas. Eu mesma, me arrisquei morrer, ser presa, por exemplo, e nunca passou pela minha cabeça desistir porque era proibido. Eu engravidei com dois métodos contraceptivos, camisinha furou, tomei pílula do dia seguinte e engravidei. [...] Essas pessoas que fazem discurso de ódio contra nós "aborteiras assassinas" têm pessoas na família que abortaram, quando elas entenderem isso, acredito que vai mudar (Emily Davison).

Penso que o aborto deveria ser legalizado por questões de saúde pública (Joana D’arc).

Penso que o aborto deva ser uma escolha e que as mulheres possam fazer de maneira segura e com acompanhamento de um profissional. Respeito quem é contra, porém acho que quem não acha certo, que não o faça, mas que não impeça quem assim o quer fazer. [...] Hoje posso contar o que passei, pois tive condições financeiras e fui bem orientada. Acredito que a liberação do aborto traria políticas públicas que fariam com que menos mulheres tivessem complicações médicas, inclusive teríamos menos crianças abandonadas ou malcriadas e, a longo prazo, mais segurança e menos violência. Apesar de ter uma religião, acredito que as leis deveriam ser baseadas na ciência e em estudos e não em religiões, afinal vivemos em um estado laico (Frida Kahlo).

Sou totalmente a favor da legalização, isto evitaria muitas mortes por abortos mal feitos e também filhos indesejados que acabam tendo problemas emocionais (Brigitte Bardot).

Discursos possíveis que constituem a prática do aborto

Os achados mostraram que a decisão pelo aborto foi influenciada por diversos fatores do contexto socioeconômico, familiar e cultural de cada mulher. Diferentemente do que circula no senso comum, a escolha pelo aborto não foi simples, mas sim um processo que mobilizou sentimentos ambivalentes e subjetivos. O fato de não se estar em uma relação estável ou não se desejar manter vínculo permanente com o parceiro aparece em diversas falas como motivação para a interrupção da gestação, também associada à condição econômica e ao planejamento para o futuro, que seriam impedidos ou dificultados pela presença de um filho. Além disso, a falta de interesse pela maternidade também surgiu nos relatos, embora não tenha sido regra, visto que houve casos de abortos provocados por mulheres que desejavam ter filhos.

O planejamento familiar e reprodutivo está diretamente relacionado às condições financeiras e às relações afetivas, levando mulheres em contextos instáveis e conflituosos a optarem pelo aborto ( Carvalho; Paes, 2014CARVALHO, Simone Mendes; PAES, Graciele Oroski. As experiências de mulheres jovens no processo do aborto clandestino–uma abordagem sociológica. Saúde e Sociedade, v.23, n.2, 2014, pp.548-557 [https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000200015 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201400...
). Surgem questões sobre agir de acordo com o que é moralmente correto pela sociedade ou interromper a gestação por estar em condições não compatíveis para o enfrentamento da maternidade ( Carvalho; Paes, 2014CARVALHO, Simone Mendes; PAES, Graciele Oroski. As experiências de mulheres jovens no processo do aborto clandestino–uma abordagem sociológica. Saúde e Sociedade, v.23, n.2, 2014, pp.548-557 [https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000200015 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201400...
).

A instabilidade das relações em que as mulheres se encontravam é apontada como um dos aspectos que as direcionou para a decisão de abortar, pela insegurança que sentiam ao se considerarem em contextos insustentáveis para receber um filho ( Carvalho; Paes, 2014CARVALHO, Simone Mendes; PAES, Graciele Oroski. As experiências de mulheres jovens no processo do aborto clandestino–uma abordagem sociológica. Saúde e Sociedade, v.23, n.2, 2014, pp.548-557 [https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000200015 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201400...
). O papel do homem é de grande influência na decisão pelo aborto, pois até quando ele se omite, responsabilizando a mulher pela situação, sua conduta tem impacto no processo ( Chumpitaz, 2003CHUMPITAZ, Violeta Angélica Cuenca. Percepções femininas sobre a participação do parceiro nas decisões reprodutivas e no aborto induzido. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública), Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2003 [https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/5163/2/violeta_ang%C3%A9lica_cuenca_chumpitaz_ensp_mest_2003.pdf – acesso em: fevereiro de 2017].
https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/ic...
).

Embora não seja frequente, a falta de identificação com a maternidade também aparece nas narrativas. O corpo é um caminho para os processos de subjetivação, que ocorrem por meio da internalização de discursos ( Mendes, 2006MENDES, Cláudio Lúcio. O corpo em Foucault: superfície de disciplinamento e governo. Revista de Ciências Humanas, n. 39, Florianópolis, EDUFSC, 2006, pp.167-181 [https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/17993 – acesso em: julho de 2020].
https://periodicos.ufsc.br/index.php/rev...
), embora sejamos socialmente condicionadas a acreditar que a maternidade seja necessária para vivenciarmos inteiramente os papéis designados ao nosso gênero. Na obra “Um amor conquistado: O mito do amor materno” ( Badinter, 1985BADINTER, Elisabeth. Um Amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985. ), a ideia de que a maternidade seja algo instintivo e inato para as mulheres é contestada, e alerta-se que nem todas as mulheres são subjetivadas por esses discursos.

Como observamos nas falas, há clínicas clandestinas e muitos procedimentos para interrupção de gestações, porém a segurança com que os procedimentos são realizados está diretamente relacionada às condições financeiras de quem procura por esse tipo de serviço. Para mulheres com possibilidades de buscar suporte de melhor qualidade, o processo de abortamento foi vivenciado sem maiores complicações, como observamos nas narrativas. O sentimento de confiança e conforto foi citado, pois o local e o acolhimento realizado proporcionaram impressões positivas. Já em outros contextos, ocorreram exposições a riscos durante intervenções, sem acompanhamento de profissionais qualificados, situação que gerou medo e inseguranças.

Curetagens realizadas em clínicas clandestinas também são recorrentes entre mulheres com condições econômicas para acessar serviços que oferecem maior segurança. No entanto, as que se encontram em situações de vulnerabilidade social foram expostas às práticas que podiam levá-las a morte ( Romio et al., 2015ROMIO, Caroline Matos et alii. Saúde mental das mulheres e aborto induzido no Brasil. Psicologia Revista, v.24, n.1, 2015, pp.61-81 [https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-768389 – acesso em: julho de 2020].
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...
).

Com a realização do aborto, perspectivas sobre a liberdade de escolha da mulher sobre seu corpo passam a ser vistas com mais intensidade; da mesma forma, a capacidade de se colocar no lugar de outras pessoas que enfrentam a mesma situação e agir com sororidade e compreensão torna-se algo produtor de sentimentos ambivalentes, pois ver a experiência de outras faz aflorar sensações de angústia, mas também a oferta de apoio.

O sujeito não existe de forma concreta, é apenas uma invenção construída por meio de discursos e relações de poder-saber, diferentemente do conceito de corpo, que é algo palpável, existente como estrutura interpelada por tais relações, que direcionam ações do corpo e do sujeito. O corpo sofre influências de diversas tecnologias e vivências, tornando-se caminho para os processos de subjetivação ( Mendes, 2006MENDES, Cláudio Lúcio. O corpo em Foucault: superfície de disciplinamento e governo. Revista de Ciências Humanas, n. 39, Florianópolis, EDUFSC, 2006, pp.167-181 [https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/17993 – acesso em: julho de 2020].
https://periodicos.ufsc.br/index.php/rev...
). Consideramos, assim, que a experiência do aborto subjetiva as mulheres, tornando-as mais críticas em relação ao tema.

Na fala da mulher que já é mãe, torna-se possível identificar o peso moral carregado por ela; embora seja favorável à descriminalização e regularização do aborto, a vivência da maternidade aumenta a pressão social, desencadeando culpa por impedir o desenvolvimento de um filho. É possível que isso ocorra devido à maior interiorização de discursos que naturalizam e romantizam a maternidade, tratando-a como algo intrínseco às mulheres, como se fosse necessário vivenciá-la para manter o papel de figura maternal e fraterna que por muito tempo nos identificou como sujeitos na sociedade, e ainda hoje nos subjetiva.

As representações sociais impostas aos sexos são variáveis e durante longo período eram embasadas em argumentos sem amparo científico – citando como exemplo, em alguns povos primordiais, acreditava-se que os homens não tinham vinculação com a reprodução. Tal crença se modificou com a ascensão do patriarcado, passando o homem a reivindicar seu papel de criador; porém as funções de manter e nutrir a vida após a concepção permanecem de total responsabilidade da mulher. Nos ditos primórdios, as mulheres já eram condicionadas à maternidade, e era aceitável ver homens se afastando de seus filhos ou rejeitando gestações de suas companheiras. Discursos biológicos sobre machos e fêmeas em diversas espécies ressaltam que sempre cabe à fêmea atuar como protetora e abrigo do óvulo fecundado; já o macho mantém sua individualidade inalterada após a concepção ( Beauvoir, 2016BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo: fatos e mitos. v.1, 3ed, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2016. ).

É possível reparar na desigualdade de responsabilização existente entre as mulheres e os homens envolvidos em uma gestação indesejada: desde a prevenção até a comunicação do ocorrido, a mulher passa por conflitos sem contar com apoio. Preocupações com a concepção, o reconhecimento de paternidade e as implicações do aborto são exclusivamente vivenciadas pelas mulheres, atravessadas por discursos que constituem o corpo feminino e o naturalizam como objeto capaz de gerar vida.

Somos constituídos como sujeitos por meio da internalização de discursos que possibilitam processos de subjetivação, ou seja, o sujeito se constrói a partir de determinadas influências daquilo que a sociedade tem por verdade, justificando a forma como muitas mulheres são interpeladas em relação aos papéis de gênero naturalizados e reproduzidos há séculos ( Candiotto, 2006CANDIOTTO, Cesar. Foucault: uma história crítica da verdade . Trans./Form./Ação, São Paulo, v.29, n.2, 2006, pp.65-78 [https://doi.org/10.1590/S0101-31732006000200006 – acesso em: março de 2022].
https://doi.org/10.1590/S0101-3173200600...
). Um exemplo disso são os discursos pró-vida e pró-escolha, que dicotomizam e dividem espaço na formação das opiniões a respeito da descriminalização do aborto e estão imbricados em produções visuais. Esses discursos chegam até os sujeitos em contextos nos quais fetos e mulheres são vítimas, seja a partir de imagens do desenvolvimento do embrião, com vistas a provar sua individualidade (pró-vida), seja a partir de imagens de sofrimento e violência da criminalização e da clandestinidade de pessoas que passaram pela experiência (pró-escolha) ( Luna, 2014LUNA, Naara. Aborto e corporalidade: sofrimento e violência nas disputas morais através de imagens. Horizontes Antropológicos, v.20, n.42, 2014, pp.293-325 [https://doi.org/10.1590/S0104-71832014000200012 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201400...
).

Ao defender a sacralidade da vida, as crenças originam conflitos para as mulheres que julgam o aborto como prática necessária diante de suas vivências e que buscam autonomia para decidir sobre seus corpos. A influência de ideologias religiosas age reproduzindo discursos que geram culpa e sofrimento, dificultando o enfrentamento após os procedimentos; em contraponto, o feminismo fortalece as mulheres em suas decisões.

O discurso religioso é considerado ferramenta da hierarquia eclesiástica com capacidade influente sobre o Estado e, simultaneamente, um condutor moral e cultural da sociedade, refletindo em debates populares. Em relação ao aborto, um dos temas interpelados por esse mecanismo de poder, os argumentos são contrários ao direito da mulher sobre seu corpo. Isso se fortalece com o fundamentalismo neoconservador, oriundo das alianças parlamentares com instituições religiosas ( Machado, 2017MACHADO, Lia Zanotta. O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e17504 [https://doi.org/10.1590/18094449201700500004 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/1809444920170050...
; Mariano, 2017; Tarducci, 2017TARDUCCI, Mónica. “Poner el cuerpo” en las calles: los enfrentamientos de las activistas feministas y los grupos anti-derechos. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e175121 [https://www.scielo.br/j/cpa/a/mJBM6YSrhKvVcTnRSYZp8qF/abstract/?lang=es – acesso em: março de 2022].
https://www.scielo.br/j/cpa/a/mJBM6YSrhK...
), intensificando ainda mais entre os movimentos feministas a pauta de descriminalizá-lo.

Ao contatar familiares, as mulheres receberam apoio na procura de estratégias para interromper a gestação. Em nenhuma das situações ocorreram tentativas de impedimento, e sim a mobilização de grupos para encontrar alternativas resolutivas sem desrespeitar a autonomia da mulher em sua escolha. Por muito tempo o aborto foi considerado uma situação a ser resolvida pelas mulheres, que se organizavam socialmente para atender a essas demandas. Atualmente, estamos em um período de intensa medicalização e controle dos corpos, o que interfere no poder de decisão e intervenção sobre a continuidade das gestações, porém ainda é possível identificar a comoção dentre essa população, buscando oferecer suporte em casos de necessidade.

Embora a sensação de abandono e solidão durante o processo de abortamento provocado seja frequente, a relação de solidariedade e cuidado entre as mulheres é um aspecto responsável por minimizar alguns danos da falta de suporte e de apoio profissional (Carneiro; Iriart; Menezes, 2013).

Em alguns casos, o aborto despertou sensação de alívio; em outros, são apontados danos físicos e psicológicos. Embora a interrupção gestacional seja vista com naturalidade para algumas mulheres, existem as que se sentem culpadas após a realização do procedimento, carregando angústias que causam instabilidade emocional. Aparentemente, tais transtornos são provocados pela experiência de abortar; no entanto, o problema não está na vivência em si, e sim nos discursos que rotulam essas mulheres como criminosas e interpelam seus enfrentamentos de maneira negativa.

Culpa, tristeza, angústia e arrependimento são alguns dos sentimentos negativos relacionados ao enfrentamento da realização do aborto, fato socialmente julgado como crime. Porém também é comum encontrar relatos de sensações de alívio e tranquilidade após a interrupção gestacional, visto que tal intervenção permite à mulher a libertação da condição que a perturbava. Nem todo aborto provocado gera arrependimento: em muitos casos o que se destaca é a expressão de alívio, ressaltando que a prática representa o direito da mulher sobre seu próprio corpo ( Carvalho; Paes, 2014CARVALHO, Simone Mendes; PAES, Graciele Oroski. As experiências de mulheres jovens no processo do aborto clandestino–uma abordagem sociológica. Saúde e Sociedade, v.23, n.2, 2014, pp.548-557 [https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000200015 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201400...
).

Nas primeiras consultas, os discursos de biopolítica proferidos pelos profissionais da saúde são direcionados ao controle do corpo da mulher, buscando subjetivá-las à maternidade e impedir a realização do aborto. As condições emocionais e socioeconômicas da usuária sequer são questionadas, já que o objetivo das estratégias biopolíticas é estabelecer classificação e normalização da população, dificilmente se atentando para suas subjetividades; vai-se ao encontro dos desdobramentos propostos por Sher (1981)SHER, George. Subsidized Abortion: Moral Rights and Moral Compromise. Philosophy & Public Affairs, v.10, n.4, 1981, pp.361-372 [https://www.jstor.org/stable/2265049 – acesso em: março de 2022].
https://www.jstor.org/stable/2265049...
no contexto dos EUA, em que até se sustenta o direito de interromper a gravidez, desde que o procedimento seja custeado pela interessada – pelos sistemas de saúde privados que acessa –, desresponsabilizando moralmente o Estado dessa função.

Durante séculos, a medicina intervém frente à vida íntima dos casais, definindo padrões de comportamentos sexuais e reprodutivos, visando a estabelecer controle sobre a vida e sua produtividade, mantendo ativo o sistema capitalista e patriarcal ( Freitas; Leal, 2017FREITAS, Patrícia Marques; LEAL, Ana Christina Darwich Borges. Sexo e poder: a biopolítica de Michel Foucault. FIDES, v.8, n.1, 2017, pp.134-143 [http://www.revistafides.ufrn.br/index.php/br/article/view/303/310 – acesso em: março de 2017].
http://www.revistafides.ufrn.br/index.ph...
). Os discursos médicos visam à medicalização do corpo social e de suas sexualidades, refletindo na elaboração de conceitos, costumes e normas, originados para governar os sujeitos ( Foucault, 2010FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2010. ).

A biopolítica está atrelada a processos de saber, poder e práticas médicas intervencionistas, articuladas a regimes de discursos tidos como verdades absolutas, efetivados por meio de ações disciplinares com objetivo de regular uma população. Tal regulação é de interesse estatal, porém também tem relação com ideologias moralistas e cristãs devido a alianças socialmente construídas entre instituições religiosas e governamentais ( Foucault, 2015FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 3 ed, São Paulo, Paz e Terra, 2015. ), como são mostradas nos contextos da Argentina ( Tarducci, 2017TARDUCCI, Mónica. “Poner el cuerpo” en las calles: los enfrentamientos de las activistas feministas y los grupos anti-derechos. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e175121 [https://www.scielo.br/j/cpa/a/mJBM6YSrhKvVcTnRSYZp8qF/abstract/?lang=es – acesso em: março de 2022].
https://www.scielo.br/j/cpa/a/mJBM6YSrhK...
) e também do Brasil ( Machado, 2017MACHADO, Lia Zanotta. O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e17504 [https://doi.org/10.1590/18094449201700500004 – acesso em: julho de 2020].
https://doi.org/10.1590/1809444920170050...
; Mariano, 2017), onde se pleiteia na atualidade a descriminalização do aborto.

O conceito de população ganha ênfase em meados do século XVIII, tornando-se questão política e econômica a ser manejada pelo Estado. Com isso, torna-se da alçada dos governos o controle dessa população e dos fenômenos relacionados a ela – taxas de natalidade, mortalidade, morbidade, expectativa e organização social da vida dos sujeitos, além do sexo, da sexualidade e dos planejamentos reprodutivos ( Freitas; Leal, 2017FREITAS, Patrícia Marques; LEAL, Ana Christina Darwich Borges. Sexo e poder: a biopolítica de Michel Foucault. FIDES, v.8, n.1, 2017, pp.134-143 [http://www.revistafides.ufrn.br/index.php/br/article/view/303/310 – acesso em: março de 2017].
http://www.revistafides.ufrn.br/index.ph...
). A proibição do aborto enquadra-se em medida de controle de natalidade e assim conduz os profissionais de saúde a uma abordagem técnica, punitiva, com certo descaso com a saúde da mulher nessa questão, uma vez que nosso modelo de atenção à saúde é orientado por concepções intervencionistas e curativas voltadas para prolongar e manter a vida (Carneiro; Iriart; Menezes, 2013).

O sistema de classificação da população por raças, sexo e gerações operacionaliza mecanismos de biopolítica, buscando a normalização dos corpos por meio do gerenciamento da vida. Dentro dessas estratégias estão a patologização e medicalização de aspectos complexos, que, por sua vez, passam a ser vistos de forma mais técnica por terem como objetivo principal o controle, e não o cuidado e suas interfaces, uma vez que fazemos parte do contexto social caracterizado por práticas disciplinares em que o corpo da mulher é alvo da biopolítica e de seu controle ( Ferrazza; Peres, 2016FERRAZZA, Daniele de Andrade; PERES, Wiliam Siqueira. Medicalização do corpo da mulher e criminalização do aborto no Brasil. Fractal: Revista de Psicologia, v. 28, n. 1, jan.-abr. 2016, pp.17-25 [https://doi.org/10.1590/1984-0292/1016 – acesso em: fevereiro de 2017].
https://doi.org/10.1590/1984-0292/1016...
). Nesse sentido, nos tornamos dependentes de aparatos médicos e tecnológicos, o que interfere na capacidade de reconhecimento dos nossos próprios corpos.

Para as mulheres que provocam aborto, procurar o suporte de profissionais de saúde é visto como risco, devido à possibilidade de denúncia, já que o código de ética das profissões permite tal conduta e a legislação criminaliza as interrupções gestacionais voluntárias. Assim, consideramos que tais medidas de controle não são eficazes em proteger a população, uma vez que geram distanciamento de pessoas vulneráveis.

A realização de abortos utilizando métodos inseguros é comum em nosso país, visto que a prática não é regularizada e ainda é considerada criminosa (Adesse; Monteiro; Levin, 2008). Em estudo (Carneiro; Iriart; Menezes, 2013), as mulheres apresentaram expectativas negativas em relação à busca por serviços de saúde durante a interrupção gestacional, pois tinham receio, cogitando a possibilidade de discriminação e maus-tratos; já as usuárias que procuraram atendimento identificaram uma punição velada pelos profissionais, sinalizada por cuidados tardios e falta de acolhimento e orientações.

Há um discurso socialmente construído de que as mulheres possuem em sua essência o dom da maternidade e apenas tornam-se completas após exercer o papel de mãe. Porém observamos que as narrativas não vão ao encontro dessas ideias, já que tal discurso não interpela todas nós, mesmo tendo sido naturalizado e reproduzido por longos períodos. Pelo contrário, para as participantes da pesquisa, o aborto deveria ser tratado com tranquilidade, sendo ele a melhor alternativa frente à gravidez indesejada.

Nos relatos das mulheres que procuraram clínicas para a realização da interrupção gestacional, destacam-se as sensações de segurança e alívio, já que, podendo arcar com as despesas do procedimento em ambientes salubres, essas participantes foram bem atendidas. Essa é a realidade encontrada em nosso país, onde a proibição do aborto não é efetiva em impedir sua realização, mas sim em deixar mulheres vulneráveis desassistidas.

Desse modo, identificamos que mesmo dentro do sistema de controle biopolítico existem formas de resistência, por meio das quais surgem instituições irregulares para atender as demandas da população estigmatizada e julgada; embora o Estado não regularize o aborto, existem instituições com aparatos médicos capazes de transmitir segurança e conforto para as pacientes.

O papel normativo e gerenciador da biopolítica é observado desde o século XVIII com o movimento higienista europeu, que organizava medidas intervencionistas acerca da sexualidade, classes sociais, raças e gerações, responsável por estigmatizar qualquer indivíduo fora dos padrões, originando rótulos sobre as “loucuras morais”, as “degenerescências”, as “anormalidades”, as “vadiagens”, as “libertinagens” ( Foucault, 2015FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 3 ed, São Paulo, Paz e Terra, 2015. ).

Com essa patologização da existência humana, ganham ênfase os processos de medicalização, que interpelam aspectos filosóficos e epistemológicos, socioculturais e políticos, permitindo que a medicina transformasse fenômenos naturais em eventos de ordem médica, para submetê-los à normatização de práticas sociais, interferindo até mesmo em sua sexualidade, condutas e prazeres ( Foucault, 2010FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2010. ). Isso subjetiva intensamente a população, com estratégias silenciosas, capazes de tornar os indivíduos dependentes do sistema biomédico para se considerarem em segurança.

Mulheres que residem em países que criminalizam o aborto, se possível, acessam países em que o aborto é regularizado. Existem diversos protocolos e acompanhamentos, oferecendo maior suporte à mulher e investigando suas fragilidades. No entanto, as questões burocráticas prolongam o processo, fator avaliado como desfavorável pelas mulheres, já que o período entre a decisão pelo aborto e sua execução desperta sofrimento e aflições. Entre as que provocaram aborto, existe a convicção da importância de legalização do procedimento, utilizando como defesa a possibilidade de redução da mortalidade materna, a prevenção de casos de abandonos na infância e a falta de legitimidade da influência religiosa nas leis do nosso país.

A irregularidade do aborto consiste em fragilidade para os sistemas de notificações, ou seja, os agravos provavelmente são superiores aos dados em registro analisados pelo Estado. Cabe salientar que, quando falamos de interrupção gestacional, a maior questão a ser considerada é a decisão da gestante, visto que, independentemente de regras, normas e legislações, se o procedimento for avaliado como necessário, essas mulheres resistem e encontram formas de realizá-lo, mesmo se colocando-se em risco, porque o Estado, de certo modo, já o faz não fornecendo aparato legal.

Provocações para elaboração de novas políticas

Ao buscar identificar os discursos que interpelam as decisões e enfrentamentos dessas mulheres, observamos a multiplicidade de fatores e sentimentos que levaram cada mulher a optar pela interrupção gestacional, assim como emoções que se mantiveram após a prática.

A construção social do papel da mulher na sociedade está diretamente relacionada ao falar de aborto e direitos do corpo. Delineamentos históricos e culturais, arraigados por discursos patriarcais responsáveis por estabelecer hierarquia de gêneros, refletem diretamente nos estereótipos que rotulam e subjetivam as mulheres que abortam. A vinculação do corpo da mulher à sua função reprodutiva e a naturalização/romantização da maternidade condicionam os sujeitos a deslegitimarem e questionarem os direitos sexuais de quem resiste a esse padrão.

Integramos um cenário no qual mulheres que abortam são consideradas criminosas, irresponsáveis, sem sentimentos e planejamentos, são silenciadas e culpabilizadas, embora suas decisões sejam atravessadas por contextos de vida e sentimentos subjetivos impossíveis de serem compreendidos por indivíduos que não passaram por tais vivências.

Embora isso não seja unânime entre as mulheres, o sentimento de culpa e o relato de danos emocionais após o aborto foi citado repetidas vezes, alertando sobre a necessidade de problematizar a criminalização do aborto, que alimenta discursos capazes de prejudicar a saúde emocional dessa população; essas mulheres, além de terem a integridade física colocada em risco durante procedimentos clandestinos, não recebem suporte adequado do sistema de saúde e ainda são constantemente rotuladas e julgadas.

Acompanhamos movimentos pró-vida, alertando sobre a regularização do aborto e a forma como isso o tornaria uma prática compulsória, porém temos motivos para questionar tal argumento, visto que induzir o aborto é uma escolha interpelada por aspectos subjetivos e individuais e que cabe somente a quem passa por tal vivência. Ao ouvir as mulheres, compreendemos a complexidade dessa decisão e a necessidade de seguir em frente mesmo com as limitações impostas pela proibição; ou seja, se a biopolítica tem como prioridade gerenciar a vida, usar a criminalização como estratégia de controle, e a normalização não tem sido uma conduta efetiva, pois abortos seguem ocorrendo, morrem os fetos e morrem as mães.

Referências bibliográficas

  • ADESSE, Leila; MONTEIRO, Mário F.G.; LEVIN, Jacques. Panorama do aborto no Brasil – grave problema de saúde pública e de justiça social. Radis, n. 66, 2008, pp.10-15 [https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/todas-as-edicoes/66/ – acesso em: março de 2022].
    » https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/todas-as-edicoes/66/
  • ALMEIDA, Tânia Mara Campos de; BANDEIRA, Lourdes Maria. O aborto e o uso do corpo feminino na política: a campanha presidencial brasileira em 2010 e seus desdobramentos atuais. cadernos pagu (41), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero – Pagu/Unicamp, 2013, pp.371-403 [https://doi.org/10.1590/S0104-83332013000200018 – acesso em: julho de 2020].
    » https://doi.org/10.1590/S0104-83332013000200018
  • BADINTER, Elisabeth. Um Amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985.
  • BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo: fatos e mitos. v.1, 3ed, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2016.
  • BIROLI, Flávia. Autonomia e justiça no debate sobre aborto: implicações teóricas e políticas. Revista Brasileira de Ciência Política, v.15, p.37, 2014, pp.37-68 [https://doi.org/10.1590/0103-335220141503 – acesso em: julho de 2020].
    » https://doi.org/10.1590/0103-335220141503
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012: Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 dez. 2012 [https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf – acesso em: setembro de 2016].
    » https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento. 2ed, Brasília, Ministério da Saúde, 2011 [https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf – acesso em: fevereiro de 2017].
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf
  • CANDIOTTO, Cesar. Foucault: uma história crítica da verdade . Trans./Form./Ação, São Paulo, v.29, n.2, 2006, pp.65-78 [https://doi.org/10.1590/S0101-31732006000200006 – acesso em: março de 2022].
    » https://doi.org/10.1590/S0101-31732006000200006
  • CARNEIRO, Monique França; BERNSTEIN IRIART, Jorge Alberto; DE SOUZA MENEZES, Greice Maria. “Largada sozinha, mas tudo bem”: paradoxos da experiência de mulheres na hospitalização por abortamento provocado em Salvador, Bahia, Brasil. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, v.17, n.45, 2013, pp.405-418 [https://www.scielosp.org/article/icse/2013.v17n45/405-418/ – acesso em: julho de 2020].
    » https://www.scielosp.org/article/icse/2013.v17n45/405-418/
  • CARVALHO, Simone Mendes; PAES, Graciele Oroski. As experiências de mulheres jovens no processo do aborto clandestino–uma abordagem sociológica. Saúde e Sociedade, v.23, n.2, 2014, pp.548-557 [https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000200015 – acesso em: julho de 2020].
    » https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000200015
  • CHUMPITAZ, Violeta Angélica Cuenca. Percepções femininas sobre a participação do parceiro nas decisões reprodutivas e no aborto induzido. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública), Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2003 [https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/5163/2/violeta_ang%C3%A9lica_cuenca_chumpitaz_ensp_mest_2003.pdf – acesso em: fevereiro de 2017].
    » https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/5163/2/violeta_ang%C3%A9lica_cuenca_chumpitaz_ensp_mest_2003.pdf
  • COSTA, Raphael Mendonça; JÚNIOR, Cildo Giolo. Teorias jurídicas acerca do início da vida humana. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, v.10, n.2, 2015, pp.297-327 [http://www.revista.direitofranca.br/index.php/refdf/article/view/291 – acesso em: fevereiro de 2017].
    » http://www.revista.direitofranca.br/index.php/refdf/article/view/291
  • DELMANTO, Celso et alii. Código penal comentado. 9 ed, São Paulo, Saraiva, 2016.
  • DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 2, 2017, pp.653-660 [https://doi.org/10.1590/1413-81232017222.23812016 – acesso em: março de 2017].
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017222.23812016
  • FÉLIX, Jeane. Entrevistas on-line ou algumas pistas de como utilizar bate-papos virtuais em pesquisas na educação e na saúde. In.: MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves (org.). Metodologias de Pesquisa Pós-críticas em Educação. Belo Horizonte, Mazza Edições, 2012, pp.133-152.
  • FERRAZZA, Daniele de Andrade; PERES, Wiliam Siqueira. Medicalização do corpo da mulher e criminalização do aborto no Brasil. Fractal: Revista de Psicologia, v. 28, n. 1, jan.-abr. 2016, pp.17-25 [https://doi.org/10.1590/1984-0292/1016 – acesso em: fevereiro de 2017].
    » https://doi.org/10.1590/1984-0292/1016
  • FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 3 ed, São Paulo, Paz e Terra, 2015.
  • FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2010.
  • FREITAS, Patrícia Marques; LEAL, Ana Christina Darwich Borges. Sexo e poder: a biopolítica de Michel Foucault. FIDES, v.8, n.1, 2017, pp.134-143 [http://www.revistafides.ufrn.br/index.php/br/article/view/303/310 – acesso em: março de 2017].
    » http://www.revistafides.ufrn.br/index.php/br/article/view/303/310
  • LEMOS, Adriana; RUSSO, Jane Araújo. Profissionais de saúde e o aborto: o dito e o não dito em uma capacitação profissional em saúde. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, v.18, n.49, 2014, pp.301-312 [https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=180131153006 – acesso em: fevereiro de 2017].
    » https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=180131153006
  • LUNA, Naara. Aborto e corporalidade: sofrimento e violência nas disputas morais através de imagens. Horizontes Antropológicos, v.20, n.42, 2014, pp.293-325 [https://doi.org/10.1590/S0104-71832014000200012 – acesso em: julho de 2020].
    » https://doi.org/10.1590/S0104-71832014000200012
  • MACHADO, Lia Zanotta. O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e17504 [https://doi.org/10.1590/18094449201700500004 – acesso em: julho de 2020].
    » https://doi.org/10.1590/18094449201700500004
  • MARIANO, Rayani; BIROLI, Flávia. O debate sobre aborto na Câmara dos Deputados (1991-2014): posições e vozes das mulheres parlamentares. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e175013 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8650734 – acesso em: julho de 2020].
    » https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8650734
  • MENDES, Cláudio Lúcio. O corpo em Foucault: superfície de disciplinamento e governo. Revista de Ciências Humanas, n. 39, Florianópolis, EDUFSC, 2006, pp.167-181 [https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/17993 – acesso em: julho de 2020].
    » https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/17993
  • MIKAEL-SILVA, Thiago; MARTINS, Alberto Mesaque. A legalização do abortamento no discurso do jornal Folha de São Paulo (2011-2014). Temas em Psicologia, v. 24, n. 3, 2016, pp.991-1007 [http://dx.doi.org/10.9788/TP2016.3-12Pt – acesso em: julho de 2020].
    » http://dx.doi.org/10.9788/TP2016.3-12Pt
  • RABAY, Glória; SOARES, Gilberta Santos. Abortamento inseguro: assistência e discriminação. João Pessoa, Cunhã Coletivo Feminista, 2008.
  • ROMIO, Caroline Matos et alii. Saúde mental das mulheres e aborto induzido no Brasil. Psicologia Revista, v.24, n.1, 2015, pp.61-81 [https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-768389 – acesso em: julho de 2020].
    » https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-768389
  • SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. Revista de Direito Administrativo, v.240, 2014, pp.43-82 [https://doi.org/10.12660/rda.v240.2005.43619 – acesso em: março de 2022].
    » https://doi.org/10.12660/rda.v240.2005.43619
  • SCHÜTZE, Fritz. Pesquisa biográfica e entrevista narrativa. In.: WELLER, Wivian; PFAFF, Nicolle (org.). Metodologias da pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática. Petrópolis, Vozes, 2011, pp.67-86.
  • SHER, George. Subsidized Abortion: Moral Rights and Moral Compromise. Philosophy & Public Affairs, v.10, n.4, 1981, pp.361-372 [https://www.jstor.org/stable/2265049 – acesso em: março de 2022].
    » https://www.jstor.org/stable/2265049
  • SILVA, Solimar Patriota. O facebook na formação continuada de mediadores de leitura. Duque de Caxias, Rio de Janeiro, 2012.
  • TARDUCCI, Mónica. “Poner el cuerpo” en las calles: los enfrentamientos de las activistas feministas y los grupos anti-derechos. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e175121 [https://www.scielo.br/j/cpa/a/mJBM6YSrhKvVcTnRSYZp8qF/abstract/?lang=es – acesso em: março de 2022].
    » https://www.scielo.br/j/cpa/a/mJBM6YSrhKvVcTnRSYZp8qF/abstract/?lang=es
  • VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a Educação. 2 ed. Belo Horizonte, Autentica, 2005.
  • VIANNA, Túlio. Legalizar o Aborto. Portal Fórum, setembro de 2012 [http://www.revistaforum.com.br/2012/02/09/legalizar-o-aborto/ - acesso em: fevereiro de 2017].
    » http://www.revistaforum.com.br/2012/02/09/legalizar-o-aborto/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2018
  • Aceito
    10 Dez 2021
Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu Universidade Estadual de Campinas, PAGU Cidade Universitária "Zeferino Vaz", Rua Cora Coralina, 100, 13083-896, Campinas - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 19) 3521 7873, (55 19) 3521 1704 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: cadpagu@unicamp.br