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Memórias do trabalho doméstico no exílio: brasileiras na França na década de 1970*

Memories of Housework in Exile: Brazilian Women in France in The 1970s

Resumo

Com o exílio resultante da perseguição política durante a ditadura militar do Brasil, alguns aspectos ligados ao cotidiano emergiram aos sujeitos exilados. Questões até então ignoradas passaram a se tornar pontos de discussão, conflitos e transformações. Este artigo objetiva analisar as narrativas de mulheres brasileiras acerca do trabalho doméstico no exílio. A partir dos estudos teóricos que articulam gênero e memória, buscamos perceber as relações hierárquicas – constituídas ou rompidas – no que diz respeito ao trabalho doméstico durante o exílio de brasileiras e brasileiros na França, nos anos 1970. Este processo de (auto)exclusão, vivido de maneira heterogênea, é foco de inúmeras memórias que emergiram durante ou após o período. São fontes para este artigo memórias publicadas no livro Memórias das Mulheres do Exílio (1980) e entrevistas realizadas a partir da metodologia da história oral.

Exílio; Memórias do exílio; Relações de gênero; Trabalho doméstico; História do Feminismo

Abstract

With the exile resulting from political persecution during Brazil's military dictatorship, some aspects related to daily life emerged for exiled subjects. Ignored aspects until then, have become an issue of discussion, conflicts and transformations. This article aims to analyze the narratives of Brazilian women about housework in exile. Based on theoretical studies that articulate gender and memory, we seek to understand the hierarchical relationships – constituted or broken – with regard to housework during the exile of Brazilians in France, during the 1970s. This (self) exclusion process, lived in a heterogeneous way, is the focus of countless memories that emerged during or after the period. Sources for this article are memoirs published in the book Memórias das Mulheres do Exílio (1980) and interviews based on the methodology of oral history.

Exile; Memories of exile; Gender relations; Housework; History of feminism

Era isso que eu queria dizer, você não tinha essas pressões da vida social que você tinha no Brasil, de qualquer maneira, mesmo que quem tinha feito a opção para não se manter dentro da ordem que estava lá estabelecida, mas de qualquer maneira você estava em outro contexto, e era um contexto teu, da tua vida, da tua história (Ávila, 2019).

As atividades cotidianas, que pareciam corriqueiras no Brasil, passaram a se tornar pontos de conflito e de questionamentos por parte das mulheres exiladas da ditadura militar brasileira.1 1 Há uma grande discussão no campo historiográfico sobre se devemos chamar o período de Ditadura Militar ou Ditadura Civil-Militar. Quem argumenta que devemos denominar de Civil-Militar ressalta o apoio de civis à ditadura. Já quem prefere somente Militar lembra que, em última instância, os militares estavam à frente das decisões e definiam as políticas a serem adotadas; mesmo que apoiados por muitos/as civis. Não pretendemos entrar mais profundamente nesta discussão. Para saber mais, ver: Reis (2000) e Fico (2017) . Isso ocorreu dentre outros lugares, na França durante os anos 1970, destino de muitas brasileiras e brasileiros quando as portas da América Latina se fecharam2 2 De um modo geral, o exílio de brasileiras/os pode ser dividido entre antes e depois do golpe do Chile, em 1973. Até então muitas brasileiras e brasileiros deixavam o Brasil em direção a destinos na América Latina, como Uruguai, Bolívia, Chile, entre outros, uma vez que entendiam a saída como um “momento de articular os acontecimentos e aguardar a volta” ( Rollemberg, 1999: 65). As portas da América Latina foram se fechando ao longo dos anos de 1960 e 1970, com os respectivos golpes de estado, como na Bolívia (1964, 1971, 1980), no Chile (1973), na Argentina (1966 e 1976) e no Uruguai (1973). Os destinos se tornaram majoritariamente a Europa, a América do Norte e os países Africanos (que conquistaram suas independências). Embora já registrasse a presença de muitos/as brasileiros/as antes dos anos de 1970, após o golpe do Chile, foi na França “onde se concentrou o maior número de brasileiros, e Paris tornou-se a nova capital do exílio” ( Rollemberg, 1999: 88). . O relato de Maria Betânia de Melo Ávila (do qual citamos um pequeno trecho acima) sintetiza algumas das diferentes dimensões que foram vivenciadas pelas exiladas neste período: o feminismo como nova pauta política e o espaço machista ao qual ainda estavam vinculadas (pelos grupos políticos ou pelos afetos), além de todo o novo contexto do exílio. Havia a tensão entre a liberdade e o que constituíam as exiladas nas relações com os outros: o transitório. A não aceitação de uma “divisão sexual do trabalho, naquela relação cotidiana, que mesmo dentro de uma vida totalmente alternativa, mas [que] de qualquer maneira ainda era assim” (Ávila, 2019) também fez parte dessa história.

No contexto francês, as exiladas e os exilados “eram confrontados com uma realidade na qual alguns privilégios, como o acesso a uma empregada doméstica, eram muito mais exclusivos, restritos somente à elite” ( Abreu, 2010ABREU, Maira Luisa Gonçalves de. Feminismo no Exílio: o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris e o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris. Dissertação (Mestrado em Sociológica e Pensamento Social), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.: 97). Diferentes estudos sobre emprego doméstico3 3 Para diferenciar o trabalho doméstico remunerado, executado por empregadas domésticas, faxineiras ou diaristas, e o trabalho doméstico não remunerado, executado sobretudo (ainda em nossos dias) por mulheres em suas famílias, aquele associado à dona de casa, usaremos respectivamente as denominações emprego doméstico e trabalho doméstico, conforme Mirta Henaut (2001) . apontam que é requisito indispensável, para sua ampla presença, uma profunda desigualdade social, uma distribuição de renda bastante desigual (Milkman; Reese, 1998). Apenas assim famílias, indivíduos ou casais que não fazem parte do topo da pirâmide social são capazes de bancar salários inteiros de outras pessoas. Ou seja, o acesso das camadas médias à contratação do emprego doméstico, sobretudo mensalista, só existe em contextos onde há péssima distribuição de renda, e o abismo social entre a classe média e as classes trabalhadoras mais empobrecidas é enorme.

A falta de outras opções no mercado de trabalho para as classes trabalhadoras, sobretudo para as mulheres, também está relacionada à ampla oferta de emprego doméstico. Isso ocorre porque é uma ocupação bastante estigmatizada, que grande parte das trabalhadoras abandonariam caso houvesse outras opções, como já observou Heleieth Saffioti (1978)SAFFIOTI, Heleieth. Emprego doméstico e capitalismo. São Paulo, Vozes, 1978. na década de 1970 e Susana Rostagnol (1988)ROSTAGNOL, Susana. Las trabajadoras en el servicio doméstico. Mujer y trabajo nº 4, Montevideo: CIEDUR, 1988. no final da década de 1980. A França da década de 1970 tinha uma configuração econômica muito diferente do Brasil no mesmo período. Ao mesmo tempo, a condição do exílio não é a mesma daquela de cidadã/o francês/a.

Estar deslocado do seu círculo social, das redes de apoio e do lugar de status das camadas médias brasileiras para a condição de exilado transformou profundamente o modo de estar no mundo desses sujeitos, e inescapavelmente suas relações cotidianas, sejam elas de afeto sejam de trabalho. Logo, a questão do trabalho doméstico e da divisão sexual do trabalho ( Kergoat, 2009KERGOAT, Danièle. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. Verbete. In: HIRATA, Helena; LABORIE, Françoise; DOARÉ, Hélène; SENOTIER, Danièle (org.). Dicionário crítico do feminismo. São Paulo, UNESP, 2009, pp.67-75. ), que segundo Gayle Rubin (1975)RUBIN, Gayle. The Traffic in Women: notes on the “Political Economy” of Sex. In: REITER, Rayna (ed). Toward an Anthropology of Women. New York, Monthly Review Press, 1975. são estruturantes das relações heterossexuais e das sociedades industrializadas da década de 1970, ganham destaque neste artigo.

Buscamos analisar como as relações das exiladas e dos exilados4 4 Os significados e as perspectivas dos homens brasileiros exilados na França com relação ao trabalho doméstico ainda precisam ser mais bem explorados. Embora já abordassem questões como a homossexualidade, a liberdade sexual, a forma de se relacionar com as mulheres e o machismo das esquerdas, de maneira geral o trabalho doméstico foi invisibilizado nas memórias dos exilados. Para saber mais ver: Cavalcanti; Ramos (1978) ; Daniel (1982) ; Sirkis (1981) . , no que diz respeito especificamente ao trabalho doméstico, se reconfiguraram e como emergiram questionamentos no contexto do exílio. Para tanto, serão utilizados como fontes depoimentos encontrados no livro Memórias das Mulheres do Exílio (Costa et al, 1980) e entrevistas realizadas dentro da perspectiva da história oral com mulheres exiladas. Isto é, diferentes narrativas que expressam memórias acerca das vivências exilares sobre o trabalho doméstico. Apesar de entendermos que a história do trabalho doméstico no exílio não é apenas história das mulheres, e que a categoria de análise gênero que utilizamos é fundamentalmente relacional, fizemos a opção teórica de trabalhar apenas com depoimentos de mulheres. Historiamos, assim, acontecimentos que envolveram homens e mulheres, a partir do ponto de vista feminino.

Exílio, gênero e trabalho doméstico

Os trabalhos de reconstrução de experiências exilares são devedores de uma autêntica explosão de memórias ( Yankelevich, 2011YANKELEVICH, Pablo. Estudar o Exílio. In: QUADRAT, Samantha Viz (org). Caminhos cruzados: história e memória dos exílios latino-americanos no século XX. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2011, pp.11-30. ). Isso faz das autobiografias, entrevistas e livros de depoimentos recolhidos, que foram escritos sobre e no período do exílio, materiais que possibilitam perceber como as pessoas viveram essa experiência, registraram seu cotidiano e (re)construíram a si mesmas. Além das discussões acerca das construções das diferentes fontes (Pereira, 2010) e da utilização das discussões teórico-metodológicas da história oral ( Alberti, 2004ALBERTI, Verena. Ouvir Contar: textos em história oral. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004. ; Portelli, 1997PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: Algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Projeto História, v. 15, São Paulo, abr. 1997, pp.13-49 [https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11215/8223 - acesso em: 09 nov. 2022].
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; Salvatici, 2005SALVATICI, Silvia. Memórias de gênero: reflexões sobre a história oral de mulheres. História Oral, v. 8, n. 1, jan.-jun. 2005, pp.29-42 [https://www.revista.historiaoral.org.br/index.php/rho/article/view/114/109 - acesso em: 09 nov. 2022].
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), pensamos, a partir de Elizabeth Jelin (2002)JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Buenos Aires, Siglo XXI Editora Iberoamericana; Nueva York, Social Science Research Council, 2002. , as memórias em dois grandes sentidos: 1º) como recurso para a pesquisa, no processo de obter e construir “dados” sobre o passado; 2º) como objeto em si mesmo de estudo e de investigação.

Construímos nossa análise também a partir da categoria gênero que, segundo Joan Scott (1995)SCOTT, Joan. Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, v. 20, n. 2, Porto Alegre, jul-dez. 1995, pp.71-94 [https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721/40667 - acesso em: 09 nov. 2022].
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, seria o “primeiro modo de dar significado às relações de poder”. É uma categoria muito importante para pensar o trabalho doméstico nas sociedades industrializadas. Não estamos aqui desconsiderando outros marcadores sociais, também constituintes de nossas sociedades, alicerçadas pelo colonialismo, como raça, classe, sexualidade ou mesmo geração (esta última tão importante para o trabalho com memórias). Partimos da percepção de bell hooks (2019)HOOKS, bell. Prefácio à nova edição. Vendo a luz: feminismo visionário. In: hooks, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. São Paulo: Perspectiva, 2019. de que a afirmação contundente de que gênero é a primeira forma de dar significado às relações de poder, ou primeira forma de definir o destino de um bebê, mesmo antes de nascer, certamente responde melhor à situação das pessoas brancas, e melhor ainda às de estratos sociais médios ou altos, que àquela das mulheres trabalhadoras que não são brancas. A heterossexualidade também opera de forma indiscutível nesse conceito de gênero. Mantemos em vista, desse modo, a perspectiva interseccional ( Crenshaw, 2002CRENSHAW, Kimberlé. Documento para encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, vol. 10, n. 1, Florianópolis, 2002, pp.171-188 [https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011 – acesso em: 10 mar. 2018)
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) e decolonial ( Lugones, 2014LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, v. 22, n. 3, Florianópolis, set. 2014, pp.935-952 [https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36755/28577 - acesso em: 09 nov. 2022].
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), lembrando que Walter Mignolo (2008)MIGNOLO, Walter. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF, n. 34, Niterói, 2008, pp.287-324 [https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33191/19178 - acesso em: 09 nov. 2022].
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frisou a centralidade do gênero em sua percepção de colonialidade do poder. Entendemos que essas teorias são importantes também para as análises científicas sobre a branquitude e a heteronormatividade, e sobre o que significa ser brasileira exilada na França.

Nosso objeto, portanto, apesar da marca do exílio, responde de forma geral a esses marcadores normativos: memórias de mulheres heterossexuais, de camadas médias (mesmo que isso signifique uma ampla variedade de experiências no Brasil)5 5 Cabe situar que esta ideia representa de modo geral a maioria das pessoas exiladas, mas que, como destacou Mazé Torquato Chotil (2016) em sua pesquisa sobre trabalhadores exilados, a presença das classes subalternizadas também pode ser registrada entre as/os que deixaram o Brasil. No entanto, como a autora destaca, muitas vezes “os trabalhadores de classes populares não reuniam necessariamente as condições (econômicas e vontade) de partir para o exílio” ( Chotil, 2016: 30). , intelectualizadas, brancas e com formação política situada nas esquerdas ( Rollemberg, 1999ROLLEMBERG, Denise. Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Editora Record, 1999. ; Rosalen, 2016ROSALEN, Eloisa. Vidas (entre) laçadas: relações de gênero nas memórias do exílio brasileiro (1964-1979). Dissertação (Mestrado em História Cultural), Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2016 [https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/167880/341385.pdf?sequence=1&isAllowed=y - acesso em: 09 nov. 2022].
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; Yankelevich, 2011YANKELEVICH, Pablo. Estudar o Exílio. In: QUADRAT, Samantha Viz (org). Caminhos cruzados: história e memória dos exílios latino-americanos no século XX. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2011, pp.11-30. ). Nesse sentido, mobilizar gênero na análise é, sobretudo, mobilizar uma abordagem relacional e histórica, que articule construções/prescrições/subvenções de masculinidades e feminilidades. Enquanto construções/prescrições devem ser consideradas como normas criadas em cada época e contexto, como os modelos conformados em tempos de ditadura nas narrativas sobre o exílio.

Tais prescrições entrelaçam construções de identidade de gênero, de forma que “tornar-se homem” ou “tornar-se mulher” se relaciona com atribuições de práticas, sexualidade, atributos físicos, formas de agir e de se comportar. Importante frisar, contudo, que tais relações são passíveis de transformações e ressignificações, porque são históricas e circunstanciais ( Scott, 1995SCOTT, Joan. Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, v. 20, n. 2, Porto Alegre, jul-dez. 1995, pp.71-94 [https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721/40667 - acesso em: 09 nov. 2022].
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). Eis um ponto importante para este artigo, a partir do qual discutiremos de que maneira ocorreram as reconfigurações ligadas ao trabalho doméstico como prática profundamente categorizada por diferenças de gênero e como se constituíram as narrativas das exiladas a respeito desse período.

De modo geral, o exílio6 6 Os debates sobre o exílio incluem diversos aspectos para além do desenraizamento e perda do status social, como as múltiplas experiências, as militâncias políticas, o caráter transnacional, a exclusão, as dores, as solidariedades, entre tantas outras. Para entender melhor ver: Agambem (1996); Goldberg (1987) ; Rollemberg (1999) ; Said (2003) ; Sznajder e Roniger (2013) ; Yankelevich (2011) . está atrelado ao processo político de exclusão e funcionou como um mecanismo de eliminação e afastamento ao longo dos séculos XIX e XX ( Sznajder e Roniger, 2013SZNAJDER, Mario; RONIGER, Luis. La política del destierro y el exilio en América Latina. México, Fondo de Cultura Económica, 2013. ; Yankelevich, 2011YANKELEVICH, Pablo. Estudar o Exílio. In: QUADRAT, Samantha Viz (org). Caminhos cruzados: história e memória dos exílios latino-americanos no século XX. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2011, pp.11-30. ). Mas centrar somente no político muitas vezes invisibiliza sujeitos que também foram afetados pela ditadura brasileira e que não eram militantes políticos. Por isso buscamos entender a categoria exílio em seu sentido ampliado, conforme foi desenvolvido por Denise Rollemberg (1999)ROLLEMBERG, Denise. Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Editora Record, 1999. e Anette Goldberg (1987)GOLDBERG, Anette. Feminismo e autoritarismo: a metamorfose de uma utopia de liberação em ideologia liberalizante. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1987. . Esta definição considera que é exilada e exilado quem foi banido; quem decidiu partir, com documentação legal ou não, por rejeitar o clima em que se vivia no país; quem era alvo de perseguição da polícia ou quem estava em confronto direto com a ditadura e decidiu partir; quem não era alvo da polícia política, mas se exilou para acompanhar cônjuge ou genitores/as; quem nasceu no exílio; quem partiu só ou com a família; quem foi enquadrado/a como refugiado/a; entre tantas outras possibilidades.

Como já assinalou a historiadora Denise Rollemberg (1999)ROLLEMBERG, Denise. Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Editora Record, 1999. , o exílio foi a ruptura, o momento de desenraizamento, com as respectivas perdas das referências, sejam elas nacionais ou de práticas cotidianas. Também foi o momento de perda da condição de status social, uma vez que “enquanto alguns exilados eram reconhecidos como profissionais ou como personalidades públicas, [...], outros precisavam impor sua presença, lutando pelo visto e pela sobrevivência material” ( Rollemberg, 1999ROLLEMBERG, Denise. Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Editora Record, 1999.: 133). Nesse sentido, ao deixar o Brasil e exilar-se, principalmente nos países europeus, como a França, esteve presente a perda de certos privilégios sociais, já que a maioria desses sujeitos pertencia às camadas médias urbanas ( Rollemberg, 1999ROLLEMBERG, Denise. Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Editora Record, 1999. ; Chotil, 2016CHOTIL, Mazé Torquato. Trabalhadores Exilados: a saga de brasileiros forçados a partir (1964-1985). Curitiba, Editora Prismas, 2016. ).

A necessidade de sobrevivência no exterior, portanto, ligada à perda do status social, à condição econômica precarizada marcada pela transitoriedade e à ausência de alguns privilégios (que no Brasil nem sempre eram enxergados como privilégios, uma vez que naturalizados), fez com que muitas mulheres e homens colocassem em discussão o trabalho doméstico e passassem a realizar em seu cotidiano tarefas que não eram realizadas por elas e eles no Brasil. As novas configurações se refletiram, principal e primeiramente, nas mulheres, o que nos remete ao caráter do trabalho doméstico profundamente marcado pelo gênero. Ou seja, por socialmente ser aceito como atribuição feminina, na falta da presença da empregada, a responsável por esse trabalho seria, na lógica dominante, a mulher da casa ( Costa, 2002COSTA, Suely Gomes. Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde reprodutiva. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 2, Florianópolis, jul. 2002, pp.301-323 [https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000200003 - acesso em: 10 out. 2005]
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).

Além disso, na leitura de Maira Abreu (2010)ABREU, Maira Luisa Gonçalves de. Feminismo no Exílio: o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris e o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris. Dissertação (Mestrado em Sociológica e Pensamento Social), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. , como muitas dessas mulheres no Brasil se dedicavam primordialmente a um tipo de trabalho (doméstico não remunerado ou assalariado fora de suas casas), com o exílio tiveram que procurar emprego e cuidar de todas as atividades domésticas, o que fez emergir de forma acentuada em suas vivências a questão da dupla jornada de trabalho ( Hirata; Kergoat, 2007HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, São Paulo, set.-dez. 2007, pp.595-609 [https://www.scielo.br/j/cp/a/cCztcWVvvtWGDvFqRmdsBWQ/?format=pdf - acesso em: 09 nov. 2022].
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). A ausência de familiares, que costumeiramente formam redes de apoio ao trabalho doméstico, também é fator agravante dessa situação.

É importante frisar que as mulheres brasileiras de camadas médias, que contratavam empregadas domésticas, executavam diferentes tarefas ligadas ao trabalho doméstico. Fossem elas em conjunto com as empregadas, de gerenciamento e organização da casa, de contratação de mão de obra, de cuidado das agendas e atividades familiares, de consumo (como supermercado, roupas para a família, decoração, presentes para datas festivas – Cf. Goidanich, 2012GOIDANICH, Maria Elisabeth. Mamãe vai ao supermercado: uma abordagem etnográfica das compras para o cotidiano. Tese (Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012 [https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/96415/302787.pdf?sequence=1&isAllowed=y - acesso em: 09 nov. 2022].
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); essas mulheres casadas, independente de terem uma vida profissional, estavam no Brasil vinculadas ao doméstico, em desproporção ao que viviam seus cônjuges homens.

Contudo, a frequência, a constância, o status e a imprescindibilidade das tarefas se transformaram significativamente na situação de exílio. A redução da renda interferiu diretamente no desempenho dessas funções (por exemplo, há uma diferença entre preparar um bolo e comprar um bolo). Em algumas circunstâncias, o isolamento social e político, diretamente relacionado ao trabalho doméstico, executado em unidades nucleares isoladas nos lares, também se complexificou no exílio, em um momento em que este isolamento foi alvo de questionamentos por parte das mulheres que vinham, muitas vezes, se identificando com ideias feministas ( Pedro; Wolff, 2007PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe. Nosotras e o Círculo de Mulheres Brasileiras: feminismo tropical em Paris. ArtCultura, v. 9, n. 14, Uberlândia, jun/ 2007, pp.55-69 [https://seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/40109/20974 - acesso em: 09 nov. 2022].
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).

Desse modo, a reconfiguração resultante do exílio fez com que o trabalho doméstico se tornasse algo extremamente importante, que ganhasse centralidade na vida desses sujeitos. Além de ser um tema cotidiano, vivido pelas/os exiladas/os, também foi alvo de discussão entre as mulheres que participavam dos grupos de consciência feminista,7 7 Conforme Joana Maria Pedro e Cristina Scheibe Wolff (2007), os grupos de consciência emergiram a partir dos meados dos anos 1960, nos Estados Unidos, em que mulheres (muitas donas de casa de camadas médias urbanas) passaram a discutir sobre as suas próprias vidas. Isso aconteceu em diversos países. Entre as brasileiras exiladas podemos destacar os grupos: Círculo de Mulheres Brasileiras de Paris, Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris e o Grupo de Mulheres Brasileiras de Lisboa. como o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris e o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris ( Abreu, 2010ABREU, Maira Luisa Gonçalves de. Feminismo no Exílio: o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris e o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris. Dissertação (Mestrado em Sociológica e Pensamento Social), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. ). Sem a necessidade de responder aqui se foi a realização do trabalho doméstico mais cotidiano que fez com que o assunto fosse alvo de debates nos grupos de consciência, ou se foram os debates nos grupos – em contato com o movimento de liberação de mulheres na França8 8 Para saber mais acerca do movimento de liberação de mulheres francesas, seus debates, história e emergência ver: Picq (1994 , 2002 , 2008 ). – que lançou luz sobre a opressão das mulheres relacionada ao trabalho doméstico, o fato é que a questão é relatada como de grande relevância nesse cenário.

Além de estar presente nos grupos de consciência das mulheres brasileiras, a temática do trabalho doméstico estava muito presente nos feminismos dos países industrializados nos anos 1970, inclusive no Movimento de Liberação das Mulheres Francesas. Segundo Maira Abreu, que estudou o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris e o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris , a partir de Françoise Picq, os grandes temas do Mouvement de Libération des Femmes (MLF) eram “o aborto, violência sexual, sexualidade, trabalho doméstico , relações sociais e relações políticas entre os sexos” ( Abreu, 2010ABREU, Maira Luisa Gonçalves de. Feminismo no Exílio: o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris e o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris. Dissertação (Mestrado em Sociológica e Pensamento Social), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.: 61, grifo nosso). Nesse sentido, os debates, as produções e os grupos de consciência feministas estavam permeados pela discussão acerca do trabalho doméstico. Um exemplo é a obra Ser esposa a mais antiga profissão, de Danda Prado (1979)PRADO, Danda. Ser esposa a mais antiga profissão. São Paulo, Editora Brasiliense, 1979. , resultado de sua pesquisa de doutorado realizada em Paris enquanto auto exilada, quando também organizou o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris .

O trabalho doméstico é entendido aqui como não naturalizado, histórico e circunstancialmente atribuído às mulheres ( Beauvoir, 1970BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: Fatos e Mitos. Vol. 1. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1970. ; Biroli, 2018BIROLI, Flávia. Gênero e Desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo, Boitempo, 2018. ; Mello, 2020MELLO, Soraia Carolina de. Lugar de mulher é onde ela quiser? Feminismos, domesticidade e conflito social no Brasil (1964-1990). In: WOLFF, Cristina Scheibe; ZANDONÁ, Jair; MELLO, Soraia Carolina de (org.). Mulheres de Luta: feminismo e esquerdas no Brasil (1964-1985). Curitiba, Appris, 2020, pp.69-89. ). Está relacionado a construções culturais em que normalmente as mulheres assumem essas tarefas em virtude da identidade de gênero. Quer dizer, ele é ligado à noção do que seria “ser mulher” em muitas sociedades modernas. É um trabalho que, apesar de indispensável para a manutenção da vida em sociedade, é pouco valorizado, realizado em grande escala de forma gratuita pelas mulheres em seus lares, associado ao amor materno e familiar ( Prado, 1979PRADO, Danda. Ser esposa a mais antiga profissão. São Paulo, Editora Brasiliense, 1979. ).

Trabalho indispensável para o funcionamento das sociedades industriais, não é aceito como trabalho, apesar de possibilitar a existência de empregos que exigem muito das pessoas (leiam-se homens) em horas de jornada e dedicação, pois se admite que todas as questões ligadas ao privado e à manutenção da vida destes trabalhadores são resolvidas por sua família (leiam-se mulheres). Esse modelo certamente era mais proeminente, tanto no Brasil quanto na França, na década de 1970 do que na atualidade, mas ainda se faz presente, sendo constantemente mobilizado, principalmente por expressões conservadoras.

Conforme Suely Gomes Costa (2002)COSTA, Suely Gomes. Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde reprodutiva. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 2, Florianópolis, jul. 2002, pp.301-323 [https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000200003 - acesso em: 10 out. 2005]
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, há no Brasil uma herança de transferência de atividades ligadas à maternidade e aos cuidados da casa, em que mulheres em geral mais abastadas transferem responsabilidades que seriam tradicionalmente delas a outras mulheres de origem mais humilde, as contratando para realizarem essas tarefas. A ideia de “maternidade transferida” (que compreende todas as atribuições domésticas como maternidade, desnaturalizando assim a maternidade) é presente na biografia de algumas mulheres exiladas que pertenciam aos setores médios da sociedade brasileira. Entretanto, a transferência dessas funções não significava, mesmo no Brasil, que as mulheres fossem eximidas de outras responsabilidades relativas ao andamento da vida familiar, já que o trabalho doméstico era, e ainda é, associado ao amor e entendido como natural ( Prado, 1979PRADO, Danda. Ser esposa a mais antiga profissão. São Paulo, Editora Brasiliense, 1979. ; Mello, 2016MELLO, Soraia Carolina de. Discussões feministas na imprensa para mulheres: revista Claudia e o trabalho doméstico (1970-1989). Tese (Doutorado em História), UFSC, Florianópolis. 2016 [https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/167643/340715.pdf?sequence=1&isAllowed=y - acesso em: 09 nov. 2022].
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). A própria busca por essas redes de substituição, a manutenção dessa transferência, é atividade socialmente atribuída às mulheres, sobretudo às esposas e mães de família, com mais força na década de 1970 do que em nossos dias e, independente das funções que executam profissionalmente, na vida pública.9 9 Para um debate mais profundo sobre as esferas pública e privada ver Pateman (2013) ; Okin (2008) ; Jelin (1984) ; Young (1987) ; Lamoureux (2009) ; Arendt (1983) .

A situação supracitada soma-se ao contexto de profunda desigualdade social que marca a América Latina como lugar de ampla oferta de mão-de-obra de trabalhadoras domésticas; hoje quase 27% do total de trabalhadoras do mundo nessa função estão na América Latina, segundo a ONU Mulheres (2020)ONU MULHERES. Trabalhadoras domésticas remuneradas na América Latina e no Caribe frente à crise do Covid-19. BRIEF, América Latina, n. 1.1, 12 jun. 2020, pp.1-19 [https://oig.cepal.org/sites/default/files/pt-trabajadoras_del_hogar_portugues-.pdf - acesso em: 10 jul. 2020].
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. Atividade essa realizada, vale mencionar, majoritariamente por mulheres não brancas, no passado e ainda em nossos dias. O percentual, menor do que 10%, de homens ocupados como empregados domésticos no Brasil hoje está localizado em funções mais especializadas, como jardineiros, motoristas etc., melhor remuneradas e não naturalizadas. Aceita-se socialmente, por outro lado, que as mulheres já nasceram sabendo executar o trabalho doméstico, apenas por serem mulheres, e que não há expertise nessa ocupação, ou seja, não é vista como profissão ( Durán, 1983DURÁN, Maria Angeles. A dona de casa: crítica política da economia doméstica. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1983. ).

Memórias do trabalho doméstico no exílio

A partir da série de questões contextuais, localizadas e até aqui comentadas, observaremos algumas narrativas de mulheres a fim de pensar tanto as vivências cotidianas no exílio quanto as transformações decorrentes da inserção em novo espaço, permeado por diferentes relações sociais e de gênero. Para tanto, as memórias analisadas no presente artigo serão de Eny, Lucia, Sonia e Angelina, e Maricota da Silva, extraídas do livro Memórias das Mulheres do Exílio 10 10 Por respeito à opção do emprego somente do primeiro nome ou de pseudônimos nas Memórias das Mulheres do Exílio, utilizaremos a mesma nomeação, apesar de termos mais informações sobre as depoentes. , e entrevistas realizadas com Angela Muniz, Angela Maria da Silva Arruda, Benedicta Savi, Sandra Macedo, Suzana Maranhão e Maria Betânia de Melo Ávila (já citada).

Todas essas memórias se referem a vivências ocorridas na França durante os anos de 1970 e estão divididas aqui em dois grandes blocos. O primeiro deles diz respeito ao livro Memórias das Mulheres do Exílio , que foi o segundo volume do projeto que publicou no Brasil memórias de sujeitos exilados. Na primeira obra denominada Memórias do Exílio , publicada no ano de 1978, há muitas memórias de homens expostas, o que criou uma insatisfação entre as mulheres exiladas. Nesse sentido, no ano de 1980 (com memórias recolhidas ainda antes da Anistia, em 1979), foi publicado o segundo volume dedicado somente às mulheres a fim de dar visibilidade às experiências exilares delas ( Lima, 1984LIMA, Valentina da Rocha. Women in Exile: Becoming Feminist. International Journal of Oral History, v. 5, n. 2 Westport, jun. 1984, pp.81-99. ; Costa, 2009COSTA, Albertina de Oliveira. Memórias do Exílio uma Visão dos Bastidores. Cadernos de Crítica Feministas, ano III, n. 2, Recife, dez. 2009, pp.178-181. ). Além dessa característica geral, a segunda obra foi organizada pelo Grupo de Mulheres Brasileiras de Lisboa , que era um misto entre grupo de consciência feminista e discussões variadas ( Rosalen, 2015ROSALEN, Eloisa. Das muitas memórias dos exílios: uma leitura analítica dos livros Memórias do Exílio e Memórias das Mulheres do Exílio. In: XXVIII Simpósio Nacional de História, 2015, Florianópolis. Anais eletrônicos. Florianópolis, XXVIII Simpósio Nacional de História, 2015, pp.1-15 [https://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1438608862_ARQUIVO_AnpuhNacionalEloisaRosalen.pdf - acesso em: 09 nov. 2022].
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; Costa, 2009COSTA, Albertina de Oliveira. Memórias do Exílio uma Visão dos Bastidores. Cadernos de Crítica Feministas, ano III, n. 2, Recife, dez. 2009, pp.178-181. ). Os dois livros produzidos foram as primeiras publicações de memórias referente aos exílios da América Latina das décadas de 1960 e 1970 ( Yankelevich, 2011YANKELEVICH, Pablo. Estudar o Exílio. In: QUADRAT, Samantha Viz (org). Caminhos cruzados: história e memória dos exílios latino-americanos no século XX. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2011, pp.11-30. ).

As entrevistas aqui analisadas, nosso segundo bloco de fontes de pesquisa, foram construídas por meio de um roteiro de perguntas semiestruturadas no qual estavam incluídas questões como mudanças na vida cotidiana durante o exílio, o trabalho doméstico, as relações de afeto e sexualidade, militância no exterior (feminista ou não), e questões práticas de sobrevivência. Todas as entrevistas foram realizadas na casa ou escritório das entrevistadas, agendadas previamente, nos anos de 2015, 2018 e 2019. Houve grande dificuldade em abordar detalhes de certos temas, como relações afetivas, sexualidade e trabalho doméstico. Sensíveis às relações do presente e do passado, esses temas suscitaram certo desconforto, muitas vezes considerados temas privados ( Portelli, 2010PORTELLI, Alessandro. L’Inter-vista nella storia orale. In: PISTACCHI, Massimo. Vive Voci: L’intervista come fonte di documentazione. Roma, Donzelli Editore, 2010. ). Mesmo diante das dificuldades, nenhuma das questões deixou de ser respondida e foi possível captar nuances acerca das vivências e dos significados atribuídos ao trabalho doméstico.

Memórias das mulheres do exílio

Eny, que se exilou em função da militância do seu marido, contou que no Brasil ela não trabalhava fora e que tinha ajuda da mãe e irmãs porque sempre teve muitos problemas de saúde (Costa et al , 1980). Eny, o marido, e os filhos exilaram-se no Chile, passando pela Argentina e, por último, pela França, onde estabeleceram uma vida cotidiana mais regular, com residência fixa. Neste último país ela passou a trabalhar como operária especializada, uma situação que não era enfrentada por eles no Brasil, mas aconteceu em virtude das dificuldades financeiras encontradas pela família, já que só com o salário do marido não conseguiam manter a casa ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980. ).

Por conta disso, a divisão do trabalho doméstico mudou no seio familiar. Ela contou que no Brasil o seu marido não realizava tarefas domésticas, mas que no exílio “ele ajuda mais, se preocupa em ajudar mais, não sei se é porque trabalho fora, saio para trabalhar” ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.: 226). Conforme narra, em virtude dos filhos serem mais velhos, ela começou a ensiná-los e a exigir deles também a participação ativa nessas atividades. Mesmo considerando uma maior cooperação do marido e dos filhos, Eny ressaltou que o marido “não gosta de enfrentar o trabalho doméstico, não gosta de dividir não” ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.: 226). A saída do Brasil, as dificuldades financeiras encontradas, a ausência do suporte familiar oferecido pela mãe e pelas irmãs (outras mulheres, importante ressaltar), fez com que no exílio houvesse uma nova caracterização das atividades domésticas. Se por um lado Eny passou a ensinar aos filhos e ao marido, que se mostraram um pouco mais dispostos em ajudá-la, por outro, a exilada explicou que:

Acho que mulher sempre tem mais problema, sempre é mais prejudicada em tudo, sabe? A mulher sofre muito mais que o homem. Nem sei como te explicar... Olha, a mulher aguenta o peso de tudo, não pode nem repartir, não consegue repartir. Hoje saí às seis e meia da manhã p[a]ra trabalhar. Ele sai meia hora depois de mim porque vai de carro, então tem mais condições. Trabalha nove horas por dia. Eu trabalho oito, mas tenho quarenta minutos de transporte público para ir e outros quarenta para voltar. Agora eu te pergunto: da hora que ele entrou aqui dentro dessa casa, [o] que [é] que ele fez? Pegou o prato e comeu. Não fez nada mais, nada menos que isso. Quando vocês chegaram, ele tinha terminado de entrar. Eu já tinha lavado a louça toda que tinha ficado aí, já tinha preparado a comida, descascado o abacaxi, cortado, feito a salada, já tinha feito tudo. Depois não fiz mais nada porque vocês chegaram e nós fomos conversar. Se não eu já tinha feito a cama, já tinha lavado o meu banheiro. Então, quantas horas eu trabalho por dia? Eu te digo, a mulher em tudo e por tudo sofre mais, tem muito menos condições que o homem ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.: 226-227).

Eny, embora mencionando anteriormente que o marido passou a ajudar mais em casa, refletiu que ela, por ser mulher, estava sofrendo muito mais por acumular jornadas. Exemplificou o seu sofrimento e suas dificuldades com o dia em que concedeu a entrevista para o livro Memórias das Mulheres do Exílio . Além disso, ainda comentou a dupla jornada que realizava e a quantidade de horas de trabalho que estava desempenhando no exílio. Eny tinha uma condição econômica razoável no Brasil, não precisava trabalhar fora e se dedicava exclusivamente ao cuidado da família e da casa. Como não podia pagar uma empregada, ela recebia auxílio das mulheres de sua família. Em decorrência do exílio, a condição econômica familiar modificou-se para pior e Eny, que antes realizava o trabalho doméstico com ajuda de outras mulheres da sua família, passou a exigir auxílio dos filhos e do companheiro. O acúmulo do trabalho no exílio, doméstico e de operária, foi para ela, em virtude de sua identidade de gênero, e não de seu marido ou filhos, que executavam as suas participações no trabalho doméstico apenas como ajuda .

A exilada não relatou participação direta em grupos de consciência feminista, o que podemos relacionar com sua longa dupla jornada de trabalho. O fato de Eny, até então, não ter um histórico de militância política, também pode se relacionar a essa questão. Contudo, a sua fala é contextual – como as das demais mulheres que seguem – e ligada à própria produção da obra Memórias das Mulheres do Exílio, organizada durante os anos de 1970, que tinha a preocupação em dar visibilidade à história das mulheres durante o exílio e aos questionamentos feministas. O que, em outras palavras, fez com que a narrativa da Eny fosse possível de ser escutada, narrada e considerada relevante. Mediante o contexto do exílio francês, sofrendo as duras consequências da dupla jornada, Eny refletiu sobre a sua condição e questionou as atribuições vinculadas à sua identidade de gênero.11 11 Para evitar anacronismos é importante comentar que essa noção, de identidade de gênero, é interpretação das autoras, e não uma noção da entrevistada. Quer dizer, ela pode ter se apropriado de críticas feministas à questão do trabalho doméstico sem participar de grupos feministas ou se identificar como feminista.

Na narrativa de Eny, o exílio significou assumir a dupla jornada, acumulando o trabalho doméstico e o remunerado, em função das condições econômicas da família. Por outro lado, nas situações expostas nas memórias de Lucia, também concedidas ao livro Memórias das Mulheres do Exílio , ao exílio foi atribuído outro sentido: ela assumiu o “papel” exclusivo de dona de casa e sentiu pela primeira vez o peso da clausura que este representava. Lucia se exilou na França e, como se apresenta na primeira frase de suas memórias, no Brasil fazia parte das camadas médias urbanas. Em suas memórias intituladas França, a primavera de 79 , ao ser questionada sobre como estava sendo o capítulo do território francês, narrou que:

Começou duro, num vilarejo encantado e lindo, mas habitado por fantasmas e assim mantido entre 0 a 5 graus. Pela primeira vez a evidência da miséria do trabalho doméstico como destino de vida: panela, supermercado e solidão o dia inteiro. E na faixa operária. Tudo contado e controlado, se não a comida não chega ao fim do mês. Batalha vencida: não mais viver resignadamente esse doentio e morno dia a dia. Durou pouco, mas o suficiente para eu guardar a náusea até hoje ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.: 232-233).

Segundo ela, essa foi a primeira vez que a “miséria” e o “destino” do trabalho doméstico se colocavam, e não somente no que diz respeito à realização das tarefas, mas também à função de administrar as contas da família com um orçamento reduzido (o que interpretamos, com base na literatura de referência, como parte do trabalho doméstico). A perda de condição econômica mais confortável fez com que Lucia passasse a se dedicar exclusivamente ao trabalho doméstico no exílio, em um caminho oposto ao de Eny. Lucia definiu, com a utilização dos termos “miséria” e “destino”, o peso, a solidão e a clausura ligadas ao trabalho doméstico e à sua identidade de gênero. Atribuiu um caráter negativo à função, em detrimento de outras que já realizou.

Uma abordagem bastante negativa a respeito do trabalho doméstico, em especial em discursos feministas, era corrente na década de 1970. A noção de que as grandes realizações humanas, das quais as mulheres vinham sendo privadas de participar, estavam no “mundo lá fora”, na chamada esfera pública, é presente tanto em Simone de Beauvoir (1970)BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: Fatos e Mitos. Vol. 1. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1970. quanto em Betty Friedan (1971)FRIEDAN, Betty. Mística Feminina. Petrópolis, Vozes, 1971. , duas autoras muito citadas entre as obras clássicas dos feminismos dessa geração. Essa perspectiva permanece em obras feministas das décadas seguintes, como podemos perceber no último capítulo de Mulheres, raça e classe de Angela Davis (2016)DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo, Boitempo, 2016. , publicado nos EUA em 1981: “A obsolescência das tarefas domésticas se aproxima”.

Lucia contou que tal situação se deu somente no início do exílio, já que posteriormente passou a trabalhar como operária especializada, o que para ela era “bem melhor do que ter como único objetivo pensar em como vai ser o almoço ou o jantar [...]” ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.: 233). A realização de um trabalho fora de casa era muito positiva segundo sua narrativa, sinalizando a ideia hierarquizada de desvalorização do trabalho doméstico, já anunciada anteriormente. Lucia não explicitou se por conta disso passou a desempenhar uma dupla jornada. Todavia, tendo em vista as circunstâncias, com a perda da condição financeira e do status social, presumivelmente isso deve ter acontecido. Ou seja, o aspecto de clausura e isolamento que o lar, a unidade doméstica, representou para ela na experiência do exílio, é apontado como muito pior do que o acúmulo de jornadas.

A construção narrativa que realizou estava marcada pela sua participação em um grupo de mulheres, que não cita o nome (Costa et al , 1980). Segundo Lucia, com a aproximação do grupo de mulheres “comecei a sistematizar melhor as minhas vivências e a condição de ‘ser mulher’ passou a entrar em conta no meu acerto de contas com a vida” ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.: 233), o que incluiu os questionamentos sobre a realização do trabalho doméstico. No entanto, mesmo preocupada com a situação de ter que fazer o trabalho doméstico, ela não questionou o fato dos homens não realizarem ou de outras mulheres realizarem esse trabalho, reproduzindo inclusive a desvalorização da atividade. Lucia, a partir da sua leitura, apresentou uma preocupação que parece estar mais ligada ao fato de ela ser a responsável pelo trabalho do que a uma questão estrutural de desigualdade entre homens e mulheres, ou entre mulheres de diferentes classes sociais.

Eny e Lucia, em vivências e situações econômicas diferentes, perceberam e tiveram um exílio distinto com relação ao trabalho. Para Eny, o exílio representou um indesejável acúmulo de jornadas. Lucia, que aparentemente faz um caminho avesso, de uma vida pública a uma vida, a princípio, exclusivamente privada, percebeu-se “miserável” na sua condição de trabalhadora apenas do lar.

No depoimento conjunto de Angelina e de Sonia, contudo, a narrativa é distinta. Viviam juntas e contam que conviviam muito bem, apesar de se encontrarem em uma situação bastante particular, já que Sonia era casada com o ex-companheiro de Angelina (Costa et al , 1980). No momento da elaboração das memórias para o livro, coabitavam na mesma casa por oito meses: Angelina, Sonia e seus respectivos cônjuges. Segundo Angelina, os conflitos se davam conjuntamente em relação aos companheiros:

Angelina – Eu já tive muita briga com o T. por causa dessa história de divisão de tarefas domésticas. Aliás, não só eu, eu e Sonia tivemos.

Sonia – Lembra aquele dia que a gente voltou da reunião de mulheres e estava tudo um bordel? Era meia noite, acordei o P. p[a]ra dar bronca, ora bolas! Sete horas da manhã ele [es]tava pondo os pratos na máquina, limpando tudo! [...]

Angelina – Lembro.

Sonia – A gente discutia política em geral, mas nunca conversávamos sobre nós como mulheres, o problema vivencial. A divisão de tarefas se fazia espontaneamente, sem a gente planejar ou teorizar. Naquela noite vocês estavam discutindo, depois o T. foi dormir e continuamos até altas horas. Aí o assunto foi pegando ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.: 253).

Segundo este depoimento conjunto, as dificuldades se colocavam em relação aos companheiros que não participavam ativamente da divisão do trabalho doméstico, ponto este que as unia no conflito e aflorava a solidariedade entre as mulheres. Os casais viviam juntos por dificuldades financeiras encontradas por Angelina e o atual companheiro ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980. ). Por isso, certamente também não tinham condições financeiras para pagar uma empregada ou diarista que, repetimos, não era uma opção viável na França como era no Brasil. Desta forma, tal atividade deveria ser desempenhada por todos os moradores da casa. Podemos inferir, pelo conflito, que elas cuidavam e limpavam mais a casa do que eles, reproduzindo estereótipos de gênero com os quais elas não concordavam. Cabe também destacar que a “máquina” para colocar os pratos a serem lavados, objeto pouco presente nas casas no Brasil até hoje, estava presente e facilitava um pouco a vida doméstica.

Em virtude das ausências em seus relatos, não é possível perceber como e sob quais circunstâncias desempenhavam estas atividades no Brasil, embora ambas pertencessem às camadas médias urbanas e, muito provavelmente, contratassem empregadas domésticas. O exílio para elas não significou simplesmente a atribuição de novas atividades domésticas porque, motivadas pelas discussões feministas, ambas passaram a criticar e demandar a participação mais efetiva de seus companheiros. Sonia e Angelina faziam parte de um grupo de consciência, cujo nome não é citado em suas narrativas, mas no qual provavelmente discutiam questões como a divisão do trabalho e a união das mulheres por questões comuns, sob a perspectiva do mote feminista “o pessoal é político”.

Ainda publicadas no livro Memórias das Mulheres do Exílio , as memórias de Maricota da Silva, que participou do Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris , também questionaram o trabalho, mas sob outro ponto de vista. Ela explicou que durante o exílio refletiu a respeito da separação dos espaços “doméstico e público”. Sua narrativa em relação à divisão dos espaços culminou em uma análise mais ampla no que diz respeito ao trabalho doméstico:

Nós sempre fomos magnificamente desorganizados na vida doméstica, de maneira que a desorganização que havia lá, há aqui. Jamais tivemos horários de refeições, nunca houve aquela história de isso compete a você, isso compete a mim... Isso não mudou no exílio porque nunca houve propriamente... funções... essas tarefas são minhas, essas tarefas são tuas. Eu sempre fiz, por exemplo, se estou com vontade de cozinhar, cozinho; se estou com vontade de fazer compras, faço compras, se não estou, ele se ocupa disso com a maior tranquilidade, sem tugir nem mugir... ele é absolutamente capaz de tomar providências, talvez até melhor do que eu. Agora, no Brasil, primeiro que tudo tinha empregada; depois tinha a tal da história da família extensa, aquela família grande que na hora de um maior aperto aparecia, mesmo se eu sempre procurasse fazer as coisas de forma que não precisasse da família. Lá eu sempre trabalhei fora, sempre, de forma que não podemos pensar em mim como a dona de casa típica que tem problemas domésticos; nunca houve isso porque sempre foi diferente ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.: 44).

Maricota, no Brasil, trabalhava fora de casa. Não era somente dona de casa e o casal pagava uma empregada para realizar parte do trabalho doméstico. Segundo ela, nem no Brasil e muito menos com o exílio, o trabalho doméstico era realizado de forma tradicional, uma vez que considerava que não tinha as responsabilidades assumidas ou divididas e fazia as atividades quando tinha vontade. Além disso, da mesma maneira que Eny mencionou anteriormente, o casal possuía auxílio da sua família diante de algumas necessidades. O exílio não significou somente a perda de valores de referência, mas também apoio cotidiano, principalmente ligado ao âmbito do trabalho doméstico e do cuidado dos filhos, habitualmente desempenhados pelas mulheres da família.

No caso de Maricota, além da mudança na situação econômica e ausência do apoio familiar, a relação com os espaços também se modificou ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980. ). Em sua reflexão, o que pesou foi o fato de permanecer mais em casa, mesmo executando outros trabalhos na maioria das vezes ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980. ). Maricota explicou melhor o que chamamos de “a metáfora do bife”: quando estava trabalhando em casa, tinha que parar para fazer o bife. Segundo ela, não se tratava

[...] da divisão tradicional de tarefas... que na divisão tradicional de tarefas a mulher sempre faz o bife... É a irrupção no meu universo pessoal do detalhe doméstico. De repente, no momento em que eu começo, em que eu assumo como uma outra coisa, uma pessoa que vai produzir uma outra coisa com a qual ela nem ninguém tem nada a ver, aparece o bife... o bife tem a forma de bife; tem a forma de salada, tem a forma da presença de alguém cuja presença eu não quero, tem a forma de uma pergunta deslocada, o bife assume várias formas... ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.: 44-45).

Maricota percebeu que a questão que se colocou no seu cotidiano contemplava uma visão ampliada de trabalho doméstico, já apontada por Danda Prado (1979)PRADO, Danda. Ser esposa a mais antiga profissão. São Paulo, Editora Brasiliense, 1979. em obra publicada no Brasil naquele período, que ia além de limpar ou cozinhar: a disponibilidade constante e o uso do tempo. O “bife” assumiu assim várias formas: era o estar à disposição cotidianamente, a presença, a interrupção, a “pergunta deslocada”. Estar sempre à disposição é parte central das funções de dona de casa ( Mello, 2016MELLO, Soraia Carolina de. Discussões feministas na imprensa para mulheres: revista Claudia e o trabalho doméstico (1970-1989). Tese (Doutorado em História), UFSC, Florianópolis. 2016 [https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/167643/340715.pdf?sequence=1&isAllowed=y - acesso em: 09 nov. 2022].
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). A insatisfação com a maneira como o cotidiano se configurou, em que Maricota passou a estar restrita a um espaço, quase confinada, sem escape e, portanto, sempre disponível, também estava relacionada ao ‘bife’.

Maricota da Silva reanalisou seu cotidiano sob ótica feminista e percebeu problemas mais profundos na divisão do trabalho ao discutir também o que chamou de divisão dos espaços. Sua narrativa e sua percepção são críticas, tanto que relatou ter conseguido, no espaço doméstico, um quarto específico para a realização de seu trabalho ( Costa et al., 1980COSTA, Albertina de Oliveira; LIMA, Valentina da Rocha; MARZOLA, Norma e MORAES, M. Teresa Porciúncula (org.). Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980. ). Essa circunstância nos lembra a obra “Um teto todo seu”, de Virginia Woolf (1985)WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985. , e o fato deste livro ter feito parte do repertório de leituras de Maricota no exterior. Ela percebeu o quão profundamente as construções culturais ligadas à sua identidade de gênero determinavam seu cotidiano. Maricota pode não ter desempenhado de forma tradicional o trabalho doméstico, mas compreendeu que mesmo não realizando muitas das tarefas, as prescrições de gênero afetavam a sua vida de modo específico no espaço privado.

Até aqui vimos que o exílio trouxe uma reconfiguração da distribuição das funções, significando assumir o trabalho doméstico (no caso de Lucia), a dupla jornada (no caso de Eny), o conflito com os companheiros (para Sonia e Angelina) e a evidência da divisão de esferas pública e privada (para Maricota). Essas reflexões só foram possíveis mediante a publicação do livro Memórias das Mulheres do Exílio , que buscou visibilizar narrativas e experiências de brasileiras exiladas. Tais reflexões expressaram a percepção de suas vidas mudando em função do acúmulo do trabalho doméstico e das novas vivências, atravessadas por questões de gênero, no exílio.

Memórias das mulheres sobre o exílio: as entrevistas

As reflexões acerca do trabalho doméstico vivenciado durante o exílio, com seus conflitos, críticas e dilemas, também estão presentes nas entrevistas de história oral utilizadas aqui como fontes. As entrevistas foram realizadas com o objetivo de investigar, dentre outras questões, o cotidiano de mulheres brasileiras no exílio. A relação entre entrevistadora e entrevistadas, intermediada pela metodologia da história oral, possibilitou tanto a escuta das experiências de mulheres quanto as elaborações do passado vivido ( Alberti, 2004ALBERTI, Verena. Ouvir Contar: textos em história oral. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004. ; Alberti, 2005ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. São Paulo: Editora Contexto, 2005, pp.155-202. ; Portelli, 2010PORTELLI, Alessandro. L’Inter-vista nella storia orale. In: PISTACCHI, Massimo. Vive Voci: L’intervista come fonte di documentazione. Roma, Donzelli Editore, 2010. ; Salvatici, 2005SALVATICI, Silvia. Memórias de gênero: reflexões sobre a história oral de mulheres. História Oral, v. 8, n. 1, jan.-jun. 2005, pp.29-42 [https://www.revista.historiaoral.org.br/index.php/rho/article/view/114/109 - acesso em: 09 nov. 2022].
https://www.revista.historiaoral.org.br/...
), nas quais se evidenciaram desigualdades em relação a seus cônjuges. As entrevistas foram, portanto, elaboradas pela relação entre duas pessoas diferentes, na qual idade (entrevistadora com cerca de 30 anos e entrevistadas entre os 60 e 70), geração (as exiladas que viveram a ditadura e a entrevistadora que nasceu na democratização) e origem social (entre mulheres de camadas médias urbanas e a pesquisadora que viveu e cresceu no interior) permeiam as memórias.

É muito importante atentarmos também à relação das entrevistadas com o seu passado e as diferentes temporalidades que atravessam as entrevistas: o tempo da escuta e o tempo do que foi narrado. É nesse contexto que as entrevistadas refletiram sobre a temática junto com a entrevistadora ( Portelli, 2010PORTELLI, Alessandro. L’Inter-vista nella storia orale. In: PISTACCHI, Massimo. Vive Voci: L’intervista come fonte di documentazione. Roma, Donzelli Editore, 2010. ; Pollak, 1986POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1986, pp.3-15 [https://www.uel.br/cch/cdph/arqtxt/Memoria_esquecimento_silencio.pdf - acesso em: 09 nov. 2022].
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). As entrevistas a seguir, em conjunto às memórias analisadas anteriormente, nos ajudam a complexificar as reflexões sobre o trabalho doméstico no exílio, e trazem consigo o indicativo de práticas, ora análogas, ora completamente dessemelhantes às realizadas no Brasil.

Uma dessas entrevistas foi a de Benedicta Savi, que teve uma passagem curta pela França logo após o golpe do Chile de 1973. Ao ser questionada acerca do trabalho doméstico nesse período, destacou que “trabalho doméstico eu fazia tudo, porque na França você não tem empregada” e que “a gente também não tinha condições de pagar” (Savi, 2019). Em sua narrativa sobre esta temática, sinalizou ainda que foi no exílio que aprendeu a cozinhar (Savi, 2019). A exilada partiu ao exílio casada com um juiz aposentado pela ditadura e nesse aspecto relatou que o seu companheiro não sabia fazer um chá, apesar de gostar muito da bebida (Savi, 2019). Logo após o período em que permaneceu na França, se mudou para Portugal, país no qual viveu o restante do exílio, e relatou que lá era possível pagar por uma empregada doméstica (Savi, 2019).12 12 Cabe destacar que Benedicta Savi participou do grupo em Portugal que propôs o livro Memórias das Mulheres do Exílio , apesar de não ter trabalhado no livro. É importante considerarmos que uma aposentadoria de juiz é uma renda alta dentre aquelas das camadas médias urbanas, mas o exílio também traz as imposições no custo de vida, que certamente tinha variação entre França e Portugal.

Outras dessas entrevistas apresentam aspectos menos desiguais e reflexões fortemente movidas por questionamentos feministas: as de Angela Arruda, Angela Muniz, Sandra Macedo, Suzana Maranhão e Maria Betânia Ávila (supracitada, não retomaremos suas memórias neste momento). Todas elas participaram do Círculo de Mulheres Brasileiras de Paris . Ademais, todas deixaram o Brasil no final da década de 1960 e início da década de 1970 (isto é, fazem parte da segunda geração do exílio). Tiveram formação universitária ligada às ciências humanas (Angela Muniz concluindo durante o exílio), viviam nas capitais (Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife), eram militantes (em maior ou menor escala) da “nova esquerda” brasileira e mantinham relações de conjugalidade com companheiros do mesmo grupo. Angela Arruda e Suzana Maranhão eram ligadas ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Angela Muniz ao MR-8, Sandra Macedo ao POC; a exceção é Maria Betânia Ávila, que narrou não participar de nenhuma organização nesse período e não relatou sobre seus afetos.

Angela Arruda, que deixou o Brasil casada, separou-se e constituiu um novo casamento no Chile (Arruda, 2018). Em entrevista concedida em novembro de 2018, ao ser questionada se o feminismo afetou a sua vida cotidiana, contou:

Claro. Há discussões infindáveis. Tudo isso era voltado para dentro de casa e era discutido. Só que também tinha uma diferença, é que eu vivia com um franco-brasileiro, que tinha entrado em contato com o feminismo antes de mim. [...] Era um homem diferente, ele cozinhava, fazia as compras, ele costurava as roupas dele, nunca me pediu para fazer essas coisas. O que eu disse, eu nunca poderia dizer que René me ajudava em casa, porque na verdade ele sempre fez a maior parte das tarefas, porque ele também gosta de cozinhar, ele gosta de fazer compras, ele não gosta de pedir ajuda. Então, era uma situação diferente. Ele não reclamava se eu fosse passar fim de semana fora, jamais! Jamais ele fez isso. Nunca reclamou de nada. [...] Então, nunca foi... acho que não era um casal típico brasileiro, porque também ele não era um típico brasileiro. Tinha essa diferença, mas a gente tinha discussões de varar a noite sobre isso, aquilo, ou aquilo outro. Essas questões todas que eram trazidas, discutidas, às vezes, entre nós e, às vezes, do ponto de vista geral. Não tem como não afetar. Mas o ponto de vista do funcionamento doméstico, não teve muita... Porque não existia já, ele já era assim, quer dizer, eu já achei pronto, não fui eu que fiz (Arruda, 2018).

Destaca-se em seu depoimento a noção de que as feministas eram responsáveis por ‘educar’ seus cônjuges na divisão equânime de tarefas no lar. Ela, contudo, não havia precisado fazer nada, “já o achou pronto”. Para ela, a inserção de seu companheiro nos debates feministas fez com que houvesse menos dificuldades em seu cotidiano com relação ao trabalho doméstico. Por outro lado, a sua resposta assinala que claramente sua participação e militância junto ao movimento feminista francês e ao Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris trouxe transformações significativas e importantes com relação às suas vivências. Além disso, seu relato narra discussões, às vezes bastante prolongadas, sobre aspectos do dia a dia. Em outras palavras, ela destaca como o feminismo promoveu debates cotidianos com a finalidade de construir, em sua relação, práticas mais equânimes.

Suzana Maranhão, ao ser questionada se de alguma forma a sua militância feminista gerou conflitos na vida familiar, responde positivamente, mencionando o aumento nas separações naquele período (Maranhão, 2019). Suzana Maranhão (e Angela Muniz, abordada adiante) não se separou durante o exílio, mas, ao contar sobre os conflitos em casa, relatou que:

O conflito com o Bruno era um conflito assim, o nordestino é bem mais machista do que o homem... A formação do homem nordestino, acho que a do homem do Rio Grande do Sul, é mais machista do que a do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ele tem uma formação muito ligada por toda uma história do escravagismo aqui, a questão da cana-de-açúcar. Tem um tripé assim de esquema patriarcal, de escravo e de coisa muito forte. [...] Também por outro lado tem um lado muito protetor e paternalista. Bruno queria continuar como aquele paternalista que por um lado é gentil entre aspas, mas por outro lado enfraquece a mulher porque você se submete a ter determinados comportamentos; [...] E até algumas discussões dentro de casa, porque mesmo ele estando já dividindo comigo muitas coisas, outras eram, vamos dizer assim, ainda hábitos antigos, que é toda uma coisa que você se modifica. Era assim nesse aspecto teórico de discutir teoricamente e a questão de fazer corpo mole para fazer algumas coisas que eu providenciava. Por outro lado, a gente fica querendo fazer as coisas porque acha que se a gente não fizer eles não fazem. Também um lado da gente. [...] (Maranhão, 2019).

São destaques da narrativa de Suzana os conflitos do cotidiano, as constituições de masculinidades e as práticas paternalistas. Mas a ênfase oferecida por suas memórias caminha no sentido de demonstrar a complexidade que envolvia as discussões teóricas presentes (e até aceitas) em contrapartida às práticas cotidianas do “corpo mole” por parte dele, e do “assumir as responsabilidades diante da inércia do outro” por parte dela. Ou seja, a busca por maior igualdade na divisão de tarefas entre o casal, muitas vezes aceita teoricamente, encontrava obstáculos na prática.

Observaremos a seguir parte das memórias de Angela Muniz, que também manteve uma relação continuada com o mesmo companheiro durante todo o exílio e com o qual é casada até hoje. Na França, em um primeiro momento, receberam auxílio do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) por terem o estatuto de refugiados reconhecido. Posteriormente, Angela contou que viviam do dinheiro que a família mandava e de pequenos trabalhos que faziam. Em virtude disso, nos dois destinos de seu exílio, Chile e França, tiveram a possibilidade de estudar e de militar (Muniz, 2015). Em entrevista, sobre o trabalho doméstico na França, Angela contou que:

A – O trabalho doméstico a gente dividia muito. Nós morávamos com outro casal de brasileiros e ela também era feminista, uma outra trajetória, mas feminista, e a gente dividia a cozinha dessas duas casas que eram coladas. Tudo dividido, tudo dividido, dividido mesmo.

E – Você disse que convivia com os brasileiros e...

A – E com todos, eu te diria que aqueles brasileiros que eu convivia, todo mundo já dividia, nem ajudava não, dividia o trabalho doméstico e a gente tinha a facilidade de as crianças estarem na creche o dia inteiro. Então a gente ia para a faculdade, a gente ia para os debates, e voltava, fazia a comida, lavava a louça. Essa entidade empregada doméstica não existe na França, não existe isso, a gente levava roupa para lavar e não se passava a roupa, porque a maioria do tempo era frio. Tanto que o meu marido é um cara que faz muita coisa em casa e é um cara público e muito conhecido (Muniz, 2015).

Angela relata a divisão igualitária do trabalho doméstico como comum ao grupo militante ao qual pertencia. Chama a atenção em sua fala tanto a impossibilidade de se contratar empregada doméstica na França, em virtude do alto custo, quanto a existência de um aparato público (como as creches e lavanderias) que facilitava a realização das tarefas da vida cotidiana. Interpretamos assim que a aparelhagem pública de socialização do trabalho doméstico disponível contribuiu, ao menos neste caso, para uma divisão mais igualitária das tarefas. Essa aparelhagem coletiva era, inclusive, demanda das feministas brasileiras do período ( Mello, 2011MELLO, Soraia Carolina de. Trabalho doméstico: coisa de mulher? Debates feministas no Cone Sul (1970-1989). Rio de Janeiro, Multifoco, 2011. ).

Como em outros depoimentos, apesar das entrevistadas estarem inseridas nos debates feministas, a ideia de ter uma empregada, ou seja, de repassar essa responsabilidade a outra mulher mais vulnerável, não aparece como um problema, apenas como uma impossibilidade material. Essa é uma questão pouco debatida pelos feminismos brasileiros do período, apesar de ser muito debatida em outros países ( Ostrander, 1987OSTRANDER, Heles. Women using other women. Contemporary Sociology, v. 16 n. 1, jun. 1987, pp.51-53. ): como a inserção das mulheres de camadas médias na esfera pública se deu, em grande medida no Brasil, às custas do trabalho de outras mulheres mais pobres e racializadas, muito mais do que em função de uma divisão mais equânime do trabalho doméstico entre os casais ( Mello, 2016MELLO, Soraia Carolina de. Discussões feministas na imprensa para mulheres: revista Claudia e o trabalho doméstico (1970-1989). Tese (Doutorado em História), UFSC, Florianópolis. 2016 [https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/167643/340715.pdf?sequence=1&isAllowed=y - acesso em: 09 nov. 2022].
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). Não é por acaso que as mulheres ainda hoje desempenham cerca de 10 horas semanais a mais de trabalho doméstico do que os homens no Brasil, e que o emprego doméstico ainda seja uma das principais ocupações entre mulheres pobres brasileiras ( IBGE, 2018IBGE. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil. Estudos e Pesquisas. Informação Demográfica e Socioeconômica, n. 38, Rio de Janeiro, IBGE, 2018. ).

Retomando Angela Muniz e seu cônjuge, o fato de receber dinheiro da família e poder somente estudar e militar, sem dúvida fez com que pudessem ter uma maior dedicação ao trabalho doméstico, uma vez que, mesmo tendo trabalhos remunerados, estes não ocupavam tanto tempo e empenho cotidiano. Angela relatou que trabalhava como ajudante na hora do almoço e que o marido fazia comida para vender fora de casa (Muniz, 2015). Embora Angela e o marido realizassem pequenos trabalhos, estes se tratavam de uma complementação da renda, e a situação de Angela foi diferente das anteriormente relatadas porque o casal possuía uma boa situação econômica durante o exílio. A dupla jornada não era tão dura como no caso de Eny, por exemplo.

Por se tratar de uma análise contemporânea e de entrevista mais recente, realizada em meados dos anos 2010, a narrativa de Angela tem ainda uma questão importante a ser ressaltada, porque é bastante atípica. Avaliamos que parte disso possa se dar em virtude de um casamento duradouro, dos cuidados em não expor a família e o marido (que hoje é uma pessoa publicamente conhecida), e também de sua perspectiva como feminista. Vimos nos depoimentos até aqui queixas, conflitos, negociações e ajudas a respeito do trabalho doméstico, que dialogam com bibliografia de referência sobre a temática do período. No caso de Angela, contudo, relata-se uma situação bastante positiva, na qual é possível que esteja atuando uma (re)negociação presente/passado das memórias ( Portelli, 2010PORTELLI, Alessandro. L’Inter-vista nella storia orale. In: PISTACCHI, Massimo. Vive Voci: L’intervista come fonte di documentazione. Roma, Donzelli Editore, 2010. ). Isso não quer dizer que o trabalho não fosse divido em sua casa, ou que ela esteja escondendo os conflitos do passado, mas sim que as significações do passado (realizadas no presente) tenham atribuído diferentes questões ao trabalho doméstico quando comparadas às memórias de outras mulheres exiladas aqui analisadas.

Já Sandra Macedo, por sua vez, separou-se do marido que tinha quando da partida do Chile para a Europa (Bélgica e, posteriormente, França). Na França, após a separação, casou-se novamente com outro exilado, com quem permaneceu casada até depois do retorno do exílio. Ela relata:

SM: Com nenhum marido eu tive problema com as tarefas domésticas, nem com esse atual. [...] Não, não, não teve essa, não lembro, se tivesse eu me lembrava, porque essas coisas, essas broncas, a gente fica.

E: Fica.

SM: Não, não, não tinha. Tinham pequenos conflitos assim, de eu acha[r] que, por exemplo, ele arrumava a casa, no dia dele, e na hora dele, sei lá, ele arrumava a casa e não despejava o cinzeiro, entendeu, mais coisas assim, lavava a louça e não lavava a pia. Coisas que até hoje eu tenho. Mas eu acho que isso aí não chega a ser uma coisa de não dividir as tarefas, é mais por uma maneira de ver a questão da limpeza, e das coisas e tal.

E: Sim.

SM: Não, eu nunca tive isso. [...] (Macedo, 2015).

Para Sandra, a realização do trabalho doméstico sempre foi dividida em seu cotidiano, mesmo quando ela e o marido trabalhavam fora de casa em Paris. Segundo ela, nunca houve algum conflito que tivesse sido grande, mas que às vezes aconteceram pequenas discussões em torno da realização das tarefas. Desta forma também assinalou que, mesmo considerando que todo trabalho doméstico era dividido, em algumas situações, sobretudo em virtude das crianças, ela possuía mais tarefas (Macedo, 2015). Sandra, diferentemente de Angela Muniz, não permaneceu casada com a pessoa com quem saiu do Brasil e nem com o segundo marido, do qual se separou no retorno ao Brasil. Portanto, ao conceder a entrevista, mesmo hoje ambos sendo homens conhecidos por sua militância na resistência à ditadura, é uma relação diferente porque nenhum deles é, ainda hoje, seu cônjuge.

Como citado anteriormente, Angela Muniz, Angela Arruda, Sandra Macedo e Suzana Maranhão participavam do Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris , que discutia questões relacionadas ao trabalho das mulheres. Em função disso, buscavam em seu cotidiano uma maior equidade na realização do trabalho doméstico; mesmo que muitas vezes isso fosse mais um debate teórico do que uma prática (como Suzana Maranhão assinalou). Além disso, no Brasil e no exílio elas pertenciam a organizações da nova esquerda que, embora não defendessem ideias propriamente feministas, apresentavam percepções um pouco mais igualitárias de muitas práticas sociais tradicionais.

As novas esquerdas admitiam uma nova moral pautada no “homem novo”13 13 De acordo com Marcelo Ridenti, “certos partidos e movimentos de esquerda, seus intelectuais e artistas, valorizavam a ação para mudar a História, para construir o homem novo , nos termos de Marx e Che Guevara” ( Ridenti, 2001: 13). A ideia consistia em um sujeito que não tivesse absorvido ou que rompesse com as práticas sociais e culturais relacionadas ao consumo e às relações humanas presentes e interiorizadas na sociedade capitalista. Para saber mais ver: Ridenti (2001) e Wolff (2010) . , que já não considerava as mulheres e as crianças como propriedade. Criticavam a noção de autoridade e possuíam práticas políticas e cotidianas um pouco mais inclusivas e abertas ao debate. Isso não significava uma incorporação plena das mulheres e muito menos do feminismo, inclusive muitos estereótipos eram reproduzidos nesses espaços, mas eram mais abertos que outros, o que possibilitava maiores fissuras ( Wolff, 2010WOLFF, Cristina Scheibe. O gênero da esquerda em tempos de ditadura. In: PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe (org.). Gênero, feminismos e ditadura no Cone Sul. Florianópolis, Editora Mulheres, 2010, pp.138-155. ; Araujo, 2000ARAUJO, Maria Paula Nascimento. A utopia fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2000. ).

As exiladas supracitadas assinalam que dividir o trabalho doméstico se colocava como um novo projeto político em que todos deveriam participar, coletivamente. Nesse sentido, a convergência entre as teorias e a prática feminista com as vivências no exílio francês não só criou responsabilidades em relação ao trabalho doméstico, mas também a busca por relações mais equânimes, mais justas. Podemos interpretar a importância da “ausência” das empregadas domésticas e dos auxílios de familiares no trabalho doméstico como, também, mobilizadores dessas questões.

Cabe assinalar que existe uma lacuna de décadas entre os depoimentos agrupados em Memórias das Mulheres do Exílio , muito mais próximos temporalmente aos eventos relatados, do que as entrevistas realizadas a partir de meados dos anos 2010. Os primeiros explicitaram as dificuldades enfrentadas, a dupla jornada de trabalho, os conflitos cotidianos e o acúmulo do trabalho doméstico. O segundo grupo de memórias, por sua vez, destacou as longas discussões, a participação mais ativa dos homens (uns mais e outros menos) nas tarefas domésticas e a reivindicação da divisão do trabalho doméstico por parte das mulheres. Temos a exceção de Benedicta Savi, que teve uma passagem muito curta pela França e não participou do Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris.

As diferenças entre os dois grupos de fonte das memórias têm relação direta com a constituição das fontes aqui utilizadas, que por sua vez carregam múltiplos aspectos presentes nas análises. O primeiro deles está atrelado à relação de proximidade temporal do livro Memórias das Mulheres do Exílio com os acontecimentos relatados, conseguindo captar mais detalhes (e os afazeres doméstico são considerados de forma geral detalhes, se comparados ao debate político sobre a divisão do trabalho – e aqui vemos novamente uma valorização da esfera pública, política, sobre a privada, doméstica). O segundo está relacionado à dimensão presente-passado que ofereceu uma significação diferente às experiências do exílio entrecruzadas por diferentes temporalidades. O terceiro trata-se do diálogo estabelecido na realização das entrevistas de história oral, que ofereceu novas explicações acerca da realização do trabalho doméstico no exílio da ditadura brasileira.

Algumas considerações

Com o exílio, o cotidiano se transformou e o trabalho doméstico assumiu novos espaços na vida das exiladas e, também, de alguns exilados. Os contextos de cada sujeito constituíram a prática deste trabalho, uma vez que a situação econômica, percepções de gênero dos casais e o espaço de reinserção foram determinantes para a sua realização. Para algumas mulheres, que viviam uma situação mais privilegiada no Brasil, o exílio significou assumir responsabilidades no lar. Para mulheres de origem social menos abastadas, como Eny, dona de casa e casada com um operário, o exílio significou o estabelecimento de uma dupla jornada de trabalho, ou seja, assumir responsabilidades dentro e fora do lar. Dentre as fontes aqui analisadas, apenas no caso de Eny temos um relato como esse.

Apontamos a presença de aparelhos coletivos de socialização do trabalho doméstico no exílio, como creches e lavanderias, raros no Brasil no período. Esses aparelhos podem ser relacionados com uma divisão mais equânime das tarefas, como observado nas memórias de Angela Muniz e Sandra Macedo. Essa relação, contudo, não é automática, uma vez que aliviar tarefas atribuídas às mulheres não irá necessariamente aumentar a participação dos homens no trabalho doméstico. A política feminista questionou relações e elaborou práticas cotidianas que desmontaram a naturalização do trabalho doméstico como atribuição das mulheres. Essas questões foram percebidas nas memórias de Angela Muniz, Angela Arruda, Eny (embora não se identificasse como feminista), Lucia, Maricota da Silva, Sandra Macedo, Suzana Maranhão, Angelina e Sonia.

Apesar das múltiplas memórias mobilizadas, aspectos comuns foram percebidos. Tanto os depoimentos de Memórias das mulheres do exílio (1980) quanto as entrevistas realizadas na segunda metade dos anos 2010 foram espaços de escuta dessas memórias, preocupados com questões feministas e com o protagonismo das mulheres como sujeitos históricos. As memórias apresentadas foram mediadas e construídas em diferentes contextos, que estão longe de ter uma perspectiva homogênea.

De modo geral, contudo, as narrativas do livro Memórias das Mulheres do Exílio denunciaram a realização do trabalho doméstico pelas mulheres; enquanto o segundo grupo de memórias, das entrevistadas, destacou a reivindicação de maior igualdade na divisão do trabalho naquele período. A questão das empregadas domésticas no exílio foi tratada tanto nas fontes dos anos 1970-1980 quanto nas mais recentes como uma questão de ausência, mas não como um problema em si para o feminismo.

Destacamos o fato das memórias mais recentes focarem em aspectos considerados políticos, e não corriqueiros e desimportantes; quer dizer, focarem nos debates feministas sobre o trabalho doméstico mais do que na divisão e realização das tarefas em si. É possível interpretar nesse ponto como as relações de gênero que articulam público e privado, e que desvalorizam o privado, podem ter atuado na constituição dessas memórias e em seus respectivos esquecimentos, mesmo se tratando de memórias feministas. “O pessoal é político” mas, o que se sobressaiu nos relatos, décadas mais tarde, foi o “político”.

Essas memórias nos possibilitam refletir, ainda, de modo mais amplo, sobre a historicidade, a circunstancialidade das relações de gênero. As relações se transformaram em um contexto diferente: não são, portanto, naturais. As memórias aqui analisadas são fonte de reflexão, também, sobre como os debates a respeito do trabalho doméstico, centrais na agenda feminista do período, circularam, dentro do recorte proposto, transnacionalmente. As experiências das brasileiras exiladas em outros países além da França e o retorno das exiladas ao Brasil constituem, contudo, outras histórias.

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  • SAVI, Benedicta. Entrevista concedida a Eloisa Rosalen. São Paulo - SP, Brasil, 25/07/2019. Acervo da autora.
  • Este artigo foi construído com fontes presentes no terceiro capítulo da dissertação de mestrado de Eloisa Rosalen (2016)ROSALEN, Eloisa. Vidas (entre) laçadas: relações de gênero nas memórias do exílio brasileiro (1964-1979). Dissertação (Mestrado em História Cultural), Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2016 [https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/167880/341385.pdf?sequence=1&isAllowed=y - acesso em: 09 nov. 2022].
    https://repositorio.ufsc.br/bitstream/ha...
    intitulada “Vidas (entre) laçadas: relações de gênero nas memórias do exílio brasileiro (1964-1979)” e discussões que Soraia Carolina de Mello realizou em sua dissertação de mestrado, publicada em livro em 2011 sob o título “Trabalho doméstico: coisa de mulher? Debates feministas no Cone Sul (1970-1989)”, e sua tese de doutorado, defendida em 2016 sob o título “Discussões feministas na imprensa para mulheres: revista Claudia e o trabalho doméstico (1970-1989).
  • 1
    Há uma grande discussão no campo historiográfico sobre se devemos chamar o período de Ditadura Militar ou Ditadura Civil-Militar. Quem argumenta que devemos denominar de Civil-Militar ressalta o apoio de civis à ditadura. Já quem prefere somente Militar lembra que, em última instância, os militares estavam à frente das decisões e definiam as políticas a serem adotadas; mesmo que apoiados por muitos/as civis. Não pretendemos entrar mais profundamente nesta discussão. Para saber mais, ver: Reis (2000)REIS, Daniel A. Ditadura militar, esquerdas e sociedades. Rio de Janeiro, Zahar, 2000. e Fico (2017)FICO, Carlos. Ditadura militar brasileira: aproximações teóricas e historiográficas. Tempo e Argumento, v. 09, n. 20, Florianópolis, mai. 2017, pp.05-74 [https://doi.org/10.5965/2175180309202017005 - acesso em: 10 jul. 2020]
    https://doi.org/10.5965/2175180309202017...
    .
  • 2
    De um modo geral, o exílio de brasileiras/os pode ser dividido entre antes e depois do golpe do Chile, em 1973. Até então muitas brasileiras e brasileiros deixavam o Brasil em direção a destinos na América Latina, como Uruguai, Bolívia, Chile, entre outros, uma vez que entendiam a saída como um “momento de articular os acontecimentos e aguardar a volta” ( Rollemberg, 1999ROLLEMBERG, Denise. Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Editora Record, 1999.: 65). As portas da América Latina foram se fechando ao longo dos anos de 1960 e 1970, com os respectivos golpes de estado, como na Bolívia (1964, 1971, 1980), no Chile (1973), na Argentina (1966 e 1976) e no Uruguai (1973). Os destinos se tornaram majoritariamente a Europa, a América do Norte e os países Africanos (que conquistaram suas independências). Embora já registrasse a presença de muitos/as brasileiros/as antes dos anos de 1970, após o golpe do Chile, foi na França “onde se concentrou o maior número de brasileiros, e Paris tornou-se a nova capital do exílio” ( Rollemberg, 1999ROLLEMBERG, Denise. Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Editora Record, 1999.: 88).
  • 3
    Para diferenciar o trabalho doméstico remunerado, executado por empregadas domésticas, faxineiras ou diaristas, e o trabalho doméstico não remunerado, executado sobretudo (ainda em nossos dias) por mulheres em suas famílias, aquele associado à dona de casa, usaremos respectivamente as denominações emprego doméstico e trabalho doméstico, conforme Mirta Henaut (2001)HENAUT, Mirta. De la rueca a la red: La economia sumergida. Buenos Aires, Ediciones Corregidor, 2001. .
  • 4
    Os significados e as perspectivas dos homens brasileiros exilados na França com relação ao trabalho doméstico ainda precisam ser mais bem explorados. Embora já abordassem questões como a homossexualidade, a liberdade sexual, a forma de se relacionar com as mulheres e o machismo das esquerdas, de maneira geral o trabalho doméstico foi invisibilizado nas memórias dos exilados. Para saber mais ver: Cavalcanti; Ramos (1978)CAVALCANTI, Pedro Celso Uchôa; RAMOS, Jovelino (org.). Memórias do exílio, Brasil 1964-19??: 1. De muitos caminhos... Vol. 1. São Paulo, Editora e Livraria Livramento Ltda, 1978. ; Daniel (1982)DANIEL, Herbert. Passagem para o próximo sonho. Rio de Janeiro, Codecri, 1982. ; Sirkis (1981)SIRKIS, Alfredo. Roleta Chilena. Rio de Janeiro, Record, 1981. .
  • 5
    Cabe situar que esta ideia representa de modo geral a maioria das pessoas exiladas, mas que, como destacou Mazé Torquato Chotil (2016)CHOTIL, Mazé Torquato. Trabalhadores Exilados: a saga de brasileiros forçados a partir (1964-1985). Curitiba, Editora Prismas, 2016. em sua pesquisa sobre trabalhadores exilados, a presença das classes subalternizadas também pode ser registrada entre as/os que deixaram o Brasil. No entanto, como a autora destaca, muitas vezes “os trabalhadores de classes populares não reuniam necessariamente as condições (econômicas e vontade) de partir para o exílio” ( Chotil, 2016CHOTIL, Mazé Torquato. Trabalhadores Exilados: a saga de brasileiros forçados a partir (1964-1985). Curitiba, Editora Prismas, 2016.: 30).
  • 6
    Os debates sobre o exílio incluem diversos aspectos para além do desenraizamento e perda do status social, como as múltiplas experiências, as militâncias políticas, o caráter transnacional, a exclusão, as dores, as solidariedades, entre tantas outras. Para entender melhor ver: Agambem (1996); Goldberg (1987)GOLDBERG, Anette. Feminismo e autoritarismo: a metamorfose de uma utopia de liberação em ideologia liberalizante. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1987. ; Rollemberg (1999)ROLLEMBERG, Denise. Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Editora Record, 1999. ; Said (2003)SAID, Edward W. Reflexões sobre o exílio: e outros ensaios. São Paulo, Companhia das Letras, 2003. ; Sznajder e Roniger (2013)SZNAJDER, Mario; RONIGER, Luis. La política del destierro y el exilio en América Latina. México, Fondo de Cultura Económica, 2013. ; Yankelevich (2011)YANKELEVICH, Pablo. Estudar o Exílio. In: QUADRAT, Samantha Viz (org). Caminhos cruzados: história e memória dos exílios latino-americanos no século XX. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2011, pp.11-30. .
  • 7
    Conforme Joana Maria Pedro e Cristina Scheibe Wolff (2007), os grupos de consciência emergiram a partir dos meados dos anos 1960, nos Estados Unidos, em que mulheres (muitas donas de casa de camadas médias urbanas) passaram a discutir sobre as suas próprias vidas. Isso aconteceu em diversos países. Entre as brasileiras exiladas podemos destacar os grupos: Círculo de Mulheres Brasileiras de Paris, Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris e o Grupo de Mulheres Brasileiras de Lisboa.
  • 8
    Para saber mais acerca do movimento de liberação de mulheres francesas, seus debates, história e emergência ver: Picq (1994PICQ, Francoise. Sobre o movimento das mulheres na França. Revista Estudos Feministas, n° especial, Rio de Janeiro, 1994, pp.25-30 [https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/download/16090/14634/49507 - acesso em: 09 nov. 2022].
    https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
    , 2002PICQ, Françoise. The History of the Feminist Movement in France. In: GRIFFIN, Gabriela; BRAIDOTTI, Rosi (org.) Thinking Differently: A Reader in European Women’s Studies. Londres, Zed Books, 2002, pp.313-320. , 2008PICQ, Françoise. MLF: 1970, année zéro. Libération, Paris, nov. 2008, pp.1-3 [https://www.liberation.fr/societe/2008/10/07/mlf-1970-annee-zero_112802 - acesso em: 01 abr. 2019].
    https://www.liberation.fr/societe/2008/1...
    ).
  • 9
    Para um debate mais profundo sobre as esferas pública e privada ver Pateman (2013)PATEMAN, Carole. Críticas Feministas à Dicotomia Público/Privado. In. BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luis Felipe (org.). Teoria política feminista. Vinhedo, Horizonte, 2013, pp.55-80. ; Okin (2008)OKIN, Susan Moller. Gênero, o público e o privado. Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 2, Florianópolis, mai. 2008, pp.305-332 [https://doi.org/10.1590/S0104-026X2008000200002 - acesso em: 03 mar. 2020].
    https://doi.org/10.1590/S0104-026X200800...
    ; Jelin (1984)JELIN, Elizabeth. Familia y unidad doméstica. Mundo público y vida privada. CEDES (Estudios CEDES), Buenos Aires, 1984. ; Young (1987)YOUNG, Iris Marion. A imparcialidade e o público cívico: algumas implicações das críticas feministas da teoria moral e política. In: BENHABIB, Seyla; CORNELL, Drucilla (org.). Feminismo como crítica da modernidade. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos, 1987, pp.66-86. ; Lamoureux (2009)LAMOUREUX, Diane. Público/privado. In: HIRATA, Helena; LABORIE, Françoise; DOARÉ, Hélène; SENOTIER, Danièle (org.). Dicionário crítico do feminismo. São Paulo, UNESP, 2009, pp.208-212. ; Arendt (1983)ARENDT, Hannah. A condição humana. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1983. .
  • 10
    Por respeito à opção do emprego somente do primeiro nome ou de pseudônimos nas Memórias das Mulheres do Exílio, utilizaremos a mesma nomeação, apesar de termos mais informações sobre as depoentes.
  • 11
    Para evitar anacronismos é importante comentar que essa noção, de identidade de gênero, é interpretação das autoras, e não uma noção da entrevistada.
  • 12
    Cabe destacar que Benedicta Savi participou do grupo em Portugal que propôs o livro Memórias das Mulheres do Exílio , apesar de não ter trabalhado no livro.
  • 13
    De acordo com Marcelo Ridenti, “certos partidos e movimentos de esquerda, seus intelectuais e artistas, valorizavam a ação para mudar a História, para construir o homem novo , nos termos de Marx e Che Guevara” ( Ridenti, 2001RIDENTI, Marcelo. Intelectuais e romantismo revolucionário. São Paulo em perspectiva, v. 15, n. 2, São Paulo, 2001, pp.13–19 [https://www.scielo.br/j/spp/a/b6LpHRFprmYrBPDSfK9McCQ/?format=pdf⟨=pt - acesso em: 09 nov. 2022].
    https://www.scielo.br/j/spp/a/b6LpHRFprm...
    : 13). A ideia consistia em um sujeito que não tivesse absorvido ou que rompesse com as práticas sociais e culturais relacionadas ao consumo e às relações humanas presentes e interiorizadas na sociedade capitalista. Para saber mais ver: Ridenti (2001)RIDENTI, Marcelo. Intelectuais e romantismo revolucionário. São Paulo em perspectiva, v. 15, n. 2, São Paulo, 2001, pp.13–19 [https://www.scielo.br/j/spp/a/b6LpHRFprmYrBPDSfK9McCQ/?format=pdf⟨=pt - acesso em: 09 nov. 2022].
    https://www.scielo.br/j/spp/a/b6LpHRFprm...
    e Wolff (2010)WOLFF, Cristina Scheibe. O gênero da esquerda em tempos de ditadura. In: PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe (org.). Gênero, feminismos e ditadura no Cone Sul. Florianópolis, Editora Mulheres, 2010, pp.138-155. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2020
  • Aceito
    15 Jul 2022
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