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Quando a intimidade sobe e desce as escadas1 1 Todos os hotéis são acessados através de uma escada de entrada. Muitas prostitutas se referem a essa escada como o marco que separa o trabalho de sua vida pessoal. da zona boêmia de Belo Horizonte

Intimacy's Ups and Downs on the Stairs2 2 Many sex workers refer to the hotels' stairway entrance as the barrier that separates the work from their personal life. of Belo Horizonte's Red Light District

Resumos

Este artigo aborda permeabilidades entre diferentes tipos de relações que envolvem intimidade e troca econômica. Trata do papel dos afetos na prostituição na zona boêmia de Belo Horizonte e sua importância no atendimento de clientes em interações rápidas e, especialmente, em relações que envolvem trocas mais complexas entre prostitutas e clientes. Problematiza a demarcação entre interesses e sentimentos no comércio do sexo e também nas relações pessoais de prostitutas que, como outras pessoas, estabelecem diversas conexões entre vida econômica, afetiva e sexual.

Prostituição; Emoções; Trocas Íntimas; Gênero


This article discusses permeability between different ties that involve intimacy and economic exchange. It deals with the role of emotions in sex work in the red light district of Belo Horizonte, their importance in fast interactions and, especially, in relationships involving more complex exchanges between sex workers and clients. It questions the limit between interest and feelings in the sex trade and also in personal relationships of sex workers, who like other people, establish different connections between economic, affective and sexual life.

Sex Work; Affectivity; Intimate Transactions; Gender


Este artigo trata de diferentes combinações entre sentimentos, sexualidade e interesse econômico na vida de mulheres que trabalham em hotéis de prostituição feminina, heterossexual3 3 Quando o trabalho de campo foi realizado, apenas mulheres trabalhavam nos hotéis da zona boêmia. Recentemente, dois hotéis começaram a alugar quartos a travestis. , da zona boêmia de Belo Horizonte, situada no centro da cidade.4 4 Meu contato com a zona boêmia se iniciou em 2005, durante um estágio no GAPA-MG (Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS de Minas Gerais). Este trabalho baseia-se principalmente no campo realizado na zona boêmia em 2007 e em 2009, no quadro de um doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris), sob a orientação de Marie-Elisabeth Handman. A pesquisa foi realizada sobretudo com prostitutas, mas inclui conversas e entrevistas com clientes e funcionários dos hotéis. O trabalho de campo em outros locais de prostituição de Belo Horizonte e no Bois de Boulogne (Paris), com mulheres e travestis, apesar de menos extenso, ajudou a identificar recorrências e especificidades na configuração da atividade na zona boêmia de Belo Horizonte. Enfoca as "transações íntimas" (Zelizer, 2001ZELIZER, Viviana. Transactions intimes. Paris, Genèses, nº 42, 2001, pp.121-144.) dessas mulheres, abordando interações mais corriqueiras com os clientes, assim como interações com maior intimidade, e algumas de suas experiências com parceiros pessoais. A observação de diferentes relações íntimas das prostitutas com homens permite investigar o modo de trabalho delas - analisando técnicas associadas à "malandragem" e ao "trabalho emocional" (Hochschild, 2003HOCHSCHILD, Arlie. The commercialization of intimate life: notes from home and work. Berkeley, University of California Press, 2003.) na prostituição - e mostrar situações de maior "embaralhamento" entre afetos e interesses.

Sigo a perspectiva de estudos que refletem sobre o entrelaçamento entre afeto, sexo e dinheiro em diferentes contextos sociais, e sobre a pluralidade de motivações e sentimentos envolvidos nas trocas no mercado do sexo (Bernstein, 2007BERNSTEIN, Elizabeth. Temporarily Yours: Intimacy, Authenticity, and the Commerce of Sex. Chicago e Londres, The University of Chicago Press, 2007.; Fonseca, 2004aFONSECA, Claudia. A morte de um gigolô : fronteiras da transgressão e sexualidade nos dias atuais. In: PISCITELLI, Adriana; GREGORI, Maria Filomena; CARRARA, Sérgio. (orgs.) Sexualidade e Saberes : Convenções e Fronteiras. Rio de Janeiro, Garamond, 2004a, pp.257-281.; Handman e Mossuz-Lavau, 2005HANDMAN, Marie-Elisabeth; MOSSUZ-LAVAU, Janine. (orgs.) La prostitution à Paris. Paris, La Martinière, 2005.; Piscitelli, 2004, 2011 PISCITELLI, Adriana. Amor, apego e interesse: trocas sexuais, econômicas e afetivas em cenários transnacionais. In:; PISCITELLI, Adriana OLIVAR, José Miguel Nieto; ASSIS, Gláucia de Oliveira. (orgs.). Gênero, sexo, amor e dinheiro: mobilidades transnacionais envolvendo o Brasil, Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2011, pp.537-582.; Zelizer, 2005 ZELIZER, Viviana. The Purchase of Intimacy. Princeton, Princeton University Press, 2005.). Viviana Zelizer (2005) ZELIZER, Viviana. The Purchase of Intimacy. Princeton, Princeton University Press, 2005. aponta que transações econômicas e intimidade não são incompatíveis, como sugere a concepção "de mundos antagônicos".5 5 De acordo com essa concepção, intimidade e atividade econômica pertenceriam a esferas distintas e antagônicas. A economia - principalmente o dinheiro - degradaria as relações pessoais, dando lugar a relações frias e calculistas, e a intimidade corromperia as atividades econômicas, levando à ineficiência e à corrupção. (Zelizer, 2005) Ao contrário, construímos ativamente conexões entre as duas esferas. Intimidades - física, sexual, afetiva e/ou informacional - estão envolvidas em uma série de interações, inclusive profissionais, e bens materiais estão entrelaçados no modo como muitas relações íntimas se desenvolvem e se sustentam.

Por um lado, a intimidade é necessária para a boa execução de algumas tarefas em vários empregos, especialmente aqueles que demandam interações interpessoais e cuidado ao outro. As emoções6 6 Entendo as "emoções" como interpretações que uma pessoa faz de uma situação ou evento, real ou imaginário; a associação entre sensações corporais, gestos, e mímicas a uma ideia ou atitude, com base em esquemas sociais e culturais (Le Breton, 2004; Hochschild, 2003.) Alterno o uso dos termos "afeto", "emoção" e "sentimento" sem distinção de sentido entre eles, embora "sentimento" seja mais frequentemente utilizado em referência a uma tonalidade afetiva mais duradoura (Le Breton, 2004;). são requisitadas e são também provocadas pelos contatos, principalmente quando eles se prolongam. Por outro lado, cálculos e transações perpassam os relacionamentos íntimos. Hans Medick e David Sabean (1988MEDICK, Hans; SABEAN, David (orgs.). Interest and emotion : essays on the study of family and kinship. Cambridge; New York; Paris, Cambridge University Press; Editions de la Maison des Sciences de l'Homme, 1988.) chamam a atenção para o papel das condições materiais no desenvolvimento das relações familiares: a circulação de bens é moldada pela estrutura familiar, por alianças e hierarquias, pelo acesso a recursos, assim como por diferentes sentimentos, como confiança e respeito. Os laços familiares tanto conduzem a práticas, expectativas e deveres, como são marcados pelo desenrolar das transações, podendo ser renegociados ou reafirmados.

Apesar da invisibilidade social da circulação do dinheiro nas relações íntimas, as pessoas estão constantemente definindo e diferenciando essas relações, marcando-as com distintos nomes, práticas e adequados modos de circulação material (Zelizer, 2005ZELIZER, Viviana. Transactions intimes. Paris, Genèses, nº 42, 2001, pp.121-144.). Em relações que envolvem sexualidade, a questão de quando, entre quem e de que maneira o dinheiro circula se torna ainda mais delicada. Essa delimitação existe também no comércio do sexo; distintas formas de transação modificam tanto a interação entre prostituta e cliente quanto seu status. Mas, na prática, são múltiplos os arranjos que as prostitutas realizam em suas relações com clientes e com parceiros pessoais; procuram tecer "boas conexões" entre intimidade e atividade econômica (Zelizer, 2009 ZELIZER, Viviana. Dinheiro, poder e sexo. Cadernos Pagu (32), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2009, pp.135-157.).

Essa interpenetração não é uma particularidade da prostituição. Aliás, em diversos aspectos, a vida das prostitutas não tem uma excepcionalidade em relação à de outras mulheres (Fonseca, 2004aFONSECA, Claudia. A morte de um gigolô : fronteiras da transgressão e sexualidade nos dias atuais. In: PISCITELLI, Adriana; GREGORI, Maria Filomena; CARRARA, Sérgio. (orgs.) Sexualidade e Saberes : Convenções e Fronteiras. Rio de Janeiro, Garamond, 2004a, pp.257-281.), especialmente quanto às suas experiências pessoais e familiares e às suas possibilidades de subsistência e inserção no mercado de trabalho. Grande parte das prostitutas da zona boêmia provém de classes desfavorecidas. Suas trajetórias são semelhantes principalmente às de mulheres das classes populares (Heilborn et al., 2006HEILBORN, Maria Luiza; BOZON, Michel; AQUINO, Estela e KNAUTH, Daniela (orgs.). O aprendizado da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros. Rio de Janeiro, Garamond e Fiocruz, 2006.; Duarte, 1987DUARTE, Luiz Fernando Dias. Pouca vergonha, muita vergonha: sexo e moralidade entre as classes trabalhadoras urbanas. In: LEITE LOPES, José Sérgio (org.). Cultura e Identidade Operária. São Paulo, UFRJ/Marco Zero/Proed, 1987, pp.203-226.; Machado, 2001MACHADO, Lia. Famílias e individualismo : tendências contemporâneas no Brasil. Botucatu, Interface Comunic, Saúde, Educ, vol. 4, nº 8, 2001, pp.11-26.).

Antes de entrarem na prostituição, muitas mulheres que entrevistei tiveram uma relação afetivo-sexual estável (com ou sem conjugalidade) que as levou a uma maternidade precoce. Em alguns casos, a gravidez ocasionou o fim do relacionamento amoroso, sem que o pai assumisse funções parentais. Em outros casos, a conjugalidade foi rompida devido à descoberta de que o parceiro tinha outras parceiras sexuais ou era casado, ou, ainda, pela falha do homem em preencher o papel de marido-provedor, associada, às vezes, a alcoolismo e violência conjugal. As mulheres entrevistadas falam de decepção em relação à conjugalidade e ao amor, o que é reforçado por novas decepções amorosas (inclusive depois da entrada na prostituição), geralmente por falta de compromisso ou por infidelidade dos parceiros.

Quer seja por viuvez, separação7 7 Incluindo casos em que as mulheres viviam relações extraconjugais com homens casados e eram sustentadas por eles. Após a ruptura da relação, elas têm que encontrar outro meio de subsistência, com a dificuldade de estarem fora do mercado de trabalho. ou gravidez independente, as entrevistadas assumiram o papel de chefe de família; valorizam a independência e as condições econômicas que conseguiram para si e para seus filhos através da prostituição. No entanto, exprimem o desejo de encontrar amor e companheirismo. Além disso, achar um parceiro "bem de vida" permanece no horizonte de muitas prostitutas. A conjugalidade ainda é uma das principais opções de subsistência e de ascensão social para mulheres com baixo capital educacional e profissional.

As racionalizações das entrevistadas a propósito da escolha de pretendentes de acordo com interesses materiais se alternam e coexistem com sentimentos e atração por alguns homens. Aqueles com quem se envolvem são geralmente conhecidos nos hotéis, o que é facilitado pela frequência de novos contatos, pela repetição dos encontros, e pela proximidade social entre as prostitutas e a clientela. Assim, na zona boêmia, emoções e interações são sujeitas a um bricolage: as relações profissionais são negociadas e modificadas, e acontecem deslocamentos envolvendo diferentes graus e tipos de intimidade.

Da produção em massa ao serviço personalizado

A zona boêmia do centro de Belo Horizonte recebe várias intitulações, entre elas, a de "shopping popular de sexo"8 8 Complexo de Diversões Guaicurus. Disponível em: <http://guaicurus.blogspot.com/2007/11/mais-de-2000-mulheres-sero-afetadas.html>. Acesso em: 20 ago 2011. , pois as tarifas dos programas9 9 Os programas são os encontros tarifados e negociados entre prostitutas e clientes. São, em geral, restritos a um período de tempo definido ou à realização de determinadas atividades sexuais. são baixas, há grande variedade de mulheres e alta rotatividade de clientes. Em sua maioria, os programas são rápidos e impessoais. O programa "básico" tem no máximo quinze minutos. Essa configuração tem traços do paradigma moderno-industrial da prostituição proposto por Elizabeth Bernstein (2007BERNSTEIN, Elizabeth. Temporarily Yours: Intimacy, Authenticity, and the Commerce of Sex. Chicago e Londres, The University of Chicago Press, 2007.), caracterizado por um foco nos serviços sexuais e pela importância da demarcação entre vida pública e vida privada das prostitutas.

No entanto, essa é apenas uma das facetas do que acontece na zona boêmia. Existe uma série de diversificações de tempo, práticas10 10 A variação dos programas passa pela inclusão de conversa, práticas íntimas (carinho, beijo na boca) e alteração das práticas sexuais (sexo anal, uso de consolo, inversão de papéis etc.) e intimidades no programa. Muitos clientes procuram uma "autenticidade demarcada", ou seja, "uma forma autêntica e significativa de intercâmbio interpessoal" (Bernstein, 2008BERNSTEIN, Elizabeth. O significado da compra: desejo, demanda e o comércio do sexo. Cadernos Pagu (31), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2008, pp.315-362.:341), com fronteiras precisas, algo que se aproxima mais do paradigma pós-industrial11 11 Nota-se que Elizabeth Bernstein descreve, com esse modelo, principalmente, a prostituição de classe média em países europeus e nos Estados Unidos. da prostituição. A conversa, o carinho e o beijo na boca ganham destaque em alguns programas na zona boêmia. E algo especialmente característico dos hotéis é que a fidelização de clientes é muito comum. Alguns clientes frequentam a mesma prostituta durante anos e desenvolvem com ela hábitos de encontro e intimidades.

Os hotéis têm um ambiente familiar. Muitas mulheres trabalham ali há mais de quinze anos e conhecem colegas de trabalho, funcionários e donos de hotéis. Podemos imaginar que o ambiente dos estabelecimentos guardou traços da primeira metade do século XX, em que a zona viveu sua época áurea e funcionava à moda de cabarés, com espaços de socialização com bares e shows. Aquela época se caracterizava pela conexão dos serviços sexuais à companhia das prostitutas, como em um paradigma da modernidade recente (Bernstein, 2008BERNSTEIN, Elizabeth. O significado da compra: desejo, demanda e o comércio do sexo. Cadernos Pagu (31), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2008, pp.315-362.).

Principalmente ao longo dos anos 1970, a região passou por um processo de pauperização. Consolidou-se o formato de programas rápidos e negociados diretamente nas portas dos quartos. Aconteceu também uma passagem do gerenciamento dos hotéis por mulheres - que orientavam mais de perto o trabalho e a vida das prostitutas e ditavam normas comportamentais e morais - para uma gerência predominantemente masculina. No final do século XX, as práticas sexuais realizáveis também se diversificaram, o que é alvo de críticas de algumas veteranas.

Algo presente no início do século XX que ainda pode ser percebido na zona boêmia são as diferenças hierárquicas entre os estabelecimentos. Havia, então, cabarés luxuosos, com a presença de prostitutas estrangeiras, assim como locais com quartos precários, onde trabalhavam brasileiras e os programas eram mais baratos e com menos preâmbulos ao ato sexual (Andrade e Teixeira, 2004ANDRADE, Luciana de; TEIXEIRA, Alexandre. A territorialidade da prostituição em Belo Horizonte. São Paulo-SP, Cadernos Metrópole, nº 11, 2004, pp.137-157.). Atualmente, existem hotéis com programas mais caros e melhor infraestrutura, com maior proporção de mulheres jovens, de pele mais clara e dentro de padrões estéticos socialmente valorizados, e neles se encontram mais facilmente estudantes universitárias. Mesmo assim, há diversidade de perfis socioeconômicos, "raciais", educacionais e geracionais. Nos hotéis mais baratos, há maior quantidade de mulheres acima de quarenta anos, mulatas e negras, e mulheres com sobrepeso. As mulheres circulam entre os estabelecimentos, com uma tendência a passar para hotéis mais baratos à medida que envelhecem ou se desvalorizam no mercado de trabalho.

Os modelos paradigmáticos de Bernstein são apontados pela própria autora como esquemáticos, podendo as características de um paradigma serem encontradas em outros lugares e tempos. Mas é interessante historicizar a prática da prostituição e perceber suas transformações, conectadas a questões econômicas, políticas, de gênero, sexuais, de classe, de "raça" e de consumo. As interações entre prostitutas e clientes, em cada local de prostituição, são afetadas por essas questões, pela organização do trabalho, pelos contextos culturais e socioeconômicos e pela legislação sobre a prostituição. Meus dados de campo e outros estudos (Olivar, 2011OLIVAR, José Miguel Nieto. Banquete de homens. Sexualidade, parentesco e predação na prática da prostituição feminina. São Paulo-SP, Revista Brasileira de Ciências Sociais (26), 2011, pp.89-101.; Pasini, 2000PASINI, Elisiane. Limites simbólicos corporais na prostituição feminina. Cadernos Pagu (14), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2000, pp.181-200.; Pryen, 2002PRYEN, Stéphanie. Prostitution de rue: le privé des femmes publiques. Nanterre, Ethnologie française, vol. 32, nº 1, 2002, pp.11-18.) apontam, por exemplo, para uma maior valorização da delimitação entre vidas pessoal e profissional na prostituição de rua. Além disso, a fidelização de clientes parece mais frequente quando o programa é feito em locais fechados e as prostitutas têm uma presença regular.

Aprendendo a trabalhar com as emoções

Ao longo de sua prática na prostituição, as prostitutas aprendem a enquadrar o programa de maneira comercial. Colocam limites à interação e desenvolvem destreza corporal, interacional e emocional. Ao longo de todo o programa, elas realizam uma série de esforços, como manter a atenção a possíveis perigos (Handman e Mossuz-Lavau, 2005HANDMAN, Marie-Elisabeth; MOSSUZ-LAVAU, Janine. (orgs.) La prostitution à Paris. Paris, La Martinière, 2005.), como o ataque de um cliente ou a retirada do preservativo; controlar o tempo do programa; interpretar o estilo e o desejo do cliente; adaptar sua própria atitude para realizar as fantasias demandadas; realizar suporte emocional; ser simpática e cativar o homem de maneira que ele se sinta satisfeito e volte a procurá-la.

Em seus quartos ou em espaços comuns dos hotéis, as mulheres circulam informações sobre homens problemáticos (que criam dificuldades com o pagamento, são perigosos ou têm características ou preferências sexuais que dificultam o programa) e trocam constantemente experiências sobre o trabalho, voltadas em grande parte para a maneira de lidar com os clientes. Contam casos de clientes umas às outras, o que funciona como uma afirmação do saber profissional da prostituta e de seu poder de sedução, mas também como socialização de outras mulheres e orientação de como tomar decisões em situações complicadas (Lave e Wenger, 1991LAVE, Jean; WENGER, Etiene. Situated learning: legitimate peripheral participation. Cambridge, Cambridge University Press, 1991.). Os casos mostram "como falar" (Lave e Wenger, 1991LAVE, Jean; WENGER, Etiene. Situated learning: legitimate peripheral participation. Cambridge, Cambridge University Press, 1991.) como uma prostituta da zona boêmia, ilustrando tanto um tom de fala quanto um vocabulário peculiar, relativo às práticas sexuais, às opções de programa e, novamente, ao tratamento do cliente.

O corrente uso de termos como "amorzinho" e "meu bem" indica que uma das principais aprendizagens para o sucesso de uma profissional na zona boêmia é a afetuosidade. Em uma entrevista com duas colegas, Eduarda, a mais velha, explica as sugestões que deu à mais nova, Fabiana:

Já falei para ela [Fabiana], ela era muito bruta com os clientes. Cliente não gosta de gente bruta, sabe? Quando eu a conheci, ela era muito bruta. O homem ia pegar ela assim, ela falava "Sai!". Não é assim... É: "Oh, meu amor, você está me machucando, não é assim que pega em mulher não, mulher é igual flor. Se você apertar a flor, ela não murcha!? Então, você tem que pegar com carinho." Porque tem homem que já vem assim... então tem que tratar o homem com carinho, porque ele vem aqui porque está carente.

A fala de Eduarda contrasta a brutalidade inicial de sua colega com uma performance carinhosa e sedutora. De fato, prostitutas e clientes destacam frequentemente a importância de simpatia, educação e afeição da profissional para a satisfação do cliente e, principalmente, para que ele volte ou indique a prostituta a conhecidos. Manoel, um cliente que entrevistei, critica as profissionais apressadas, mas nota que a maioria é séria e carinhosa. Ele aprecia especialmente algumas, "muito gente boa". O corpo e o rosto da mulher contam na escolha da profissional, mas não são o essencial no programa: "se não for do jeito que eu pensei, aí também é só aquela vez". Outro cliente, Daniel, procura sempre por mulheres "meigas", "bacanas" e "tranquilas", que contrasta com mulheres "brigonas" e "fechadas".

Além das qualidades atribuídas à prostituta, a interação entre ela e o cliente tem que "fluir". Paulo fala das trocas que estabelece: "A gente se dá às vezes tão bem assim que o papo é agradável, ela conta um pouquinho da vida dela, eu conto da minha." Ele prioriza mais a repetição do programa com uma mulher que ele já conhece e com quem se entende do que a variedade sexual.

- M: E o que você gosta numa mulher na hora de fazer programa, o que te faz voltar?

- Paulo: Atenção, né!? A simpatia dela... tudo atrai a gente. Mulher legal, mulher gente boa. Educação, tudo influi né!?

Como é que você fica com uma mulher, sente só, na hora sente aquele tesão, tal, acabou, acabou? Aí, não vale a pena voltar, né!? Quando a mulher já troca ideia, conversa, tem mais meio de comunicação, aí é diferente. Aí, a gente faz questão de voltar.

Em contextos internacionais de prostituição, essas qualidades valorizadas na zona boêmia são identificadas como mais proeminentes entre as prostitutas brasileiras. Brasileiras que trabalham na Espanha se singularizam em relação a profissionais de outras nacionalidades se descrevendo como sensuais, mas sobretudo carinhosas, alegres, bondosas, tranquilas e simpáticas12 12 No entanto, na Espanha, não são essas as características mais buscadas pelos clientes, que privilegiam a diversidade de mulheres e a "eficácia" em um tempo reduzido, o que encontram sobretudo em mulheres vindas da Europa do Leste (Piscitelli, 2007). (Piscitelli, 2007PISCITELLI, Adriana. Corporalidade em Confronto: Brasileiras na indústria do sexo na Espanha. São Paulo-SP, Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 22, nº 64, 2007, pp.17-32.). Clientes portugueses apontam sua preferência por prostitutas meigas, carinhosas, comunicativas e abertas, qualidades que encontram principalmente nas brasileiras (Sacramento, 2006SACRAMENTO, Octávio. Amor contrafeito: A emoção e a sua instrumentalização no meio prostitucional. João Pessoa-PB, Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, vol. 5, nºs 14/15, 2006, pp.158-184.). Embora essa "cultura da afetividade" seja especialmente característica de prostitutas brasileiras - sobretudo em alguns espaços, não sendo tão valorizada em todos os locais de prostituição no Brasil -, qualidades relacionais semelhantes são encontradas no trabalho de prostitutas de outras nacionalidades.

Podemos notar, aliás, que as habilidades valorizadas na prostituição são as mesmas exigidas em diversos empregos tipicamente femininos. Espera-se das trabalhadoras qualidades e disposições interativas percebidas como femininas, tais como a gentileza, a conciliação e a preocupação com o outro.13 13 A disponibilidade sexual também é associada ao feminino e pode ser convocada em certos empregos, como acontece com secretárias (Pierce, 2003) e caixas de supermercado (Soares, 1998), de quem se exige flirt e sedução. Ao invés de serem avaliadas no registro do fazer e, portanto, codificadas e remuneradas, essas "habilidades discretas" são sobreavaliadas no registro do ser, sendo referidas a qualidades morais e ao dom de si (Molinier, 2005MOLINIER, Pascale. Le care à l'épreuve du travail. Vulnérabilités croisées et savoir-faire discrets. In: PAPERMAN, Patricia; LAUGIER, Sandra (orgs.). Le souci des autres, éthique et politique du care. Paris, Éditions de l'École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 2005, pp.299-316.).

Arlie Hochschild (2003)HOCHSCHILD, Arlie. The commercialization of intimate life: notes from home and work. Berkeley, University of California Press, 2003. aponta que as pessoas avaliam cotidianamente quais emoções são adequadas ao contexto em que se encontram. Guiadas por "regras de sentimentos", estimam a pertinência entre a situação, o que sentem e o que deveriam estar sentindo e tentam adequá-los. Os esforços para demonstrar sentimentos apropriados passam por dois tipos de técnicas: atos mais superficiais, relativos à expressão das emoções, e uma atuação mais profunda, o "trabalho emocional". Este último se refere ao conjunto de atos e operações que procuram evocar, moldar ou apagar sentimentos, em grau ou em qualidade. A socióloga indica que em algumas profissões, como o trabalho doméstico, o cuidado de crianças, a enfermagem e a prostituição, a interpretação das emoções de outrem e um trabalho sobre suas próprias emoções são especialmente necessários.

Na prostituição, mais particularmente na zona boêmia de Belo Horizonte, dois tipos de esforços podem ser distinguidos, embora relacionados um ao outro. O primeiro se refere a uma atuação mais superficial e expressiva, a técnicas para negociar, ludibriar e conquistar o cliente. Está relacionado a práticas comerciais e à noção de "malandragem". O segundo esforço envolve um trabalho, consciente ou não, de adequação interna das próprias emoções, articulado ao contexto emocional. Pode ser percebido especialmente nas relações mais íntimas entre prostitutas e clientes, em que as profissionais mobilizam seus sentimentos para realizar um melhor atendimento, o que torna a troca mais complexa e suscita mais emoções.

"Malandragens"

Como outros comerciantes, as prostitutas desenvolvem técnicas para ser amigáveis e cativantes, tirando ao mesmo tempo o máximo de lucro possível do programa e realizando-o nas condições mais satisfatórias para elas (minimizando o tempo de atividade sexual ou de um ato/posição sexual que consideram desagradável). Laura Agustín (2007)AGUSTIN, Laura. Sex at the Margins: Migration, Labour Markets and the Rescue Industry. Londres, Zed Books, 2007. nota que, como em outros tipos de emprego, expressar atenção e afetuosidade é importante na prostituição, e que práticas vistas em outros trabalhos como um esforço profissional para melhorar as condições do trabalho, torná-lo mais interessante e potencializar os lucros, são percebidas como sinal de ganância e preguiça em atividades ligadas ao sexo.

Nos primeiros tempos de trabalho na zona boêmia, o efeito de novidade atrai os clientes e ganha-se muito dinheiro. Com a queda na demanda, aprende-se a trabalhar com astúcia. A estratégia de trabalho passa por um "convencimento com afeição". As prostitutas falam de malandragem, assim como de "lábia", "jogo de cintura" e "malícia da vida" para designar os subterfúgios que utilizam para convencer os clientes a aceitar determinado tipo de programa ou para enganá-los. A desonestidade, no entanto, não deve ultrapassar certos limites.14 14 Roubar ou tirar todo o dinheiro do cliente, por exemplo, é algo repreendido.

Roberto DaMatta (1979)DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro, Rocco, 1979. descreve o "malandro" como um personagem cujo modo de existência repousa na permanente improvisação. Joga com as regras a seu próprio favor, podendo ser desonesto sem ser completamente delinquente. Claudia Fonseca (2004b)FONSECA, Claudia. Família, fofoca e honra : etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. Porto Alegre, Editora da Universidade/ UFRGS, 2004b. chama atenção para o fato de que, na literatura clássica, a malandragem é referida apenas a homens. Em sua pesquisa na Vila São João, em Porto Alegre, percebe nas brincadeiras e fofocas que a mulher também pode ser malandra, o que suscita o medo dos homens dela deturpar o acordo conjugal, não dando monopólio sexual ao homem que a sustenta.

Na zona boêmia, como acontece na Vila São João, a malandragem goza de certa admiração e humor. As prostitutas contam suas artimanhas às outras e ensinam suas técnicas às mais novas. Uma das estratégias mais utilizadas para aumentar o preço do programa é sugerir um programa mais longo, que não leva a um proporcional aumento da atividade sexual. Bárbara explica como é: "Malandragem, assim, que eu falo: 'Oh, meu bem, vamos fazer um demoradinho...'". Os clientes, muitas vezes, não são cegos às manipulações, mas podem entrar no jogo de sedução da profissional. Pedro, um cliente, diz que as prostitutas "levam o cara na conversa bonita", fazendo-o pagar mais R$10 para ficar mais tempo. Ressalta que ele não "cai nessas conversas", mas que há homens que pagam mais, quando "rola um clima" no programa.

O jogo de sedução tem um papel central em muitas interações no mercado do sexo. Katherine Frank (2002)FRANK, Katherine. G-Strings and Sympathy. Durham e Londres, Duke University Press, 2002. nota que os clientes de clubes de striptease americanos não esperam que a dançarina tenha uma atração "autêntica" por ele, mas que sua "performance de autenticidade" seja convincente. Para Frank, os clientes buscam nessa diferenciação a alimentação de seu próprio desejo. Simmel escreve, em Psicologia do coquetismo (1988), que a sugestão simultânea do sim e do não, a alternância entre o dom e a negação atiçam o desejo; sugere que um contexto de interação amorosa-sexual sem consequências sérias permite criar um jogo com a realidade, em que a sedução se torna um fim em si. A prostituição oferece ao cliente um quadro favorável para a alimentação contínua do próprio desejo, uma vez que a prostituta seduz, mas impõe limites à relação. Isso implica um duplo esforço da profissional: estimular o erotismo e, simultaneamente, manter o cliente a uma certa distância.

Uma outra forma de malandragem é burlar um programa negociado, deixando de realizar exatamente a prática acordada, como é o caso de fazer sexo vaginal, fazendo o cliente acreditar que está realizando sexo anal ou combinar um programa com duas prostitutas e as duas não terem realmente contato sexual. Além disso, utilizam a malícia para se desvencilhar de maneira relativamente cordial de um cliente que não querem atender - por questões de perigo, bebida alcoólica ou higiene - evitando uma rejeição explícita, inclusive para se protegerem de reações violentas.

Cristiane, jovem prostituta, nota que "tudo é questão de tratamento, de maneiras" e que, às vezes, mulheres bonitas e com um belo corpo não ganham dinheiro. Segundo ela, os homens fogem de mulheres "frescas", que eles não podem tocar, mas explica que "há maneiras de não deixar o homem abusar". Utilizando charme e carinho, nem é preciso tirar toda a roupa. Priscila diz que é séria e assusta os clientes que passam no corredor, mas "cativa" os homens que fazem programa com ela, pois faz amizade facilmente e observa a reação dos clientes. "Talvez, por isso que eu tenha tanto cliente, porque eu procuro descobrir o jeitinho que ele gosta, fazer exatamente do jeito que ele gosta, que é pra ele voltar."

Cada lado procura tirar benefícios da interação, sem eliminar a atenção ao outro ou a afetividade, como Christophe Brochier repara nas relações entre prostitutas e clientes no Rio de Janeiro:

Os dois campos procuram uma cooperação vantajosa que, se não exclui a instrumentalização, não deixa de estar ligada a uma certa lógica dos sentimentos (não necessariamente amorosos, o que não exclui cumplicidade, entendimento, etc.). Eles tentam, então, maximizar seus interesses materiais (conforto, prazer, dinheiro, etc.), conservando ao mesmo tempo uma certa dignidade (Brochier, 2005BROCHIER, Christophe. Le travail des prostituées à Rio de Janeiro. Paris, Revue française de sociologie, vol. 46, nº1, 2005, p.109. :109, tradução minha).15 15 "Les deux camps cherchent une coopération avantageuse qui, si elle n'exclut pas l'instrumentalisation, n'est pas sans lien avec une certaine logique des sentiments (qui ne sont pas forcément amoureux, ce qui n'exclut pas complicité, entente, etc.). Ils tâchent alors de maximiser leurs intérêts matériels (confort, plaisir, argent, etc.) tout en conservant une certaine dignité" (Brochier, 2005:109).

As prostitutas aprendem e desenvolvem técnicas para ludibriar o cliente ou alterar os termos do contrato, se preciso for, mas a malandragem consiste na maioria das vezes em entender o desejo dos clientes e utilizar qualidades comunicacionais e expressões corporais e emocionais para convencer, estabelecer um "clima" de intimidade e seduzir. Envolve astúcia e capacidade de administrar as situações, no quadro da "cultura emocional" brasileira e, mais especificamente, da zona boêmia.

Aprofundando as emoções

Se interesse, simpatia e, às vezes, ternura são importantes para realizar adequadamente certas atividades profissionais, as emoções tornam o trabalho mais suportável (Molinier, 2005)MOLINIER, Pascale. Le care à l'épreuve du travail. Vulnérabilités croisées et savoir-faire discrets. In: PAPERMAN, Patricia; LAUGIER, Sandra (orgs.). Le souci des autres, éthique et politique du care. Paris, Éditions de l'École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 2005, pp.299-316.. Muitas prostitutas falam da satisfação de aliviar um cliente, dando-lhe carinho, prazer ou escutando-o. Gostam de conversar e partilhar eventos16 16 Acontece de clientes as ajudarem de diversas formas, por exemplo, indicando um advogado, orientando o filho delas para um emprego ou propondo ajuda em um conflito delas com o namorado. de suas vidas com alguns clientes, e dizem que sentirão falta dessas trocas quando deixarem a prostituição.17 17 Uma entrevistada que parou de fazer programas evocou sua solidão, sentindo falta das conversas com os clientes e o fato de se sentir desejada por eles. E como aponta Pascale Molinier (2005)MOLINIER, Pascale. Le care à l'épreuve du travail. Vulnérabilités croisées et savoir-faire discrets. In: PAPERMAN, Patricia; LAUGIER, Sandra (orgs.). Le souci des autres, éthique et politique du care. Paris, Éditions de l'École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 2005, pp.299-316., o contato com o corpo e com a subjetividade de outrem não nos deixa afetivamente indiferente: provoca emoções diversas e às vezes contraditórias, como desejo, amor, aversão e nojo.

A presença de emoções torna a atividade mais significativa, mas pode deixá-la também mais pesada psiquicamente e favorecer a confusão entre vidas privada e profissional. Tatiana acha os programas que realizava no Rio de Janeiro mais difíceis psicologicamente que os programas rápidos da zona boêmia de Belo Horizonte: "ficar a noite inteira com o cara e o cara enchendo o saco, não sei o quê... Ou até é uma pessoa legal, mas fica parecendo namoro e não é o teu namorado!" Para Tatiana, mesmo o "rapidinho" continua tendo algo de íntimo. Ela se sente sobrecarregada de ter contato com muitos homens, escutar seus problemas, ser simpática, repetir as mesmas frases, estabelecer conversas. Mesmo uma atuação expressiva de emoções exige investimento da profissional.

As prostitutas têm posicionamentos diferentes sobre o que acham mais penoso na atividade e isso influencia suas escolhas por um espaço ou outro de prostituição. Diferem também no que consideram íntimo e no que é passível de ser incluído no programa. Na zona boêmia, as prostitutas têm escolhas diferentes quanto à realização de práticas como dar o telefone, fazer programa fora do hotel, dormir com o cliente, beijar na boca. Essas práticas aparecem, ali, como limiares: não são elencadas nas opções de programas, mas podem ser negociadas ou surgir nas interações. São decisões individuais, que variam também de acordo com os clientes. O beijo na boca, por exemplo, pode ser incluído no programa como um investimento na relação com um cliente privilegiado, por razões monetárias (o cliente paga pelo beijo), por um desejo sexual momentâneo e por atração pelo cliente em questão, além de depender do aspecto bucal do homem.

Grande maioria das entrevistadas tem uma clientela regular, importante para suas finanças, principalmente quando o movimento nos hotéis está baixo. Com esses clientes, acontece de realizarem um trabalho emocional mais profundo. A afinidade pode aparecer no primeiro programa, mas a tendência é que a intimidade cresça com o tempo. Há relações fixas entre prostitutas e clientes da zona boêmia que duram vários anos (cinco, quinze, vinte). Alguns clientes têm horário definido, dão presentes às prostitutas, fazem o programa fora do hotel ou saem com elas para comer ou fazer compras. Há prostitutas que recebem quantias pontuais ou mensais de clientes privilegiados.

O circuito de troca é alimentado, de um lado, pela atenção e pelo pagamento do cliente (sobretudo quando o pagamento é considerado "a mais"); por outro, pelos "agrados" da prostituta, o que motiva os clientes a voltar e pagar ainda mais. Os termos da troca, as negociações e a delimitação do programa podem ficar mais difusos; torna-se, por exemplo, mais delicado apressar o fim do programa ou estabelecer um valor específico para cada ato, ao mesmo tempo em que a prostituta adquire maior capacidade de influência sobre o cliente.

Acontece de a relação tomar "ares" de uma relação não comercial. Na maioria dos casos, mesmo com a entrada de intimidades, cumplicidade e confiança na relação, clientes e prostitutas continuam a estabelecer seus limites. Júlia disse a um cliente, quando ele lhe telefonou no meio da noite para que ela se encontrasse com ele: "Tudo é tarifado. Trabalho é trabalho, amizades à parte." Por outro lado, ela conta com satisfação que outro cliente ajudou-a financeiramente quando ela operou e lhe disse que a amizade deles não era apenas na cama, que a considerava sua mulher.

Os clientes fixos como "amigos" são evocados por diversas mulheres; não é apenas um cliente, nem um namorado. Algumas interações fluem entre as categorias, sem que as prostitutas consigam classificar esses parceiros: "ele nem é um cliente mais", "é um amigo", "é como um namorado", "ele acha que é meu namorado" ou "é como um maridinho". Há casos em que o status da relação se torna especialmente ambíguo, pelo menos para um dos parceiros (Roux, 2009ROUX, Sébastien. Les économies de la prostitution. Sociologie critique du tourisme sexuel en Thaïlande. Tese de doutorado, Sociologia, École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2009.). Mundos profissional e pessoal se conectam, mas existem ainda distinções entre os tipos de relações íntimas.

Permeabilidades

Viviana Zelizer (2009) ZELIZER, Viviana. Dinheiro, poder e sexo. Cadernos Pagu (32), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2009, pp.135-157. pensa a variação das relações íntimas em duas dimensões: amplitude e duração. Situa a ligação "limitada breve" como típica da prostituição. De fato, é a mais comum na zona boêmia. Mas, como vimos, nos hotéis, assiste-se também a ligações "limitadas duráveis", com uma duração longa, porém circunscritas a algumas atividades. Mais raramente, algumas relações ganham maior amplitude; as práticas são estendidas e as trocas sexuais-afetivas-econômicas se complexificam. As pessoas estão atentas à nomeação dessas relações e a seus limites, mas organizam e rearranjam suas interações na prática.

Na prostituição na zona boêmia, existe uma possível permeabilidade entre mundo profissional e mundo pessoal, e é inadequado atribuir "sentimentos inautênticos" ao primeiro e "sentimentos autênticos" ao segundo. Adriana Piscitelli indica que para as mulheres encontradas em suas pesquisas, "programas e ajuda, assim como amor/apaixonado e respeito/consideração não são necessariamente categorias excludentes, nem estáticas" (Piscitelli, 2011 PISCITELLI, Adriana. Amor, apego e interesse: trocas sexuais, econômicas e afetivas em cenários transnacionais. In:; PISCITELLI, Adriana OLIVAR, José Miguel Nieto; ASSIS, Gláucia de Oliveira. (orgs.). Gênero, sexo, amor e dinheiro: mobilidades transnacionais envolvendo o Brasil, Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2011, pp.537-582.:556, grifo da autora). Na zona boêmia, as trocas podem se deslocar entre um contrato explícito e outras formas de "ajuda", e envolver diferentes tipos de sentimentos, além de que há clientes que se apaixonam por prostitutas e profissionais que sentem prazer sexual no programa e/ou que se interessam por clientes (França, 2011FRANÇA, Marina. Intérêts, sexualités et affects dans la prostitution populaire: le cas de la zone bohème de Belo Horizonte. Tese de doutorado, Antropologia, Paris, École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2011.).

Algumas histórias apontam arranjos e articulações das prostitutas para tentar conciliar vida afetiva e econômica. Renata, de 27 anos, tem uma relação com um homem que conheceu na zona boêmia. Ele ajuda a sustentá-la, acreditando que ela parou de fazer programas e não sabe que ela é lésbica. Renata tem um sentimento de "amizade" pelo "cliente" relacionado às qualidades pessoais dele e ao reconhecimento pelo que ele lhe oferece:

Tem um cliente que ele já vem aqui há uns quatro anos. Inclusive, tem um tipo de envolvimento além do programa, mas não é assim, um programa... Ele pensa que eu sou a namorada dele. Mas eu não gosto de homem, eu gosto de mulher. Meu sexo é totalmente oposto. Só que eu fico com ele, muitas vezes, ficamos juntos, graças a Deus. Só que a relação que eu tenho com ele é mais pela amizade, mas ele é muito bacana. E ele me banca, me dá muito dinheiro! [....] É igual eu te falei, ele tem uma cultura muito boa e tudo que eu quero, ele me dá! Só que, pra mim, ele não é uma pessoa ideal, eu não vou amar ele.

Muitas entrevistadas percebem a ajuda econômica como sinal de engajamento e afeto18 18 Francesca Cancian (1986) indica que tendemos a perceber apenas seu lado expressivo, referente a verbalizações e expressões sentimentais, enquanto existe também um "amor instrumental", ligado, entre outros, a apoio prático e assistência econômica. do homem, assim como de sua generosidade e condições de vida. Em 2005, quando conheci, Tereza, de 43 anos, ela contou que tinha um cliente fixo, chamado por ela de "o velho", que ia à casa dela e conhecia seus filhos. Ela, às vezes, se referia a ele com antipatia, tratando-o de "nojento e chato", mas dizia tolerá-lo porque ele lhe dava montantes de até R$200. Em 2007, decidiu casar com "o velho", porque estava cansada de trabalhar nos hotéis e seu namorado, Milton, por quem era apaixonada, não a estava ajudando financeiramente como tinha prometido.19 19 Tereza faz programas desde que é adolescente. Nos últimos anos, a quantidade de programa que faz diminuiu e ela passa às vezes por dificuldades financeiras.

Tereza exigiu do cliente que casassem no civil, dizendo que se ele gostava tanto dela, deveria cuidar de seus interesses; também colocou a condição de que ele parasse de se levantar à noite, para não acordá-la. Antes de se casarem, no entanto, Tereza rompeu com o "velho", alegando que ele não a estava ajudando suficientemente (com o aluguel e a compra de móveis). Tempos depois, seu relacionamento com Milton ficou mais sério. Ele é um homem casado, que ela conheceu no hotel. Milton passou a frequentar a casa de Tereza, aumentou sua ajuda financeira e começou a exigir que a namorada não trabalhasse mais nos hotéis.

Em algumas relações das entrevistadas, embora o interesse material seja predominante, fica claro que elas não estão dispostas a manter uma interação que lhes é desagradável. Estão atentas a sua independência, a seu próprio conforto, assim como a suas reações emotivas, de prazer e repulsa. Diferentes elementos são acionados em suas elucubrações sobre o futuro de suas relações pessoais e de suas finanças.

Aparecida é viúva e mãe de três filhos. Não trabalha mais todos os dias no hotel, porque recebe uma importante "ajuda" de dois clientes. Ela está juntando dinheiro para parar de trabalhar e planeja continuar encontrando apenas esses dois homens: "Quando eu sair daqui, eu vou ficar só com os dois. Eu acho que nem com o meu namorado eu não vou ficar." Explica que não consegue gostar de seu namorado, estudante de engenharia, mais jovem que ela, que conheceu no hotel:

Ele pega muito no meu pé, sabe, às vezes, me atrapalha muito, me deixa nervosa. Não que ele me atrapalhe... Por exemplo, às quartas, eu tô em casa. Então, eu gosto de dormir até mais tarde. Aí, minha filha, ele começa a ligar, ligar, ligar, e eu desligo os telefones, tudo. Aí, ele vai e começa com a campainha, para o carro no portão e fica com a campainha.

Um desses clientes fixos é solteiro: "Ai, se aquele homem me pedisse em casamento...". "Casava?", perguntei. "Casava. Apesar de que não vale nada de cama, mas... dava pra passar. (risos)" Apesar de a maioria das entrevistadas não colocar explicitamente a sexualidade como questão prioritária em seus relacionamentos, aparecem nas entrevistas queixas sexuais sobre alguns homens, sobretudo parceiros pessoais que não as satisfazem sexualmente.

Carolina, baiana de 45 anos, analisa suas opções de casamento, atenta às condições de vida, posses e personalidade dos homens. Mas acaba não dando sequência aos encontros, mesmo com problemas para pagar as diárias dos hotéis. Carolina falava de um senhor "responsável", com duas aposentadorias e casa própria, e considerava que ele tinha mais "possibilidades" que um garçom de bar por quem ela se sentia atraída. No entanto, não ia aos encontros marcados com ele e comentou que de todo jeito não gostava de beijá-lo. Já de um jovem cliente, casado, Carolina fala com entusiasmo: "Ele é um show de bola, nossa, em tudo, ele é bonitinho, ele trata bem, é como se eu fosse a namorada dele".

Carolina terminou seu terceiro casamento quando se deu conta de que estava perdendo tempo: sua condição de vida com ele era apertada, ele bebia e provavelmente gastava dinheiro com outras mulheres. Além disso, ele queria ter relações sexuais quando Carolina já estava dormindo e ela pensava: "Era melhor eu estar na zona, que na zona eu ganho dinheiro e, aqui, é de graça! O homem, à noite, me perturbando...". Após um tempo na zona boêmia, procurava novamente um parceiro. Diz que tem que encontrar a pessoa certa, não tem muito tempo a perder. Carolina acha que deve priorizar a companhia e a segurança econômica, mesmo se, em outros momentos, comenta que a vida não tem graça sem paixão, assinalando a coexistência de diferentes anseios. No ano seguinte à entrevista, ela estava solteira e parou de trabalhar nos hotéis. Vendia jornal na rua.

Considerações finais

A afeição por clientes e dúvidas quanto a desenvolver um relacionamento com homens interessados por elas são relatadas por prostitutas de idades diversas. Para as mulheres de mais de quarenta anos, com a queda na procura de clientes provocada pelo envelhecimento, a questão de achar um outro meio de sustento é ainda mais importante. Aparecem, nas falas das entrevistadas, comparações entre a prostituição e o casamento, utilizando para ambos uma lógica de subsistência. A prostituição aparece como alternativa ao casamento e vice-versa. Não é raro que digam que (re)começaram a fazer programa porque se separaram, que querem casar para ter uma boa situação de vida, que continuam na prostituição porque seu parceiro não as está sustentando.

Para as prostitutas de Belo Horizonte, a questão não é apenas avaliar a situação econômica dos possíveis parceiros. Fazem uma série de cálculos para prever o sucesso da relação e um dos principais pontos que analisam é a responsabilidade do homem, avaliando se ele vai cumprir o papel de provedor e ser um bom chefe de família. As entrevistadas se preocupam com suas condições de vida e as de seus filhos, temendo que a dependência de um parceiro e, em muitos casos, o baixo salário dele20 20 A maioria encontra seus parceiros pessoais na prostituição. Sendo uma zona de baixa prostituição, grande parte dos clientes tem uma renda igual ou menor à das prostitutas. , diminua o nível de vida da família que elas até então chefiavam. Pretendem priorizar relações estratégicas em seus próximos relacionamentos, até por desconfiarem dos homens e do amor, mas concretamente acabam não o fazendo.

Desejam uma relação baseada em carinho e paixão, trocas interpessoais e relações sexuais prazerosas. Principalmente mulheres estáveis economicamente priorizam o amor, já que têm mais condições de não se preocuparem com o apoio econômico do parceiro. Procuram "algo a mais" a que não têm acesso na prostituição. As prostitutas valorizam também sua própria independência e o fato de não ficarem restritas ao trabalho doméstico.

Como outras pessoas das classes populares urbanas brasileiras (Vaitsman, 1997VAITSMAN, Jeni. Pluralidades de mundo entre mulheres urbanas de baixa renda. Estudos Feministas, vol. 5, nº 2, Florianópolis-SC, 1997, pp.303-319.), as entrevistadas têm acesso a uma multiplicidade de informações e valores tradicionais, individualistas e igualitários. Muitas entrevistadas tentam adequar diversos valores e expectativas, que poderiam parecer inconciliáveis. A maioria das entrevistadas se refere ao modelo "tradicional de conjugalidade"21 21 Modelo em que o homem deve ser o provedor da família e a mulher deve a ele exclusividade sexual. (Machado, 2001MACHADO, Lia. Famílias e individualismo : tendências contemporâneas no Brasil. Botucatu, Interface Comunic, Saúde, Educ, vol. 4, nº 8, 2001, pp.11-26.) e afirmam o dever do homem de prover a família. Ao mesmo tempo, referem-se a expectativas de amor romântico, de reciprocidade sentimental e de prazer sexual. As prostitutas têm ainda que adequar seus ideais com a atividade que exercem, e que dificulta seus relacionamentos afetivos. Assinalam que o casamento é incompatível com a prostituição, pois um "verdadeiro homem" não aceitaria uma prostituta como mulher.

As entrevistadas falam de uma descrença em encontrar homens reais que preencham suas expectativas econômicas e sentimentais, criticando os parceiros pessoais que encontraram por uma "falta de masculinidade" (homens passivos e não provedores) ou por um "excesso de masculinidade" (homens promíscuos, violentos e ciumentos). Muitas continuam criando uma série de combinações entre intimidade e transações econômicas com clientes, ex-clientes, amigos, namorados e pretendentes. Nem sempre é possível classificar essas relações. Elas escapam aos rótulos que ligam determinada relação íntima a práticas e meios de circulação econômica precisos.

  • 1
    Todos os hotéis são acessados através de uma escada de entrada. Muitas prostitutas se referem a essa escada como o marco que separa o trabalho de sua vida pessoal.
  • 2
    Many sex workers refer to the hotels' stairway entrance as the barrier that separates the work from their personal life.
  • 3
    Quando o trabalho de campo foi realizado, apenas mulheres trabalhavam nos hotéis da zona boêmia. Recentemente, dois hotéis começaram a alugar quartos a travestis.
  • 4
    Meu contato com a zona boêmia se iniciou em 2005, durante um estágio no GAPA-MG (Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS de Minas Gerais). Este trabalho baseia-se principalmente no campo realizado na zona boêmia em 2007 e em 2009, no quadro de um doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris), sob a orientação de Marie-Elisabeth Handman. A pesquisa foi realizada sobretudo com prostitutas, mas inclui conversas e entrevistas com clientes e funcionários dos hotéis. O trabalho de campo em outros locais de prostituição de Belo Horizonte e no Bois de Boulogne (Paris), com mulheres e travestis, apesar de menos extenso, ajudou a identificar recorrências e especificidades na configuração da atividade na zona boêmia de Belo Horizonte.
  • 5
    De acordo com essa concepção, intimidade e atividade econômica pertenceriam a esferas distintas e antagônicas. A economia - principalmente o dinheiro - degradaria as relações pessoais, dando lugar a relações frias e calculistas, e a intimidade corromperia as atividades econômicas, levando à ineficiência e à corrupção. (Zelizer, 2005 ZELIZER, Viviana. The Purchase of Intimacy. Princeton, Princeton University Press, 2005.)
  • 6
    Entendo as "emoções" como interpretações que uma pessoa faz de uma situação ou evento, real ou imaginário; a associação entre sensações corporais, gestos, e mímicas a uma ideia ou atitude, com base em esquemas sociais e culturais (Le Breton, 2004LE BRETON, David. Les passions ordinaires: anthropologie des émotions. Paris, Éditions Payot & Rivages, 2004.; Hochschild, 2003HOCHSCHILD, Arlie. The commercialization of intimate life: notes from home and work. Berkeley, University of California Press, 2003..) Alterno o uso dos termos "afeto", "emoção" e "sentimento" sem distinção de sentido entre eles, embora "sentimento" seja mais frequentemente utilizado em referência a uma tonalidade afetiva mais duradoura (Le Breton, 2004LE BRETON, David. Les passions ordinaires: anthropologie des émotions. Paris, Éditions Payot & Rivages, 2004.;).
  • 7
    Incluindo casos em que as mulheres viviam relações extraconjugais com homens casados e eram sustentadas por eles. Após a ruptura da relação, elas têm que encontrar outro meio de subsistência, com a dificuldade de estarem fora do mercado de trabalho.
  • 8
    Complexo de Diversões Guaicurus. Disponível em: <http://guaicurus.blogspot.com/2007/11/mais-de-2000-mulheres-sero-afetadas.html>. Acesso em: 20 ago 2011.
  • 9
    Os programas são os encontros tarifados e negociados entre prostitutas e clientes. São, em geral, restritos a um período de tempo definido ou à realização de determinadas atividades sexuais.
  • 10
    A variação dos programas passa pela inclusão de conversa, práticas íntimas (carinho, beijo na boca) e alteração das práticas sexuais (sexo anal, uso de consolo, inversão de papéis etc.)
  • 11
    Nota-se que Elizabeth Bernstein descreve, com esse modelo, principalmente, a prostituição de classe média em países europeus e nos Estados Unidos.
  • 12
    No entanto, na Espanha, não são essas as características mais buscadas pelos clientes, que privilegiam a diversidade de mulheres e a "eficácia" em um tempo reduzido, o que encontram sobretudo em mulheres vindas da Europa do Leste (Piscitelli, 2007PISCITELLI, Adriana. Corporalidade em Confronto: Brasileiras na indústria do sexo na Espanha. São Paulo-SP, Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 22, nº 64, 2007, pp.17-32.).
  • 13
    A disponibilidade sexual também é associada ao feminino e pode ser convocada em certos empregos, como acontece com secretárias (Pierce, 2003PIERCE, Jennifer. Les émotions au travail : le cas des assistantes juridiques. Paris, Travailler (9), 2003, pp.51-72.) e caixas de supermercado (Soares, 1998), de quem se exige flirt e sedução.
  • 14
    Roubar ou tirar todo o dinheiro do cliente, por exemplo, é algo repreendido.
  • 15
    "Les deux camps cherchent une coopération avantageuse qui, si elle n'exclut pas l'instrumentalisation, n'est pas sans lien avec une certaine logique des sentiments (qui ne sont pas forcément amoureux, ce qui n'exclut pas complicité, entente, etc.). Ils tâchent alors de maximiser leurs intérêts matériels (confort, plaisir, argent, etc.) tout en conservant une certaine dignité" (Brochier, 2005BROCHIER, Christophe. Le travail des prostituées à Rio de Janeiro. Paris, Revue française de sociologie, vol. 46, nº1, 2005, p.109. :109).
  • 16
    Acontece de clientes as ajudarem de diversas formas, por exemplo, indicando um advogado, orientando o filho delas para um emprego ou propondo ajuda em um conflito delas com o namorado.
  • 17
    Uma entrevistada que parou de fazer programas evocou sua solidão, sentindo falta das conversas com os clientes e o fato de se sentir desejada por eles.
  • 18
    Francesca Cancian (1986)CANCIAN, Francesca. The feminization of love. Chicago, Signs, vol. 11, nº 4, 1986, pp.692-709. indica que tendemos a perceber apenas seu lado expressivo, referente a verbalizações e expressões sentimentais, enquanto existe também um "amor instrumental", ligado, entre outros, a apoio prático e assistência econômica.
  • 19
    Tereza faz programas desde que é adolescente. Nos últimos anos, a quantidade de programa que faz diminuiu e ela passa às vezes por dificuldades financeiras.
  • 20
    A maioria encontra seus parceiros pessoais na prostituição. Sendo uma zona de baixa prostituição, grande parte dos clientes tem uma renda igual ou menor à das prostitutas.
  • 21
    Modelo em que o homem deve ser o provedor da família e a mulher deve a ele exclusividade sexual.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2013
  • Aceito
    18 Ago 2014
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