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Arte contemporânea e legitimação: o caso das jovens artistas

Contemporary Art and Legitimation: the case of young artists

Resumo

Este artigo objetiva tratar de dados de uma pesquisa recente acerca dos processos de legitimação de jovens artistas, em que se evidencia o perfil de artistas que vêm sendo selecionadxs por certames artísticos que contribuem para a construção e a legitimação de carreiras no campo da arte. Partindo da pergunta: artistas mulheres enfrentam presentemente os mesmos processos de exclusão de outrora, quando vivenciavam processos de invisibilidade de seu trabalho no campo da arte?, apresentam-se, portanto, os dados referentes à legitimação de jovens artistas mulheres por meio de seis editais e um prêmio brasileiros.

Arte Contemporânea; Legitimação; Jovens Artistas Mulheres; Brasil

Abstract

The objective of this article is to present data from a recent study about processes that legitimize young artists, which reveal the profile of artists selected for artistic events that contribute to the construction and legitimation of careers in the field of art. The study begins with the question: do women artists currently face the same forms of exclusion as in the past, when they experienced processes that left their work invisible in the field of art? Data are presented concerning the legitimation of young female artists by six public call for projects and one award process in Brazil.

Contemporary Art; Legitimation; Young Female Artists; Brazil

Introdução

Historicamente, mulheres que trabalharam como artistas vivenciaram processos de apagamento de suas produções em livros e acervos de museus, por não serem compreendidas como artistas profissionais. Em se tratando da historiografia (Ocidental) da arte, é comum a referência aos grandes mestres, todos homens, enquanto as artistas mulheres poucas vezes são mencionadas (Nochlin, 1973Nochlin, Linda. Why There Have Been no Gratests Women Artists? Art and Sexual Politics. New York, Macmilan Publishing Co, 1973, 2ª ed.; Simioni, 2002Simioni, Ana Paula Cavalcanti. Entre convenções e discretas ousadias: Georgina de Albuquerque e a pintura histórica feminina no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais (50), São Paulo, 2002, pp.143-159. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092002000300009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt - acesso em 04 de janeiro de 2019].
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; Mayayo, 2003Mayayo, Patricia. En busca de la Mujer Artista. In: Mayayo, Patricia. Historias de Mujeres, Historias del Arte. Madri, Cátedra, 2003, pp.21-87.; Sofio, 2018Sofio, Séverine. Como ter Sucesso nas Artes sem ser um Homem? Manual para Artistas Mulheres do Século XIX. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros (71), São Paulo, 2018, pp.28-50. [http://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/152629/149113 - acesso em 04 de janeiro de 2019]
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). A partir dessa problemática, este artigo focaliza as regras que regem o campo artístico brasileiro presentemente, a fim de compreender como se dá o processo de legitimação de jovens artistas levando-se em conta o gênero desses atores sociais. Questiona-se, portanto, se o gênero enquanto marcador social da diferença produz hoje os mesmos processos de exclusão que outrora incidiram sobre a produção, a carreira e a legitimação de mulheres artistas.

Jovens artistas vivenciam processos de legitimação distintos de artistas já consagradxs. Ainda em processo de construção de suas carreiras, buscam sua legitimação no universo artístico. Dessa forma, em pesquisa anterior (Marcondes, 2018Marcondes, Guilherme. Arte e Consagração: Os Jovens Artistas da Arte Contemporânea. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia), PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018.), ao tomar jovens artistas como objeto de análise, busquei compreender quais são os processos de legitimação que as regras da arte contemporânea, categoria em disputa no campo da arte, impõem a artistas aspirantes ao lugar de artistas profissionais. Após o advento da arte contemporânea, novas regulações passaram a guiar a conduta de parte dos indivíduos e instituições que conformam o universo artístico. Nesse sentido, entre outras mudanças, as obras de arte não mais necessitam ser objetos, como pinturas ou esculturas, as performances e outras possibilidades passaram a ser compreendidas como arte, tornando a arte contemporânea um novo paradigma artístico (Heinich, 2014Heinich, Nathalie. Práticas da Arte Contemporânea: Uma Abordagem Pragmática a um Novo Paradigma Artístico. Revista Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 04, n.02, 2014, pp. 373-390. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2238-38752014000200373&lng=en&nrm=iso&tlng=pt> - acesso em 10 de janeiro de 2019].
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). Desse modo, a mencionada pesquisa buscava compreender quais as implicações desse conjunto de regras no processo de legitimação de artistas. Seriam muito distintas daquelas dos processos postos em prática em tempos de modernismo, do romantismo e mesmo da antiguidade? A hipótese principal que guiou a pesquisa foi que sim, sobretudo no que diz respeito à temporalidade do processo de legitimação. Afinal, apesar de ainda ser presente no senso comum, a noção de que artistas somente angariam legitimidade e reconhecimento após seu falecimento, existe hoje um conjunto de editais que promovem exposições, residências artísticas e até mesmo premiações para jovens artistas, por meio de Chamadas Públicas que são parte dos mecanismos de legitimação postos em prática no mundo da arte e que, por conseguinte, selecionam e incentivam jovens que deveriam seguir carreira como artistas. Porém, nem sempre tais editais são claros em relação ao perfil de artistas que buscam incentivar e selecionar. Dessa forma, a partir da análise de seis editais e um prêmio, foi possível construir um perfil de jovens artistas que vinham sendo selecionadxs/indicadxs por certames artísticos ocorridos no Brasil entre os anos de 2014 e 2017. Artistas estxs que, ao serem selecionadxs/indicadxs, obtêm mais chances de legitimarem suas carreiras no campo da arte contemporânea.

A questão do gênero de jovens artistas é abordada na referida pesquisa, contudo, é aqui destacada e complementada a fim de tratar, em específico, sobre a legitimação de jovens artistas que são mulheres. Como mencionado, mulheres artistas vivenciaram um histórico processo de exclusão no campo das artes visuais, o qual será brevemente explicitado à frente no texto. Este artigo questiona se em tempos de arte contemporânea, no Brasil, artistas mulheres que estão construindo suas carreiras enfrentam os mesmos processos de exclusão que seus pares em outros períodos da história da arte.

No que diz respeito à seara da arte contemporânea em termos mais globais e em relação a artistas já consagradxs, é interessante ver os dados apresentados por Alain Quemin (2013Quemin, Alain. Les Stars de l’Art Contemporain - Notoriété et Consécration Artistiques dans les Arts Visuels. Paris, CNRS Éditions, 2013.; 2016). O sociólogo francês tem dedicado suas pesquisas à compreensão dos efeitos da globalização no campo da arte levando em conta o impacto do fator territorial na consagração de artistas. Para isso, o pesquisador analisa os rankings que hierarquizam artistas que, de acordo com suas métricas e critérios específicos, mais se destacam e influenciam os rumos da arte contemporânea a cada ano. Tais rankings surgem na década de 1970, em paralelo às novas regras que regem as ações no campo artístico que emergem com o advento da chamada arte contemporânea, ocorrido a partir dos anos de 1960. Quemin (2016)Quemin, Alain. A distribuição desigual do sucesso em Arte Contemporânea entre as nações: uma análise sociológica da Lista dos ‘Maiores’ Artistas do Mundo. In: Quemin, Alain; Villas Bôas, Glaucia (org.). Arte e Vida Social – Pesquisas Recentes no Brasil e na França, OpenEdition Press, 2016. [https://books.openedition.org/oep/1474 - acesso em 04 de janeiro de 2019].
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analisa dois deles, o Artfacts e o Kunstkompass, concluindo que fatores territoriais influem sobre a escolha dos nomes que são consagrados em tais listas, demonstrando, assim, que em sua maioria os artistas legitimados por tais rankings são homens, brancos, com mais de 50 anos de idade e que, ou nasceram ou vivem ou, ainda, possuem galerias que os representam nos Estados Unidos e/ou na Alemanha1 1 É relevante destacar que as listagens analisadas por Alain Quemin (2016) seguem metodologias distintas, as quais influenciam diretamente no resultado de cada ranking. No caso do Kunstkompass, que é uma lista alemã e oferece destaque a artistas atuantes no país e/ou com origem alemã, pontos são atribuídos a artistas em três ocasiões: 1) Exposições individuais em museus de arte contemporânea, mas levando em conta o prestígio da instituição, assim, uma exposição no MoMA, em Nova York, na Tate Modern de Londres, ou no Centro Georges Pompidou recebem mais pontos que exposições em instituições menos reconhecidas internacionalmente; 2) Exposições coletivas em bienais, museus e centros de arte contemporânea, igualmente, nesse caso, quanto mais reconhecida a instituição maior a pontuação recebida; e 3) Artigos em revistas de arte contemporânea, novamente, levando em conta o prestígio da publicação, sendo, por exemplo mais consideradas revistas como a Art Forum. Já no caso do Artfacts, é utilizada uma maior gama de instâncias qualificadoras das pontuações atribuídas, como: galerias de arte contemporânea, instituições públicas (que possuam ou não a sua própria coleção, sejam museus ou centros de arte), bienais e trienais, outros espaços de exposições temporárias, feiras de arte contemporânea, leilões, art hôtels, revistas, jornais e magazines de arte, livros de arte, escolas de arte, festivais, organizações sem fins lucrativos, instituições de gestão artística ou coleções particulares. Em virtude dessa amplitude de instâncias qualificadoras, o algoritmo criado pelo Artfacts atribui pontos em rede e, assim, artistas e instituições recebem pontuações, que também ganham pontos por sua reputação (para mais detalhes consultar: Quemin, 2016). .

O trabalho de Alain Quemin é retomado aqui justamente porque analisa uma das formas de legitimação presentes no campo da arte contemporânea, considerando em suas métricas a participação de artistas no circuito de museus e no mercado de arte. Assim, Quemin demonstra que para além das disparidades relativas à origem, também há diferenças entre os gêneros masculino e feminino em tais listagens. É dizer que, embora a questão de gênero não seja o foco principal de suas análises, o trabalho de Quemin aponta que mais homens que mulheres, igualmente artistas, são tomados anualmente como mais influentes no mundo das artes visuais2 2 Cabe demarcar que estas listagens excluem a questão da sexualidade dos/as/xs artistas que suas métricas específicas indicam como sendo mais importantes no mundo globalizado das artes visuais, uma questão relevante, mas que não figura nos rankings. . A pesquisa de Alain Quemin torna evidente que, no que diz respeito ao universo mais globalizado da arte contemporânea, artistas mulheres, de fato, possuem menor representatividade nessas listagens. No entanto, tais rankings são apenas um dos modos de legitimação e reconhecimento no campo artístico e, além disso, não demonstram outra parte da questão, aquela em relação ao processo de construção de carreiras, que é o foco deste trabalho. Questiono, então, se em termos de legitimação e reconhecimento, artistas mulheres em início de carreira estariam enfrentando as mesmas disparidades que artistas já consagradas. Ademais, aqui os dados discutidos referem-se ao contexto brasileiro e não a dados que tratam de certo caráter globalizado do universo artístico. Assim, ao enfocar a questão no contexto artístico brasileiro, é importante trazer alguns dados sobre sua especificidade.

A pesquisadora Ana Paula Cavalcanti Simioni tem demonstrado em suas pesquisas que no contexto de virada do século XIX para o século XX, artistas mulheres no Brasil enfrentaram processos de apagamento na historiografia da arte, como houve em outros contextos, como o francês (ver: Simioni, 2002). Mas, em relação ao contexto de regulações das artes moderna e contemporânea, é relevante abordar, neste momento, o texto recente de Simioni com a pesquisadora Bruna Fetter (2016), em que as autoras afirmam que as vertentes modernistas brasileiras foram mais inclusivas em termos de participação e reconhecimento de artistas mulheres. Fato que comprovam ao tratarem da recepção e reconhecimento que consagram artistas como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Lygia Clark e Mira Schendel, que são fortemente rememoradas pela historiografia da arte brasileira por serem fundamentais ao desenvolvimento das linguagens modernistas no país.

O artigo de Fetter e Simioni instiga o pensamento e demonstra a necessidade de atentar-se para os detalhes e minúcias do contexto local. Argumentam, então, a partir da presença de artistas brasileiras no mercado internacional, em que artistas mulheres brasileiras registram os maiores recordes em relação ao valor atingido por seus trabalhos no mercado, a exemplo de Adriana Varejão e Beatriz Milhazes (Simioni; Fetter, 2016Simioni, Ana Paula Cavalcanti; Fetter, Bruna. Brazilian Female Artists and the Market: a very unique encounter. Novos estudos CEBRAP (Online), v. 105, 2016, pp.241-255. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002016000200241 - acesso em 03 de janeiro de 2019].
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:245). Além disso, as autoras apontam para um fator interessante, que é a presença de artistas brasileiras em coleções. Tomando para análise cinco coleções, elas demonstram que acervos voltados à arte moderna e à arte contemporânea contam com maior presença de artistas mulheres comparativamente a períodos anteriores. Nesse sentido, Simioni e Fetter evidenciam que no contexto brasileiro as artistas mulheres são, de fato, comparando-se com outros países, mais reconhecidas em termos qualitativos e quantitativos (2016:248). No entanto, é preciso demarcar que nas coleções analisadas pelas autoras, a maior presença de artistas mulheres se dá na coleção do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), onde 28,09% do acervo são de autoria de mulheres. De tal modo, longe de ser uma situação de igualdade, considerando os dados quantitativos apontados pelas autoras, o contexto brasileiro após o surgimento da arte moderna conta com uma fortuna crítica e com o reconhecimento de artistas mulheres, vivas e já falecidas, o que, de fato, se diferencia de outros períodos da história da arte nacional, de outros contextos e mesmo de dados como os de Quemin, que perseguem a compreensão de um campo artístico em termos globais.

Enquanto o trabalho de Quemin (2016)Quemin, Alain. A distribuição desigual do sucesso em Arte Contemporânea entre as nações: uma análise sociológica da Lista dos ‘Maiores’ Artistas do Mundo. In: Quemin, Alain; Villas Bôas, Glaucia (org.). Arte e Vida Social – Pesquisas Recentes no Brasil e na França, OpenEdition Press, 2016. [https://books.openedition.org/oep/1474 - acesso em 04 de janeiro de 2019].
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indica a pouca presença de artistas mulheres nas listagens que buscam apontar anualmente xs principais artistas do mundo, Simioni e Fetter (2016)Simioni, Ana Paula Cavalcanti; Fetter, Bruna. Brazilian Female Artists and the Market: a very unique encounter. Novos estudos CEBRAP (Online), v. 105, 2016, pp.241-255. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002016000200241 - acesso em 03 de janeiro de 2019].
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demonstram que o contexto brasileiro tem suas particularidades e oferece, a partir do advento das linguagens modernistas, maior reconhecimento a artistas mulheres. Tomando o primeiro caso, fica patente a desigualdade do reconhecimento oferecido às artistas mulheres em relação aos artistas homens. No segundo, fica evidente que o contexto brasileiro necessita ser abordado, atentando-se para suas nuances finas. Ao mesmo tempo, ambas as pesquisas se voltam ao reconhecimento de artistas já consagradxs, o que as diferenciam deste artigo. Aqui, a partir das especificidades analisadas do contexto brasileiro, busca-se compreender como as artistas obtêm legitimação. Para isso, a pesquisa conta com a análise de seis editais e uma premiação, com foco sobre o gênero de jovens artistas que vêm sendo selecionadxs/indicadoxs em tais certames artísticos. Assim, as informações apresentadas acima somadas ao objeto deste artigo, as jovens artistas, suscitam a pergunta: as jovens artistas, no contexto brasileiro, enfrentam os mesmos processos de exclusão/invisibilidade vivenciados pelas mulheres artistas em outros períodos, e mesmo em um contexto mais global, para obterem sua legitimação?

Antes de partir aos dados desta pesquisa, proponho um breve retorno ao histórico da questão aqui abordada: a legitimação de mulheres que trabalharam/trabalham como artistas no mundo da arte.

1. Breve histórico da questão ou uma história de apagamentos

A partir da década de 1970, uma série de pesquisadoras, com uma perspectiva feminista, começou a tratar do esquecimento historiográfico acerca de mulheres artistas. Um texto fundamental nesse sentido, originalmente publicado em 1971, Why Have There Been No Great Women Artists?, de autoria de Linda Nochlin, propõe uma crítica feminista da história da arte como disciplina. Para Nochlin, a resposta ao questionamento que nomeia seu texto poderia, então,

[...] criar uma reação em cadeia, expandindo-se para abranger todas as pressuposições aceitas do campo e depois para abraçar a história e as ciências sociais ou mesmo psicologia e literatura e, assim, desde o início, desafiar as divisões tradicionais de investigação intelectual (Nochlin, 1973Nochlin, Linda. Why There Have Been no Gratests Women Artists? Art and Sexual Politics. New York, Macmilan Publishing Co, 1973, 2ª ed.:02, tradução do autor)3 3 No original: “[...] a chain reaction, expanding to encompass every accepted assumption of the field, and then outward to embrace history and the social sciences or even psychology and literature, and thereby, from the very outset, to challenge traditional divisions of intellectual inquiry”. .

O texto de Nochlin critica, portanto, a falta de fortuna crítica acerca de mulheres que atuaram como artistas no campo das artes visuais. Argumenta a autora que na história da arte não existia equivalentes femininos de artistas como Rembrandt, Henri Matisse, Paul Cézanne, Pablo Picasso, e mesmo em tempos mais próximos ao de sua escrita, como Andy Warhol ou Willem de Kooning, o que faria parecer que mulheres que trabalharam como artistas não teriam, desse modo, a mesma qualidade estética que seus colegas masculinos. De fato, o texto de Linda Nochlin é nevrálgico para se compreender o histórico processo de apagamento da atuação de mulheres artistas na seara das artes visuais.

Para demonstrar como se constrói socialmente o problema referente à legitimação e ao reconhecimento de mulheres artistas, Nochlin vai ao cerne da questão – o processo de formação de artistas que, durante séculos, impediu a plena educação de mulheres que atuaram no mundo da arte como produtoras de obras de arte. Portanto, atrelado à falta de fortuna crítica sobre as mulheres artistas que lograram produzir, expor e mesmo comercializar seus trabalhos, está o problema de sua formação. Do Renascimento ao final do século XIX, de acordo com a autora, mulheres eram impedidas de frequentarem aulas de modelo vivo, por incluírem nudez. Tais aulas eram basilares ao ensinamento de artistas em escolas públicas de arte que, a partir do estudo do corpo humano (desnudo), incrementavam suas habilidades e poderiam atuar em quaisquer gêneros de pintura que desejassem. Lembrando que a pintura histórica era o gênero por excelência e, em virtude das proibições enfrentadas por mulheres artistas, acabou sendo um gênero quase proibido a elas que, sem a formação adequada, muitas vezes atuaram em gêneros de pintura socialmente considerados menores, como a pintura de natureza-morta. Imagine-se também, nesse sentido, o efeito de tal proibição no caso de mulheres escultoras. Desse modo, a participação de mulheres artistas, por exemplo, nos salões de arte que, em especial no século XIX eram importantes espaços de exibição de trabalhos e legitimação de artistas, era baixa, frente à presença de artistas homens (consultar: Sofio, 2018Sofio, Séverine. Como ter Sucesso nas Artes sem ser um Homem? Manual para Artistas Mulheres do Século XIX. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros (71), São Paulo, 2018, pp.28-50. [http://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/152629/149113 - acesso em 04 de janeiro de 2019]
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).

Ademais, é preciso mencionar que quando as mulheres conseguem frequentar aulas de modelo vivo, já em fins do século XIX, as vanguardas artísticas, como o Impressionismo, passam a se voltar contrariamente aos ensinamentos e valores das Academias de Belas Artes. Ou seja, quando, após séculos de lutas, as mulheres logram obter acesso a uma formação completa em artes, os paradigmas artísticos mudam consideravelmente, no caminho do que veio a ser a chamada arte moderna (Mayayo, 2003Mayayo, Patricia. En busca de la Mujer Artista. In: Mayayo, Patricia. Historias de Mujeres, Historias del Arte. Madri, Cátedra, 2003, pp.21-87.:43).

A historiadora de arte Patricia Mayayo em En Busca de la Mujer Artista, capítulo de seu livro Historias de Mujeres, Historias del Arte (2003), retraça os caminhos de pesquisadoras, através de um viés feminista, em busca de correções históricas para conferir o devido lugar, na historiografia (ocidental) da arte, às mulheres que atuaram como artistas, incluindo também suas propostas teórico-metodológicas a fim de melhor abordar a produção artística de mulheres. Para isso, Mayayo retoma as discussões propostas por Linda Nochlin (1973)Nochlin, Linda. Why There Have Been no Gratests Women Artists? Art and Sexual Politics. New York, Macmilan Publishing Co, 1973, 2ª ed. e apresenta, por meio dos trabalhos de inúmeras pesquisadoras, um percurso desde a Idade Média até o século XX.

Reconhecendo a importância da recuperação histórica de nomes de artistas mulheres apagados da historiografia da arte, Mayayo acrescenta a pergunta: “É suficiente incluir o nome de mulheres artistas na história da arte para fazer uma história da arte feminista?” (2003:50, tradução do autor)4 4 No original: “¿Es suficiente añadir el nombre de las mujeres a la historia del arte para hacer una historia del arte feminista?” (Mayayo, 2003:50). . A autora parte, assim, para a apresentação das diferentes propostas teóricas e metodológicas acerca do assunto, pois, embora imprescindível, não bastaria apenas inserir os nomes das mulheres nos livros ou mesmo corrigir a atribuição de trabalhos produzidos por mulheres que foram atribuídos a artistas homens. Cabe, desse modo, rememorar o caso da tela Portrait de Mademoiselle de Val d’Ognes, de 1801. Em 1922, esse quadro foi adquirido pelo Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque, quando a obra era atribuída ao pintor Jacques-Louis David. No entanto, descobriu-se que a pintura era de autoria de Constance Marie Charpentier. Graças ao apagamento da assinatura da artista, a tela foi atribuída a David, porém, um crítico de arte pesquisando imagens dos antigos salões de arte que ocorriam na França descobriu que, de fato, a obra era de Charpentier. Com a mudança de atribuição da autoria, para a sua real autora, ainda na década de 1960, como explicita Mayayo (2003Mayayo, Patricia. En busca de la Mujer Artista. In: Mayayo, Patricia. Historias de Mujeres, Historias del Arte. Madri, Cátedra, 2003, pp.21-87.:37), a opinião dos críticos de arte, anteriormente elogiosos ao trabalho, variou sensivelmente. Destarte, ao tratar da tela, passaram a atribuir falhas e questões que o grande artista, David, em suas opiniões, não cometeria, sendo esse um exemplo essencial para responder ao questionamento posto por Mayayo, já que mesmo sendo fundamental a reescrita da história da arte, trazendo à luz artistas esquecidas e lhes atribuindo à correta autoria de trabalhos que, em verdade, já eram seus, o crivo da crítica muda ao incidir sobre a produção de artistas mulheres.

Nesse sentido, além de demonstrar os percalços e os apagamentos vividos por mulheres artistas ao longo dos séculos, Mayayo recupera discussões sobre as categorias utilizadas para se pensar sobre o campo artístico, indicando, por exemplo, a principal delas: a de genialidade que, sendo socialmente construída, é essencialmente masculina e, em virtude disto, produtora de exclusão de artistas mulheres. Reunindo diversas autoras, Mayayo (2003:66) traz um breve histórico da noção de gênio e demonstra como a categoria foi construída a partir e sobre uma perspectiva masculina. Indicando autoras que defendiam a desarticulação da noção de gênio, como Griselda Pollock e Rozsika Parker, e outras, como Cristine Battersby, que defendiam a ideia de se repensar a categoria para criar uma linhagem matrilinear da história da arte. Fato é que, além de séculos de dificuldades para se formarem artistas aprendendo o ofício em sua plenitude, das questões morais que impediam mulheres de atuarem socialmente a fim de construírem suas carreiras, a bibliografia apresentada por Patricia Mayayo (2003)Mayayo, Patricia. En busca de la Mujer Artista. In: Mayayo, Patricia. Historias de Mujeres, Historias del Arte. Madri, Cátedra, 2003, pp.21-87. ainda expõe o caso de que as categorias próprias da disciplina história da arte desfavoreciam a fortuna crítica sobre o trabalho de mulheres que trabalharam como artistas.

A quem possa pensar que as dificuldades e apagamentos vivenciados por artistas mulheres, até fins do século XIX, foram exclusivos de países europeus e dos Estados Unidos, é importante apresentar, brevemente, o estado da questão no que se refere ao contexto brasileiro. A pesquisadora Ana Paula Cavalcanti Simioni vem se dedicando à questão e seus trabalhos voltados ao trabalho de mulheres artistas na virada do século XIX para o XX demonstram semelhante apagamento e dificuldades impostas às mulheres artistas. Conforme ressalta Simioni,

Durante todo o período imperial (1822-1889) o “sexo frágil”, como era então denominado, não era aceito na instituição [a Academia Imperial de Belas Artes, principal instituição de ensino artístico à época], como ademais em todas as escolas consideradas superiores no Brasil. Apenas em 1892, já em tempos de República, com a lei que sancionava a abertura de cursos superiores às mulheres é que elas puderam passar a usufruir de uma formação equiparável à dos homens. Excluídas de uma sólida formação artística e do sistema de exibições e premiações organizado pela academia, as artistas eram tidas, então, como simples amadoras (2014:11, acréscimo do autor).

A noção de amadorismo projetada sobre as artistas brasileiras relegou-as ao mesmo tipo de formação precária em artes visto em outros contextos. Significa dizer que no Brasil como em outros países, a profissão artista era socialmente compreendida como essencialmente masculina, afinal, às mulheres era legado o espaço da má formação em artes e, por conseguinte, do amadorismo.

Cabe destacar o projeto A História da _rte (2017) que produziu um levantamento através da análise de onze livros frequentemente utilizados em cursos de graduação em artes visuais no Brasil. No total, o levantamento encontrou referência a 2.443 artistas, dos quais 2.222 (90,9%) eram homens e 215 (8,8%) eram mulheres5 5 Das quais apenas duas eram mulheres negras. – e acerca de seis artistas não obtiveram informações. No que diz respeito aos artistas homens, seus nascimentos se encontram no período entre 2655 a.C. e 1974, já às mulheres, seus nascimentos variam entre 1593 e 1971 (dentre estas, apenas quatro nascidas antes do século XIX). Esses dados corroboram, justamente, os argumentos aqui apresentados: denotam os percalços e dificuldades na construção de carreiras de artistas mulheres frente aos artistas homens, acarretando um apagamento de suas atuações. Além disso, é importante perceber que há uma naturalização da existência de artistas homens, enquanto que as mulheres artistas somente aparecem na historiografia da arte a partir do século XVI e, mesmo assim, algumas poucas6 6 [https://historiada-rte.org/resultados – acesso em: 17 de janeiro de 2019]. .

Do total de artistas encontrados no levantamento do projeto A História da _rte, apenas nove tinham origem no Brasil, dentre esses, apenas uma mulher: a brasileira Tarsila do Amaral que, ao lado de Anita Malfatti, é referência central do modernismo brasileiro. Voltando às pesquisas de Ana Paula Simioni, seus estudos de caso tratam, justamente, das mulheres artistas anteriores à Amaral e Malfatti, até então apagadas da história da arte brasileira. Dentre elas destaco a pintora Georgina de Albuquerque, pois de acordo com Simioni,

O mundo artístico brasileiro esteve, grande parte do século XIX, pautado pela referência à Academia Imperial de Belas Artes e ao sistema de valores artísticos por ela propagados. Por muito tempo, a pintura histórica foi concebida como o mais importante gênero, impondo-se sobre aquelas faturas menores, como o retrato, a natureza-morta, a paisagem etc. Entre os artistas nacionais que se dedicaram ao gênero não há sequer um nome feminino até 1922, ano emblemático, ao menos segundo uma historiografia da arte modernista, da “crise” do academismo. Somente então, num período de contestação direta da legitimidade da Academia como instituição propagadora de valores para o campo das artes, é que uma mulher se realiza no gênero. Refiro-me à tela Sessão do Conselho de Estado (1922) realizada por Georgina de Albuquerque (Simioni, 2002Simioni, Ana Paula Cavalcanti. Entre convenções e discretas ousadias: Georgina de Albuquerque e a pintura histórica feminina no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais (50), São Paulo, 2002, pp.143-159. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092002000300009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt - acesso em 04 de janeiro de 2019].
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:143).

Apesar de seu feito, logrando fazer carreira artística com honrarias, a trajetória e a produção de Georgina de Albuquerque foram apagadas. É nesse sentido que vemos em ação os mesmos processos de exclusão vivenciados por artistas mulheres em outros países.

Retomar, mesmo que brevemente, o estado da arte sobre os processos de legitimação e reconhecimento de mulheres artistas busca apresentar como durante séculos mulheres artistas foram relegadas ao esquecimento e mesmo quando obtiveram trajetórias profissionais com destaque em suas épocas, seus trabalhos, via de regra, eram tomados como inferiores em termos técnicos e estéticos frente aos de artistas homens. Destarte, este artigo que trata do processo atual de legitimação de jovens artistas mulheres parte do princípio de que historicamente mulheres enfrentaram maiores dificuldades para construírem carreiras artísticas legitimadas pelo universo da arte. Seria essa uma realidade que perdura até hoje, quase seis décadas após o surgimento da arte contemporânea? Através dos dados da pesquisa em que se baseia este artigo, apresentados posteriormente no texto, busco respostas a tal questionamento. Antes, porém, é preciso ainda explicitar, no item a seguir, os processos de legitimação de artistas após o surgimento da arte contemporânea, para que se tornem evidentes as hipóteses e metodologias da pesquisa.

2. Processos de legitimação em tempos de Arte Contemporânea

Os salões de artes surgiram ligados a instituições de ensino de artes no século XVI, mas foi na França, no século XVIII, que eles se tornaram espaços fundamentais para a legitimação de artistas. Eles possibilitavam a exibição de trabalhos de artistas já legitimados ao lado de artistas ainda em busca de legitimação. Neste sentido, eram espaços disputados por inúmeros artistas que ali buscavam construir suas carreiras e, pensando-se sobre o histórico do processo de legitimação de artistas mulheres acima apresentado, pode-se afirmar que poucas foram as artistas mulheres que deles participaram e mesmo obtiveram premiações (Sofio, 2018Sofio, Séverine. Como ter Sucesso nas Artes sem ser um Homem? Manual para Artistas Mulheres do Século XIX. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros (71), São Paulo, 2018, pp.28-50. [http://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/152629/149113 - acesso em 04 de janeiro de 2019]
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). Tais salões não foram exclusividade do campo artístico francês, sob a influência da Missão Artística Francesa que chegou ao Brasil no século XIX, o modelo de exibição e legitimação dos salões franceses de artes aportou no país. Assim, passaram a ocorrer, a partir de 1840, as chamadas Exposições Gerais, que sobreviveram no país até a década de 19907 7 Para mais detalhes acerca do histórico desta exposição que passou por inúmeras mudanças em seus quase 150 anos, inclusive em seu próprio nome, ver o livro de Angela Ancora da Luz: Uma breve história dos Salões de Arte – da Europa ao Brasil. Rio de Janeiro: Caligrama, 2005. . Deste modo, assim como no caso francês, no Brasil, inúmeros artistas importantes à historiografia da arte do país passaram por essa mostra, nomes como Victor Meirelles, Pedro Américo, Cândido Portinari, Cícero Dias, Djanira da Mota e Silva, Ana Letycia Quadros, Rubens Gerchman e Ivan Serpa figuram entre os artistas que expuseram nos salões brasileiros.

Com o advento da arte moderna em início do século XX, os ventos da mudança voltaram-se contrariamente aos cânones acadêmicos que regulavam as regras do campo artístico. As vanguardas europeias passaram a questionar o modelo das Academias de Belas Artes, inaugurando novos modos de produzir, exibir e mesmo contemplar os trabalhos artísticos. Estas mudanças também ocorreram no Brasil, especialmente a partir da década de 1920, com a gradual ascensão de vertentes modernistas. No entanto, mesmo com os efeitos das novas tendências artísticas surgidas com a arte moderna8 8 O Salão realizado em 1931, conhecido como Salão de 1931, Salão Revolucionário ou ainda Salão dos Tenentes, sob a direção de Lucio Costa, acirrou a disputa entre artistas acadêmicos e modernos, ao separar o Salão em dois espaços distintos, o dos acadêmicos e o dos modernos. Mas somente em 1941 se cria a Divisão Moderna do Salão. Ver: Luz (2005); Costa (1984). , os salões de arte não deixaram de existir no país.

Fato é que a sociedade sempre cuidou da renovação, legitimação e consagração de seus artistas. Neste sentido, os antigos salões de artes plásticas, em diversos países e também no Brasil, foram espaços de reforço das regras do campo da arte, como também de apresentação de novas linguagens artísticas, debates sobre a produção estética, divulgação e legitimação de artistas, sobretudo, dxs jovens. Presentemente, no contexto aqui abordado, o salão iniciado com a chegada da Missão Artística Francesa já não existe e novos modos de legitimação foram criados, mas o princípio de seleção parece pouco distinto, já que artistas seguem se inscrevendo em certames nos quais podem ser selecionadxs ou não, a fim de exibirem suas produções estéticas.

Argumento então que, com o surgimento da arte contemporânea, as regras do mundo da arte foram alteradas, se anteriormente as pinturas e as esculturas eram os meios artísticos por excelência, já em inícios do século XX com a produção de Marcel Duchamp, outros meios passaram a ser aceitos. Todavia, é a partir da década de 1960, com a arte contemporânea, que o campo da arte passa a contar com um maior número de artistas que produzem/iram trabalhos que deixam/ram de ter necessariamente um caráter objectual, podendo ser, por exemplo, performances, em que os corpos dxs artistas assumem a centralidade. Contudo, mesmo com tais transformações, mais inclusivas em termos de forma e conteúdo dos trabalhos artísticos, tenho como hipótese que selecionar, produzindo inclusões e exclusões, não deixou de ser um regramento do campo da arte, legitimando alguns nomes em detrimento de outros.

Hoje, conta-se com editais de instituições públicas ou privadas que promovem exposições, coletivas ou individuais, residências artísticas e premiações, e, com seus júris de seleção, elegem e legitimam alguns indivíduos e não outros. A seleção como princípio, portanto, perdura. É dizer, não basta que um indivíduo se autoproclame artista para que seja reconhecido como artista profissional, há instâncias de legitimação. Os editais, uma das várias instâncias qualificadoras do mundo da arte, consistem em chamadas públicas, como no caso dos salões, mas se antes artistas enviavam seus trabalhos diretamente aos júris, podendo ser incluídos ou não, no caso dos editais, artistas inscrevem suas produções de acordo com as regulações de cada certame, o que pode incluir o envio de imagens impressas em alta qualidade de seus trabalhos e/ou o envio de projetos específicos a serem realizados em cada evento artístico, entre outras possibilidades. Deste modo, o que, de fato, diferencia o circuito artístico brasileiro atual daquele dos salões é seu adensamento, contando-se hoje com uma maior quantidade de instituições legitimadoras como as bienais, o surgimento de inúmeras galerias de arte, museus, centros culturais, feiras de arte e publicações que, em conjunto, incrementam as possibilidades de legitimação de artistas e demais atores sociais profissionais da arte. Neste campo artístico mais denso e mais aberto a múltiplas linguagens e materialidades, permanece, entretanto, a seleção através de júris. Se anteriormente a prerrogativa de seleção e legitimação era quase exclusiva dos salões de artes, presentemente, os editais se tornaram abundantes, especialmente na virada do milênio, fazendo parte do cotidiano de artistas à inscrição em tais certames. Mas, o que busco argumentar é que com o adensamento do sistema artístico, com maior número de instâncias legitimadoras e mesmo de editais que permitem a construção/manutenção de carreiras artísticas, não significa que não haja a exclusão de artistas, trabalhos, linguagens e materiais. O campo da arte possui regras e a seleção permite que alguns indivíduos sejam incluídos, enquanto outros são deixados de fora.

Há, de fato, no campo da arte, uma multiplicidade de instâncias legitimadoras, que incluem a crítica de arte, a participação em exposições, a venda de trabalhos, estar em publicações e mesmo publicar textos, mas aqui focalizo os editais. Estes, que também são múltiplos, colocam em funcionamento parte das engrenagens do universo artístico. E, nesta pesquisa, são enfocados aqueles de arte contemporânea voltados a jovens artistas, artistas emergentes ou, ainda, artistas em início de carreira. Estas categorias são sinônimas e frequentemente aparecem em editais que, com distintas regulações, nem sempre definem especificamente quem sejam tais artistas emergentes ou jovens artistas.

Graças à dificuldade em definir a categoria jovem artista (e seus sinônimos), na pesquisa em que se baseia este artigo, seis editais e um prêmio para artistas emergentes foram analisados com o intuito de definir a categoria e compreender quem eram xs artistas que estavam sendo selecionadxs e legitimadxs pelo campo da arte contemporânea no Brasil. São eles: o Abre Alas, d'A Gentil Carioca (galeria situada no Rio de Janeiro), o Novíssimos, da Galeria IBEU/Instituto Brasil-Estados Unidos (situada no Rio de Janeiro), o Salão Anapolino de Arte, realizado pela Secretaria de Cultura da cidade de Anápolis (GO), o Prêmio PIPA, promovido pela parceria entre o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio) e o Instituto PIPA, o Programa Bolsa Pampulha, organizado pelo Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, a Casa B - Residência Artística, do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, localizado no Rio de Janeiro, e a Residência Artística Red Bull Station, situada na cidade de São Paulo. Cabe ainda dizer que outros poderiam ser os editais e premiações abordados na pesquisa, no entanto, estes foram tomados para análise, pois: 1) possuem uma abrangência nacional, ou melhor, ao menos em seus regulamentos são abertos à inscrição/indicação de artistas de todo o país; 2) voltam-se ao incentivo da jovem produção artística (não necessariamente em termos etários, como será discutido); 3) ocorreram no período tomado para análise, entre 2014 e 2017; e, em especial, 4) foi possível obter os dados dxs artistas que participaram destes certames através de catálogos, sites e mesmo com seus organizadores, o que não foi possível em outros casos.

Embora com regulamentos9 9 Os regulamentos e suas diferenças são pormenorizados na tese de doutoramento em que se baseia este trabalho (Marcondes, 2018). e propósitos distintos (já que três são editais que promovem exposições coletivas e outros três proporcionam residências, aos quais se soma uma premiação10 10 Neste caso, os/as/xs artistas não se inscrevem diretamente, como no caso dos editais, mas são indicados/as/xs por um comitê de indicação e aqueles/as/xs que aceitam participar do certame, concordando com seu regulamento, é que participam. ), todos os certames tomados para análise se voltam ao incentivo de uma jovem/nova produção artística. Todavia, apenas um caso especificava quem eram xs jovens artistas a quem se voltava11 11 O Programa Bolsa Pampulha especifica em seu edital: “(...) 3.3. Por se tratar de um Programa dedicado à produção emergente, o artista deverá enquadrar-se em pelo menos uma das situações abaixo relacionadas: a) ser nascido a partir de 1979 (inclusive) [ou seja, artistas com até 35 anos no ano de lançamento do edital]; ou b) ter realizado até 3 (três) exposições individuais; ou c) ter até 5 (cinco) anos de atividade artística, contando a partir da 1ª exposição” (Bolsa Pampulha, 2017:186, acréscimo do autor). . Neste sentido, tomando os catálogos que traziam a memória dos certames analisados12 12 Em dois casos não obtive acessos aos catálogos, no caso do Salão Anapolino de Artes, não pude obter catálogos de duas de suas edições, assim, em contato com os promotores da exposição, pude conseguir as fichas de inscrição dos/as/xs artistas selecionados/as/xs. Já no caso da Residência Artística Red Bull Station não obtive acesso a nenhum de seus catálogos, mas foi possível encontrar as biografias dos/as/xs artistas no site da residência. , foi possível encontrar as biografias dxs artistas que foram por eles selecionadxs e premiadxs entre o ano de 2014 e 201713 13 Há diferenças de periodicidade entre os eventos analisados, por exemplo, o Programa Bolsa Pampulha ocorre bianualmente, assim, conta com menos edições que os demais analisados. Em 2015, por exemplo, não ocorreu o Novíssimos. Bem como a edição de 2017 do Prêmio PIPA não foi incluída na amostragem, pois quando ocorreu o lançamento do catálogo da premiação, já havia sido concluída a etapa de levantamento de dados desta pesquisa. Fato é que tais diferenças implicam em que aqui não se tenha uma amostragem homogênea de dados em relação a cada um dos eventos, mas todos foram acompanhados e, todos os esforços possíveis foram efetivados para obter os dados relativos à cada edição. Para mais detalhes consultar: Marcondes, 2018. , tendo acesso, assim, a um total de 464 biografias de artistas. Em alguns casos, tratava-se de coletivos de artistas e as biografias por vezes traziam separadamente informações sobre xs integrantes, possibilitando contabilizar essas informações com os dados gerais da pesquisa, assim, algumas das informações a seguir apresentadas variam para mais de 464. Do mesmo modo, não foi possível encontrar as informações a serem compiladas em algumas biografias de artistas e, nestes casos, as informações foram categorizadas como “não inferido”.

A partir do levantamento e da compilação dos dados acerca das idades, dos locais (países, estados e cidades) em que viviam e trabalhavam xs artistas, de sua escolaridade e seu gênero, foi possível interpretar qual o perfil de artistas mais frequentemente selecionadxs pelos editais, o que permitiu a compreensão de que os jovens artistas não eram aquelxs que, necessariamente, tinham idades biologicamente e/ou socialmente compreendidas como jovens, sendo a categoria resultado do entrecruzamento entre idades e tempo de carreira dxssxs . Ademais, é importante frisar que xs artistas selecionadxs nesses certames são aquelxs que tem mais chances de conseguirem construir/manter carreiras na seara artística, sendo legitimadxs pelo campo. Participar de tais exposições e residências são os primeiros passos na construção de carreiras legitimadas, bem como ser indicadx ao referido prêmio é um passo na consagração de uma carreira que, mesmo em seu relativo início, já está sendo legitimada por sua inserção institucional e comercial no campo artístico. Isto porque, por meio de tais eventos, xs artistas cumprem as prerrogativas básicas do afazer artístico, exibem seus trabalhos, aprofundam-se no ofício através de programas de residência e logram obter prêmios como reconhecimento pela qualidade estética de suas produções. Recebem, portanto, o aval de especialistas que compõem os júris de seleção e que, com este poder decisório, definem quem será legitimadx ou será cortadx, ou ainda, quem será incentivadx ou desestimuladx a seguir buscando uma carreira legitimada pelo campo como artista profissional.

Por conseguinte, pôde-se constatar que xs artistas selecionadxs eram, em sua maioria homens, entre 25 e 35 anos de idade, com alto grau de escolaridade (sendo no mínimo graduados) e que viviam e trabalhavam nas capitais de São Paulo e Rio de Janeiro (gráficos 1, 2 e 3). Quanto ao gênero, as considerações serão apresentadas a seguir. Agora, em relação à idade, no conjunto de artistas alguns/mas possuíam mais de 60 anos, contudo, estes eram uma minoria, quase uma exceção (gráfico 4)14 14 Das 469 minibiografias analisadas (lembrando que em alguns casos foi possível compilar a informação sobre a idade dos integrantes de coletivos, por isso, estão aqui somadas chegando a 469 o total), 110 não continham informações sobre as idades dos artistas. Do restante (359), 171 artistas tinham idades entre 31 e 40 anos de idade, 102 estavam na faixa dos 21 aos 30 anos, 56 encontravam-se entre os 41 e os 50 anos, 23 tinham idades superiores a 50 anos, 4 artistas tinham mais de 60 anos. Apenas 3 artistas tinham até 20 anos. Entretanto, alterando as faixas etárias, constatou-se que 189 artistas tinham idades entre os 25 e os 35 anos, enquanto 106 encontravam-se entre os 36 e os 46 anos. Já em relação à escolaridade, de fato, exceção eram xs artistas que não possuíam graduação (gráfico 5)15 15 De um conjunto de 270 jovens, de que foi possível obter informações sobre o grau de escolaridade, 127 eram graduados, 60 mestres, 26 mestrandos, 17 tinham cursado pós-graduações lato sensu, 14 eram graduandos, 13 doutorandos, 6 doutores e 1 era pós-doutor. Ademais, 1 acabara de concluir o ensino médio, 2 se diziam autodidatas e 3 destacavam sua formação apenas através de cursos livres na área de artes visuais e 1 tinha curso superior incompleto. . E, em relação ao local de origem dxs artistas, pode-se pensar que a alta concentração de editais na região sudeste do Brasil é que fez com que na amostragem houvesse mais artistas de cidades sudestinas. Porém, é importante demarcar que os editais analisados são abertos a artistas de todo o país (alguns incluem também artistas de fora do país), mas na seleção e indicação de artistas, a região sudeste, notadamente a cidade de São Paulo, é privilegiada em tais nomeações e seleções. Digo isto, pois, apenas um dos editais analisados se situa na cidade de São Paulo e, ainda assim, é de lá que provém a grande maioria dxs artistas selecionadxs16 16 Do total de biografias analisadas (464) foi possível constatar que 371 indicaram o Brasil como país em que viviam e trabalhavam; e mais 23 indicaram viver em trânsito entre o Brasil e outros países. Assim, 394 artistas residiam no Brasil e 15 artistas residiam em outros países. Do total de artistas que indicaram viver e trabalhar no Brasil, informando a cidade e/ou estado, 42 deles viviam na região Centro-Oeste, 31 na região Nordeste, 27 na região Sul, 11 na região Norte e 275 na região Sudeste (apenas uma disse viver entre as regiões Norte e Nordeste e 3 entre as regiões Nordeste e Sudeste). Já em relação às cidades da região Sudeste do Brasil, em que viviam a maior parte dos artistas, a distribuição foi a seguinte: 24 indicaram o estado de Minas Gerais (com uma concentração na cidade de Belo Horizonte, onde vivam 21 artistas); 103 estavam localizados no estado do Rio de Janeiro (com uma concentração de 93 artistas que viviam na cidade do Rio de Janeiro); 138 viviam e trabalhavam no estado de São Paulo (dos quais 127 na capital paulista); apenas 1 participante vivia no estado do Espírito Santo, na cidade de Vitória; 6 viviam entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo; e, além desses, 2 viviam entre Belo Horizonte e o estado de São Paulo, 1 artista vivia entre Belo Horizonte e Salvador, mais 1 vivia entre Rio de Janeiro e Fortaleza, somando mais 1 que vivia entre Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, e, por fim, mais 1 vivia entre a cidade de Angra dos Reis (RJ) e São Paulo (SP). Como é possível notar, há uma clara concentração de artistas que indicaram viver e trabalhar no eixo Rio de Janeiro / São Paulo. Portanto, dos 278 artistas com residência na região Sudeste do Brasil (aos quais estão acrescidos os 3 que viviam entre a região Nordeste e a Sudeste), 252 indicaram viver e trabalhar nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. . Uma hipótese para isto é que São Paulo é a principal capital econômica do Brasil, a qual, por sua vez, possui o campo artístico mais estruturado do país, sendo a cidade em que artistas, sobretudo jovens artistas, pavimentam suas carreiras em contato com um circuito institucional e comercial da arte mais denso, que pode lhes legitimar enquanto profissionais.

Gráfico 1
: País de origem dxs artistas participantes dos editais e do prêmio analisados:

Gráfico 2
: Regiões de origem dxs artistas participantes dos editais e do prêmio analisados, considerando-se somente aquelxs que viviam/trabalhavam no Brasil ou se dividiam entre o país e outro, mas indicavam as regiões brasileiras em que viviam.

Gráfico 3
: Cidades do sudeste brasileiro em que viviam/trabalhavam xs artistas participantes dos editais e do prêmio analisados, considerando-se somente aquelxs que viviam/trabalhavam no sudeste ou se dividiam entre o país e outro, mas indicavam as cidades brasileiras em que viviam.

Gráfico 4
: Faixa etária dxs artistas participantes dos editais e do prêmio analisados.

Gráfico 5
: Escolaridade dxs artistas participantes dos editais e do prêmio analisados.

Este artigo dá centralidade ao processo de legitimação das jovens artistas, assim, no item a seguir, apresentarei os dados coletados acerca destas artistas. Como será possível constatar, em tempos de arte contemporânea, elas têm sido selecionadas e indicadas aos certames artísticos, mas há especificidades que necessitam ser apresentadas e debatidas.

O caso das Jovens Artistas

A coleta de dados dxs artistas participantes dos eventos analisados se deu através de catálogos, sites dos certames e fichas de inscrições, sendo assim, não lidamos com um material em que era trazida a autodeclaração dxs artistas acerca de seu gênero. Atento à problemática de atribuir gêneros dos quais os indivíduos não se identificam, busquei, através dos documentos analisados, compreender por meio dos textos das biografias, como xs artistas se referiam a si ou eram referidxs, analisando os pronomes pessoais e artigos utilizados em tais trabalhos. Desta forma, sem atribuir gêneros a partir dos nomes dxs artistas, pude compreender como se declaravam, não sendo possível inferir, no entanto, como se declaravam em termos de sexualidade, o que renderia uma nova pesquisa. Nos casos em que não foi possível inferir o gênero dxs artistas utilizou-se a categoria “não inferido”, isto porque, novamente, não busquei impor um gênero aos indivíduos que apareciam na amostragem. Um desses casos classificados como “não inferido” é de ume participante da edição de 2017, do Abre Alas. Sua biografia em português no catálogo descreve: “atualmente é graduando em Licenciatura em Teatro” (Abre Alas, 2017Abre Alas 13. Distribuído pela galeria. Rio de Janeiro, 2017.), contudo, a tradução para o inglês, presente no mesmo catálogo, traz o seguinte: “she is currently graduating in Theatre” (Abre Alas, 2017Abre Alas 13. Distribuído pela galeria. Rio de Janeiro, 2017.), fato que contribui para que, nesta pesquisa, estx artista seja classificadx como não inferidx.

Destarte, é importante demarcar que optei pela utilização do conceito de gênero ao invés de sexo, pois, parte-se da noção de que o sexo não determina a sexualidade e que gênero dá conta de um sistema de relações que também pode incluir o sexo. Faz-se, portanto, coro junto de Joan Scott que, em Genre: Une Catégorie Utile D’analyse Historique, escreveu:

O gênero é, [...], uma categoria social imposta a um corpo sexuado. Com a proliferação de estudos de gênero e sexualidade, o gênero tornou-se uma palavra particularmente útil, pois oferece uma maneira de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais para mulheres e homens. Embora os pesquisadores reconheçam a relação entre sexo e (o que os sociólogos familiares chamaram) de "papéis sexuais", esses pesquisadores não apresentam uma ligação simples ou direta entre os dois. O uso do "gênero" enfatiza todo um sistema de relações que pode incluir sexo, mas não é diretamente determinado pelo sexo ou determina diretamente a sexualidade (Scott, 1988Scott, Joan. Genre: Une Catégorie Utile D’analyse Historique. Genève, Cahiers du GRIF, Paris, 1988, pp.125-153.:129, tradução do autor)17 17 No original: “Le genre est, [...], une catégorie sociale imposée sur un corps sexué. Avec la prolifération des études des sexes et de la sexualité, le genre est devenu un mot particulièrement utile, car il offre un moyen de distinguer la pratique sexuelle des rôles sexuels assignés aux femmes et aux hommes. Bien que les chercheurs reconnaissent le rapport entre le sexe et (ce que les sociologues de la famille ont appelé) les “rôles sexuels”, ces chercheurs ne posent pas entre les deux un lien simple ou direct. L’usage de “genre” met l’accent sur tout un système de relations qui peut inclure le sexe, mais il n’est pas directement déterminé par le sexe ni ne détermine directement la sexualité” (Scott, 1988:129-130). .

Trazer a diferença entre o número de participantes masculinos e femininos em eventos artísticos voltados a jovens artistas implica também pensar sobre a distribuição social do poder, bem como de uma possível diferenciação no processo de legitimação de tais atores sociais, sendo eles homens ou mulheres. Tratando-se de jovens artistas, se poderia imaginar que ambos os gêneros são igualmente abarcados, mas, como visto historicamente, as condições de legitimação de homens e mulheres não foram as mesmas, sendo essa diferença o mote para, aqui, se focalizar na questão, com o intuito de averiguar se ela persiste ou já foi alterada.

Neste ponto, tendo explicitado o histórico da questão, a importância dos editais e as metodologias utilizadas na pesquisa, apresento os dados referentes ao gênero de jovens artistas participantes nas exposições, residências e no prêmio analisados. Os dados são apresentados nos gráficos a seguir, relativamente ao gênero dxs participantes em cada um dos eventos artísticos.

Tomados em conjunto, excetuando os casos de coletivos de artistas, dos quais não pude inferir o gênero de sxxs componentes, bem como os demais casos não inferidos, chega-se ao total de 458 artistas, 192 identificadas como pertencentes ao gênero feminino e 266 ao gênero masculino. Esta diferença para alguns poderia não indicar grande discrepância, já que há um conjunto considerável de jovens artistas mulheres sendo selecionadas por tais eventos. Entretanto, atentando-se para o histórico da questão brevemente apresentado, percebemos que permanece a tendência de artistas mulheres serem menos presentes que homens no circuito legitimado e legitimador da arte.

Em acréscimo, é preciso atentar para a sutileza dos detalhes apresentados nos gráficos e atrelá-los aos objetivos de cada um dos eventos artísticos. Três são editais para a participação em exposições coletivas em que xs artistas se inscrevem diretamente; três promovem residências artísticas em que artistas também necessitam inscrever-se para, porventura, serem selecionadxs; e um é o prêmio em que artistas são indicadxs e, ao concordarem com as regras do certame, podem concorrer. Nos casos das exposições coletivas e das residências artísticas, que se aproximam mais dos intuitos, regulamentos e procedimentos que regulavam os antigos salões de artes (uma das exposições analisadas leva, efetivamente, o nome de salão), a diferença entre artistas homens e artistas mulheres é mais sutil que no caso do prêmio analisado.

Vejamos mais aproximadamente os dados dos gráficos acima. No caso do Abre Alas (gráfico 6) em 2014, excetuando os casos já mencionados, 14 artistas eram mulheres e 12 homens; em 2015, 17 eram mulheres e 23 homens; em 2016, 9 eram mulheres e 9 homens; e, em 2017, 6 eram mulheres e 8 eram homens. No caso do Novíssimos (gráfico 7) a situação é bem parecida, em 2014, 11 eram as artistas e 5 os artistas; em 2016, 5 eram mulheres e 7 eram homens; e, em 2017, 7 eram mulheres e 5 eram homens. Já atentando aos dados do Salão Anapolino (gráfico 8), a tendência permanece, em 2014, 11 mulheres artistas e 9 homens artistas participaram da exposição; em 2015, 8 artistas eram mulheres e 12 eram homens; e, em 2016, 9 eram mulheres e 12 homens. Nos casos das residências (gráfico 9), o caminho permanece o mesmo, entre 2013 e 2016, o Bolsa Pampulha contou com 9 mulheres e 13 homens; a Casa B, em sua única edição, contou com 2 mulheres e 3 homens; e, a Residência Red Bull Station, em cinco edições analisadas, entre 2015 e 2017, 16 artistas eram mulheres e 17 eram homens. Estes dados apresentam uma realidade em que mulheres que atuam como artistas têm encontrado lugar nas exposições e residências, obtendo espaço para exibirem seus trabalhos nas exposições e aprofundarem seus conhecimentos artísticos nas residências e, quem sabe, serem legitimadas no mundo da arte.

Gráfico 6
: Gênero dxs artistas participantes das edições de 2014, 2015, 2016 e 2017 da exposição coletiva Abre Alas.

Gráfico 7
: Gênero dxs artistas participantes das edições de 2014, 2016 e 2017 da exposição coletiva Novíssimos.

Gráfico 8
: Gênero dxs artistas participantes das edições de 2014, 2015 e 2016 do Salão Anapolino de Arte.

Gráfico 9
: Gênero dxs artistas participantes das edições de 2014, 2016 e 2017 das residências artísticas: Programa Bolsa Pampulha, Casa B – Residência Artística e Residência Artística Red Bull Station. Aqui agrupadas pois o total de artistas participantes de cada edição é sensivelmente menor em cada edição destes programas.

Agora, tomando-se os dados relativos ao Prêmio PIPA (gráfico 10), único certame que funciona por meio de indicações por se tratar de uma premiação, a situação é diferente. Na edição de 2014, 22 artistas eram mulheres enquanto o dobro exato eram homens artistas, 44 no total. Em 2015, a mesma coisa, 22 artistas eram mulheres e 41 homens. Já em 2016, 24 eram mulheres e 46 homens. O Prêmio PIPA é, de fato, um caso diferente dos editais aqui abordados, trata-se de uma premiação que funciona a partir de um comitê de indicação, que a cada edição varia entre 20 e 40 profissionais das artes, que têm a prerrogativa de indicar até três artistas qualificadxs para concorrer ao prêmio, somente concorrendo os artistas que concordam com os termos da premiação18 18 Para mais detalhes sobre as regras do Prêmio PIPA, consultar: Marcondes, 2018 e o regulamento do Prêmio em seu site institucional [http://www.premiopipa.com/regulamento-2019/ – acesso em 10 de fevereiro de 2019]. . Cabe, então, acrescentar os dados referentes ao gênero dxs membros do comitê de indicação da premiação nas três edições analisadas: em 2014, de um total de 31 responsáveis por indicar artistas ao prêmio, 19 eram homens e 12 eram mulheres; em 2015, de um total de 26 membros, 16 eram mulheres e 10 eram homens; já na edição de 2016, o comitê de indicação contou com 17 homens e 13 mulheres. Dentre as edições analisadas, apenas a de 2015 contou com mais mulheres responsáveis por indicar artistas aptxs a concorrer ao prêmio, no entanto, nessa edição, como nas outras duas analisadas, como é possível ver acima, mais artistas homens que artistas mulheres participaram do Prêmio PIPA. Não são públicos os dados referentes às recusas ao certame, somente aqueles sobre xs artistas que realmente concorrem na premiação, assim, não é possível afirmar que artistas homens foram mais indicadxs que artistas mulheres, mas, sim, que mais artistas homens, mesmo em uma edição que contou com maior presença de mulheres no comitê de indicação, participaram da competição.

Gráfico 10
: Gênero dxs artistas participantes das edições de 2014, 2015 e 2016 do Prêmio PIPA.

O caso do Prêmio PIPA é de uma premiação, por conseguinte, uma instância legitimadora distinta dos demais editais analisados, pois artistas são indicadxs e não se inscrevem diretamente no certame. Pode-se dizer, por conseguinte, que artistas que concorrem ao Prêmio PIPA já possuem certa validação do campo artístico, e a premiação colabora para que pavimentem suas carreiras, não sendo o mesmo caso dos editais analisados, que podem, inclusive, ser a primeira chance de umx artista a exibir seus trabalhos. A análise efetivada não contou com outras premiações que funcionem como o Prêmio PIPA, sendo ele um caso desviante na pesquisa, mas seus dados podem indicar padrões distintos de legitimação para artistas em início de carreira. Efetivamente, é importante dizer, desconheço outra iniciativa brasileira como o PIPA que poderia ser analisada e comparada ao caso dessa premiação, em que o prêmio tem por missão o apoio a “novos artistas brasileiros”19 19 Sobre o Prêmio, ver [http://www.premiopipa.com/sobre-o-premio/ – acesso em 10 de fevereiro de 2019]. . Deste modo, mesmo sem dados acerca de outras premiações, o caso do Prêmio PIPA acerca das discrepâncias em relação a artistas homens e artistas mulheres participantes do certame, não poderia deixar de ser mencionado. Isto porque, enquanto nos editais as jovens artistas que inscrevem seus trabalhos têm encontrado espaço e, por vezes, são inclusive maioria em relação aos artistas homens, na premiação que envolve um comitê de indicação, seu espaço ainda é deveras diferenciado. Suas presenças têm sido, em média, metade dos indicados masculinos.

Todos os eventos analisados são espaços institucionalizados do campo artístico, alguns são de iniciativa pública e outros de iniciativa privada, mas, fato é que são parte do mundo da arte brasileira e através de seus editais auxiliam artistas a pavimentarem suas carreiras e obterem visibilidade no campo, podendo, por ventura, serem legitimadxs e lograrem carreiras de reconhecido destaque. Agora, ao se tratar de uma premiação, ela atua como um processo de legitimação distinto, não sendo apenas um oferecimento de espaço para que umx artista exiba seus trabalhos. No caso analisado, xs artistas são indicadxs por um comitê que assim lhes confere uma espécie de selo de qualidade, incentivando tais artistas a prosseguirem na construção de suas carreiras por estarem no caminho que tais jurados de indicação creem ser o melhor para o mundo da arte. E, justo nessa esfera de legitimação, distinta da dos editais analisados, as artistas mulheres ainda não têm a mesma presença que os artistas homens. Muito embora seja importante destacar que entre 2014 e 2016, as edições do PIPA ofereceram a principal premiação (que inclui uma residência no exterior e, até a edição de 2018, a aquisição de seus trabalhos pelo MAM-RJ) a duas mulheres e um homem20 20 Acrescente-se que em nove edições do prêmio, cinco mulheres e quatro homens receberam o prêmio principal, são elxs: Renata Lucas, na edição de 2010, a primeira do prêmio; Tatiana Blass, em 2011; Marcius Galan, em 2012; Cadu, em 2013; Alice Miceli, na edição de 2014; Virginia de Medeiro, em 2015; Paulo Nazareth, em 2016; Bárbara Wagner, no ano de 2017; e, Arjan Martins, em 2018. . Porém, é importante perceber que comparativamente ao total de jovens artistas homens, poucas jovens artistas mulheres puderam sequer concorrer na premiação – assim considerando-se por acreditar na hipótese de que menos artistas mulheres foram indicadas à premiação, o que precisaria ser confirmado junto aos dados relativos a recusas ao certame.

É importante acrescentar que ao concorrerem neste prêmio, artistas ganham uma página no site da premiação, com imagens de seus trabalhos e uma entrevista filmada sobre sua produção, assim, angariam maior visibilidade que artistas que não concorrem no certame. Consequentemente, obtêm-se uma vantagem em relação a artistas que não concorrem na premiação, afinal, a visibilidade é essencial, pois, ao exibirem seus trabalhos, cumprem a prerrogativa básica do afazer artístico. E, tratando-se de visibilidade, jovens artistas carecem enormemente de tal espaço, pois são ainda desconhecidxs e necessitam de espaço para serem reconhecidos pelos agentes e instituições legitimadores da arte e mesmo do público. Consequentemente, é possível dizer que, neste caso analisado, jovens artistas mulheres têm tido maiores desvantagens no que tangencia a questão da visibilidade, enquanto mais jovens artistas homens têm obtido esta vantagem que é a visibilidade.

Júris de seleção são responsáveis por mais que apenas dizer “sim” ou “não” para artistas, seu poder decisório pode definir se umx artista permanecerá ou não tentando construir sua carreira. Deste modo, os editais analisados de exposições e residências têm oferecido condições mais igualitárias para artistas homens e artistas mulheres, em termos da presença de ambos os gêneros. Agora, no caso da premiação analisada, a discrepância entre homens e mulheres artistas se mostra semelhante à presença de artistas homens e mulheres em coleções de instituições museológicas no país, a ver pelos já mencionados dados apresentados por Ana Paula Simioni e Bruna Fetter (2016) que, embora argumentem acerca de uma tradição que a partir do modernismo tem incluído mais artistas mulheres em relação a períodos anteriores, demonstram que artistas mulheres não são, efetivamente, uma maioria quantitativa, mesmo em acervos dedicados à arte contemporânea. Tratando-se de um caso em que artistas são indicadxs, como o da premiação analisada, pode-se pensar que artistas mulheres têm sido menos rememoradas e incentivadas.

Considerações finais

O trabalho de Alain Quemin (2013Quemin, Alain. Les Stars de l’Art Contemporain - Notoriété et Consécration Artistiques dans les Arts Visuels. Paris, CNRS Éditions, 2013.; 2016) que suscitou a provocação inicial deste artigo traz informações sobre a disparidade de reconhecimento de artistas mulheres em rankings internacionais, um dos modos atuais de legitimação de artistas. Entretanto, como indicam Ana Paula Simioni e Bruna Fetter (2016), o caso brasileiro possui suas especificidades e mulheres artistas, a partir da inserção das linguagens modernistas, comparativamente a períodos anteriores, passaram a receber maior reconhecimento na historiografia da arte do país. Mas, apesar das peculiaridades do contexto brasileiro das artes visuais, como também apontam as autoras, a presença de artistas mulheres em coleções não supera a presença masculina. De fato, os dados apresentados pelas autoras mostram que não chegam mesmo à metade, frente à quantidade de artistas homens nos acervos que analisam. No entanto, ambas as pesquisas tratam de instâncias que conferem reconhecimento e legitimam artistas com lastro em suas carreiras, artistas já consagradxs, o que diferencia seus trabalhos dos intuitos deste artigo, que se volta à compreensão do atual processo de legitimação de jovens artistas com centralidade à questão de gênero.

Os dados aqui apresentados, referentes à pesquisa acerca de jovens artistas (ver: Marcondes, 2018Marcondes, Guilherme. Arte e Consagração: Os Jovens Artistas da Arte Contemporânea. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia), PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018.), demonstram que artistas mulheres em inícios de carreira têm obtido espaço em exposições coletivas e residências artísticas. Todavia, ao se voltar ao prêmio analisado, a disparidade entre os gêneros é grande. Esse caso é aqui destacado, justamente, porque se trata de uma premiação que tem por missão:

Divulgar a arte, artistas no Brasil, e o MAM-Rio; estimular a produção nacional de arte contemporânea, motivando e apoiando novos artistas brasileiros (não necessariamente jovens [em termos biológicos]); além de servir como uma alternativa de modelo para o terceiro setor (acréscimo do autor)21 21 Retirado do site do Prêmio PIPA [http://www.premiopipa.com/sobre-o-premio/ – acesso em 20 de janeiro de 2019]. .

É neste sentido que se trata, aqui, sobre desvantagens no caso das artistas que buscam pavimentar suas carreiras no campo da arte brasileira. Esta premiação que focaliza jovens artistas, atestando a qualidade de seus trabalhos até mesmo em termos de investimento, lhes garantindo, no mínimo, visibilidade, conta com menos mulheres artistas sendo visibilizadas. Desta forma, a disparidade entre os gêneros tem efeitos no que diz respeito ao incentivo e, novamente, à visibilidade oferecida para artistas mulheres que buscam reconhecimento no campo artístico.

Efetivamente, a julgar pelos editais e mesmo a premiação analisados, artistas mulheres em início de carreira têm logrado espaço, o que indica a permanência de uma alteração iniciada, no caso brasileiro, nas primeiras décadas do século XX. Entretanto, artistas homens parecem seguir sendo privilegiados em detrimento de artistas mulheres. Especialmente tomando-se o caso da premiação analisada, neste caso, trata-se de uma instância legitimadora em que artistas são indicadxs, o que em muito se difere dos demais certames analisados, mas os dados sugerem que, em processos de seleção em que ocorre inscrição direta, os chamados editais, jovens artistas mulheres têm logrado inserção e legitimação de modo mais igualitário que o da premiação. Não é possível aqui generalizar o caso do Prêmio PIPA para a realidade de todas as instâncias legitimadoras de jovens artistas, e nem mesmo há no país outra premiação que funcione como o PIPA, para que pudéssemos comparar seus dados, mas enquanto prêmio, é importante demarcar que através dele se confere reconhecimento, o qual se dá pela confiança atribuída por pelo menos umx membro do comitê de indicação em umx artista e, ao que parece, nesta instância em que a possibilidade de participação é condicionada a indicação por parte de outros atores sociais da arte, a situação das mulheres artistas em busca de legitimação é mais desigual.

Em comparação com o histórico de apagamento vivenciado por artistas mulheres ao longo dos séculos, nos casos analisados, artistas mulheres em início de carreira já não sofrem com a impossibilidade de concorrem aos certames que visibilizam carreiras artísticas, mas em algumas instâncias as disparidades entre os gêneros parecem ainda permanecer – o que carece de novas pesquisas com foco em premiações. Não é possível, enfim, afirmar que o maior acesso à visibilidade por mulheres artistas perdurará, mas uma mudança se iniciou em inícios do século XX e hoje, quase cem anos depois, é possível constatar seus efeitos positivos no que diz respeito à legitimação de jovens artistas mulheres, ao menos no mundo da arte brasileira.

Referencias bibliográficas

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  • Luz, Angela Ancora da. Uma breve história dos Salões de Arte – da Europa ao Brasil Rio de Janeiro, Caligrama, 2005.
  • Marcondes, Guilherme. Arte e Consagração: Os Jovens Artistas da Arte Contemporânea. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia), PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018.
  • Mayayo, Patricia. En busca de la Mujer Artista. In: Mayayo, Patricia. Historias de Mujeres, Historias del Arte Madri, Cátedra, 2003, pp.21-87.
  • Nochlin, Linda. Why There Have Been no Gratests Women Artists? Art and Sexual Politics New York, Macmilan Publishing Co, 1973, 2ª ed.
  • Quemin, Alain. Les Stars de l’Art Contemporain - Notoriété et Consécration Artistiques dans les Arts Visuels. Paris, CNRS Éditions, 2013.
  • Quemin, Alain. A distribuição desigual do sucesso em Arte Contemporânea entre as nações: uma análise sociológica da Lista dos ‘Maiores’ Artistas do Mundo. In: Quemin, Alain; Villas Bôas, Glaucia (org.). Arte e Vida Social – Pesquisas Recentes no Brasil e na França, OpenEdition Press, 2016. [https://books.openedition.org/oep/1474 - acesso em 04 de janeiro de 2019].
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  • Scott, Joan. Genre: Une Catégorie Utile D’analyse Historique. Genève, Cahiers du GRIF, Paris, 1988, pp.125-153.
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  • Simioni, Ana Paula Cavalcanti. Memórias insuspeitas de uma artista brasileira: Julieta de França e a escrita de si. In: Baron, Lia; Reis, Nara (org.). Julieta de França – Lembrança de Minha Carreira Artística Rio de Janeiro, Coletiva Projetos Culturais, 2014, pp.11-18.
  • Simioni, Ana Paula Cavalcanti; Fetter, Bruna. Brazilian Female Artists and the Market: a very unique encounter. Novos estudos CEBRAP (Online), v. 105, 2016, pp.241-255. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002016000200241 - acesso em 03 de janeiro de 2019].
    » https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002016000200241

Referências da internet

Catálogos de arte

  • 1
    É relevante destacar que as listagens analisadas por Alain Quemin (2016)Quemin, Alain. A distribuição desigual do sucesso em Arte Contemporânea entre as nações: uma análise sociológica da Lista dos ‘Maiores’ Artistas do Mundo. In: Quemin, Alain; Villas Bôas, Glaucia (org.). Arte e Vida Social – Pesquisas Recentes no Brasil e na França, OpenEdition Press, 2016. [https://books.openedition.org/oep/1474 - acesso em 04 de janeiro de 2019].
    https://books.openedition.org/oep/1474...
    seguem metodologias distintas, as quais influenciam diretamente no resultado de cada ranking. No caso do Kunstkompass, que é uma lista alemã e oferece destaque a artistas atuantes no país e/ou com origem alemã, pontos são atribuídos a artistas em três ocasiões: 1) Exposições individuais em museus de arte contemporânea, mas levando em conta o prestígio da instituição, assim, uma exposição no MoMA, em Nova York, na Tate Modern de Londres, ou no Centro Georges Pompidou recebem mais pontos que exposições em instituições menos reconhecidas internacionalmente; 2) Exposições coletivas em bienais, museus e centros de arte contemporânea, igualmente, nesse caso, quanto mais reconhecida a instituição maior a pontuação recebida; e 3) Artigos em revistas de arte contemporânea, novamente, levando em conta o prestígio da publicação, sendo, por exemplo mais consideradas revistas como a Art Forum. Já no caso do Artfacts, é utilizada uma maior gama de instâncias qualificadoras das pontuações atribuídas, como: galerias de arte contemporânea, instituições públicas (que possuam ou não a sua própria coleção, sejam museus ou centros de arte), bienais e trienais, outros espaços de exposições temporárias, feiras de arte contemporânea, leilões, art hôtels, revistas, jornais e magazines de arte, livros de arte, escolas de arte, festivais, organizações sem fins lucrativos, instituições de gestão artística ou coleções particulares. Em virtude dessa amplitude de instâncias qualificadoras, o algoritmo criado pelo Artfacts atribui pontos em rede e, assim, artistas e instituições recebem pontuações, que também ganham pontos por sua reputação (para mais detalhes consultar: Quemin, 2016Quemin, Alain. A distribuição desigual do sucesso em Arte Contemporânea entre as nações: uma análise sociológica da Lista dos ‘Maiores’ Artistas do Mundo. In: Quemin, Alain; Villas Bôas, Glaucia (org.). Arte e Vida Social – Pesquisas Recentes no Brasil e na França, OpenEdition Press, 2016. [https://books.openedition.org/oep/1474 - acesso em 04 de janeiro de 2019].
    https://books.openedition.org/oep/1474...
    ).
  • 2
    Cabe demarcar que estas listagens excluem a questão da sexualidade dos/as/xs artistas que suas métricas específicas indicam como sendo mais importantes no mundo globalizado das artes visuais, uma questão relevante, mas que não figura nos rankings.
  • 3
    No original: “[...] a chain reaction, expanding to encompass every accepted assumption of the field, and then outward to embrace history and the social sciences or even psychology and literature, and thereby, from the very outset, to challenge traditional divisions of intellectual inquiry”.
  • 4
    No original: “¿Es suficiente añadir el nombre de las mujeres a la historia del arte para hacer una historia del arte feminista?” (Mayayo, 2003Mayayo, Patricia. En busca de la Mujer Artista. In: Mayayo, Patricia. Historias de Mujeres, Historias del Arte. Madri, Cátedra, 2003, pp.21-87.:50).
  • 5
    Das quais apenas duas eram mulheres negras.
  • 6
    [https://historiada-rte.org/resultados – acesso em: 17 de janeiro de 2019].
  • 7
    Para mais detalhes acerca do histórico desta exposição que passou por inúmeras mudanças em seus quase 150 anos, inclusive em seu próprio nome, ver o livro de Angela Ancora da Luz: Uma breve história dos Salões de Arte – da Europa ao Brasil. Rio de Janeiro: Caligrama, 2005.
  • 8
    O Salão realizado em 1931, conhecido como Salão de 1931, Salão Revolucionário ou ainda Salão dos Tenentes, sob a direção de Lucio Costa, acirrou a disputa entre artistas acadêmicos e modernos, ao separar o Salão em dois espaços distintos, o dos acadêmicos e o dos modernos. Mas somente em 1941 se cria a Divisão Moderna do Salão. Ver: Luz (2005)Luz, Angela Ancora da. Uma breve história dos Salões de Arte – da Europa ao Brasil. Rio de Janeiro, Caligrama, 2005.; Costa (1984)Costa, Lucio. Prefácio. In: Vieira, Lucia Gouvêa (org.). Salão de 1931 – Marco da Revelação da Arte moderna em Nível Nacional. Rio de Janeiro, Funarte, 1984..
  • 9
    Os regulamentos e suas diferenças são pormenorizados na tese de doutoramento em que se baseia este trabalho (Marcondes, 2018Marcondes, Guilherme. Arte e Consagração: Os Jovens Artistas da Arte Contemporânea. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia), PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018.).
  • 10
    Neste caso, os/as/xs artistas não se inscrevem diretamente, como no caso dos editais, mas são indicados/as/xs por um comitê de indicação e aqueles/as/xs que aceitam participar do certame, concordando com seu regulamento, é que participam.
  • 11
    O Programa Bolsa Pampulha especifica em seu edital: “(...) 3.3. Por se tratar de um Programa dedicado à produção emergente, o artista deverá enquadrar-se em pelo menos uma das situações abaixo relacionadas: a) ser nascido a partir de 1979 (inclusive) [ou seja, artistas com até 35 anos no ano de lançamento do edital]; ou b) ter realizado até 3 (três) exposições individuais; ou c) ter até 5 (cinco) anos de atividade artística, contando a partir da 1ª exposição” (Bolsa Pampulha, 2017Bolsa Pampulha 2015-2016. Belo Horizonte, 2017. https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/fundacao-municipal-de-cultura/2020/6a-edicao-bolsa-pampulha-2015-2016.pdf – acesso em 10 de janeiro de 2019
    https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/defa...
    :186, acréscimo do autor).
  • 12
    Em dois casos não obtive acessos aos catálogos, no caso do Salão Anapolino de Artes, não pude obter catálogos de duas de suas edições, assim, em contato com os promotores da exposição, pude conseguir as fichas de inscrição dos/as/xs artistas selecionados/as/xs. Já no caso da Residência Artística Red Bull Station não obtive acesso a nenhum de seus catálogos, mas foi possível encontrar as biografias dos/as/xs artistas no site da residência.
  • 13
    Há diferenças de periodicidade entre os eventos analisados, por exemplo, o Programa Bolsa Pampulha ocorre bianualmente, assim, conta com menos edições que os demais analisados. Em 2015, por exemplo, não ocorreu o Novíssimos. Bem como a edição de 2017 do Prêmio PIPA não foi incluída na amostragem, pois quando ocorreu o lançamento do catálogo da premiação, já havia sido concluída a etapa de levantamento de dados desta pesquisa. Fato é que tais diferenças implicam em que aqui não se tenha uma amostragem homogênea de dados em relação a cada um dos eventos, mas todos foram acompanhados e, todos os esforços possíveis foram efetivados para obter os dados relativos à cada edição. Para mais detalhes consultar: Marcondes, 2018Marcondes, Guilherme. Arte e Consagração: Os Jovens Artistas da Arte Contemporânea. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia), PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018..
  • 14
    Das 469 minibiografias analisadas (lembrando que em alguns casos foi possível compilar a informação sobre a idade dos integrantes de coletivos, por isso, estão aqui somadas chegando a 469 o total), 110 não continham informações sobre as idades dos artistas. Do restante (359), 171 artistas tinham idades entre 31 e 40 anos de idade, 102 estavam na faixa dos 21 aos 30 anos, 56 encontravam-se entre os 41 e os 50 anos, 23 tinham idades superiores a 50 anos, 4 artistas tinham mais de 60 anos. Apenas 3 artistas tinham até 20 anos. Entretanto, alterando as faixas etárias, constatou-se que 189 artistas tinham idades entre os 25 e os 35 anos, enquanto 106 encontravam-se entre os 36 e os 46 anos.
  • 15
    De um conjunto de 270 jovens, de que foi possível obter informações sobre o grau de escolaridade, 127 eram graduados, 60 mestres, 26 mestrandos, 17 tinham cursado pós-graduações lato sensu, 14 eram graduandos, 13 doutorandos, 6 doutores e 1 era pós-doutor. Ademais, 1 acabara de concluir o ensino médio, 2 se diziam autodidatas e 3 destacavam sua formação apenas através de cursos livres na área de artes visuais e 1 tinha curso superior incompleto.
  • 16
    Do total de biografias analisadas (464) foi possível constatar que 371 indicaram o Brasil como país em que viviam e trabalhavam; e mais 23 indicaram viver em trânsito entre o Brasil e outros países. Assim, 394 artistas residiam no Brasil e 15 artistas residiam em outros países. Do total de artistas que indicaram viver e trabalhar no Brasil, informando a cidade e/ou estado, 42 deles viviam na região Centro-Oeste, 31 na região Nordeste, 27 na região Sul, 11 na região Norte e 275 na região Sudeste (apenas uma disse viver entre as regiões Norte e Nordeste e 3 entre as regiões Nordeste e Sudeste). Já em relação às cidades da região Sudeste do Brasil, em que viviam a maior parte dos artistas, a distribuição foi a seguinte: 24 indicaram o estado de Minas Gerais (com uma concentração na cidade de Belo Horizonte, onde vivam 21 artistas); 103 estavam localizados no estado do Rio de Janeiro (com uma concentração de 93 artistas que viviam na cidade do Rio de Janeiro); 138 viviam e trabalhavam no estado de São Paulo (dos quais 127 na capital paulista); apenas 1 participante vivia no estado do Espírito Santo, na cidade de Vitória; 6 viviam entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo; e, além desses, 2 viviam entre Belo Horizonte e o estado de São Paulo, 1 artista vivia entre Belo Horizonte e Salvador, mais 1 vivia entre Rio de Janeiro e Fortaleza, somando mais 1 que vivia entre Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, e, por fim, mais 1 vivia entre a cidade de Angra dos Reis (RJ) e São Paulo (SP). Como é possível notar, há uma clara concentração de artistas que indicaram viver e trabalhar no eixo Rio de Janeiro / São Paulo. Portanto, dos 278 artistas com residência na região Sudeste do Brasil (aos quais estão acrescidos os 3 que viviam entre a região Nordeste e a Sudeste), 252 indicaram viver e trabalhar nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.
  • 17
    No original: “Le genre est, [...], une catégorie sociale imposée sur un corps sexué. Avec la prolifération des études des sexes et de la sexualité, le genre est devenu un mot particulièrement utile, car il offre un moyen de distinguer la pratique sexuelle des rôles sexuels assignés aux femmes et aux hommes. Bien que les chercheurs reconnaissent le rapport entre le sexe et (ce que les sociologues de la famille ont appelé) les “rôles sexuels”, ces chercheurs ne posent pas entre les deux un lien simple ou direct. L’usage de “genre” met l’accent sur tout un système de relations qui peut inclure le sexe, mais il n’est pas directement déterminé par le sexe ni ne détermine directement la sexualité” (Scott, 1988Scott, Joan. Genre: Une Catégorie Utile D’analyse Historique. Genève, Cahiers du GRIF, Paris, 1988, pp.125-153.:129-130).
  • 18
    Para mais detalhes sobre as regras do Prêmio PIPA, consultar: Marcondes, 2018Marcondes, Guilherme. Arte e Consagração: Os Jovens Artistas da Arte Contemporânea. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia), PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018. e o regulamento do Prêmio em seu site institucional [http://www.premiopipa.com/regulamento-2019/ – acesso em 10 de fevereiro de 2019].
  • 19
    Sobre o Prêmio, ver [http://www.premiopipa.com/sobre-o-premio/ – acesso em 10 de fevereiro de 2019].
  • 20
    Acrescente-se que em nove edições do prêmio, cinco mulheres e quatro homens receberam o prêmio principal, são elxs: Renata Lucas, na edição de 2010, a primeira do prêmio; Tatiana Blass, em 2011; Marcius Galan, em 2012; Cadu, em 2013; Alice Miceli, na edição de 2014; Virginia de Medeiro, em 2015; Paulo Nazareth, em 2016; Bárbara Wagner, no ano de 2017; e, Arjan Martins, em 2018.
  • 21
    Retirado do site do Prêmio PIPA [http://www.premiopipa.com/sobre-o-premio/ – acesso em 20 de janeiro de 2019].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2019
  • Aceito
    07 Mar 2019
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