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Preditores do desconhecimento do status sorológico de HIV entre puérperas submetidas ao teste rápido anti-HIV na internação para o parto

Predictors of unawareness of HIV serostatus among women submitted to the rapid HIV test at admittance for delivery

Resumos

O objetivo deste artigo é analisar fatores associados ao desconhecimento do status sorológico de HIV do pré-natal na internação ao parto. Estudo transversal realizado em 2006 em Hospitais Amigos da Criança do Sistema de Gestação de Alto Risco do SUS no município do Rio de Janeiro. Foram entrevistadas no alojamento conjunto 873 mães submetidas ao teste rápido anti-HIV no hospital. Razões de prevalência (RP) do desconhecimento do status de HIV foram obtidas por regressão de Poisson com variância robusta, com ajuste por características sociodemográficas maternas e familiares, da gravidez e de assistência pré-natal. A prevalência de status ignorado de HIV foi 32,2%. Baixa escolaridade materna, baixa renda materna, ter tido mais de um relacionamento no último ano, início tardio do pré-natal e baixo número de consultas pré-natais mostraram-se associados ao desfecho. O mais importante preditor do desconhecimento do status de HIV na internação para o parto foi o baixo número de consultas pré-natais. Recomenda-se a expansão da cobertura da testagem anti-HIV no pré-natal e a entrega de resultados em tempo hábil, com captação precoce da gestante e incremento no número de consultas, enfocando a clientela de baixo nível socioeconômico.

Assistência pré-natal; HIV; Sorodiagnóstico da AIDS; Estudos transversais; Sistema Único de Saúde


This article aims to analyze factors associated with unawareness of prenatal HIV serostatus at admittance for delivery. A cross-sectional study was performed in 2006 in "Friends of Children" Hospitals from the High-risk Pregnancy System, belonging to the Unified Health System, in Rio de Janeiro City. Data were collected through interviews applied to 873 rooming-in mothers submitted to a rapid HIV test at the hospital. Prevalence ratios (PR) of the lack of HIV serologic status were estimated by Poisson regression with robust variance, controlled by maternal and familiar socio-demographic characteristics, pregnancy and prenatal care. Prevalence of unawareness of HIV status was 32.2%. Mothers with low educational level, low-income, more than one relationship in the last year, enrolling late in prenatal care, and low number of prenatal visits were more likely to have unknown HIV status. The main predictor for unawareness of HIV serostatus at hospital admittance was the low number of prenatal visits. It is recommended that coverage of HIV testing during prenatal care be broadened with timely delivery of results, improving early access of pregnant women and increasing the number of prenatal visits, focusing on clients with low socio-economic level.

Prenatal care; HIV; AIDS serodiagnosis; Cross-sectional studies; Unified Health System


ARTIGO ARTICLE

Preditores do desconhecimento do status sorológico de HIV entre puérperas submetidas ao teste rápido anti-HIV na internação para o parto

Predictors of unawareness of HIV serostatus among women submitted to the rapid HIV test at admittance for delivery

Marcelo de Lima SoaresI;Maria Inês Couto de OliveiraII; Vânia Matos FonsecaIII; Alexandre dos Santos BritoIV; Kátia Silveira da SilvaIII

IPoliclínica Naval Nossa Senhora da Glória. R. Conde de Bonfim 54, Tijuca. 20520-053 Rio de Janeiro RJ. marcelosoares2@yahoo.com.br

IIDepartamento de Epidemiologia e Bioestatística, Instituto de Saúde da Comunidade, Universidade Federal Fluminense

IIIUnidade de Pesquisa Clínica, Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz

IVInstituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar fatores associados ao desconhecimento do status sorológico de HIV do pré-natal na internação ao parto. Estudo transversal realizado em 2006 em Hospitais Amigos da Criança do Sistema de Gestação de Alto Risco do SUS no município do Rio de Janeiro. Foram entrevistadas no alojamento conjunto 873 mães submetidas ao teste rápido anti-HIV no hospital. Razões de prevalência (RP) do desconhecimento do status de HIV foram obtidas por regressão de Poisson com variância robusta, com ajuste por características sociodemográficas maternas e familiares, da gravidez e de assistência pré-natal. A prevalência de status ignorado de HIV foi 32,2%. Baixa escolaridade materna, baixa renda materna, ter tido mais de um relacionamento no último ano, início tardio do pré-natal e baixo número de consultas pré-natais mostraram-se associados ao desfecho. O mais importante preditor do desconhecimento do status de HIV na internação para o parto foi o baixo número de consultas pré-natais. Recomenda-se a expansão da cobertura da testagem anti-HIV no pré-natal e a entrega de resultados em tempo hábil, com captação precoce da gestante e incremento no número de consultas, enfocando a clientela de baixo nível socioeconômico.

Palavras-chave: Assistência pré-natal, HIV, Sorodiagnóstico da AIDS, Estudos transversais, Sistema Único de Saúde

ABSTRACT

This article aims to analyze factors associated with unawareness of prenatal HIV serostatus at admittance for delivery. A cross-sectional study was performed in 2006 in "Friends of Children" Hospitals from the High-risk Pregnancy System, belonging to the Unified Health System, in Rio de Janeiro City. Data were collected through interviews applied to 873 rooming-in mothers submitted to a rapid HIV test at the hospital. Prevalence ratios (PR) of the lack of HIV serologic status were estimated by Poisson regression with robust variance, controlled by maternal and familiar socio-demographic characteristics, pregnancy and prenatal care. Prevalence of unawareness of HIV status was 32.2%. Mothers with low educational level, low-income, more than one relationship in the last year, enrolling late in prenatal care, and low number of prenatal visits were more likely to have unknown HIV status. The main predictor for unawareness of HIV serostatus at hospital admittance was the low number of prenatal visits. It is recommended that coverage of HIV testing during prenatal care be broadened with timely delivery of results, improving early access of pregnant women and increasing the number of prenatal visits, focusing on clients with low socio-economic level.

Key words: Prenatal care, HIV, AIDS serodiagnosis, Cross-sectional studies, Unified Health System

Introdução

Uma atenção pré-natal e puerperal qualificada e humanizada ocorre por meio da incorporação de condutas acolhedoras e sem intervenções desnecessárias e do fácil acesso a serviços de saúde de qualidade, com ações que integrem todos os níveis da atenção: promoção, prevenção e assistência à saúde da gestante e do recém-nascido, desde o atendimento ambulatorial básico ao atendimento hospitalar para alto risco. O Ministério da Saúde preconiza a realização de, no mínimo, 6 consultas de pré-natal, com a realização de exames laboratoriais como ABO/Rh, Hemoglobina/Hematócrito, Glicemia de jejum, Urina tipo 1, Sorologia para toxoplasmose, Hepatite B, VDRL e anti-HIV1.

A AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida) caracteriza-se por uma disfunção grave do sistema imunológico e é causada por um retrovírus denominado vírus da imunodeficiência humana (HIV)2. A testagem anti-HIV no pré-natal visa principalmente a prevenção da transmissão vertical do vírus. Esta é a principal via de infecção pelo HIV em crianças e ocorre através da passagem do vírus da mãe para o bebê durante a gestação, o trabalho de parto, o parto propriamente dito, ou através da amamentação. Cerca de 35% dessa transmissão ocorre durante a gestação, 65% no peri-parto3,4 e há um risco acrescido de transmissão através da amamentação entre 7% e 22%5.

O exame anti-HIV no pré-natal deve ser realizado através do consentimento da gestante após aconselhamento pré-teste, sendo o seu resultado entregue após aconselhamento pós-teste1. Atualmente, este exame é preconizado na primeira consulta de pré-natal, com repetição no início do terceiro trimestre, sempre que possível6. Em 2006, na época desta pesquisa, era preconizada a realização de exame anti-HIV no primeiro trimestre da gravidez, e sua repetição ficava dependente da gestante se enquadrar em critérios de vulnerabilidade. Assim, poderia ser realizado novo exame no final da gestação, ou no momento da internação para o parto, através do teste rápido anti-HIV1.

No cenário brasileiro vem sendo verificado um aumento gradual na cobertura efetiva do exame anti-HIV na gestação, passando de 52% no ano de 20027 para 62% em 20068. Estudos regionais indicam disparidades na prevalência desta testagem, tendo sido observada uma cobertura de 7,6% em municípios da Região Norte-Nordeste em 20029 e de 90,2% em Porto Alegre em 2000-200110.

Estudos que investigaram os fatores de risco para a não realização do exame anti-HIV durante o pré-natal no Brasil indicaram os fatores: adolescência, baixa escolaridade, desconhecimento prévio sobre a prevenção da transmissão vertical, cor de pele não branca, ser solteira, possuir vida sexual ativa durante a gravidez, realização de pré-natal na rede privada, baixo número de consultas pré-natais e realização da última consulta de pré-natal no 2º trimestre10-12.

Já para o não recebimento do resultado do exame anti-HIV no pré-natal, os fatores de risco encontrados em estudos brasileiros foram: possuir idade inferior a 35 anos, cor de pele não branca, baixa escolaridade, residir fora da região metropolitana ou em município pequeno, residir fora da Região Sul brasileira, ter realizado o exame no terceiro trimestre e ausência de aconselhamento7,8,13.

Diante da cobertura ainda insuficiente de testagem anti-HIV no pré-natal8, a investigação dos fatores associados ao desconhecimento do status sorológico de HIV na internação para o parto torna-se imprescindível. Assim, a compreensão acerca dos entraves ao conhecimento do diagnóstico de HIV do pré-natal poderá contribuir para uma melhor intervenção do governo, através de seus programas, para a prevenção da transmissão vertical do vírus, gerando maior ganho para a saúde e o bem-estar do binômio mãe-filho.

O objetivo deste estudo foi analisar os fatores associados ao desconhecimento do status sorológico de HIV entre puérperas internadas em alojamento conjunto submetidas ao teste rápido anti-HIV em Hospitais Amigos da Criança14 no município do Rio de Janeiro.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, que faz parte do projeto de pesquisa "Gênero, Poder e Cidadania: a mulher é sujeito no processo decisório da amamentação ao nascimento quando o status de HIV é ignorado pelo serviço?", aprovado pelos Comitês de Ética da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz. A população alvo da pesquisa foi composta por todas as mulheres que realizaram o teste rápido anti-HIV por ocasião do parto, internadas em regime de alojamento conjunto, no período de 11 de setembro a 11 de dezembro de 2006 nos cinco Hospitais Amigos da Criança pertencentes ao Sistema de Gestação de Alto Risco do Município do Rio de Janeiro15. Estes eram hospitais próprios do Sistema Único de Saúde. Os dados foram obtidos através de entrevista às mães no puerpério imediato mediante assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido.

Como o presente estudo visou investigar os fatores associados ao status sorológico ignorado de HIV do pré-natal, da pesquisa original15 foram excluídas as 82 mães que não haviam realizado qualquer consulta de pré-natal (8,6% das 955 mães entrevistadas), restando 873 mães para a análise.

A entrada de dados foi realizada por meio do programa Epi-Info® e a análise por meio do programa SPSS16®.

O desconhecimento (sim vs. não) do status sorológico de HIV do pré-natal foi considerado a variável desfecho neste estudo. A Figura 1 elucida as variáveis pesquisadas, dentro de um modelo teórico hierarquizado de determinação16 desse desfecho. Entre as variáveis de exposição, foram consideradas distais as sociodemográficas e as reprodutivas maternas: idade, cor da pele, escolaridade, trabalho, renda, presença de companheiro, número de relacionamentos no último ano, paridade, e as variáveis familiares: número de bens e renda per capita. As variáveis de exposição consideradas proximais foram características da gestação e de assistência pré-natal: gravidez planejada, trimestre de início do pré-natal e número de consultas pré-natais.

Figura 1.
Modelo teórico de determinação do desconhecimento do status sorológico de HIV do pré-natal, Município do Rio de Janeiro, 2006.

Primeiramente foi desenvolvida uma análise univariada para conhecimento do perfil das mães. Em seguida foi realizada uma análise bivariada entre cada variável de exposição, expressa de forma dicotômica, e o desfecho, o desconhecimento do status sorológico de HIV do pré-natal. Foram também realizados testes de hipóteses de qui-quadrado e obtidas razões de prevalência (RP) brutas com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). As variáveis de exposição que, na análise bivariada, mostraram-se associadas com o desfecho com nível de significância de até 20% no teste de qui-quadrado (p-valor < 0,20) foram selecionadas para a análise multivariada.

Razões de prevalência ajustadas foram obtidas por modelo de regressão de Poisson com variância robusta, pois o desfecho apresentou uma prevalência elevada17. A inclusão das variáveis no modelo seguiu uma abordagem hierarquizada16, sendo incluídas primeiramente as distais. Aquelas que atingiram um nível de significância de até 5% (p-valor < 0,05) permaneceram no modelo. Posteriormente, foram adicionadas as variáveis proximais, permanecendo no modelo final aquelas com um nível de significância de até 5% (p-valor < 0,05), assim como as distais selecionadas anteriormente.

Resultados

Da população do estudo formada por 873 mulheres, apenas 592 (67,8%) receberam o resultado de algum exame anti-HIV no pré-natal. Tinham status ignorado de HIV 281 mães (32,2%), por não terem realizado o exame (129 mães) ou por não terem recebido o resultado deste exame, apesar de o haverem realizado (152 mães).

Quanto às características das 873 mães, 27,0% eram adolescentes, 72,2% declararam-se de cor não branca e 41,1% não haviam completado o ensino fundamental. A maioria não exercia trabalho remunerado (52,0%) e 62,9% tinham uma renda menor que um salário mínimo vigente na época (R$ 350,00). Tinham companheiro 88,8% das mães, 8,8% tinham tido outro relacionamento no último ano, além do pai do bebê, e 41,7% eram primíparas. Dispunham de 0 a 3 bens no domicílio 37,0% das mães, tendo 83,4% das mães uma renda familiar per capita inferior ou igual a um salário mínimo. A maior parte das mães não teve uma gravidez planejada (66,9%) e iniciou o pré-natal no primeiro ou segundo trimestre da gravidez (87,8%). Realizaram 6 ou mais consultas de pré-natal 66,8% das mães.

Na análise bivariada as variáveis distais cor da pele, escolaridade, trabalho, renda materna, presença de companheiro, número de relacionamentos no último ano, paridade, número de bens e renda per capita mostraram-se associados ao desfecho com nível de significância de 20% (Tabela 1), bem como as variáveis proximais: gravidez planejada, número de consultas de pré-natal e trimestre de início de pré-natal (Tabela 2).

Tabela 1. Prevalência e Razão de Prevalência (RP) bruta do desconhecimento do status sorológico de HIV do pré-natal segundo características maternas e familiares, Município do Rio de Janeiro, 2006.

Tabela 2.
Prevalência e Razão de Prevalência (RP) bruta do desconhecimento do status sorológico de HIV do pré-natal segundo características da gravidez e da assistência pré-natal (PN), Município do Rio de Janeiro, 2006.

Na análise multivariada mostraram-se associados positivamente ao desconhecimento do status sorológico de HIV do pré-natal a baixa escolaridade e a baixa renda maternas, a mãe ter tido mais de um relacionamento no último ano, o início tardio do pré-natal e o baixo número de consultas pré-natais (Tabela 3).

Tabela 3.
Razão de Prevalência (RP) bruta e ajustada do desconhecimento do status sorológico de HIV do pré-natal segundo características maternas, da família e de assistência pré-natal (PN), Município do Rio de Janeiro, 2006.

Discussão

Apesar do exame anti-HIV estar disponível nos serviços pré-natais do município do Rio de Janeiro desde 199618, neste estudo, realizado dez anos depois, apenas 2/3 das mulheres estudadas fizeram o exame e receberam o seu resultado durante a gestação. Este cenário foi bem menos favorável do que o encontrado entre 2000 e 2001 em Porto Alegre19, onde praticamente 90% das puérperas haviam sido testadas no pré-natal. Em pesquisa nacional realizada em 2006 apenas 62,3% das parturientes brasileiras dispunham do resultado do exame anti-HIV da gestação na internação para o parto, sendo esta proporção de 85,8% na região Sul e de 73,7% na região Sudeste, tendo os piores resultados sido encontrados nas regiões Norte (45,9%) e Nordeste (40,6%)8. Em 2006, o Ministério da Saúde já preconizava que pelo menos um exame anti-HIV fosse realizado neste período, e que seu resultado fosse disponibilizado às gestantes mediante aconselhamento1. Os níveis encontrados, ainda insatisfatórios, de testagem para o diagnóstico do HIV no pré-natal, refletem oportunidades perdidas de prevenção da transmissão vertical, pois o diagnóstico precoce de HIV com o uso de drogas antirretrovirais na gestação, no trabalho de parto e pelo concepto podem reduzir a transmissão vertical a menos de 2%20.

No cenário internacional foram encontrados entraves à testagem anti-HIV no pré-natal de diferentes ordens. Nos Estados Unidos não dispor de plano de saúde21 ou ter lacunas no seguro saúde22 se mostraram barreiras importantes. Em Uganda foram identificados como entraves a indisponibilidade de serviços de testagem anti-HIV e a recusa à realização do exame, por medo ou pela ausência de benefícios percebidos pela mulher caso houvesse detecção de soropositividade, como a falta de tratamento gratuito e de leite artificial para seu filho23. Já no Sistema Único de Saúde brasileiro tanto o exame anti-HIV quanto o tratamento são gratuitos, e apesar deste exame ser de caráter voluntário1, são raros os casos de recusa entre gestantes10,12.

Para a presente investigação foram analisadas apenas as mães que tinham realizado ao menos uma consulta de pré-natal, para as quais poderia ter sido oferecido e realizado o exame anti-HIV com resultado disponível oportunamente na gestação. Caso as mães que não realizaram pré-natal tivessem sido incluídas na análise, o cenário encontrado seria ainda mais grave, passando de 32% para 38% o desconhecimento do status sorológico do HIV na gestação entre as mulheres submetidas ao teste rápido anti-HIV.

Cabe se considerar algumas limitações do presente estudo, como um potencial viés de memória quanto à realização do exame anti-HIV na gestação e ao período de sua realização, uma vez que estes dados foram obtidos por meio de entrevista às mães no puerpério imediato. Uma limitação à validade externa dos nossos resultados deve-se ao fato da população de estudo ter se restringido às puérperas submetidas ao teste rápido anti-HIV por ocasião do parto, que corresponderam a 28,5% da clientela internada em alojamento conjunto no período da pesquisa15. Provavelmente estas mulheres apresentavam um perfil de assistência pré-natal mais desfavorável, tendo por isso sido selecionadas para a realização do teste rápido anti-HIV. Outro aspecto a ser considerado é que em estudos transversais, nem sempre a relação temporal entre exposição e desfecho fica bem estabelecida. No entanto, na presente pesquisa as variáveis de exposição estudadas foram características maternas, familiares, da gestação e da assistência pré-natal, que precederam o desconhecimento do status de HIV na internação para o parto, sendo possível, portanto, considerá-las fatores de risco para o desfecho estudado.

Neste estudo, o mais importante preditor do desconhecimento do status de HIV da gestação foi o baixo número de consultas pré-natais, que gerou um aumento da prevalência do desfecho em 66%. Este resultado foi consistente ao encontrado no Zimbabwe24 e também em Porto Alegre10, onde as mães que realizaram menos de seis consultas pré-natais apresentaram uma prevalência do desfecho 2,7 vezes maior. Veloso et al.12, em estudo realizado em 12 cidades brasileiras, observaram que a realização de apenas uma ou duas consultas pré-natais dobrou a prevalência do desfecho. O segundo fator mais importante para o desconhecimento do status sorológico de HIV na gestação foi o início do pré-natal no terceiro trimestre, que aumentou a prevalência do desfecho em 49%. Ramos et al.13, em Recife, encontraram um resultado ainda mais desfavorável, o início do pré-natal no terceiro trimestre de gestação aumentando a chance do desconhecimento do status sorológico de HIV do pré-natal em 11,6 vezes. Quanto menos e mais tardiamente a gestante frequenta a assistência pré-natal, menos oportunidade tem de realizar os exames preconizados para a gestação e de receber seus resultados em tempo hábil.

Em nosso estudo não só a precária assistência pré-natal, mas também a vida sexual e o baixo nível socioeconômico contribuíram para o desfecho. A mulher ter tido outro(s) relacionamento(s) no último ano, além do pai do bebê, aumentou a prevalência do desfecho em 31%, de forma semelhante à identificada em pesquisa nacional11, onde as mulheres com vida sexual ativa na gravidez, apesar de mais vulneráveis, eram menos testadas para o HIV.

O ganho materno inferior a um salário mínimo aumentou a prevalência do desconhecimento do status sorológico de HIV do pré-natal em 44%. Nesta mesma pesquisa nacional11, conduzida para investigar oportunidades perdidas para a prevenção da sífilis congênita e da transmissão vertical do HIV foi encontrado um efeito dose resposta: quanto mais baixa a renda familiar, maior a chance da mulher não possuir sorologia para estes dois exames. A avaliação do programa de controle da transmissão vertical do HIV em maternidades do Projeto Nascer verificou que as parturientes com uma renda média per capita superior a R$ 400,00 apresentaram uma chance três vezes maior de terem sido testadas durante o pré-natal25. Também a baixa escolaridade das mulheres pesquisadas esteve associada a uma maior prevalência do desfecho, conforme descrito em estudos realizados no Brasil7,8,11-13,25 e na África24.

Um dos princípios do Sistema Único de Saúde é a equidade, ou seja, a prioridade na oferta de ações e serviços aos segmentos populacionais que enfrentam maiores riscos de adoecer ou morrer em decorrência da distribuição desigual de renda, bens e serviços26. Portanto, a clientela que deveria ser cuidada com mais atenção é justamente a que vem tendo menos acesso à sorologia de HIV na gestação.

Há, portanto, a necessidade do aprimoramento de políticas públicas para a redução das desigualdades sociais e de políticas de saúde voltadas para a captação precoce das gestantes para o pré-natal e de assistência humanizada com vistas à fixação desta clientela no pré-natal. Recomenda-se, também, que seja estendida a cobertura da testagem anti-HIV no pré-natal, sendo agilizado o processo de entrega dos resultados, para que a parturiente chegue ao hospital com status de HIV conhecido. Preferencialmente, a realização do exame anti-HIV deve ser solicitada na primeira consulta de pré-natal e este status sorológico deve ser confirmado no início do último trimestre de gestação6.

Colaboradores

ML Soares, MIC Oliveira, VM Fonseca, AS Brito e KS Silva participaram igualmente de todas as etapas de elaboração do artigo.

Artigo apresentado em 15/01/2012

Aprovado em 20/02/2012

Versão final apresentada em 19/03/2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Maio 2013

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2012
  • Aceito
    20 Fev 2012
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