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Comentários sobre o artigo A proteção social no Brasil: universalismo e focalização nos governos FHC e Lula

DEBATEDORES

Comentários sobre o artigo A proteção social no Brasil: universalismo e focalização nos governos FHC e Lula

Carlos Pereira

Department of Political Science, Michigan State University. pereir12@msu.edu

Começo destacando o esforço do autor de fazer uma análise comparativa da política social dos governos Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Lula. Nilson Costa desenvolve essa tarefa não trivial de forma isenta e analítica, procurando identificar, ainda que de forma descritiva, os caminhos e decisões que foram tomadas em relação à política social pelos últimos dois governos no Brasil.

Entretanto, dado que o artigo, ainda que de forma tímida, conclui que as políticas sociais do governo Lula não se caracterizam necessariamente por inovações, mas sim por manutenção e/ou ampliação das políticas originadas no governo anterior, o título do artigo não expressa o que me parece a sua principal contribuição. Por isso, seria interessante um título que capturasse esse resultado até certo ponto contra-intuitivo: "Inovação versus imitação: a política social brasileira dos governos FHC e Lula".

O artigo começa fazendo uma distinção entre duas agendas opostas de política social que surgiram na década de noventa no Brasil: a "perspectiva macroeconômica e a perspectiva institucionalista de proteção". Não fica claro, entretanto, o que tem de institucionalista na segunda agenda, bem com o que falta na primeira. Talvez fosse mais acurado chamar a primeira agenda de "minimalista" ou "secundária", pois esta tinha como eixo central o equilíbrio macroeconômico. Por outro lado, a segunda agenda poderia ser chamada de "inclusiva" ou "universalista", pois visava estender mecanismos de proteção social a todos os cidadãos.

Para além de uma questão meramente conceitual, o artigo destaca que duas visões de política social estavam em disputa no cenário político brasileiro. Digo "estavam" porque a segunda agenda foi praticamente derrotada nessas últimas duas décadas. Talvez a principal evidência dessa derrota possa ser constatada da assertiva do governo Lula, que vindo de um partido historicamente defensor de uma agenda universalista de proteção social, manteve e/ou ampliou as bases institucionais do arranjo de proteção social "minimalista" e "focalizado" já implementado pelo governo FHC.

O artigo critica, embora não de forma enfática, os defensores da agenda universalista de proteção social por não perceberem que o ajuste macroeconômico não apenas pretendia legitimação externa, mas também legitimação interna. O controle inflacionário e equilíbrio fiscal foram ganhos reais que a sociedade obteve com a agenda de ajuste, inclusive com repercussões sociais sobre a qualidade de vida e de renda dos mais pobres. Com o fim da inflação, o Brasil finalmente deixou se ser conhecido como o país do "freezer"; ou seja, além dos ganhos de previsibilidade e estabilidade, a população deixou de precisar estocar alimentos para se proteger da perda de valor do seu dinheiro. Qualquer governante que desviar de uma agenda de controle da inflação porá em risco a sua própria sobrevivência eleitoral. Esse foi o legado positivo que a hiperinflação deixou nos eleitores brasileiros.

Os estudos sobre ajuste macroeconômico destacam que essas políticas se tornam atraentes para os agentes externos quando são adotadas ações de austeridade fiscal sobre os gastos governamentais não financeiros, principalmente pelo controle do desempenho primário do conjunto do setor público. A austeridade no gasto público corria o risco de produzir, por um lado, sérios limites para as despesas com programa sociais nos países que optaram por uma agenda do ajuste macroeconômico. Mas, por outro lado, gerou ganhos reais de qualidade de vida dos mais pobres como consequência do equilíbrio macroeconômico.

Alguns pontos aqui merecem uma reflexão, pois paradoxalmente com o ajuste macroeconômico o governo não restringiu a universalidade de algumas políticas sociais (principalmente saúde e educação). Alguns podem argumentar que isto porque o custo político de reformá-las na constituição eram proibitivos. Contudo, os governos FHC e Lula conseguiram reformar minimante a previdência social, cortando alguns dos privilégios e impondo perdas a um conjunto de aposentados que passaram a pagar imposto. Por outro lado, outras políticas sociais (habitação, saneamento, infra-estrutura, etc.), foram simplesmente tratadas como resíduo. Ou seja, na ausência de choques internos e/ou externos, mais recursos eram alocados para essas políticas. Entretanto, na iminência de choques, todos os esforços foram concentrados na necessidade de manutenção ou ampliação de superávits primários.

Outra contribuição do artigo é reconhecer os limites das políticas desenvolvimentistas das décadas anteriores de crescimento acelerado da economia brasileira, pois estas não conseguiram oferecer respostas convincentes para o alívio da dívida social. Ou seja, na maioria das vezes, o crescimento econômico obtido era de curto prazo e não sustentável, bem como era acompanhado de inflação.

Entretanto, mesmo diante de um cenário econômico com restrições de toda a sorte, o artigo identifica uma nova agenda de política pública que buscou introduzir um conjunto importante de inovações no setor social, mesmo diante das restrições impostas pela necessidade do ajuste. As principais inovações de política social da década de noventa incluem o Programa Bolsa-Escola, o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério - Fundef, e o Fundo de Combate à Pobreza. O artigo argumenta que inovações de political sociais como estas foram possíveis em um ambiente de restrição graças à reestruturação das relações entre o executivo federal, na gestão FHC, com os governos estaduais e municipais, através da descentralização e o desenvolvimento de compromissos críveis na alocação de recursos nas áreas sociais. Nilson Costa, entretanto, ressalta que a relação positiva entre a agenda de ajuste macroeconômico com a descentralização das políticas de educação e saúde via vinculação de recursos deve ser interpretada com cautela.

O ponto fundamental do artigo, contudo, é entender que a agenda do ajuste macroeconômico não se contrapôs à agenda de proteção social, principalmente das políticas de saúde e educação. Além do mais, o artigo apresenta evidências claras de que a linha de atuação do governo Lula, principalmente a partir de 2004, consolidou e ampliou os programas de transferência de renda já criados no governo FHC.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
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