Open-access Racionalização e Construção de Sentido na Gestão do Cuidado: uma experiência de mudança em um hospital do SUS

Resumo

Este estudo buscou analisar processos organizacionais de mudança na gestão do cuidado hospitalar empregando avaliação qualitativa desenvolvida por estudo de caso. A pesquisa foi desenvolvida no Hospital Fornecedores de Cana de Piracicaba, no Estado de São Paulo, Brasil, em setembro e outubro de 2012. Foram realizadas 25 entrevistas com membros da alta direção do hospital, gestores e profissionais de saúde ligados à atenção ao paciente adulto, além da análise de documentos de gestão e observações de algumas atividades. Neste artigo é analisada parte dos resultados, recortando a mudança organizacional através de três eixos: processo de planejamento realizado nos setores assistenciais; a protocolização/criação de rotinas assistenciais buscando maior eficiência e segurança para o paciente; e o trabalho de médicos hospitalistas. O estudo evidencia a complexidade dos processos de mudança na esfera da gestão do cuidado em hospitais e o dinamismo entre uma dada concepção de gestão e suas ferramentas racionalizadoras e os sujeitos e grupos que buscam, nos processos micropolíticos e intersubjetivos, sentidos para suas práticas.

Gestão hospitalar; Organização do cuidado; Trabalho em saúde; Qualidade da assistência; Subjetividade e gestão

Abstract

This study aimed to analyze organizational processes of change in the hospital care management by using qualitative evaluation developed in the case study. The study was developed at the Hospital Fornecedores de Cana de Piracicaba, in São Paulo State, Brazil, in September and October of 2012. There were 25 interviews with members of the senior board of directors of the hospital, managers and health professionals linked to healthcare of adults, in addition to the analysis of managerial documents and observations of some activities. In this article it is analyzed part of the results, dividing the organizational change in three axes: the planning process developed in the healthcare sectors; The protocol/creation of assisted routines in order to obtain better efficiency and safety for the patient; and the work of hospitalist physicians. The study highlights the complexity of the processes of change in the care management sphere in hospitals and the dynamism between a given management concept and its rational tools and the subjects and groups that seek, in the micropolitic and intersubjective processes, meanings to their practices.

Hospital management; Care organization; Health work; Healh care quality; Subjectivity and management

Introdução

O debate sobre gestão em saúde no âmbito internacional e no Brasil destaca a importância da gestão hospitalar nas agendas governamentais, como corolário quase natural das políticas de contenção de gastos e busca de maior eficiência para o setor. A busca de um novo modelo de gestão – fundado em novas estruturas, regras, incentivos, ferramentas e práticas gerenciais que induzam serviços de saúde mais eficientes, com melhores resultados, oferecendo cuidado de forma segura e de boa qualidade – tem nos hospitais seu principal alvo1.

O tema da gestão, especialmente o da excelência e qualidade do cuidado nos hospitais, tem assumido um papel cada vez maior na agenda dos gestores, profissionais de saúde e usuários. Neste contexto, intensificam-se os estudos e as iniciativas de adoção de diretrizes e protocolos clínicos, de acreditação hospitalar, de definição de padrões e busca de maior segurança para os pacientes, entre outras medidas cuja finalidade é a qualificação da assistência hospitalar2-5. Do mesmo modo, na última década, temas como a integralidade da assistência, a produção do cuidado, o trabalho em equipe, o acolhimento e a humanização dos serviços de saúde vêm ocupando uma posição de crescente destaque nas discussões setoriais no país6-9.

A problemática da cooperação/pactuação entre os gestores e os agentes ou atores em geral envolvidos no setor saúde é um importante desafio em um cenário no qual a presença de conflitos de interesses e a fragmentação dos processos de atenção à saúde tem sido uma tendência1,3.

Envolvidos nesta discussão apresentamos o estudo desenvolvido no Hospital Fornecedores de Cana de Piracicaba (HFCP), hospital filantrópico de alta complexidade do SUS, que analisou a experiência de gestão do cuidado e as possibilidades de implementação de mudanças nos processos de trabalho e de melhoria da qualidade da assistência hospitalar, considerando a natureza complexa e multidimensional do cuidado em saúde. Este estudo é um recorte da pesquisa Avaliação de Experiências Inovadoras no Âmbito da Organização e Gestão da Atenção em Hospitais do SUS10. A primeira etapa da pesquisa baseou-se na busca ativa de experiências nos hospitais do SUS de todo o país, com 100 ou mais leitos, através de inquérito eletrônico, gerando um banco de dados com 239 hospitais. O objetivo central da pesquisa foi identificar e avaliar, nos hospitais do SUS, experiências de organização e gestão do cuidado voltadas para a melhoria da qualidade da assistência e para a introdução de inovações gerenciais neste campo. Destacaram-se os hospitais públicos e filantrópicos no desenvolvimento das iniciativas de gestão do cuidado; associados a melhores condições de gestão do cuidado obtiveram realce os processos de contratualização, acreditação e certificação.

Através do inquérito, a análise das experiências/iniciativas de organização/gestão e melhoria do cuidado implementadas procurou identificar, entre outras variáveis, seu escopo ou abrangência, as abordagens metodológicas ou estratégias e dispositivos de organização do cuidado adotados, as mudanças em nível da estrutura, dos processos ou dos resultados relativos à assistência hospitalar e, igualmente, eventuais mudanças, decorrentes, na missão ou perfil do hospital, na gestão do trabalho e nos modelos de gestão. Como elementos possivelmente condicionantes foram considerados a natureza jurídica do hospital, as características do modelo de gestão do hospital, os elementos selecionados do perfil assistencial e de complexidade do hospital e a inserção em políticas vigentes de certificação, acreditação e de incentivo à melhoria da qualidade do cuidado.

A pesquisa previu ainda uma avaliação qualitativa em profundidade, através da realização de estudos de casos, voltado à análise da singularidade dos processos organizacionais e dos desafios enfrentados na introdução de mudanças na forma de gestão e produção do cuidado. Os casos foram selecionados a partir das experiências/iniciativas de gestão do cuidado hospitalar levantadas através do inquérito. Para a seleção dos hospitais foram considerados os seguintes critérios gerais: a) iniciativas que expressem ou traduzam uma compreensão integral do cuidado; b) apresentem propostas, dispositivos e processos de intervenção favorecedores do aumento da responsabilização dos profissionais com a qualidade do cuidado, do trabalho em equipe e da autonomia dos pacientes; e c) experiências cujo processo de organização e gestão do cuidado tenha envolvido ou tenha tido impacto sobre o hospital como um todo (não restrito a um setor ou serviço isolado).

Foi considerado estratégico que os estudos de caso fossem realizados em hospitais gerais – pela abrangência do perfil assistencial e maior representatividade na realidade hospitalar – assim como definimos como segundo filtro a condição de o hospital possuir emergência. Chegamos à seleção dos 3 hospitais para estudo de caso, procurando contemplar hospitais que se destacaram na análise das iniciativas e também incluir diferentes situações quanto à natureza jurídica, modelo de gestão e região do país. Foi selecionado um hospital público, da SES/SP, administrado por uma OSS, um hospital filantrópico, também da rede de hospitais do SUS do Estado de São Paulo, objeto do presente artigo, e um hospital público, universitário, da Universidade Federal da Bahia.

Metodologia

O estudo se apoia teórica e metodologicamente nos seguintes referenciais do campo da gestão em saúde: (i) abordagens oriundas da perspectiva de avaliação da qualidade em saúde e voltadas para a melhoria contínua da qualidade, como a Acreditação, a Contratualização e a Gestão da Clínica/Governança Clínica, Segurança do Paciente3,4,11; (ii) abordagens que destacam a dimensão micropolítica e intersubjetiva da organização e gestão do processo de trabalho em saúde e da produção do cuidado sendo reconhecido o papel central dos sujeitos na produção do cuidado em saúde9,10,12-16.

O primeiro grupo de abordagens que em outro trabalho analisamos e denominamos “abordagens voltadas para a racionalização das práticas médico-hospitalares e melhoria contínua da qualidade”9 e que aqui, mais resumidamente, denominaremos “abordagens racionalizadoras”, busca a qualidade através de processos de racionalização das práticas médico-hospitalares e pauta-se pela criação de mecanismos mais poderosos de controle dos processos de trabalho no hospital, em particular aqueles relativos ao acesso e utilização de seus recursos assistenciais estratégicos, a terceirização de atividades e a forte ênfase na protocolização dos processos. Tornam-se centrais o redesenho dos processos de trabalho e atividades sistemáticas para reduzir riscos aos pacientes. Nesta perspectiva, a melhoria da qualidade é compreendida como um processo não apenas individual, mas, essencialmente, organizacional. No entanto, essas abordagens apoiam-se em uma visão estritamente racional e funcionalista da organização limitadas nas possibilidades de compreensão dos processos de mudança e da cultura organizacional9,17,18.

O segundo grupo de abordagens, que no trabalho já referido9 estudamos e denominamos “abordagens voltadas para a ampliação da clínica e pela centralidade do sujeito nas práticas de saúde”, procura respostas para uma crise de gestão e de assistência que, embora se volte para problemas globais, tem uma especificidade na realidade político-institucional e social brasileira. Este segundo eixo parte do reconhecimento dos limites da racionalidade sistêmico-estratégica de planejamento e do pensamento gerencial hegemônico para dar conta da complexidade e incerteza que marcam a vida das organizações de saúde e, especialmente, de organizações complexas como os hospitais. Nesta perspectiva são valorizados os elementos mais processuais do cotidiano e os processos micropolíticos, dialógicos e intersubjetivos como caminhos para construção de um projeto de mudança e qualificação da assistência9,10.

Incluímos nesta segunda tendência, abordagens que reconhecem a complexidade dos processos de mudança nas organizações de saúde e os compreendem como sociais e organizacionais de difícil controle, valorizando a dimensão relacional e intersubjetiva e grupal da gestão e do cuidado em saúde. Com esta preocupação buscamos autores que propõem a reconstrução do traço artesanal do trabalho clínico, a centralidade dos sujeitos no trabalho em saúde, e assim o reconhecimento da mobilização subjetiva dos trabalhadores, questão central para o aumento da responsabilização com o trabalho. Tal compreensão aponta para o delicado processo de coordenação do cuidado no hospital e para construção da cogestão, sendo centrais a autonomia dos trabalhadores e sua capacidade irredutível de produção de sentidos e de criatividade7-10,14,15,18,19.

Estabelecendo um diálogo com autores dessa segunda tendência empregamos o referencial da psicossociologia francesa15,20 que se apoia em uma perspectiva psicanalítica para compreender a organização e seus processos de mudança como uma realidade viva, na qual os sujeitos vivem seus desejos de afiliação, recusando-se a separar o indivíduo e o coletivo, o afetivo e o institucional. Destaca-se nesta perspectiva a posição do sujeito a partir do campo do inconsciente, do desejo e das demandas narcísicas de reconhecimento, mas também de sua capacidade de investimento, trabalho psíquico e constituição de laços sociais. Tal conceituação, embora reconhecida por Campos14, não foi por ele aprofundada e representa um caminho promissor no diálogo com outras leituras da subjetividade12,13. A abordagem psicossociológica adotada15 compreende a dimensão psíquica na sua articulação ao processo organizacional e experiências de pertencimento. Com estas preocupações ressaltamos a dimensão simbólica e imaginária que embasa subjetivamente o vínculo com o trabalho e com a organização, os processos intersubjetivos e grupais e suas implicações para a cooperação e a solidariedade. Destacamos, particularmente, a categoria de imaginário organizacional, considerada por Enriquez20,21 como um sistema de interpretação afetivamente investido, voltado para a construção de sentido, equivalente a um imaginário social comum que representa “aquilo que somos, aquilo que queremos vir a ser ...e em que tipo organizacão desejamos intervir ou existir”21.

No estudo aqui tratado procuramos examinar tanto o papel da perspectiva racionalizadora traduzida na adoção da acreditação como estratégia de mudança, como também a capacidade de mobilização subjetiva e investimento psíquico dos sujeitos e grupos no processo de mudança em curso.

A investigação no HFCP procurou identificar a abrangência das iniciativas de organização e Gestão do Cuidado no hospital e examinar as estratégias e os dispositivos de organização do cuidado adotados. Foram informadas no inquérito como iniciativas inovadoras do hospital: Gestão do paciente crítico; Médico hospitalista; Cuidados aos pacientes de alta dependência; Visita humanizada; Aparando Arestas; e, Projeto de combate ao Tromboembolismo venoso - TEV. O estudo empírico foi desenvolvido em setembro e outubro de 2012, contemplando a análise de documentos institucionais que fornecessem uma compreensão das mudanças nos processos de gestão e qualificação da assistência em desenvolvimento no hospital, como o relatório de gestão; a realização de 25 entrevistas com membros da alta direção do hospital, gestores e profissionais ligados à atenção ao paciente adulto e observações de algumas atividades assistenciais e educativas inovadoras voltadas para a qualificação do cuidado, como a visita humanizada no CTI e de atividades formativas de reflexões sobre a morte e o luto desenvolvido com a enfermagem. Buscamos, particularmente através das entrevistas, investigar os sentidos das práticas inovadoras para os gestores e profissionais.

A análise norteou-se pela compreensão das iniciativas inovadoras, dos dispositivos e instrumentos de gestão incorporados e dos desafios enfrentados na introdução de mudanças na gestão do hospital em sua articulação com a da atenção. Através das narrativas dos entrevistados, diretores, gestores intermediários e profissionais de saúde procuramos caracterizar as iniciativas e os instrumentos de gestão e explorar suas significações para esses atores institucionais. Para tanto, empregamos roteiros de entrevista com uma mesma orientação, mas com foco mais geral ou especifico para captar a visão dos diferentes escalões de gestão e dos profissionais que estão na prática assistencial, mas buscando privilegiar a narrativa livre dos entrevistados22. A análise se norteou pelo exame do papel das tendências racionalizadoras e sua articulação com as questões intersubjetivas nas práticas de mudança no HFCP.

Neste artigo analisamos parte dos resultados considerados a partir de três eixos: o processo de planejamento realizado nos setores assistenciais; a protocolização/criação de rotinas buscando maior eficiência e segurança para o paciente; e o trabalho de médicos hospitalistas. Os dois últimos se inserem em um projeto mais amplo de redução da mortalidade intra-hospitalar. Elegemos a área de atenção ao adulto para análise dos dispositivos gestão do cuidado22. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Ensp/Fiocruz.

Resultados e discussão

O hospital analisado

O HFCP, localizado no município de Piracicaba, é referência para região de 26 municípios pertencentes ao Departamento Regional de Saúde de Piracicaba, estado de São Paulo.

O HFCP, no período da pesquisa, contava com 268 leitos, além de 26 de UTI adulto, 9 de UTI neonatal/pediátrica e 10 salas de Centro cirúrgico, 270 médicos e 1367 “colaboradores” (demais profissionais de saúde). Estes são contratados pelo regime de CLT, enquanto os médicos de diversas especialidades o são como pessoa jurídica e, assim, como prestadores de serviços. Os pacientes do SUS representavam 60 a 70% do total e tinham acesso a todas as especialidades de internação. O HFCP apresentava boa estrutura física, tendo plano diretor de obras. O HFCP participava com 34% do total de leitos e 32% dos leitos intensivos da região. O hospital era referência para transplantes – renal, cardíaco TMO. A porta de entrada era formalmente regulada, com encaminhamentos da central de regulação do SUS22.

O hospital iniciou um processo de acreditação em 2006 através do programa de avaliação e melhoria contínua da qualidade do CQH (Programa de Controle da Qualidade Hospitalar), tendo alcançado em 2010 a certificação integral. Houve importante mudança no modelo de gestão e nos dispositivos de gestão do cuidado, gerando impacto no hospital como um todo. O organograma foi revisto, dividindo o hospital em três grandes áreas: Estratégica, Operacional e Técnica. As atividades finalísticas compõem a direção técnica e estão divididas em Gestão Crítica-emergencial, Clínica Cirúrgica e Materno-Infantil. Foram constituídos quatro colegiados de gestão, como novos dispositivos para comunicação e decisão envolvendo gestores e profissionais de saúde.

A mudança da estrutura organizacional no HFCP traduziu um novo modelo de gestão, passando a ter lugar central os espaços colegiados. Esperava-se através de um modelo de cogestão o aumento da participação na gestão da assistência e menor fragmentação do trabalho.

Considerando o contexto organizacional, é importante realçar o grande envolvimento do grupo gerencial com o processo de mudanças e de melhoria da qualidade, um esforço cotidiano. O desenvolvimento de lideranças foi um aspecto importante da experiência.

Planos de ação setoriais

O processo de planejamento estratégico anual se articulava à estrutura de colegiados de gestão e se baseou em critérios do CQH. Houve um componente de formação importante para seu desenvolvimento, já que toda a equipe de gestão foi treinada para trabalhar com indicadores, protocolos e planos de ação. Pauta-se na ferramenta SWOT que tem uma estrutura metodológica simplificada.

No âmbito dos serviços assistenciais, o planejamento centrava-se na elaboração de planos de ação. A construção de tais planos mostrou-se como processo institucionalizado favorável à discussão dos problemas em equipe sempre pautados pela busca de monitoramento, metas e indicadores. Relatórios de Atividade Mensal e indicadores estavam afixados em quadros nos respectivos setores.

A partir de diretrizes estratégicas os planos de ação eram elaborados pelas equipes de colaboradores de cada setor, coordenados pela enfermeira administradora, sendo posteriormente revistos pela gestora técnica da área assistencial e encaminhados para o 2º colegiado, dando continuidade ao planejamento ascendente do hospital.

Os gestores entrevistados apontaram para a melhoria no resultado dos indicadores e maior conhecimento dos setores especialmente pelas enfermeiras. No entanto, havia ainda pouco comprometimento dos médicos nos processos de discussão coletiva e de resolução de problemas junto às equipes de enfermagem e de apoio. Este profissional reservava sua participação para espaços de reunião de sua categoria profissional. Tal dinâmica dos médicos tem se repetido em outros estudos de hospitais14,23,24. Na UTI Geral, no entanto, uma maior articulação entre médicos e enfermeiras foi observada.

As “ações viabilizadoras” também nos despertaram atenção por sua natureza heterogênea. Se algumas envolviam regulação e formalização, outras indicavam ações na esfera interativa, com maior envolvimento do setor de psicologia, utilização de trabalho grupal com lideranças, entre outros recursos.

Contudo, se a construção dos planos para os setores assistenciais representou um empenho na busca da melhoria do cuidado, também mostrou seu limite. As “ações viabilizadoras” indicadas nos planos de ação, em muitos casos, eram limitadas para impactar problemas complexos e revelaram o peso que a gestão dos setores destinava à dimensão formal. Como exemplo, o problema de comprometimento com o trabalho, identificado no âmbito do setor de emergência, fora enfrentado com ações que poderíamos denominar normativas: “Reunião mensal com os supervisores das equipes” utilizando a ferramenta de qualidade FOFA (pontos fortes e pontos fracos) tendo como indicador para controle “Adesão aos protocolos e preenchimento dos impressos” sem considerar sua insuficiência para alterar as práticas profissionais.

Dada a complexidade do trabalho em Saúde18,19,25 depreende-se que ele demanda, para sua coordenação, um conjunto de ações interativas e apostas coletivas que vão além da solução objetiva e pragmática que o grupo pode apontar. Compreendemos que o encontro coletivo que se organiza em torno do plano, este sim, pode representar um esforço dialógico e de construção de um sentido grupal, favorecendo, portanto, o vínculo com o trabalho e funcionando como espaço de articulação psicossocial26.

Protocolização

A partir de orientações do processo de acreditação e da busca do selo de qualidade, mas também como demanda do planejamento estratégico, um conjunto de protocolos foi desenvolvido para o cuidado aos pacientes. Uma nova instância assessora foi criada no HFCP para construir rotinas e protocolos considerados fundamentais para que ... todos os serviços falem a mesma linguagem. [identificar] as próprias rotinas ainda falhas e não existentes ... Está escrito? Não... então vamos criar (gestor). Assim, para coordenar o trabalho e desenvolver a qualidade, buscava-se a formalização, pautada em normas técnicas e em regulação, expressando o ideal de trabalho em processos de acreditação/certificação3.

No âmbito do cuidado clínico cirúrgico destacavam-se os seguintes protocolos: (1) Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), (2) Triagem/atendimentos da equipe multidisciplinar, (3) relatório de ocorrências de Evento Sentinela, (4) Protocolo de avaliação do risco de tromboembolismo (TEV) e prescrição de profilaxia, (5) Escala de Braden (controle do risco de úlcera de pressão), bem como os protocolos identificados como (6) ‘Código Amarelo’ para intercorrências e (7) ‘Código Azul’ para parada cardiorrespiratória, acompanhados grande parte deles, por rotinas a serem seguidas.

Empregar tais instrumentos foi sendo reconhecido pelos profissionais como apoio e sustentação técnica:

É o 1º hospital que trabalho que tem todos esses protocolos. Em muitos que já passei, a enfermagem fica à deriva. Não tem um padrão para que você saiba qual é a técnica correta para cuidar do paciente (enfermeira)

o que é importante é fazer o hospital funcionar igual, de manhã de tarde ou de noite. Falo do ponto de vista de processos, por exemplo, de um cateter. A maioria dos processos envolve muito a enfermagem (médico).

O sentido de sobrecarga do trabalho também foi relevante:

Trabalhamos com o SAE. Cada enfermeira tem que fazer 22 SAE, é impossível. Ele dá uma direção para o técnico atender. Também não há desperdício de material. Seguem o que está escrito. Mais é muito papel (enfermeira).

Embora a adoção de protocolos represente a melhoria do cuidado pela via da padronização técnica, é preciso estar atendo para a consideração clínica de aspectos que diferenciam cada caso. Assim,

É um guia e o profissional não pode ser um robô [...] Por exemplo, protocolo de TEV tem que ser visto com critério, pois nem todo paciente vai entrar neste protocolo, mas nem sempre é entendido pela enfermagem. Se tem mais de 4 horas que ocorreu o evento, já não faz mais trombolítico. As vezes a enfermagem quer dar o disparo do protocolo (médico)

Os protocolos também procuraram agilizar o trabalho assistencial e cumprir a função de gerar autonomia e conceder poder à enfermagem. É assim no protocolo “equipe multi”. O HCP desenvolveu um formulário que possibilita à enfermagem demandar diretamente a avaliação/interconsulta de profissionais de nutrição, psicologia, serviço social, sem depender de uma solicitação médica.

Compreendemos que o conjunto de formulários/protocolos representa uma iniciativa racionalizadora para qualificar o cuidado, busca induzir o acompanhamento adequado ao paciente e favorecer o diagnóstico precoce. Através de uma abordagem psicossociológica destacamos que tais ferramentas de gestão cumprem também um papel subjetivo, de segurança e proteção psíquica e mediação dos profissionais no confronto com o paciente e seu sofrimento. Assim, podemos supor que os processos de padronização atendem a uma proposta estruturante e de segurança dos pacientes pela via de controle dos processos assistenciais, mas, ao mesmo tempo, pelos processos subjetivos que favorece. No plano intersubjetivo é preciso reconhecer também que as práticas de cuidado serão impactadas pela forma singular com que os profissionais interpretam subjetivamente as necessidades de cada paciente e constroem seus planos terapêuticos.

Médicos hospitalistas

A inclusão do médico hospitalista, nova função para os médicos generalistas que cuidam de pacientes internados25-27, representou uma inovação na gestão com a ampliação do suporte clínico ao paciente grave e a melhoria de fluxos. Essa iniciativa no HFCP ocorreu no contexto de criação da linha de cuidados ao paciente crítico, buscando integrar emergência, assistência clínica e UTIs e representando maior apoio às transições assistenciais.

A proposta de médico hospitalista compreende o exercício de funções organizacionais e assistenciais de coordenação do cuidado ao paciente internado, sendo reconhecida sua importância para respostas mais rápidas nas mudanças de estado clínico, melhoria da qualidade ao paciente internado, redução da fragmentação do cuidado médico, bem como maior eficiência27-29.

Através do médico hospitalista foram valorizados no HFCP aspectos da gestão e segurança do paciente, mas particularmente as características artesanais do trabalho de cuidado, próprias ao julgamento clínico.

O hospitalista faz o papel de guardião da enfermaria, ele pode fazer um papel no cuidado das intercorrências como ele pode gerenciar leitos, agilizar uma alta [...] então consegue ter um melhor do cuidado, no pós-operatório, uma alta mais precoce, com qualidade do tratamento (médico).

A gente identifica o paciente potencialmente crítico, o paciente que teve alteração neurológica, dispneia, febre alta, rebaixamento do nível de consciência, dor torácica. Identifica e comunica a enfermeira. [...] Esse paciente vai receber um pacote de medidas das 6hs e temos que dar andamento no cuidado, pois é o momento que salva (médico).

No HFCP, os hospitalistas também eram responsáveis em promover cuidados paliativos, estando entre suas atividades, o acolhimento e a comunicação com familiares e pacientes.

Os gestores e os profissionais se reconheceram no início de um processo que necessita muitos ajustes. No momento da pesquisa existia um coordenador e um hospitalista a cada 24hs cobrindo cerca de 150 leitos.

Tornando possível antecipar problemas e responder rapidamente às mudanças das condições do doente, supomos, a partir de uma compreensão psicossociológica, que o hospitalista figura imaginariamente como o “guardião da enfermaria” ou como aquele que está presente “no momento que salva” e ainda com a incumbência de acolher a angústia do paciente e familiar. Ele condensa e representa o investimento da gestão do hospital no cuidado clínico, em seus aspectos técnicos e gerenciais, mas também intersubjetivos.

Relação corpo médico e de enfermagem: mal-estar no trabalho

A relação médico-enfermagem, suas tensões e conflitos emergiram nas entrevistas. Surgiu uma clara compreensão de que a enfermagem cresceu em protagonismo na gestão e que havia dificuldades do médico em adotar o modelo pretendido, no qual a liderança da enfermagem tornou-se fundamental. Essas questões manifestaram-se como mal-estar no trabalho.

Acho que a alma de um hospital é a equipe de enfermagem. É uma relação historicamente difícil. As enfermeiras estão cada vez mais assumindo uma função proativa do que reativa no hospital. O médico está mais preocupado com a doença (médico- gestor).

As enfermeiras começaram a crescer as asas. Mas estamos tentando ajustar (médico- gestor).

Alguns protocolos e planos setoriais figuraram como instrumentos de fortalecimento do poder da enfermagem frente aos médicos. Mas estes pareciam resistir.

Quase toda a função administrativa está na mão do enfermeiro. O médico abriu essa lacuna e a enfermagem assumiu. Algumas funções têm que ser do médico. É difícil conseguir o médico que faça isso sem ganhar nada (médico).

Os conflitos expressavam um confronto entre as corporações e as dificuldades de interação. No entanto, indicavam também a complexidade e o papel paradoxal do poder da enfermagem frente ao poder usual dos médicos:

Com a enfermagem a gente observa que tem relações muito ríspidas. Aqui e em diversos hospitais a enfermeira está tomando um papel muito imperativo e muito agressivo com o médico. Por exemplo, ontem tinha um paciente numa enfermaria que estava dispneico, uma auxiliar falou com um médico que estava passando visita, ele respondeu que não era hospitalista, neste momento chegou o hospitalista no quarto. Ela saiu dizendo que o médico se omitiu em atender o paciente. Eu ouvi isso. Uma desconfiança. Como se fosse uma relação de inimigo. [...] O médico de ontem queria até sair do hospital (médico).

As vezes pega-se pesado demais. Enfermagem muito dura com o médico. Enfermagem tem um link direto com a alta gestão, causando mal-estar no médico. Mas muitos médicos com baixo senso de responsabilidade foram tirados do hospital corretamente e por causa da avaliação da enfermagem (médico).

A enfermagem mostrou sua versão das tensões: Os médicos não ouvem os enfermeiros. Nós damos tudo mastigadinho e eles não colhem as informações. Antes eles humilhavam a enfermagem. Os médicos mais novos têm a cabeça mais aberta. Os médicos novos abordam a enfermagem e perguntam sobre o paciente. Os hospitalalistas chegam e perguntam – temos uma comunicação melhor. Antes, os médicos assistentes chegavam a desligar o telefone na nossa cara. [...] A melhoria da assistência de enfermagem favoreceu a melhoria da relação com os médicos, melhorou o vínculo com o médico.

Embora por vezes o mal-estar seja atribuído a problemas de comunicação, depreende-se que existem questões mais complexas, relativas às bases de construção do poder13 e aos aspectos intersubjetivos, seja o lugar simbólico de cada corporação e de cada profissional, as demandas de reconhecimento de cada grupo e dos sujeitos, bem como as possibilidades de estabelecimento de relações confiança e cooperação15 entre médicos e enfermeiros.

Entre as iniciativas analisadas, a protocolização, enquanto rotinização e padronização dos processos de trabalho assistenciais é uma dimensão bastante coerente com a perspectiva da Acreditação, procurando garantir, a partir de uma lógica racionalizadora9,10, a adoção de padrões de qualidade e segurança na produção do cuidado, somando-se à agilização do processo assistencial. Se é importante reconhecer que a estratégia de protocolização e criação de rotinas procura enfrentar problemas relevantes e já bem identificados nos hospitais brasileiros11, como a não aplicação de procedimentos recomendados, o não uso de tratamentos profiláticos e as demoras no tratamento, por outro lado, é necessário considerar também o sentido de sobrecarga de trabalho e especialmente de controle do processo de trabalho18, funcionando, no caso dos médicos, como interferência na autonomia, dificultando a adesão e a implementação. É claro que a busca de definição do trabalho prescrito29 advém da tentativa de maior coordenação e responsabilização dos profissionais para com a qualidade do trabalho, mas esse propósito não elimina as contradições entre o trabalho prescrito e o real do trabalho11.

O tema da autonomia profissional, por um lado, e da responsabilização, por outro, representam pontos de tensão nos esforços de coordenação do trabalho em equipe multiprofissional, aliada às dificuldades próprias ao trabalho hospitalar que vem se mostrando extremamente fragmentado e especializado9,18. No caso estudado, a estratégia racionalizadora, em nome da qualidade e segurança dos processos, cumpre uma função indutora e de suporte que é mais efetiva para a enfermagem. Para os médicos surgem dúvidas quanto à potência da padronização de formulários como estratégia para aumentar o comprometimento com a qualidade da assistência. É importante frisar que estamos aqui tratando de formulários/protocolos e rotinas que buscam padronizar processos sendo importante diferenciá-los de diretrizes clínicas que são recomendações sistematicamente desenvolvidos para orientar médicos e pacientes acerca dos cuidados de saúde em circunstâncias clínicas específicas4.

Apoiados na abordagem psicossociológica das organizações20, vislumbramos a partir do estudo realizado, a constituição do que denominamos um imaginário dominante30 no qual o desenvolvimento organizacional, a qualidade e a excelência associam-se a imagens do hospital como uma engrenagem, na qual trabalho prescrito teria um valor acima de qualquer outro.

O planejamento estratégico pareceu representar uma dobra entre duas imagens relativas à mudança: de um lado, a programação racional, o desenho de ações para enfrentar problemas; de outro, o debate com profissionais da ponta para buscar monitoramento e soluções. Embora a formalização de ações de planejamento seja reflexo do “imaginário da engrenagem”, ele representa, ao mesmo tempo, um caminho dialógico31 e de mediação26 entre esses universos – o das ações que engendram prescrições e o dos processos que são de uma esfera mais interativa, grupal, representando a busca de acordos entre os profissionais e o trânsito entre cada sujeito e o grupo, com suas apostas intersubjetivas para melhoria do cuidado.

Vemos então ao lado do imaginário da engrenagem outras significações imaginárias relativas à mudança organizacional. Neste sentido emergiram os aspectos subjetivos, interativos e de suporte grupal, como elementos a serem melhor considerados na gestão do cuidado.

O médico hospitalista representou outra estratégia de mudança na gestão do cuidado, na qual se reforça a atenção clínica e a coordenação, representando um caminho para coordenação do trabalho da enfermagem, de médicos assistentes e especialistas. Talvez esse novo personagem na vida do hospital, com atividades bem definidas, represente a esperança de certo apaziguamento de conflitos e apoio psíquico aos trabalhadores que, na produção da atenção ao paciente, enfrentam um cotidiano de pressões e riscos. O trabalho dos hospitalistas mostrou, então, simultaneamente, forte dimensão técnica, clínica, gerencial e também interativa.

Deve ser realçada, ainda, a função do médico hospitalista enquanto suporte à família visando “redução da angústia”, sendo então considerado o sofrimento psíquico como fator importante no cuidado. Poderíamos supor que o hospitalista estaria encarnando, do ponto de vista da organização do trabalho, o papel de protagonista da melhoria da qualidade, de possível tranquilização para os profissionais do cuidado, expressando outros imaginários que convivem com o da engrenagem. Estaríamos no campo do julgamento e da ação clínica, do trabalho em saúde em seu eixo artesanal e que requer autonomia18, sendo valorizados aspectos interativos e que expressam também preocupações com a humanização do cuidado. No entanto, tudo isso mesclado com busca da redução da mortalidade, maior eficiência no uso de recursos, melhores fluxos, com protocolos, evidenciando então a simultaneidade da dimensão normativa e racionalizadora e da dimensão interativa e intersubjetiva, seja com profissionais ou pacientes.

Analisando as iniciativas em conjunto, deve ser ainda realçada a busca de dispositivos coletivos, seja para o planejamento, o monitoramento ou a tomada de decisões. Esse parece um caminho promissor, reconhecendo que a incorporação de novas práticas é um processo longo e necessariamente coletivo. Assim, reuniões regulares, colegiados e discussões de caso mostraram-se como estratégias fundamentais no processo estudado.

Na análise das organizações e do trabalho em saúde vem sendo valorizados os dispositivos coletivos para se acordar linhas de intervenção e estabelecer os projetos assistenciais comuns14,26. Esses encontros regulares são arranjos organizacionais que partem do reconhecimento de que as ações de saúde não se articulam por si só, espontaneamente, simplesmente porque os trabalhadores compartilham a mesma situação de trabalho. É fundamental colocar em evidência conexões e nexos existentes entre as intervenções realizadas; o reconhecimento e o respeito às diferenças e especificidades de saberes e práticas de cada profissional32; a consideração da dimensão intersubjetiva presente nas organizações de saúde15,26 e seus efeitos no reconhecimento do outro como integrante e interlocutor no trabalho em equipe. De todo modo, há um fio da navalha que sempre está presente: o risco de tornar estes espaços ritualísticos e esvaziados de elementos vivos do cotidiano dos profissionais.

Embora existam diversas instâncias e mecanismos para efetivar o processo participativo, encontram-se dificuldades no HFCP para que os dispositivos coletivos envolvam simultaneamente médicos e demais profissionais. É importante reconhecer que o maior comprometimento dos médicos vem sendo um grande desafio nas experiências em hospitais do SUS8,19,24. No HFCP, este processo tem como importantes protagonistas o diretor clínico e o diretor técnico buscando favorecer a adesão dos médicos às propostas de reorganização do trabalho e ao mesmo tempo procurando cumprir um papel de mediação político-institucional e intersubjetiva entre demandas do corpo clínico e possibilidades administrativas.

É importante assinalar que o engajamento na dinâmica de organização do trabalho pressupõe esforços para debate de opiniões, deliberações conjuntas, engajamento e implicação dos trabalhadores, supondo sempre a existência de riscos e esforços33. É importante então destacarmos, que o trabalho vivo dos coletivos e a cooperação propriamente dita “... passa por uma mobilização específica e insubstituível dos trabalhadores na concepção, no ajuste e na gestão da organização do trabalho33.

Seguindo esta compreensão, os processos de padronização e controle, entre outros mecanismos racionalizadores, mostram seus limites. Torna-se necessário considerar com Dejours34 que a mobilização subjetiva para o trabalho é frágil e que o trabalhador “...não deve ser visto como ‘estrito executante’, confinado `a obediência e à passividade”.

Embora a equipe de direção tenha evidenciado uma grande integração entre os vários níveis de coordenação e a direção técnica, ficou evidente a segmentação entre médicos e enfermagem, que se expressou em dispositivos de gestão separados, como também em conflitos. Compreendemos que o ideal da cooperação implica o reconhecimento da contribuição de cada um e supõe acordos que só são possíveis em condições em que se estabelece a confiança29. A clivagem e os afrontamentos no seio da equipe representam, em nossa compreensão, a desconfiança e a precarização da cooperação.

No caso dos hospitais, os conflitos corporativos entre médicos e enfermagem têm um papel inegável. O mal-estar presente no HFCP pode ser expressão da estratégia de mudança gerencial que enfatizou a gestão operacional, cuja maior expressão é o aumento de poder da gestão de enfermagem. Se esse foi o caminho do HFCP, ao mesmo tempo representa uma estratégia presente em reformas promovidas em sistemas de saúde de outros países:

que se direcionam, maioritariamente, para os níveis da gestão institucional e operacional, pelo que os seus efeitos serão sentidos, de forma mais acutilante e imediata, nos enfermeiros que aí exercem funções, uma vez que é a estes que compete, embora, por vezes, informalmente, a gestão das unidades de saúde pelas quais são responsáveis35.

Compreendemos então que o aumento de importância relativa da enfermagem na gestão do HFCP representa uma política que vem se estabelecendo nos serviços de saúde no Brasil, na busca de maior monitoramento e controle dos processos de trabalho.

Conclusões

Através do estudo pudemos interrogar limites e possibilidades das iniciativas de planejamento estratégico nos serviços assistenciais, dos mecanismos de protocololização do cuidado e da incorporação do médico hospitalista na experiência do HFCP, considerando que indicam pistas para refletir sobre estratégias de melhoria da qualidade que vêm sendo adotadas nos hospitais brasileiros. O estudo do processo de mudança neste hospital mostra o grande desafio de coordenação das práticas de cuidado, evidenciando um dinamismo entre a concepção de gestão pautada por ferramentas racionalizadoras, por regras formalizadas e instrumentos bem definidos, como visto, por exemplo, na planilha de plano de ação, nos protocolos e formulários para sistematização das atividades de atenção, nos quais se originam pressões em busca de um funcionamento sistêmico e funcional do hospital; e os grupos, as corporações e os sujeitos que buscam sentido para suas experiências demandam reconhecimento e traduzem o que está em ebulição e conflito, ampliando assim as significações dos processos organizacionais. Supomos então que os profissionais mostram uma adesão aos processos gerenciais e de melhoria da qualidade em curso no hospital, investem e se apoiam subjetivamente no processo de mudança, mas também mostram embates próprios ao fazer humano singular e coletivo, de oposição à face de reprodução e controle presentes nos instrumentos gerenciais adotados.

Procuramos evidenciar através deste estudo a complexidade dos processos de mudança em hospitais, especialmente na esfera da gestão do cuidado, analisando-se sua vertente racionalizadora – enquanto processos de padronização e controle e o entrelaçamento com os sujeitos e os grupos que buscam nos processos dialógicos e intersubjetivos construir sentidos para suas práticas. Certamente, tais questões expressam não apenas as condições locais do HFCP, mas apontam os desafios e a complexidade dos processos de qualificação do cuidado hospitalar que sempre exigirá muita concertação e inclusão dos trabalhadores na sua concepção e ajustes.

Agradecimentos

A pesquisa contou com financiamento do Programa Inova Ensp de Apoio à pesquisa e Inovação para o SUS, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2015
  • Revisado
    29 Jun 2016
  • Aceito
    01 Jul 2016
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