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Evolução histórica dos programas de prevenção e controle da dengue no Brasil

The historical evolution of dengue prevention and control programs in Brazil

Resumos

Avaliou-se a dengue mundial e nacionalmente, através de uma análise epidemiológica quanto à distribuição e formas. Avaliou-se o Programa Nacional de Controle à Dengue (PNCD) quanto a sua implantação através do estudo do Diagdengue. Foi feita uma análise fatorial através de um conjunto de indicadores contributivos para a variabilidade. Somou-se os escores dos indicadores e a classificação dos municípios prioritários para o PNCD, para a construção de um índice, apresentando-o por estado e por trimestre, com intervalos distribuídos num intervalo de 0 a 9. A implantação do PNCD se dá de forma irregular, prevalecendo municípios com implantação ruim na região Norte e Nordeste. Na segunda análise, agregou-se a variáveis socioeconômicas dos municípios selecionados. Para os testes de associação, agrupou-se em duas classes: "ruim" e "bom/muito bom". Considerou-se a associação entre o índice de infestação predial informados no banco de dados do FAD e o índice construído. Foram usados para a verificação de associação testes de análise variância, teste de tendência e estimativa de razões de chance. Observou-se que municípios com baixo analfabetismo, alta coleta de lixo, alta proporção de instalações sanitárias estão correlacionados com uma boa classificação do município em relação ao Diagdengue.

Dengue; Programa de prevenção e controle; Avaliação


An epidemiological analysis of the forms and distribution of Dengue fever in Brazil and worldwide was carried out. The National Program of Dengue Control (NPDC) was evaluated based on the data available at "Diagdengue" an official computerized information system allowing to follow-up the implantation and impact of the Program. A factorial analysis was performed by means of a set of indicators contributing to variability. The indicator scores were added and the cities demanding for prior attention of the NPCD were classified for the construction of an index, which is presented three-monthly for every state, with intervals distributed between 0 and 9. The implantation of the NCPD is irregular. Cities with bad implantation are predominating in the north and northeast of the country. In the second analysis, socio-economic variables of the selected cities were added. For the association tests these cities were classified into two groups: "Bad" and "Good/Very Good", based on the association of the index of building infestation informed in the FAD (Yellow Fever and Dengue) database and the constructed index. Associations were verified based on variance analysis, trend test and trend estimate. It was observed that cities with low rates of illiteracy, efficient garbage collection and high ratio of sanitary installations are correlated with a good classification of the city according to Diagdengue.

Dengue; Prevention and control program; Evaluation


TEMAS LIVRES FREE THEMES

Evolução histórica dos programas de prevenção e controle da dengue no Brasil

The historical evolution of dengue prevention and control programs in Brazil

Beatriz Jansen FerreiraI; Maria de Fátima Marinho SouzaII; Adauto Martins Soares FilhoII; André Anderson CarvalhoII

IPró-reitoria de Graduação da Universidade Estadual de Campinas. Cidade Universitária Zeferino Vaz s/n, Barão Geraldo. 18083-970 Campinas SP. beatrizjansen@reitoria.unicamp.br

IIDepartamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde

RESUMO

Avaliou-se a dengue mundial e nacionalmente, através de uma análise epidemiológica quanto à distribuição e formas. Avaliou-se o Programa Nacional de Controle à Dengue (PNCD) quanto a sua implantação através do estudo do Diagdengue. Foi feita uma análise fatorial através de um conjunto de indicadores contributivos para a variabilidade. Somou-se os escores dos indicadores e a classificação dos municípios prioritários para o PNCD, para a construção de um índice, apresentando-o por estado e por trimestre, com intervalos distribuídos num intervalo de 0 a 9. A implantação do PNCD se dá de forma irregular, prevalecendo municípios com implantação ruim na região Norte e Nordeste. Na segunda análise, agregou-se a variáveis socioeconômicas dos municípios selecionados. Para os testes de associação, agrupou-se em duas classes: "ruim" e "bom/muito bom". Considerou-se a associação entre o índice de infestação predial informados no banco de dados do FAD e o índice construído. Foram usados para a verificação de associação testes de análise variância, teste de tendência e estimativa de razões de chance. Observou-se que municípios com baixo analfabetismo, alta coleta de lixo, alta proporção de instalações sanitárias estão correlacionados com uma boa classificação do município em relação ao Diagdengue.

Palavras-chave: Dengue, Programa de prevenção e controle, Avaliação

ABSTRACT

An epidemiological analysis of the forms and distribution of Dengue fever in Brazil and worldwide was carried out. The National Program of Dengue Control (NPDC) was evaluated based on the data available at "Diagdengue" an official computerized information system allowing to follow-up the implantation and impact of the Program. A factorial analysis was performed by means of a set of indicators contributing to variability. The indicator scores were added and the cities demanding for prior attention of the NPCD were classified for the construction of an index, which is presented three-monthly for every state, with intervals distributed between 0 and 9. The implantation of the NCPD is irregular. Cities with bad implantation are predominating in the north and northeast of the country. In the second analysis, socio-economic variables of the selected cities were added. For the association tests these cities were classified into two groups: "Bad" and "Good/Very Good", based on the association of the index of building infestation informed in the FAD (Yellow Fever and Dengue) database and the constructed index. Associations were verified based on variance analysis, trend test and trend estimate. It was observed that cities with low rates of illiteracy, efficient garbage collection and high ratio of sanitary installations are correlated with a good classification of the city according to Diagdengue.

Key words: Dengue, Prevention and control program, Evaluation

Introdução

A dengue constitui-se, provavelmente, na mais importante arbovirose que afeta o homem no continente americano. O mosquito transmissor, o Aedes aegypti, é encontrado atualmente numa extensão que vai desde o Uruguai até o sul dos Estados Unidos, tendo sido registrado surtos de grande importância em vários países, como Venezuela, Cuba, Brasil e Paraguai, o que corresponde a 3,5 bilhões de pessoas contaminadas no mundo, exceto a Europa, o Canadá e Chile. As condições climáticas e de altitude desses países impossibilitam a existência do mosquito transmissor.

A importância da dengue está relacionada à sua morbidade, mortalidade e necessidade de várias estratégias para o seu controle; tais características têm gerado uma estimativa de 100 milhões de casos mundiais1.

No Brasil, o crescimento global da população, a urbanização e as condições socioambientais, como condições inadequadas de saneamento, pouco tratamento e destinação seletiva de lixo, má distribuição de renda e baixa escolaridade da maior parte da nossa população, contribuíram em muito para a disseminação do vetor2.

Evidentemente, esse panorama indica uma necessidade de revisão da estratégia de controle, já que os números demonstram claramente a premência de adoção de um novo olhar para a contingência desta doença.

Sabemos que os modelos de controle para doenças deste tipo, pautados, fundamentalmente, no combate químico, sem a devida valorização e estímulo à participação da população, sem a necessária integração intersetorial e com poucos recursos de análise epidemiológica, são incapazes de obter sucesso.

Este trabalho tem como objetivo analisar os indicadores de implantação e operacionalização do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD)3, como elemento central da política pública atual no combate da referida doença.

Metodologicamente, adotou-se uma análise fatorial com a construção de um conjunto de indicadores, colinearidade entre indicadores e contribuição de cada indicador para explicar a variação do conjunto de indicadores. Foram selecionados os indicadores com maior contribuição para a variabilidade:

. Municípios com quantitativo adequado de agentes de controle de endemias;

. Municípios com quantitativo adequado de supervisores de campo;

. Municípios com equipes de bloqueio de transmissão;

. Municípios com quantitativo adequado de vigilância entomológica;

. Municípios com equipes de ações de saneamento mais plano de saneamento de apoio ao PNCD;

. Municípios que aplicam o instrumento normativo vigente mais municípios que apresentam legislação municipal;

. Municípios com o instrumento de análise da implantação do PNCD.

A seguir, foram somados os escores dos indicadores e a classificação dos municípios prioritários para o PNCD (682 municípios), no sentido de construção de um índice. Foi apresentada, através de georeferenciamento, a tendência do índice por estado e por trimestre com o índice distribuído num intervalo de 0 a 9 da seguinte forma: ruim: 0 a 3; regular: 4 a 6; bom: de 7 a 8 e muito bom: 9. Foram considerados os dados relativos aos terceiro e quarto trimestres de 2003 e primeiro e segundo trimestres de 2004.

Evolução histórica dos programas de prevenção e controle da dengue no Brasil

Historicamente, em 1996, o Ministério da Saúde revê os mecanismos de combate ao Aedes aegypti criando o Plano de Erradicação do Aedes aegypti (PEA)4; este foi organizado e dividido em nove componentes, a saber: entomologia; operações de campo de combate ao vetor; vigilância de portos, aeroportos e fronteiras; saneamento; informação, educação e comunicação social; vigilância epidemiológica e sistema de informação; laboratório; desenvolvimento de recursos humanos e legislação de suporte.

A opção pela proposta de um plano de erradicação foi fundamentada no argumento de custo mais reduzido em longo prazo, cujos benefícios, principalmente a prevenção de gastos decorrente de epidemias de dengue hemorrágica, justificariam plenamente os esforços das fases iniciais. No entanto, atualmente surgiu uma nova discussão, uma vez que, diante de todo um contexto de infestação por Aedes aegypti em quase todo o continente americano, a grande disponibilidade de depósitos artificiais (pneumáticos, garrafas plásticas, suportes de vasos de plantas) e a enorme facilidade para a dispersão passiva do vetor, advinda da maior disponibilidade, freqüência e rapidez dos meios de transporte, tornou-se praticamente impossível a erradicação em médio prazo, como previsto no PEA4.

Nesse período, que correspondeu de 1996 até 2001, o país passava por um aumento crescente da incidência da dengue. Dada à gravidade da situação, o Ministério da Saúde, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), concebe o Plano de Intensificação das Ações de Controle da Dengue (PIACD)5, alicerçado em três pressupostos básicos: universalidade regional, sincronicidade e continuidade das ações.

Para garantir estes pressupostos, foi necessário focalizar as áreas geográficas que seriam incluídas no plano de intensificação, sem prejuízo das atividades e metas estabelecidas na Programação Pactuada e Integrada da área de Epidemiologia e Controle de Doenças (PPI-ECD) para todos os municípios brasileiros. O financiamento deveria estar garantido pelo repasse financeiro fundo a fundo, acrescido das contrapartidas estaduais e municipais.

Foi então criado o conceito de município prioritário, em que 657 cidades foram selecionadas para acompanhamento e intensificação das ações já desenvolvidas anteriormente em outros momentos de controle, tais como:

. Uma infra-estrutura adequada para controle de vetores nos estados e municípios;

. A presença de 60 mil agentes distribuídos em 3.500 municípios, capacitados para o controle de vetores;

. Um conjunto de rotinas e normas técnicas padronizadas em todo o país para o controle dos vetores;

. Os municípios prioritários foram escolhidos dentre aqueles com presença de Aedes aegypti e com transmissão de dengue no ano de 2000/2001, com as seguintes características:

. Capital de estado e sua região metropolitana;

. Município com população igual ou superior a 50.000 habitantes;

. Municípios receptivos à introdução de novos sorotipos de dengue (fronteiras, portuários, núcleos de turismo, etc.).

O PIACD5 foi alicerçado em dez componentes: (1) vigilância epidemiológica - integração e fortalecimento de vigilâncias e diagnóstico laboratorial, (2) atenção básica e assistência, (3) vigilância entomológica e combate ao vetor, (4) ações específicas de saneamento básico no controle da dengue, (5) ações integradas de educação em saúde e mobilização social, (6) comunicação social, (7) legislação, (8) sustentação político/social, (9) acompanhamento e avaliação do plano e (10) pesquisa aplicada.

É importante ressaltar que este programa avança na medida em que constata suas limitações e por isso mesmo aponta para a necessária intersetorialidade e descentralização de gestão com a participação das esferas federal, estadual e municipal; assim, em 2002, o Ministério da Saúde propõe o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD)3.

O PNCD3 é concebido numa perspectiva de construção "permanente" de programa por entender que não se trata de uma doença que possa ser erradicada em curto prazo, dada a importância do aspecto de infestação domiciliar que a dengue apresenta.

O programa considera os seguintes objetivos:

. Reduzir a infestação pelo Aedes aegypti;

. Reduzir a incidência da dengue;

. Reduzir a letalidade por febre hemorrágica de dengue.

Estabelece como metas a redução de menos de 1% à infestação predial em todos os municípios, a redução em 50% do número de casos de 2003 em relação a 2002 e, nos anos seguintes, 25% a cada ano e, por último, a redução da letalidade por febre hemorrágica de dengue a menos de1%.

O PNCD3 mantém a ênfase aos municípios prioritários na mesma lógica do programa anterior e define sua implantação através de dez componentes, sendo que cada unidade federada deverá fazer as adequações condizentes com as especificidades locais, podendo, inclusive, elaborar planos sub-regionais desde que em consonância com os objetivos do programa.

Os componentes são: vigilância epidemiológica (vigilância de casos, vigilância laboratorial, vigilância em áreas de fronteira, vigilância entomológica); combate ao vetor; assistência aos pacientes; integração com Atenção Básica (Pacs/PSF); ações de saneamento ambiental; ações integradas de educação em saúde, comunicação e mobilização social; capacitação de recursos humanos; legislação; sustentação político-social; acompanhamento e avaliação do PNCD.

São utilizados os seguintes sistemas de informação: Sinan (Sistema Nacional de Agravos de Notificação), FAD (Sistema de informação da febre amarela e dengue) e Diagdengue.

O Diagdengue se constitui em um banco de dados, criado em 2003, sendo o sistema de informação oficial que permite acompanhar os indicadores de implantação do PNCD3, e tem como objetivo promover o acompanhamento permanente da implantação do Programa (Décimo Componente) nos municípios prioritários, por meio de indicadores de estrutura e processo. O Diagdengue é um programa que tem seus dados baseados nas informações fornecidas pelos municípios e também por consultores estaduais ligados ao PNCD3. Estes dados são fornecidos trimestralmente. Este banco possibilita avaliar a situação do programa no âmbito municipal, estadual e nacional, subsidiando o direcionamento e/ou adequação das estratégias adotadas6.

Os indicadores6 de acompanhamento do PNCD3 e que compõem o sistema Diagdengue, definidos pela Comissão de Acompanhamento do PNCD são:

1. Operações de campo

1.1. Infra-estrutura e organização

Municípios com quantitativo adequado de agentes de controle de endemias;

Municípios com quantitativo adequado de supervisores de campo;

Municípios com mapas georeferenciados;

Relação de pontos estratégicos em relação ao número de imóveis nos municípios.

1.2. Sistema de informações

Municípios com FAD implantado na rotina.

1.3. Equipes especializadas de apoio

Municípios com equipes de bloqueio de transmissão;

Municípios com equipes de vigilância entomológica;

Municípios com equipes de ações de saneamento.

2. Vigilância epidemiológica

2.1. Sistema de notificação de casos de dengue

Municípios com SINAN implantado na rotina;

Municípios com sistema simplificado implantado.

2.2. Monitoramento viral

Municípios com rotina de envio de material para sorologia;

Municípios com rotina de envio de material para isolamento viral.

3. Assistência ao paciente

Municípios com plano de contingência para febre hemorrágica da dengue (FHD).

4. Integração com a Atenção Básica (Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS/Programa Saúde da Família - PSF)

Municípios com PACS/PSF implantado;

Municípios com PACS/PSF integrado ao PNCD.

5. Saneamento ambiental

Municípios com plano de saneamento de apoio ao PNCD.

6. Ações integradas de educação em saúde, mobilização e comunicação social

Municípios com Comitê Municipal de Mobilização implantado;

Municípios com Plano de Ação de Mobilização de apoio ao PNCD.

7. Capacitação de recursos humanos

Municípios com supervisores de campo capacitados;

Municípios com supervisores de PACS/PSF capacitados;

Municípios com técnicos de vigilância epidemiológica capacitados;

Municípios com médicos multiplicadores capacitados;

Municípios com agentes comunitários de saúde capacitados;

Municípios com multiplicadores de saneamento ambiental capacitados;

Municípios com multiplicadores de mobilização social capacitados.

8. Legislação

Municípios que aplicam o instrumento normativo vigente;

Municípios que aplicam a legislação municipal.

9. Sustentação político-social

Municípios com comissão intersetorial ativa.

10. Acompanhamento e avaliação

Municípios com o instrumento de análise da implantação do PNCD.

Situação epidemiológica da dengue no Brasil

São apresentados, a seguir, alguns gráficos e mapas que ilustram a evolução da situação epidemiológica da dengue no Brasil, com informações sobre sua incidência, distribuição dos casos por região geográfica e taxas de letalidade.

Percebe-se que, a partir de 1993, a taxa de incidência da dengue no Brasil aumentou consideravelmente, caiu em 1999, mas voltou a aumentar em 2000 e continuou até a maior taxa já registrada no Brasil, no ano de 2002, quando o Plano Nacional de Controle da Dengue foi implantado. Nos anos seguintes, a taxa de incidência caiu (Gráfico 1). No entanto, dados mais recentes mostram que a taxa de incidência em 2005 será maior que em 2004.


Nota-se que as regiões que notificaram o maior número de casos foram a Nordeste e a Sudeste (Tabela 1).

Assim como aconteceu com a dengue clássica, a febre hemorrágica da dengue teve o maior número de casos notificados em 2002 (Gráfico 2). O número de óbitos registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) foi maior que os registrados pelas Secretarias Estaduais de Saúde (SES). No entanto, nos últimos anos, essa diferença vem desaparecendo, como pode ser observado na Gráfico 3, que mostra as curvas de taxa de letalidade resultantes das duas bases de dados.



Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD): uma análise de indicadores de implantação

Metodologia - 1ª análise

O Diagdengue é um sistema informatizado desenvolvido para acompanhamento do PNCD, por intermédio de indicadores de implantação e operacionalização.

A partir de diversas variáveis do instrumento de acompanhamento, foi realizada uma primeira análise do processo de implantação do programa. Os indicadores do Diagdengue foram analisados em separado, considerando as informações fornecidas pelos municípios e pelos consultores estaduais.

Resultados - 1ª análise

Podemos notar que a implantação do PNCD3 apresenta-se de forma irregular, prevalecendo municípios com implantação ruim na região Norte e Nordeste. Observa-se ainda uma discreta melhora de implantação de 2003 para 2004 e um maior número de municípios com envio de dados para o Diagdengue. Nesse sentido, notamos uma descontinuidade de informações do estado do Amazonas no quarto trimestre de 2003.

Metodologia - 2ª análise

A partir dessa primeira análise, que considerou fundamentalmente o sistema de informação Diagdengue, realizou-se outro estudo com o objetivo de analisar os indicadores desenvolvidos na análise anterior, segundo algumas variáveis socioeconômicas dos municípios selecionados. Para a seleção dos municípios, foram considerados os seguintes critérios:

. Municípios prioritários que apresentaram informação nos dois primeiros trimestres de 2004;

. Concordância da classificação dos índices por município e consultor estadual (em ambos os trimestres de 2004 ou em qualquer um dos dois). Os municípios dos estados que não dispunham de consultor (Acre, Amazonas e Rondônia) foram incluídos considerando-se somente a classificação dos índices dos municípios no primeiro trimestre, no segundo ou em ambos. A informação pelo consultor não foi considerada pois era inexistente.

. Foram considerados apenas os municípios que obtiveram índice "ruim", "bom" ou "muito bom";

. Todas as capitais foram incluídas (de cada um dos grupos acima).

O número total de municípios selecionados para esse estudo foi 105. Para os testes de associação, os municípios foram agrupados em duas classes: a primeira com os que obtiveram índice "ruim" e a segunda com os índices "bom/muito bom".

Esta análise enfocou especialmente as associações encontradas entre estes índices ("bom/muito bom" e "ruim") e variáveis socioeconômicas, consideradas como aspectos de contexto desses municípios. Estas variáveis são: proporção de analfabetos acima de 15 anos, densidade populacional, proporção da população em área rural/urbana, cobertura de coleta de lixo e esgotamento sanitário.

Também foi analisada a associação entre o índice de infestação predial e o índice Breteau informados no banco de dados do FAD e o índice construído a partir do banco de dados do Diagdengue. Para isso, as variáveis dos índices foram transformadas para que os requisitos dos testes estatísticos fossem satisfeitos.

Para a verificação de associação entre as variáveis, foram utilizados testes de análise de variância, teste de tendência e estimativa do odds ratio (razões de chance).

As variáveis "analfabetismo", "densidade populacional", "população rural", "coleta de lixo e saneamento" foram obtidas através do censo de 2000. Todas foram distribuídas em quartis (alto/médio-alto/médio-baixo/baixo), que depois tiveram a associação testada tanto com o índice do Diagdengue, assim como com o índice de infestação predial.

Resultados - 2ª análise

Analfabetismo

A variável "analfabetismo" é o resultado da proporção das pessoas não alfabetizadas sobre o total da população do município. Estas proporções foram divididas em quatro classes, que são os quartis desta variável nos 105 municípios.

Analisando a Tabela 2, percebe-se que a quantidade de municípios com o índice "ruim" é maior quando o analfabetismo no município é alto. Por outro lado, a quantidade de municípios classificados como "bom ou muito bom" é maior quando o analfabetismo no município é baixo. Isso é um indicador de que essas duas variáveis não são independentes.

Percebe-se que as grandes diferenças se dão quando consideramos apenas o analfabetismo "alto e baixo", e o valor do teste qui-quadrado (p < 0,001) confirma que essas não são variáveis independentes.

Coleta de lixo

A variável "coleta de lixo" é a proporção da população do município que usufrui o serviço de coleta sobre o total da população. Foi considerada coleta de lixo quando coletado por serviço de limpeza ou coletado por caçamba de serviço de limpeza. Quando a população tem o lixo queimado (na propriedade), enterrado (na propriedade), jogado em terreno baldio ou logradouro, jogado em rio, lago ou mar, ou tem outro destino, foi considerada como população que não usufrui de coleta de lixo.

A Tabela 3 evidencia que o número de municípios classificados como "bom ou muito bom" aumenta na medida em que a proporção da população que tem seu lixo coletado também aumenta.

O teste de tendência de chances confirma que a chance de um município ser classificado como "bom ou muito bom" aumenta na medida em que a proporção de coleta de lixo também aumenta. Estima-se que a chance de um município ser classificado como "bom ou muito bom" é 27 vezes maior quando a proporção de coleta de lixo é alta em relação ao município com baixa proporção.

Esgotamento sanitário

A variável "esgotamento sanitário" foi obtida pela proporção da população que usufrui de instalações sanitárias sobre o total da população. Foi considerada instalação sanitária: rede geral de esgoto ou pluvial não discriminado fossa séptica e fossa rudimentar. Não foram consideradas: valas (não discriminada rio, lago ou mar) e outros escoadouros.

Mais uma vez, observando a Tabela 4, constata-se que a quantidade de municípios classificados como "bom ou muito bom" aumenta na medida em que a proporção da população que usufrui o serviço de saneamento também aumenta.

Confirma-se que existe uma tendência de chances e verifica-se que a chance de um município ser classificado como "bom ou muito bom" é 5,4 vezes maior quando se tem uma proporção "alta" da população que recebe este serviço em relação a uma proporção "baixa".

População rural x urbana

Foi considerada "população rural" a proporção de pessoas que moram em zona rural sobre o total da população do município. Na Tabela 5, observa-se que a quantidade de municípios classificados como "bom ou muito bom" aumenta na medida em que a proporção da população do município que se localiza em área rural diminui.

O teste de variância confirma que existe diferença entre as médias dos grupos de "população rural" em relação ao índice do Diagdengue. O teste de tendência e o odds ratio informa que a chance de um município receber uma classificação "bom ou muito bom" é quase quinze (15) vezes maior para municípios que têm uma proporção baixa de população que mora em zona rural em relação aos municípios com alta proporção.

Densidade populacional

A densidade populacional é o número de habitantes por quilômetro quadrado. A Tabela 6 indica que a quantidade de municípios classificados como "bom ou muito bom" é maior quando a densidade populacional é alta.

O teste de tendências confirmou que existem diferenças de chances entre os grupos e indicou que a chance de um município ser classificado como "bom ou muito bom" é aproximadamente oito (8) vezes maior para municípios com "alta" densidade populacional em relação a municípios com baixa densidade.

Índice de infestação predial

O Sistema de Informações de Febre Amarela e Dengue (FAD) informa os índices prediais de cada município por mês. Foram considerados para análise os índices informados desde janeiro de 2002 até agosto de 2004. No entanto, existem diversos valores não informados nesse período e até municípios que não informaram seus índices em nenhum dos meses considerados. Cinco municípios, dos 105 analisados, não apresentaram índices. São eles: Bujari (AC), Cruzeiro do Sul (AC), São Gabriel da Cachoeira (AM), Cabeceiras do Piauí (PI) e Cuiabá (MT). Esses cinco municípios receberam classificação "ruim" com base nos indicadores do Diagdengue. Pode-se ter a impressão de que existe associação entre o nível de completitude de informação e a classificação do Diagdengue. No entanto, quando essa hipótese foi testada, não se encontrou associação significativa.

Aplicando os testes estatísticos para os municípios agrupados por regiões, observa-se que no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, a média do índice predial é maior para municípios com índice "ruim". No entanto, na região Norte, a média dos índices prediais em municípios "ruins" é menor que em municípios "bons ou muito bons". Da mesma maneira, a chance do município ter classificação "bom ou muito bom" diminui na medida em que os índices crescem tanto no Nordeste, Sudeste, como no Centro-Oeste, mas essa chance aumenta na região Norte. As médias na região Sul não puderam ser testadas, já que não foram analisados municípios com o índice "bom ou muito bom" nesta região.

Índice Breteau

O índice Breteau (IB) é a relação entre o número de recipientes positivos e o número de imóveis pesquisados, corrigido para 100 imóveis.

O índice Breteau também foi analisado. Observou-se que, quando o índice de infestação predial não era informado, o mesmo acontecia com o índice Breteau. Quando eram informados, os valores, na maioria das vezes, eram iguais. Quando diferiam, o valor do índice Breteau era um pouco maior. Dessa forma, a correlação encontrada entre esses dois índices foi bem alta: 0,9809. Portanto, os testes de médias entre municípios apresentaram resultados bastante semelhantes tanto entre os 105 municípios como quando agrupados por regiões.

Conclusão

Tivemos no Brasil, até o final da década de oitenta, uma incidência baixa da dengue, tendo, em 1989, 3,8 casos por 100.000 habitantes7.

Iniciamos os anos noventa com um aumento desta taxa, observado mais claramente em 1995 com 87,8 e nos anos seguintes, respectivamente, 117 (1996), 156 (1997), 326,6 (1998), 127,9 (1999).

Somado a este crescente aumento de incidência, tivemos outro fator de grande impacto, que foi a introdução de um novo sorotipo (DEN3), forte indicador de um elevado risco de epidemias e de um aumento nos casos de febre hemorrágica da dengue (FHD).

A década de 2000 anunciou a manutenção deste aumento nos dois primeiros anos com uma incidência de 144,4 neste ano, 254,4 em 2001 e 454,8 em 2002.

Este panorama muda em 2003, com a diminuição expressiva da incidência para 195,7 em 2003 e 65,6 em 2004. No entanto, dados mais recentes apontam para um novo aumento da incidência em 2005, alerta para que os esforços destinados ao combate e controle da dengue continuem sendo efetuados com rigor.

O número de casos notificados de dengue desde o final da década de oitenta também demonstrou um aumento importante, principalmente nas regiões Nordeste e Sudeste; em termos absolutos, tivemos três momentos mais expressivos no Brasil, que foram 1998, com 528.388 casos, 2001 com 428.117 e 2002 com 794.219. Já a partir de 2003, observamos uma queda do número de casos, com 346.118 e 2004 com 117.519. Este panorama explica os dados relativos aos casos notificados de febre hemorrágica e óbitos no período de 1990 a 2004.

Os números acima demonstram de forma expressiva a importância do processo de implantação do PNCD, como uma política permanente de prevenção e controle da dengue.

Na primeira análise realizada, foi possível constatar que os sete indicadores que a compuseram foram os que apresentaram maior capacidade explicativa de mostrar variabilidade entre os municípios no processo de implantação do PNCD.

Foi observado que municípios com baixo analfabetismo, alta coleta de lixo e alta proporção de instalações sanitárias estão correlacionados com uma boa classificação do município no que se refere aos indicadores de implantação do Diagdengue.

A execução das ações de prevenção e controle da dengue está incorporada na rotina dos municípios, apesar das dificuldades inerentes à execução de um programa multissetorial, fundamentado em dez componentes.

A incorporação de novas metodologias na rotina municipal não é um processo simples, exigindo maior envolvimento e assessoria técnica por parte das Secretarias Estaduais de Saúde e Secretaria de Vigilância em Saúde/MS, sendo um exemplo dessa condição a resistência e dificuldade para a implantação dos levantamentos rápidos de índice de infestação por Aedes aegypti. O papel das Secretarias Estaduais de Saúde, particularmente em suas instâncias regionais, é fundamental para a implantação e o acompanhamento do programa de controle da dengue nos municípios, especialmente os de menor porte.

Pode-se concluir que existem ainda muitas dificuldades quanto à consistência dos bancos de dados dos diferentes sistemas de informação adotados pelo PNCD3, notadamente quanto à notificação de casos por meio do SINAN, as informações relativas à execução dos ciclos bimestrais de combate ao vetor, os índices de infestação predial e os percentuais de pendências, que integram os dados do FAD.

Nesse sentido, é necessária uma maior apropriação do Diagdengue no sentido de avaliar os critérios propostos enquanto indicadores, e sua capacidade de geração de dados secundários confiáveis que possam nortear com amplitude todo o processo de implantação do PNCD.

Considera-se ainda fundamental o estabelecimento de um processo de monitoramento para todas as etapas do PNCD, gerando um sistema de avaliação norteador para a maior efetividade do programa.

Colaboradores

BJ Ferreira foi responsável pela construção e análise do trabalho; MFM Souza foi responsável pelas análises estatísticas dos indicadores de implantação e operacionalização do PNCD; AA Carvalho ofereceu apoio estatístico e AM Soares Filho ofereceu apoio técnico.

Artigo apresentado em 14/08/2006

Aprovado em 18/09/2007

Versão final apresentada em 30/10/2007

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  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Centro Nacional de Epidemiologia. Funasa.Plano de Intensificação das Ações de Controle da Dengue. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.
  • 6
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  • 7
    Brasil. Ministério da Saúde.Saúde Brasil 2004: uma análise da situação de saúde Brasília: Ministério da Saúde; 2004.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009

Histórico

  • Revisado
    18 Set 2007
  • Recebido
    14 Ago 2006
  • Aceito
    30 Out 2007
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