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Cuidado: as fronteiras da integralidade

RESENHAS REVIEWS

Maria de Fátima Pinheiro da Silva Junqueira

Instituto Fernandes Figueira / Fiocruz

Pinheiro R & Mattos RA (orgs.). Cuidado: as fronteiras da integralidade. Hucitec-Abrasco, São Paulo-Rio de Janeiro, 2004, 320 p.

No bojo das discussões sobre os caminhos e possíveis destinos do atendimento público voltado para a saúde no nosso país, o lançamento de uma coletânea de artigos em que a temática do cuidado em saúde é amplamente abordada não poderia ser de maior pertinência e relevância. A discussão que envolve todo o debate acerca da integralidade e suas fronteiras com o cuidado é, em si, de grande valor para a Saúde Coletiva, refletindo a preocupação com tudo que diz respeito à saúde da população brasileira.

O livro Cuidado: as fronteiras da integralidade, organizado por Roseni Pinheiro e Ruben Araújo de Mattos, faz parte do esforço de pesquisadores comprometidos com a Saúde Coletiva que, há mais de quatro anos, vêm se reunindo, discutindo e produzindo material sobre o aspecto da integralidade em saúde, entendida aqui como uma prática social, isto é, uma construção que se dá no encontro entre diferentes sujeitos. Esse é o terceiro volume de uma série, sendo esta publicação dedicada ao tema do cuidado. O cuidado em saúde diz respeito, entre outros fatores, a uma relação usuário/profissional de saúde preocupada em incluir e escutar a subjetividade do usuário, além é claro, de estar aliada ao atendimento das necessidades amplas de tecnologia. Em outros termos, embora apresentem diversas nuances e interpretações, o cuidado aponta, basicamente, para um tipo de relação que inclui o acolhimento, a visão e a escuta do usuário num sentido mais global, em que o sujeito emerge em sua especificidade, mas também como pertencente a um determinado contexto sociocultural do qual não pode ser alijado.

Esta coletânea tem como maior mérito apresentar a questão do cuidado em suas interfaces com a integralidade sob diversos prismas. Para tal, ao longo dos artigos encontramos discussões mais conceituais, pesquisas de campo, experiências na área de educação e formação em saúde, entre outras. Para dar conta dessa ampla gama de trabalhos, os artigos foram agrupados de acordo com quatro temáticas.

A primeira, intitulada Fragilidade Social, Espaços Públicos e Novas Práticas de Cuidado em Saúde, se debruça sobre as interseções entre a procura por cuidado em saúde e a organização da sociedade civil. Nos sete artigos que compõem esta parte nos deparamos com construções teóricas, investigações e novas práticas de cuidado em saúde.

No primeiro artigo, Madel T. Luz procura elucidar a vulnerabilidade das populações e sua busca de atenção em saúde. Trabalha com a idéia de que, a partir de uma crise ética do capitalismo, haveria uma perda de valores tradicionais e o incremento de valores da racionalidade de mercado. Esta perspectiva levaria a um estado de instabilidade permanente, de desamparo e isolamento e, conseqüentemente, de adoecimento. As práticas em saúde surgiriam, então, como estratégias de ressignificação de vida, ao reinserirem o contato físico e humano. A "saúde", assim, teria passado a ocupar o lugar capaz de repor valores perdidos, como a solidariedade.

Nos próximos dois capítulos (de autoria de Roseni Pinheiro e Francine Lube Guizardi) são discutidos resultados de pesquisas de campo tendo o cuidado como orientador e objeto da investigação. Quer seja nas relações entre profissionais de saúde e usuários ou na produção de outros saberes instituintes no espaço cotidiano, isto é, na produção de táticas e estratégias no dia-a-dia dos serviços de saúde, a busca pelo cuidado surge como capaz de impulsionar na direção de inovações, em que os vínculos podem vir a transformar a própria assistência fornecida pelo Estado. Ainda se detendo sobre essas novas práticas em saúde, há dois trabalhos (um de Felipe R. S. Machado juntamente com as duas autoras acima citadas e outro de Alda Lacerda e Victor V. Valla) que se destinam a abordar as chamadas terapêuticas "alternativas" (homeopatia, acupuntura, além de grupos de apoio como de hipertensos etc.) e sua inserção nos serviços, terapêuticas essas que possam aliviar o sofrimento de sujeitos entendidos em sua totalidade. Ainda interessados em novas práticas de cuidado integral, V. Valla, M. B. Guimarães e A. Lacerda levantam a questão acerca de religiosidade, apoio social e integralidade, enquanto Silva, Stelet, Pinheiro e Guizardi discutem a contribuição do agente comunitário de saúde para a construção da integralidade.

A segunda temática da coletânea (Construção de Conhecimento, Imagens e Sentidos: a diversidade na produção do cuidado e integralidade em saúde), como o nome já diz, se dedica à construção de conhecimento e sentidos acerca da produção do cuidado, discutindo limites e fronteiras epistemológicos e disciplinares. Se Ruben A. Mattos apresenta um debate sobre a prudência como uma possível e importante virtude para o cuidado integral, Xavier e Guimarães se interessam pela relação entre Comunicação e Integralidade, a partir do cuidado. Em seu trabalho, Camargo Jr. propõe um olhar epistemológico, defendendo o reencontro do conhecimento científico com o senso comum, ao passo que as imagens referidas aos usuários como "pacientes" são tratadas amplamente no artigo seguinte, onde Ferla defende que essa imagem vem sendo substituída, ainda que de forma insuficiente, pela de sujeitos singulares. Finalizando essa parte, Acioli se interessa pelo debate sobre cuidado, sabedoria prática e integralidade, lançando mão da idéia de práticas "em situação", isto é, em relação aos seus contextos.

A terceira parte (Clínica, Gestão e Avaliação do Cuidado: aspectos conceituais, metodológicos e práticos) é composta por trabalhos voltados para a gestão e avaliação do cuidado, passando pelos temas da clínica e da organização dos serviços. O primeiro texto discute especificamente a questão da clínica. Nele, Favoreto fala de uma clínica ampliada que surge a partir da relação entre tecnobiociência e saber prático. Desse modo, aponta a relevância de se instrumentalizar a narrativa como ferramenta e elemento terapêutico para que o sujeito possa se tornar mais presente em suas necessidades e demandas. O próximo capítulo, de autoria de D. S. Alves e A. P. Guljor, trata da saúde mental, salientando as reestruturações psiquiátricas no Brasil nos últimos anos e as estratégias que vêm sendo elaboradas com o intuito de atender à perspectiva mais ampla do cuidado em saúde. Já o terceiro e último texto dessa temática, elaborado por Silva Jr. e Mascarenhas, traz para o debate a necessidade de se realizar pesquisas avaliativas no acompanhamento e monitoramento das experiências de reorganização da Atenção em Saúde.

Por fim, a quarta e última parte (Trabalho, Educação e Formação na Integralidade do Cuidado: processos de trabalho e de ensino nas práticas cotidianas em saúde), tendo como bússola o cuidado em saúde, se debruça sobre a formação profissional em seus mais diversos aspectos. Ceccim elabora um capítulo centrado nas equipes de saúde. Para esse autor, deve haver, no campo do trabalho e da educação da equipe multiprofissional, uma ética entre-disciplinar, em que haja espaço para uma prática mestiça que não fique presa aos limites disciplinares. No texto seguinte, Bonet propõe uma reflexão sobre as conseqüências que podem advir quando se associa educação em saúde e cuidados integrais. O autor defende que o profissional de saúde, nas suas ações de educação, pratique uma ética da responsabilidade, no sentido weberiano do termo. Em outras palavras, que ele considere a singularidade de pacientes e comunidades na associação entre educação e cuidado. Os dois últimos trabalhos da coletânea (o primeiro de R. L. M. Henriques e S. Acioli e o seguinte de G. S. Oliveira, L. Koifman e J. J. N. Marins) discutem a formação de profissionais de saúde em enfermagem e medicina, apresentando experiências que vêm sendo implementadas nos respectivos cursos.

Temos, então, um livro que debate amplamente uma temática de suma importância para a Saúde Coletiva. Falar de cuidado significa falar de sujeitos, singularidades, respeito, alteridade e valores como solidariedade. Aspectos que não podem ser deixados em segundo plano quando se trata da saúde das populações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Set 2005
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