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Agamben, Giorgio; Melville, Herman. Bartleby, ou da contingência – seguido de Bartleby, o escrevente. Tradução de: Vinícius Honesko e Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2015, 112 p.

Agamben, Giorgio; Melville, Herman. Bartleby, ou da contingência – seguido de Bartleby, o escrevente. Honesko, Vinícius; Tadeu, Tomaz. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. 112

Interessa-nos nesta resenha de tradução investigar se a tradução de Bartleby, o escrevente1 1 Para tornar claras as referências vamos citar autonomamente o ensaio em italiano de Agamben como (AGAMBEN, 1993), sua tradução brasileira como (AGAMBEN, 2015) e o conto de Melville em tradução como (MELVILLE, 2015) e no original como (MELVILLE, 1856). , de Herman Melville, que acompanha o ensaio Bartleby, ou da contingência, de Giorgio Agamben, aproxima-se ou afasta-se das partes citadas por Agamben em sua exegese do conto melvilleano. Assim, procuraremos discutir se o leitor estaria diante de um livro composto por dois textos que se comunicam de algum modo, ou então se estaria diante de duas obras distintas, o que nos exigirá outrossim uma análise de paratextos presentes no volume como capa, orelhas, quarta capa, ficha catalográfica etc.

De início, na capa (v. anexo) percebemos que há um destaque maior no tamanho das fontes em relação ao nome de Giorgio Agamben e ao de seu ensaio, em detrimento ao de Melville e seu conto. Nesse sentido parece-nos que Bartleby2 2 A saber: MELVILLE, Herman. Bartleby, o escrivão. Tradução de A. B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Record, 1982. Tradução de: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street viria apenas como um texto acessório, de menor importância ou marginal. Observe-se também que não há na capa referência ao fato de que o volume contará com dois tradutores, a saber: Vinícius Honesko para o ensaio de Agamben, e Tomaz Tadeu para o conto de Melville.

Em relação às duas orelhas (v. anexo), a primeira traz um comentário de Cláudio Oliveira acerca de Bartleby, ou da contingência, ao passo que a segunda apresenta ao leitor duas breves notas bio-bibliográficas de Agamben como o ‘autor’, e de Vinícius Honesko como o ‘tradutor’. Em suma, as orelhas ocultam, propositalmente ou não, a presença de Tomaz Tadeu como tradutor ativo do livro que o leitor tem em mãos. No entanto, ao consultarmos a ficha catalográfica e a folha de rosto, enfim nos deparamos com o nome de Tomaz Tadeu.

Logo depois da primeira tradução, no caso de um texto em Latim, feita por Agamben e traduzida indiretamente por Honesko, já uma nota de tradutor (neste caso, de Vinícius Honesko) muito esclarecedora exatamente sobre o uso próprio que Agamben faz em relação às traduções de que lança mão:

Uma das estratégias argumentativas de Agamben, como é notório, encontra-se nas traduções (ou correções de traduções) que faz tanto dos clássicos gregos como dos latinos. Para manter, portanto, esse seu modo de pensar, optamos por traduzir diretamente os trechos que ele cita (em sua tradução ou com correções), sem recorrer às traduções correntes disponíveis em português. (AGAMBEN, 2015AGAMBEN, Giorgio. Bartleby, ou da contingência. Tradução de Vinícius Honesko. IN IN: AGAMBEN, Giorgio; MELVILLE, Herman. Bartleby, ou da contingência – seguido de Bartleby, o escrevente. Tradução de: Vinícius Honesko e Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: editora Autêntica, 2015, p. 9-53. Tradução de: Bartleby o della contingenza., p. 12-13).

Ou seja, o tradutor confere às traduções usadas por Agamben status de ‘original’, de modelo de que não se deve desviar durante o processo tradutório, pois o que importa é manter a voz agambeniana na tradução. Reforça essa verve tradutória de Agamben não só de grego e latino, mas também de inglês o fato de que a edição em italiano não traz nenhuma indicação dos tradutores dos trechos citados. Aliás, tal edição não é seguida de uma tradução italiana de Bartleby. Note-se, no entanto, que apenas as traduções do ensaio de Agamben se fazem acompanhar editorialmente do conto de Melville.

Tal procedimento do tradutor (Honesko) aproxima-se bastante do que Maurice Blanchot chama de ‘sombra’, em que no confronto de duas línguas (no caso do ensaio de Agamben, cinco: italiano, grego, latim, inglês e português) o tradutor escavaria a “superfície da linguagem, introduzindo nela toda sorte de diferenças de nível e deslocando assaz nitidamente as línguas para torná-las todas estrangeira” 3 3 la surface du langage, y introduisant toutes sortes de différences de niveau et dépaysant assez nettement les langues pour les rendre toutes étrangères. (Tradução nossa) (BLANCHOT, 1949BLANCHOT, Maurice. La part du feu. Paris: Gallimard, 1949., p. 186). Assim ocorreria um recuo do texto, uma metamorfose “pela qual sentimos através de nossa língua habitual se abrirem interstícios e vazios donde nos é permitido vigiar a aproximação extremamente misteriosa de uma outra língua, de nós totalmente desconhecida”4 4 pour que s’opère le recul du texte, le léger décalage qui indique que ce que nous lisons n’est pas exactement ce que nous devrions lire, et aussi cette métamorphose par laquelle nous sentons à travers notre langue habituelle s’ouvrir des interstices et des vides d’où il nous est loisible de surveiller l’approche extrêmement mystérieuse d’une autre langue, de nous tout à fait inconnue. (Tradução nossa) (BLANCHOT, 1949BLANCHOT, Maurice. La part du feu. Paris: Gallimard, 1949., p. 186).

Para não sobrecarregarmos o desenvolvimento de nossa resenha com comparações de citações, remeteremos o leitor ao anexo em que ele encontrará os oitos trechos citados por Agamben em italiano acompanhados de suas traduções por Honesko e Tadeu, bem como de seu original em inglês. É curioso notar que há uma coincidência entre as traduções logo e somente na primeira citação feita por Agamben:

“Fa’ un salto all’ufficio postale, non vuoi?” (AGAMBEN, 1993AGAMBEN, Giorgio. Bartleby o della contingenza. IN: AGAMBEN, Giorgio & DELEUZE, Gilles. Bartleby o della formula. Quodlibet: Macerata, 1993. p. 41-80., p. 26)

Não quer dar um pulo até os Correios? (AGAMBEN, 2015AGAMBEN, Giorgio. Bartleby, ou da contingência. Tradução de Vinícius Honesko. IN IN: AGAMBEN, Giorgio; MELVILLE, Herman. Bartleby, ou da contingência – seguido de Bartleby, o escrevente. Tradução de: Vinícius Honesko e Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: editora Autêntica, 2015, p. 9-53. Tradução de: Bartleby o della contingenza., p. 56)

Não quer dar um pulo até os Correios?

[…]

Você não quer? (MELVILLE, 2015______. Bartleby, o escrevente – Uma História de Wall Street. Tradução de Tomaz Tadeu. IN: AGAMBEN, Giorgio; MELVILLE, Herman. Bartleby, ou da contingência – seguido de Bartleby, o escrevente. Tradução de: Vinícius Honesko e Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: editora Autêntica, 2015. Tradução de: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street, p. 74)

“Bartleby,” said I, “Ginger Nut is away; just step round to the Post Office, won’t you? (it was but a three minute walk,) and see if there is any thing for me.” (MELVILLE, 1856MELVILLE, Herman. Bartleby the scrivener: A Story of Wall Street. IN: MELVILLE, Herman. The Piazza Tales. New York: Dix & Edwards, 1856. p. 31-108., p. 58)

A nosso ver dá-se aqui pura e simplesmente uma semelhança fortuita, uma vez que a locução verbal inglesa ‘step around’ abre-se para significados como ‘dar um pulo’, ‘passar rapidamente’, ‘dar uma esticada’, ‘dar uma passada’.

Se tal fato a princípio indicaria que a tradução em apêndice corresponderia àquela apresentada ao longo do ensaio de Agamben, no entanto, em todas as outras sete citações a tradução de Honesko e a de Tadeu cindem uma com a outra, tomando rumos distintos (e possíveis pelo traduzir). A esse respeito, se temos, por exemplo, sequencialmente em Honesko ‘fofoca’, ‘boato’, ‘demitido’, ‘disposição’, ‘lívido desespero’, ‘mensageiros de vida’, ‘cartas que se apressam rumo à morte’, ‘um novo mandato’, ‘no coração das pirâmides eternas’, lemos em Tadeu ‘rumor’, ‘subitamente demitido’, ‘propenso a uma pálida desesperança’, ‘enviadas em missões de vida’, ‘cartas que correm rumo à morte’, ‘um novo mandamento’, ‘no recôndito das pirâmides eternas’. De todo modo paira sobre esses exemplos a sombra do texto melvilleano que, silente, vai apontando desvios, atalhos, aproximações.

Depreende-se, pois, que a edição de Bartleby, ou da contingência seguido de Bartleby, o escrevente: Uma história de Wall Street, dá ao mesmo tempo ao leitor uma tradução indireta de Bartleby, a de Honesko, que conforme Álvaro Faleiros (2009)FALEIROS, Álvaro. Da crítica da retradução poética. Itinerários, Araraquara, n. 28, p.145-158, jan./jun. 2009. Disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/itinerarios/article/view/2146/1764. Acesso: jan. 2016.
http://seer.fclar.unesp.br/itinerarios/a...
é aquela feita a partir de uma tradução do original, sendo assim uma tradução em segundo grau, neste caso guiada pela exegese e tradução de Agamben; e uma tradução direta do original, a de Tadeu, que possibilita uma leitura outra, que se desprende da de Agamben. A nosso ver, então, esta não coincidência – um não-espelhamento – entre as traduções mostra-se de profícua importância para o estudo de Bartleby uma vez que não se prende a uma só visão tradutória. Ademais, permite que o leitor lance luz de uma à outra versão, criando, destarte, novos caminhos pelo exercício da tradução.

Bartleby entra assim pela re-tradução num movimento de redobra. Tal como o homônimo escrevente do conto melvilleano, a tradução esquiva-se, preferindo não [copiar e copiar-se].

  • 1
    Para tornar claras as referências vamos citar autonomamente o ensaio em italiano de Agamben como (AGAMBEN, 1993AGAMBEN, Giorgio. Bartleby o della contingenza. IN: AGAMBEN, Giorgio & DELEUZE, Gilles. Bartleby o della formula. Quodlibet: Macerata, 1993. p. 41-80.), sua tradução brasileira como (AGAMBEN, 2015AGAMBEN, Giorgio. Bartleby, ou da contingência. Tradução de Vinícius Honesko. IN IN: AGAMBEN, Giorgio; MELVILLE, Herman. Bartleby, ou da contingência – seguido de Bartleby, o escrevente. Tradução de: Vinícius Honesko e Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: editora Autêntica, 2015, p. 9-53. Tradução de: Bartleby o della contingenza.) e o conto de Melville em tradução como (MELVILLE, 2015______. Bartleby, o escrevente – Uma História de Wall Street. Tradução de Tomaz Tadeu. IN: AGAMBEN, Giorgio; MELVILLE, Herman. Bartleby, ou da contingência – seguido de Bartleby, o escrevente. Tradução de: Vinícius Honesko e Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: editora Autêntica, 2015. Tradução de: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street) e no original como (MELVILLE, 1856MELVILLE, Herman. Bartleby the scrivener: A Story of Wall Street. IN: MELVILLE, Herman. The Piazza Tales. New York: Dix & Edwards, 1856. p. 31-108.).
  • 2
    A saber: MELVILLE, Herman. Bartleby, o escrivão. Tradução de A. B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Record, 1982. Tradução de: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street
  • 3
    la surface du langage, y introduisant toutes sortes de différences de niveau et dépaysant assez nettement les langues pour les rendre toutes étrangères. (Tradução nossa)
  • 4
    pour que s’opère le recul du texte, le léger décalage qui indique que ce que nous lisons n’est pas exactement ce que nous devrions lire, et aussi cette métamorphose par laquelle nous sentons à travers notre langue habituelle s’ouvrir des interstices et des vides d’où il nous est loisible de surveiller l’approche extrêmement mystérieuse d’une autre langue, de nous tout à fait inconnue. (Tradução nossa)
  • ______. Bartleby, o escriturário. Tradução de Luís de Lima. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. Tradução de: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street
  • ______. Bartleby, o escrivão. Tradução de Irene Ruth Hirsch. São Paulo: Cosac & Naify, 2005. Tradução de: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street
  • ______. Bartleby, o escriturário. Tradução de Cássia Zanon. Porto Alegre: L&PM, 2008. Tradução de: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street
  • ______. Bartleby, o escrevente. Tradução de Bruno Gambarotto. São Paulo: Grua, 2014. Tradução de: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street
  • ______. Bartleby, o escrivão. Tradução de A. B. Pinheiro de Lemos. Prefácio de Jorge Luis Borges. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. Tradução de: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street
  • ______. Bartleby, o escrevente – Uma História de Wall Street. Tradução de Tomaz Tadeu. IN: AGAMBEN, Giorgio; MELVILLE, Herman. Bartleby, ou da contingência – seguido de Bartleby, o escrevente. Tradução de: Vinícius Honesko e Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: editora Autêntica, 2015. Tradução de: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street
  • Observemos que a edição que a editora José Olympio lançou em 2007 traz o mesmo texto daquela publicada pela Record em 1982, em tradução de A. B. Pinheiro de Lemos, com o prefácio de Jorge Luis Borges.

Referências

  • AGAMBEN, Giorgio. Bartleby o della contingenza IN: AGAMBEN, Giorgio & DELEUZE, Gilles. Bartleby o della formula. Quodlibet: Macerata, 1993. p. 41-80.
  • AGAMBEN, Giorgio. Bartleby, ou da contingência Tradução de Vinícius Honesko. IN IN: AGAMBEN, Giorgio; MELVILLE, Herman. Bartleby, ou da contingência – seguido de Bartleby, o escrevente. Tradução de: Vinícius Honesko e Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: editora Autêntica, 2015, p. 9-53. Tradução de: Bartleby o della contingenza
  • BLANCHOT, Maurice. La part du feu Paris: Gallimard, 1949.
  • FALEIROS, Álvaro. Da crítica da retradução poética. Itinerários, Araraquara, n. 28, p.145-158, jan./jun. 2009. Disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/itinerarios/article/view/2146/1764 Acesso: jan. 2016.
    » http://seer.fclar.unesp.br/itinerarios/article/view/2146/1764
  • MELVILLE, Herman. Bartleby the scrivener: A Story of Wall Street IN: MELVILLE, Herman. The Piazza Tales New York: Dix & Edwards, 1856. p. 31-108.
  • ______. Bartleby, o escrevente – Uma História de Wall Street Tradução de Tomaz Tadeu. IN: AGAMBEN, Giorgio; MELVILLE, Herman. Bartleby, ou da contingência – seguido de Bartleby, o escrevente. Tradução de: Vinícius Honesko e Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: editora Autêntica, 2015. Tradução de: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2016
  • Aceito
    22 Abr 2016
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